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Proc. nº 185/94
1ª Secção
Rel. Cons. Ribeiro Mendes
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. A. com sede em -----------, interpôs em 12 de
Dezembro de 1988, no Tribunal Tributário de 2ª Instância, recurso de anulação,
com fundamento em erro notório sobre os pressupostos de facto e de direito, de
um 'acórdão do Tribunal Técnico Aduaneiro de 1ª Instância publicitado em
Circular da Direcção-Geral das Alfândegas', que incidira sobre a classificação
pautal de 'motores de explosão com a cilindrada de 50 c.c. ou menos'. Invocou
que, embora a importação em torno da qual se havia suscitado o problema de
classificação pautal tivesse sido promovida por uma empresa concorrente, a
própria recorrente ficara vinculada a classificar os motores similares
condicionalmente, tendo de caucionar, por isso, as imposições pelas taxas mais
onerosas, nos termos do art. 223º do Contencioso Aduaneiro. Ainda na mesma data
pediu igualmente a suspensão de eficácia do acórdão do referido tribunal técnico
aduaneiro, através de requerimento autónomo entregue no mesmo Tribunal
Tributário de 2ª Instância.
A entidade administrativa recorrida respondeu ao
pedido de anulação, suscitando a questão da ilegitimidade processual da
recorrente, por entender que a doutrina do acórdão impugnado, constante de
circular interna, apenas vinculava os funcionários aduaneiros, nos termos do
art. 228º do Contencioso Aduaneiro. De facto, não tendo a empresa que suscitara
a questão interposto recurso hierárquico para a autoridade competente, havia-se
tornado definitivo o entendimento constante do acórdão recorrido, sendo
executório e insusceptível de impugnação por terceiros.
Nas subsequentes alegações e sobre a questão de
legitimidade, a sociedade recorrente afirmou que sistema jurídico algum podia
aceitar 'normas ou interpretações da lei, em que a negligência ou a mera falta
de vontade de prosseguir o litígio contra a Alfândega' pudesse reflectir-se na
esfera de terceiros, considerando que a posição do Presidente do Tribunal
Técnico-Aduaneiro de 1ª Instância violava 'à evidência' o art. 268º da
Constituição.
Através do acórdão de 7 de Abril de 1992, o
Tribunal Tributário de 2ª Instância decidiu rejeitar o recurso interposto com
fundamento em ilegitimidade da recorrente, considerando que o seu interesse não
era directo, por não ser parte da relação material controvertida (art. 26º, nºs
1 e 3, do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do art. 229º do
Contencioso Aduaneiro).
Inconformada, interpôs a sociedade recorrente
recurso jurisdicional deste acórdão para a 2ª Secção do Supremo Tribunal
Administrativo, suscitando na alegação a questão da inconstitucionalidade das
normas em que se suportara o acórdão recorrido, na interpretação perfilhada, por
violação do art. 268º da Constituição. O Ministério Público, por seu turno,
sustentou que o acto administrativo impugnado era irrecorrível, devendo o
recurso jurisdicional ser provido quanto à questão de ilegitimidade. A
recorrente contrariou este ponto de vista.
Através de acórdão de 2 de Fevereiro de 1994, a
2ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo negou provimento ao recurso. Após
negar que houvesse qualquer ordem lógica de conhecimento dos vícios de
ilegitimidade do recorrente e de irrecorribilidade do acto administrativo,
afirmou a 2ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo neste acórdão:
'A Rte. invoca o seu interesse directo e legítimo em recorrer, não por serem
seus os direitos processuais ou a relação material objecto do processo técnico
aduaneiro que culminou na decisão de que recorre contenciosamente, mas porque
esta atinge a sua esfera jurídica em função dos efeitos que lhe confere o Livro
II do Contencioso Aduaneiro então vigente (e revogado pelo art. 28º do DL
281/91.08.09).
Mas não é assim, como logo se depreende da letra do art. 228º do
CA, que restringe a obrigatoriedade da doutrina estabelecida pelos acórdãos dos
tribunais técnicos aos funcionários técnico-aduaneiros, «não só para os casos
sujeitos mas também para os idênticos, até que, por acórdão posterior ou
disposição legal, seja modificada».
Isto significa que as referidas decisões apenas se dirigem aos
órgãos e serviços da Administração Aduaneira, esgotando a sua eficácia nessa
organização administrativa, deixando intocadas as esferas jurídicas dos
particulares, como acontece nos regulamentos internos da Administração (cfr.
Esteves de Oliveira, Direito Administrativo, I, p. 124 e segs).
Tanto assim, que, em casos similares seus, a Rte continua a poder
invocar a ilegitimidade resultante da aplicação pelos serviços da doutrina
contida nas decisões dos tribunais técnicos, no sentido de obter a modificação
do doutrinado e recorrer contenciosamente das mesmas com tal fundamentação,
porquanto a elas não está vinculada, como estaria se, por exemplo, aquelas se
constituíssem em precedente obrigatório ou estivessem munidas de força
obrigatória geral.
Claro, que as referidas decisões terão relevo indirecto na ordem externa, que
poderão ser desfavoráveis aos interessados, como é a situação de obrigar aqueles
a prestar caução pelo maior direito delas resultante, como outras favoráveis,
como a de conferir aos interessados a faculdade de se prevalecerem delas quando
não aplicadas (invocando a ilegalidade dessa não aplicação ou violação do
princípio da igualdade de tratamento).
Mas esse efeito indirecto não traduz a posição em face da relação
material litigada que consolida a legitimidade, tal como decorre dos nºs do art.
26º do C.P. Civil.
Do que vai adiantado resulta que a interpretação dada à eficácia
das decisões dos tribunais aduaneiros não briga com garantia constitucional
(art. 268º/3 da CR, na versão de 1982) do recurso contra quaisquer actos
administrativos definitivos e executórios conferida aos respectivos
interessados, pois estes, os interessados directos, têm direito a recorrer
quando para tal logrem legitimidade.
Só que tal não acontece, in casu, com a Rte.' (a fls. 109 e vº)
De novo inconformada, veio a sociedade recorrente
interpor recurso deste acórdão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da
alínea b) do nº 1 do art. 70º da Lei do Tribunal Constitucional, 'em virtude de
os artigos 223º (221º e 222º) e, também, o art. 228º do Contencioso Aduaneiro
(DL 31664 de 22/11/41), na interpretação que lhes é conferida no acórdão,
materializarem a negação do direito de recurso de actos administrativos,
garantido pelo art. 268º, nº 4 da CRP' (a fls. 113 dos autos). Invocou que tinha
suscitado a questão de inconstitucionalidade nas alegações do recurso interposto
para o Supremo Tribunal Administrativo.
O recurso foi admitido por despacho de fls. 114
dos autos.
2. Subiram os autos ao Tribunal Constitucional.
Apenas apresentou alegações a A. recorrente, onde
formulou as seguintes conclusões:
'- Ao fazer aplicação das normas constantes dos arts. 221º e 223º do Contencioso
Aduaneiro obrigou a recorrente a garantir os maiores direitos incidentes sobre
determinados motores;
- Mas não propiciou a sua intervenção na fase graciosa do processo;
- Nem a continuidade deste quando um seu concorrente acatou a decisão ilegal das
Alfândegas sobre a classificação pautal daqueles motores;
- O Tribunal Tributário de 2ª Instância e o S.T.A. secundaram a tese da
Administração segundo a qual a recorrente carecia de legitimidade tanto para
prosseguir o processo na fase graciosa como para interpor recurso contencioso da
decisão que fixou a classificação pautal da mercadoria.
- O interesse da Recorrente é directo e individualizado e foi definitivamente
lesado por um acto administrativo.
- As decisões jurisdicionais já referidas estão em notório confronto com o art.
268º da CRP ao fazerem errada interpretação dos arts. 221º e 223º do CA.
- Devendo concluir-se pela inconstitucionalidade material daquelas normas,
porque criaram um quadro gerador de obrigações e deveres, sem a correspondente
contrapartida com a habilitação de meios de intervenção, graciosa ou
contenciosa, na defesa de interesses individualizados.' (a fls. 128-129 dos
autos)
Com as alegações juntou quatro documentos.
3. Foram corridos os vistos legais.
Importa começar por analisar se é possível
conhecer do objecto do recurso.
II
4. No requerimento de interposição de recurso, a
sociedade ora recorrente indicou como normas que constituíam objecto daquele os
arts. 223º e 228º, o primeiro com referência aos arts. 221º e 222º, do
Contencioso Aduaneiro (Decreto-Lei nº 31.664, de 22 de Novembro de 1941).
Estes artigos encontram-se no Livro II daquele
diploma, consagrado ao chamado Contencioso Técnico (arts. 209º a 255º). Todo
este Livro II acha-se revogado, a partir de 1991, por força do art. 28º, nº 1,
do Decreto-Lei nº 281/91, de 9 de Agosto, mas essa revogação não tem qualquer
influência no caso sub judicio, dado aquele estar em vigor à data da decisão
administrativa impugnada contenciosamente.
Dispõem esses artigos:
Art. 221º - 'As mercadorias sobre que tenha recaído qualquer processo técnico
poderão ser retiradas antes de haver resolução competente se os interessados
depositarem importância correspondente aos maiores direitos e, na hipótese de se
presumir responsabilidade fiscal, ainda a importância julgada suficiente para
garantir esta responsabilidade.
§ único - Nos processos em que alguma das partes considere a mercadoria omissa,
o interessado depositará quantia correspondente aos direitos que lhe sejam
arbitrados pelo director da alfândega ou prestará fiança aos mesmos direitos.'
Art. 222º - 'Quando haja de instaurar-se processo de divergência, poderá o dono
ou consignatário da mercadoria deixar de prestar garantia e pagar o maior
direito, ficando, neste caso, a mercadoria desalfandegada. § único - Sem embargo
do disposto no corpo deste artigo, o processo de divergência seguirá os seus
trâmites, sendo a decisão do tribunal aplicável apenas a futuros casos
idênticos, nos termos do artigo 228º'.
Art. 223º - 'De qualquer processo técnico que se tenha levantado será dado
imediato conhecimento em ordem de serviço, ficando as mercadorias idênticas, que
estejam ou venham a estar submetidas a despacho, sujeitas ao disposto nos
artigos 221º e 222º.
§ único - Para efeito deste artigo, a alfândega onde se tenha levantado o
processo técnico fará às outras alfândegas a competente comunicação.'
Art. 228º - 'A doutrina estabelecida pelos acórdãos dos tribunais técnicos, logo
que estes sejam executórios, é obrigatória em relação aos funcionários técnicos
- aduaneiros, não só para os casos sujeitos mas também para os idênticos, até
que, por acórdão posterior ou disposição legal, seja modificada'.
Cabe ver se alguns ou todos estes artigos
integram, de facto, o objecto do recurso e se o Tribunal Constitucional poderá
conhecer do mesmo. Adianta-se desde já, que a própria recorrente, nas suas
alegações, já não impugna a constitucionalidade do art. 228º do Contencioso
Aduaneiro, restringindo o objecto do recurso aos arts. 221º e 223º do diploma.
Para tal importa recordar brevemente os factos
apurados no processo sub judicio.
5. Do processo principal e dos autos apensos
retira-se o seguinte:
- Uma empresa concorrente, diversa da ora recorrente, a B., deduziu em 20 de
Agosto de 1986 contestação sobre a classificação pautal atribuída pela Alfândega
do Porto a certos motores por si importados da República Federal da Alemanha em
regime de aperfeiçoamento activo: ao passo que a importadora entendia atribuir
certa classificação pautal (84.06.160. A) a esses motores, considerando-os
'motores de explosão, de propulsão, de 50 CC ou menos de cilindrada para
velocípedes', o verificador e o reverificador aduaneiros consideraram que tais
motores se destinavam a veículos que não eram velocípedes, pelo que se trataria
de 'motociclos até 50 CC', devendo ser tributados por uma outra posição pautal
mais onerosa (84.06.160. B);
- Da existência desta contestação foi dado conhecimento às diferentes alfândegas
pela Alfândega do Porto, nos termos do art. 223º do Contencioso Aduaneiro, por
ordem de serviço (Série A/280/86);
- Através do acórdão nº 3625, proferido em 25 de Fevereiro de 1988, o tribunal
técnico de 1ª instância considerou que a contestação era improcedente, visto os
motores se destinarem a ser incorporados no fabrico de motocicletas, desprovidas
de pedais, pelo que não poderiam considerar-se velocípedes. Assim, entendeu que
a classificação pautal atribuída pela Alfândega do Porto era correcta;
- A empresa concorrente B. não interpôs recurso deste acórdão para o tribunal
técnico de 2ª instância, embora pudesse fazê-lo (arts. 241º e seguintes do
Contencioso Aduaneiro);
- Por anexo à Circular nº 426/88 da Direcção-Geral das Alfândegas, datada de 11
de Outubro de 1988, foi dado conhecimento aos serviços aduaneiros do teor do
acórdão nº 3625, nomeadamente para efeitos do art. 228º do Contencioso
Aduaneiro;
- A ora recorrente desalfandegou a mercadoria que importara ao abrigo do art.
221º do Contencioso Aduaneiro, não tendo autonomamente contestado a
classificação pautal mais gravosa;
- A ora recorrente pretendeu interpor recurso directo de anulação da decisão
administrativa contida no citado acórdão nº 3625, tendo igualmente interposto
recurso desse acórdão para o tribunal técnico de 2ª instância;
- Qualquer destes recursos veio a ser rejeitado por ilegitimidade da recorrente.
6. Ainda nesta fase preliminar, importa chamar a
atenção para que o presente processo é um processo de contencioso administrativo
respeitante a uma decisão administrativa em matéria aduaneira, proferida por um
órgão do chamado contencioso técnico-aduaneiro.
De facto, não obstante a designação de 'tribunais
técnicos', os órgãos de contencioso técnico-aduaneiro eram encarados pela
legislação aduaneira como órgãos administrativos e não como órgãos
jurisdicionais, funcionando junto da Direcção-Geral das Alfândegas (arts. 185º a
190º, 291º a 296º, 327º, 329º, 331º, 352º, 355º, 414º a 417º, 424º e 425º da
Reforma Aduaneira, aprovada pelo Decreto-Lei nº 46311, de 27 de Abril de 1965).
Mas a organização do respectivo processo, constante do Livro II do Contencioso
Aduaneiro, achava-se claramente inspirada pela lei processual fiscal (cfr. arts.
229º e seguintes).
No presente processo, a ora recorrente interpôs
um recurso directo de anulação de uma decisão administrativa de última instância
de um tribunal do contencioso técnico aduaneiro no Tribunal Tributário de 2ª
Instância, considerando implicitamente este último competente ao abrigo das
alíneas b) ou c) do nº 1 do art. 42º do ETAF (Estatuto dos Tribunais
Administrativos e Fiscais, Decreto-Lei nº 129/84, de 27 de Abril, ratificado com
alterações pela Lei nº 4/86, de 21 de Março; nas alegações do recurso de
constitucionalidade, a recorrente afirmou que o recurso contencioso fora
interposto para tribunal competente nos termos da alínea a) do nº 1 daquele art.
42º do ETAF, mas a referência à alínea deve estar afectada de lapso).
Dos elementos dos autos não se colhem dados que
permitam afirmar que a ora recorrente tenha já impugnado por recurso o acto de
liquidação dos direitos aduaneiros nos tribunais fiscais aduaneiros (cfr. art.
68º, nº 1, alínea a), do ETAF), limitando-se aquela a alegar que, em 23 de
Novembro de 1988, 'o seu despachante foi notificado para auto-liquidar as
imposições devidas em conformidade com o dito «acórdão», através de um
averbamento na D.I. nº 1029.1' (nº 5 da petição de recurso de anulação, a fls. 2
vº dos autos principais), dando a entender que a liquidação definitiva ainda não
foi feita, seguramente por estar pendente da decisão definitiva deste processo.
Por outro lado, a recorrente impugnou,
paralelamente, a decisão do tribunal técnico de 1ª instância, por recurso
interposto ao abrigo do art. 241º do Contencioso Aduaneiro, mas esse recurso não
foi admitido, com fundamento em ilegitimidade da recorrente, por acto do
presidente daquele tribunal. Interposto recurso de anulação desse acto
administrativo, veio o mesmo a ser rejeitado, por se julgar procedente a
excepção de incompetência do Tribunal Tributário de 2ª Instância (acórdão de 15
de Dezembro de 1992, cópia a fls. 139 a 141 dos autos).
7. Situado o presente recurso na complexa trama
processual descrita atrás, logo se há-de concluir que as normas indicadas como
integrando o objecto do recurso não foram efectivamente aplicadas pelo acórdão
recorrido, o que implica que o Tribunal Constitucional não possa conhecer do
recurso.
Na verdade, o art. 228º do Contencioso Aduaneiro
não foi já impugnado nas alegações da recorrente e não foi aplicado pelo acórdão
recorrido, o qual se recusou a decidir se a doutrina geral do acórdão nº 3625
constituía um acto administrativo recorrível (na declaração de voto de um dos
juízes no acórdão do Tribunal Tributário de 2ª Instância afirmava-se que o acto
administrativo impugnado era contenciosamente irrecorrível, mas esse
entendimento não foi perfilhado pelas maiorias que fizeram vencimento naquela
segunda instância e na 2ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo).
Também não se pode dizer que o art. 223º do
Contencioso Aduaneiro (e o art. 221º do mesmo, por remissão daquele) haja sido
aplicado pela decisão recorrida. De facto, por um lado, a imposição só veio a
ser exigida à ora recorrente após o momento em que o acórdão do tribunal técnico
de primeira instância se tornou executório, conforme alega a própria recorrente
(a imposição adicional terá sido exigida em 23 de Novembro de 1988, após a
emissão da Circular nº 426/88, de 11 de Outubro). A decisão recorrida
limitou-se, por outro lado, a reconhecer, incidentalmente, que os acórdãos dos
tribunais técnicos tinham mero 'relevo indirecto na ordem externa, que poderão
ser desfavoráveis aos interessados, como é a situação de obrigar aqueles a
prestar caução pelo maior direito deles resultante, como outras favoráveis, como
a de conferir aos interessados a faculdade de se prevalecerem delas quando não
aplicadas [...]'. Esta afirmação, porém, constitui um mero complemento já que o
acórdão adopta como ratio decidendi para rejeitar o recurso a ilegitimidade do
recorrente, por considerar que a recorrente teria de ser directamente afectada
pela decisão administrativa, o que implicava que fosse parte da relação material
controvertida.
Verdadeiramente, as únicas normas aplicadas no
acórdão recorrido do Supremo Tribunal Administrativo foram as normas do art. 26º
do Código de Processo Civil que estabelecem os requisitos da legitimidade para a
acção e que, no entender desse acórdão, são aplicáveis subsidiariamente no
contencioso administrativo para delimitar a legitimidade do recorrente.
Transcreve-se, uma vez mais, a parte final da fundamentação do acórdão
recorrido:
'Mas esse efeito indirecto [da decisão executória do tribunal técnico de
primeira instância - acórdão nº 3625] não traduz a posição em face da relação
material litigada que consolida a legitimidade, tal como decorre dos nºs do art.
26º do CP Civil.
Do que vai adiantado resulta que a interpretação dada à eficácia
das decisões dos tribunais aduaneiros não briga com garantia constitucional
(art. 268º/3 da CR, na versão de 1982) do recurso contra quaisquer actos
administrativos e executórios conferida aos respectivos interessados, pois
estes, os interessados directos, têm direito a recorrer quando para tal logrem
legitimidade.
Só que tal não acontece, in casu, com a Rte.' (fls. 109 vº)
Anteriormente, neste acórdão, afirmara-se já que
a decisão executória do tribunal técnico vinculava apenas a Administração
Aduaneira, valendo como doutrina administrativa interna. A recorrente poderá
impugnar a liquidação definitiva dos direitos aduaneiros que lhe vierem a ser
aplicados, nos termos gerais. Mas não poderia discutir a bondade de decisão do
tribunal técnico, proferida face a controvérsia suscitada entre um terceiro e a
Administração Aduaneira.
Ora, apesar de, no recurso jurisdicional
interposto do acórdão do Tribunal Tributário de 2ª Instância, a recorrente ter
mantido que tinha legitimidade para o recurso por ser directamente afectada pela
doutrina fixada no acórdão do tribunal técnico de primeira instância, a verdade
é que não suscitou a questão de inconstitucionalidade dos arts. 680º, nº 2, e
26º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil, na interpretação acolhida nesse
aresto, limitando-se a afirmar que as normas do contencioso aduaneiro por si
invocadas ofendiam, na interpretação delas acolhida, o art. 268º, nº 4, da
Constituição.
Ora, apenas o art. 26º, nºs 1 e 3, do Código de
Processo Civil veio a ser aplicado na decisão do S.T.A. sub judicio.
E essa norma não integra o objecto do presente
recurso, como se demonstrou, pelo que falta um dos pressupostos do recurso
previsto na alínea b) do nº 1 do art. 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
III
8. Termos em que decide o Tribunal Constitucional
não conhecer do objecto do presente recurso.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de
justiça em sete(7) unidades de conta.
Lisboa, 19 de Dezembro de 1995
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Dinis
Maria Fernanda Palma
Maria da Assunção Esteves
Alberto Tavares da Costa
Vítor Nunes de Almeida
José Manuel Cardoso da Costa