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Proc.Nº 398/93
Sec. 1ª
Rel. Cons. Vitor Nunes de Almeida
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - RELATÓRIO:
1. - A firma A veio impugnar perante o Tribunal Fiscal Aduaneiro o acto de liquidação da declaração de importação nº 46 192, de 8 de Julho de 1986, da Delegação Aduaneira de Alverca, pela qual importou uma partida de rama acrílica, em relação à qual não eram devidos direitos face ao Decreto-Lei nº 72/86, de 9 de Abril, mas pela qual lhe foi exigida a garantia de direitos de importação, à taxa de 13,5%, vigente antes de 3 de Janeiro de 1986.
Com efeito, fora entretanto publicado o Decreto-Lei nº
308/86, de 23 de Setembro, pelo qual se pretendia 'corrigir alguns lapsos e gralhas do Decreto-Lei nº 72/86', mas que de facto veio reintroduzir direitos alfandegários anteriormente suprimidos, direitos estes que, mesmo que de mera rectificação se tratasse, não poderiam prejudicar direitos adquiridos ao abrigo do Decreto-Lei nº 72/86, pelo que a recorrente entende não dever quaisquer direitos.
A recorrente manteve nas respectivas alegações esta posição e a entidade recorrida também alegou na defesa do despacho que exigiu os direitos de importação em causa, no entendimento de que a aplicação retroactiva do Decreto-Lei nº 308/86 está conforme com o artigo 6º do Decreto-Lei nº 72/86. Mais refere que o Serviço Aduaneiro agiu em conformidade com o preceituado nos artigos 46º, alínea b) e 48º do Decreto-Lei nº 507/85, de 31 de Dezembro.
2. - Por decisão de 14 de Dezembro de 1989, o Tribunal Fiscal Aduaneiro de Lisboa julgou improcedente o recurso por não considerar verificados nenhum dos vícios alegados pela recorrente.
Desta sentença interpôs a recorrente recurso para a 2ª instância do Tribunal Tributário pretendendo a revogação da decisão de 1ª instância.
O relator na 2ª instância exarou um despacho pelo qual declarou extinta a instância de recurso por deserção (alegações apresentadas após o prazo), nos termos do artigo 9º, nº 1, alínea f), da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos e Fiscais - LPTA (Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho), aplicável ex vi do artigo 2º, alínea b), do Código de Processo Tributário e ainda do artigo 176º, nº 2, também deste Código.
O representante do Ministério Público junto da 2ª instância reclamou para a conferência para ver revogado o despacho que julgou deserto o recurso.
A firma recorrente apresentou idêntica reclamação.
Estas reclamações para a conferência vieram a ser liminarmente indeferidas pelo relator, por entender que as mesmas não respeitam as exigências decorrentes do artigo 700º, nº 3, do Código de Processo Civil.
Sobre este despacho de indeferimento foram apresentadas novas reclamações para a conferência quer por parte do Ministério Público quer por parte da recorrente.
3. - Submetida a questão à conferência, o Tribunal não se limitou a decidir a questão da admissibilidade do recurso como também afastou a questão da incompetência do Tribunal Tributário de 2ª instância para conhecer de recurso jurisdicional, por versar apenas matéria de direito.
Afastadas estas questões pelo acórdão, decidiu este apreciar a questão da inconstitucionalidade do artigo 6º do Decreto-Lei nº
308/86, no segmento que mandou aplicar retroactivamente o artigo 4º do mesmo diploma.
E decidindo, o acórdão de 30 de Novembro de 1992 veio a adoptar uma fundamentação já expendida no Acórdão nº 409/89 deste Tribunal (in
'Acórdãos do Tribunal Constitucional', 13º V.pg. 1169) que concluiu pela inconstitucionalidade do segmento normativo em causa por violação do princípio da confiança ínsito da ideia de Estado de Direito democrático, recusando assim a aplicação da norma do artigo 6º do Decreto-Lei nº 308/86, de 23 de Setembro, enquanto mandou aplicar retroactivamente o artigo 4º do mesmo diploma, na parte em que se refere ao artigo pautal 56.04.150.000A, revogando assim a decisão recorrida.
É desta decisão que vem interposto o presente recurso de constitucionalidade pelo Ministério Público, por imposição do nº 3 do artigo
280º da Constituição da República Portuguesa (CRP), face à recusa de aplicação da norma referida com fundamento na sua inconstitucionalidade.
4. - Neste Tribunal o Procurador-Geral adjunto apresentou alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:
'1º - O segmento da norma do artigo 6º do Decreto-Lei nº 308/86, de 23 de Setembro, que manda aplicar retroactivamente o artigo 4º do mesmo diploma, na parte em que se refere ao artigo pautal 'rama acrílica proveniente da CEE', classificada pelo código pautal 56.04.150.A, é inconstitucional, por tal retroactividade violar a princípio da confiança, ínsito na ideia do Estado de direito democrático, afirmada no artigo 2º da Constituição.
2º - Termos em que deverá, nesta parte, confirmar-se a decisão recorrida.'
Pelo seu lado, a entidade recorrida veio alegar e aí formulou as seguintes conclusões:
'1º O artigo 6º do D.L. 308/86, de 23 de Setembro, e mais concretamente o segmento da norma que manda aplicar retroactivamente o artigo 4º do mesmo diploma, na parte em que se refere à mercadoria classificada pelo artigo pautal
56.04.150, não viola o princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2º da Constituição, pois não afectou quaisquer expectativas legítimas dos agentes económicos nem a sua confiança.
2º Não viola a alínea b) do artigo 28º da Lei nº 9/86 e, consequentemente, a alínea i) do nº 1 do artigo 168º da Constituição;
3º O D.L. 308/86, de 23 de Setembro, não viola o artigo 2º, nem o nº 2 do artigo 18º nem a alínea b) do nº 1 do artigo 201º, também da Constituição, pois não está ferido de qualquer vício de desvio do poder legislativo;
4º Decidindo o contrário, o douto acórdão «a quo» violou todos os mencionados preceitos constitucionais, a alínea b) do artigo 28º da Lei nº 9/86 e o artigo
6º do D.L. 308/86, de 23 de Setembro;
5º Deve, consequentemente, ser revogado, com todas as legais consequências.'
Também a firma A, enquanto recorrida apresentou as pertinentes contra-alegações e nelas formulou as seguintes conclusões:
'a) O artigo 6º do D.L. 308/86, de 23/09, viola os princípios da legalidade democrática e do Estado de Direito e do princípio da confiança do contribuinte
(artigos 2º e 9º al.b) e preâmbulo da CRP).
b) As leis fiscais são por natureza irretroactivas, apenas se admitindo que o não sejam em situações de grave perturbação financeira susceptível de pôr em causa o interesse público.
c) Em 1986, as contas públicas mostravam-se equilibradas nada justificando a derrogação do princípio da não retroactividade da lei fiscal.'
Corridos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II - FUNDAMENTOS:
5. - Importa, antes de mais, definir os fundamentos do recurso de que se irá conhecer.
É que, embora na decisão recorrida se tenha tratado também da questão da inconstitucionalidade orgânica da norma do artigo 6º do Decreto-Lei nº 308/86, o certo é que o Ministério Público no requerimento de interposição do presente recurso restringe o seu âmbito à apreciação da inconstitucionalidade material do segmento da norma do artigo 6º daquele diploma, enquanto manda aplicar retroactivamente o artigo 4º do mesmo diploma, na parte em que este se refere ao artigo pautal 56.04.150.A, por violação dos artigos 2º, 18º, nº 2 e 201º, nº 1, alínea b), da Constituição.
Todavia, o Tribunal não está, nesta matéria, limitado pelo princípio do pedido. Com efeito, de acordo com o preceituado no artigo
79º-C da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro. alterada pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro - LTC (Lei do Tribunal Constitucional), 'o Tribunal só pode julgar inconstitucional ou ilegal a norma que a decisão recorrida, conforme os casos, tenha aplicado ou a que haja recusado aplicação, mas pode fazê-lo com fundamento na violação de normas ou princípios constitucionais ou legais diversos daqueles cuja violação foi invocada'.
Assim, irá conhecer-se das diversas questões de constitucionalidade suscitadas.
6. - A decisão recorrida considerou o artigo 6º do Decreto-Lei nº 308/86 organicamente inconstitucional por entender que o referido diploma, ao mandar aplicar retroactivamente os seus anexos B e C a que se refere o artigo 4º, ultrapassou os 'limites materiais' da lei de autorização, excedendo o 'objecto' da autorização.
Vejamos.
De acordo com o preceituado no artigo 168º, nº 2 da Constituição, 'as leis de autorização legislativa devem definir o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização, a qual pode ser prorrogada'. Por outro lado, o nº 3 do preceito determina que 'as autorizações legislativas não podem ser utilizadas mais de uma vez, sem prejuízo da sua execução parcelada', estabelecendo finalmente o nº 5 que 'as autorizações concedidas ao Governo na Lei do Orçamento observam o disposto no presente artigo e, quando incidam sobre matéria fiscal só caducam no termo do ano económico a que respeitam'.
No caso dos autos, a autorização legislativa consta da Lei nº 9/86, de 30 de Abril, que aprovou o Orçamento do Estado para 1986 e incide sobre matéria fiscal (regime aduaneiro).
Assim, a autorização concedida tinha a duração do ano económico, pois só no seu termo caducaria, pois recaía sobre matéria fiscal. Vejamos, agora a questão do objecto, sentido e extensão de tal autorização.
A norma autorizadora é o artigo 28º da Lei nº 9/86 e tem o seguinte teor:
'b) Alterar a pauta dos direitos de importação com vista à sua adaptação às normas do Tratado de Adesão às Comunidades'.
Face a esta norma autorizadora, o objecto da autorização parece claro: alterar a pauta dos direitos de importação. O sentido da autorização é o de que tal alteração tem em vista a sua adaptação às normas do Tratado de Adesão às Comunidades, sendo a extensão não só o conjunto dos direitos de importação, mas também as normas que os balizam no Tratado das Comunidades.
Entendeu-se na decisão recorrida que não tendo a Assembleia autorizado o Governo a dar retroactividade aos direitos que criasse, ocorreria desrespeito de tal autorização.
A criação de impostos é, sem dúvida, uma matéria da reserva de competência da Assembleia da República (cf.artigo 168º, nº1, alínea i)), só podendo o Governo legislar em tal matéria se devidamente autorizado pela Assembleia. Nesta autorização, a Assembleia pode, com efeito, decidir fazer constar da lei de autorização todos os pormenores do diploma a editar.
A autorização não deixa, porém, de ser válida se contiver os elementos mínimos constantes do nº 2 do artigo 168ª da CRP.
No caso, a lei de autorização definiu com suficiente clareza quer o objecto quer o sentido e a extensão do diploma a editar, ainda que sem pormenorizar. A questão do início de vigência do diploma não é, necessariamente, matéria da Lei de autorização, ainda que esta possa fazer constar, se assim o entender, do texto da lei de delegação o regime de aplicação no tempo da lei delegada.
Concluindo-se que, no caso dos autos, se acha preenchido o grau constitucional exigível dos requisitos previstos na norma do nº 2 do artigo 168º da Constituição, improcede a conclusão da decisão recorrida no sentido da inconstitucionalidade orgânica da norma do artigo 6º do Decreto-Lei nº 308/86.
7. - Também não se vê como possa proceder a acusação de
'desvio de poder legislativo' feito no acórdão em recurso, com base no facto de o Governo ter utilizado a Lei de autorização em questão para corrigir lapsos e gralhas do Decreto-Lei nº 72/86.
Parece aqui evidente, como faz ressaltar o Procurador-Geral adjunto nas suas alegações, que 'a lei de delegação que permite o mais há-de permitir o menos', pelo que estando o Governo na posse de uma autorização que lhe permitia alterar os direitos de importação estabelecendo um regime novo que melhor os adaptasse às normas comunitárias não se vê por que razão não poderia corrigir erros ou lapsos materiais que afectassem o Decreto-Lei nº 72/86, a menos que tal correcção viesse a obstacular à finalidade de adaptação dos normas ao Tratado de Adesão às Comunidades.
Improcede, por isso, também a questão que na decisão vem referida como 'desvio do poder legislativo'.
8. - Importa, por último, analisar a questão da inconstitucionalidade material da norma do artigo 6º do Decreto-Lei nº 308/86, de 23 de Setembro, no segmento que manda aplicar retroactivamente o artigo 4º do mesmo diploma, na parte respeitante ao artigo pautal 56.04.150.000A.
Esta questão resulta do facto de que, estando a importação da mercadoria sujeita ao pagamento de direitos, a data relevante para a determinação da taxa e do regime pautal é a data da numeração do bilhete de despacho de importação. No caso dos autos, a data relevante era a de 8 de Julho de 1986, em que estava em vigor o Decreto-Lei nº 72/86, de 9 de Abril, que isentava do pagamento de direitos aduaneiros a importação de rama acrílica - mercadoria em causa no processo.
Através do Decreto-Lei nº 308/86 que alterou as taxas dos direitos de importação, esta mercadoria passou a estar sujeita a direitos de importação. Com efeito, o artigo 6º determinou que 'o disposto nos artigos 1º a
4º retroage a 1 de Março de 1986', sendo que no artigo 4º se estabeleceu que o anexo III e o nº 2 do anexo IV do Decreto-Lei nº 72/86 são substituídos pelos anexos B e C do Decreto-Lei nº 308/86. E no anexo B, o artigo pautal 56.04.150 deixou de estar isento de direitos de importação, retroagindo esta perda de isenção à data de 1 de Março de 1986.
Segundo a decisão recorrida, a aplicação retroactiva da norma do artigo 6º do Decreto-Lei nº 308/86, viola o princípio da confiança
ínsito na ideia do Estado de direito democrático.
A questão da irretroactividade dos impostos não é nova no Tribunal Constitucional. Sobre esta matéria foram proferidos pelo Tribunal vários acórdãos (nºs 11/83, 66/84, 141/85 e 67/91 - estes no sentido da não inconstitucionalidade - e publicados, respectivamente, nos 'Acórdãos do Tribunal Constitucional',1ºV.,pg.11;4ºV.,pg,35; 6ºV.,39 e 'Diário da República', IIª Série, de 6 de Julho de 1991) e os Acórdãos nºs 408/89 e 216/90 - estes no sentido da inconstitucionalidade - publicados nos 'Acórdãos do Tribunal Constitucional', 13º e 16º Vs, pg.1169 e 615, respectivamente.
O princípio da não retroactividade dos impostos não está directamente consagrado na nossa Lei Fundamental nem resulta indirectamente da proibição das leis restritivas de direitos, liberdade e garantias nem do princípio da legalidade fiscal. O Tribunal tem considerado que a retroactividade das leis fiscais não afronta a Constituição 'sempre que, razões de interesse geral a reclamem e o encargo para o contribuinte não seja desproporcionado, o que acontecerá se esse encargo aparecer aos olhos dos destinatários como verosímil ou mesmo como provável' (vide José Casalta Nabais, 'Imposto, Sistema Fiscal e Direito Fiscal', in 'Estudos sobre a Jurisprudência do Tribunal Constitucional', pg.278).
No Acórdão nº 408/89 o Tribunal julgou inconstitucional, por violação do princípio da confiança ínsito na ideia de Estado de direito democrático, o artigo 6º do Decreto-lei nº 308/86, de 23 de Setembro, ou seja, exactamente a mesma norma que vem questionada nos presentes autos, em processo em tudo idêntico ao destes autos, apenas se alterando o artigo pautal. Assim, o que nesse acórdão se escreveu tem plena validade para o caso em apreço.
Por isso, passa-se a transcrever a parte da fundamentação do referido acórdão que trata da questão de constitucionalidade e que é inteiramente transponível para o presente processo.
Aí se escreveu:
'O problema que se põe é o da legitimidade constitucional da retroactividade das leis fiscais ou, mais precisamente, das 'normas de tributação', problema já analisado pela Comissão Constitucional e também por este Tribunal nos Acórdãos nºs 11/83, de 12 de Outubro (no Diário da República, I Série, de 20 de Outubro de 1983, e nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 1º volume, 1983, pág. 11),
66/84, de 3 de Julho (no Diário da República, II Série, de 9 de Agosto de 1984, e nos citados Acórdãos, 4º volume, 1984, pág. 49) e 141/85, de 25 de Julho (no Diário da República, II Série, de 29 de Agosto de 1985).
Para só citar o critério definido pela Comissão Constitucional em matéria de legitimidade constitucional da retroactividade das leis em geral, e não apenas no domínio da retroactividade das leis fiscais - exceptuadas, é claro, as leis criminais e, depois da revisão operada pela Lei Constitucional nº 1/82, de 30 de Setembro, também as leis restritivas de direitos, liberdades e garantias
(artigos 29º, nºs 1 a 4, e 18º, nº 3, da Constituição, respectivamente) -, dir-se-á que, não havendo embora na actual Constituição uma proibição de 'normas de tributação' retroactivas, 'o que o legislador não poderá nunca é impor a retroactividade em termos que choquem a consciência jurídica e frustrem as expectativas fundadas dos contribuintes, cuja defesa constitui um dos princípios do Estado de direito social' (parecer nº 25/81, de 28 de Julho), ou, por outras palavras, que a retroactividade das leis fiscais será constitucionalmente legítima quando semelhante retroactividade não for 'arbitrária' ou 'opressiva' e não envolver, assim, uma 'violação demasiado acentuada' do princípio da confiança do contribuinte (parecer nº 14/82, de 22 de Abril), ou ainda, de outro modo, que 'a retroactividade tributária terá o beneplácito constitucional sempre que razões de interesse geral a reclamem e o encargo para o contribuinte se não mostrar desproporcionado - e mais ainda o terá se tal encargo aparecer aos olhos do contribuinte como verosímil ou mesmo como provável' (citado parecer nº
14/82).
Ora, aplicando o critério ao caso dos autos, afigura-se que a conclusão só poderá ser a da inconstitucionalidade da norma em questão, tal como ficou delimitada, por violação do princípio da confiança ínsito na ideia do Estado de direito democrático (artigo 2º da Constituição).'
9. - No caso dos autos, a conclusão não pode deixar de ser a mesma. De facto, tendo a firma recorrida procedido à importação de uma mercadoria que, no momento próprio para o cálculo dos direitos alfandegários estes não eram devidos, veio a ser tributada em outros direitos postos em vigor por uma lei vários meses posterior ao acto de importação, à qual foi atribuído efeito retroactivo. Não podendo a firma ora recorrida contar com tal procedimento do legislador, a exigência de direitos de importação por um acto de desalfandegamento efectuado num momento em que nenhuns direitos eram exigíveis, por força de uma lei posterior ao acto de importação é um comportamento que viola o princípio da confiança ínsito na ideia de Estado de direito democrático, na medida em que afectou por forma excessivamente gravosa as legítimas expectativas da firma importadora, que não devia pagar nenhuns direitos pela lei em vigor à data relevante para o seu cálculo.
Deve, assim, a norma do artigo 6º do Decreto-Lei nº
308/86, de 23 de Setembro, na medida em que mandou aplicar retroactivamente o artigo 4º do mesmo diploma, relativamente ao artigo pautal 56.04.150.000A (rama acrílica proveniente da CEE) ser julgada inconstitucional por violar o artigo 2º da Constituição da República.
III - DECISÃO:
10. - Face ao que fica exposto, decide-se julgar inconstitucional a norma do artigo 6º do Decreto-Lei nº 308/86, de 23 de Setembro, enquanto manda aplicar retroactivamente o artigo 4º do mesmo diploma legal, na parte em que este se refere ao artigo pautal 56.04.150.000A, do anexo B daquele decreto, e, em consequência, nega-se provimento ao recurso.
Lisboa, 17 de Janeiro de 1996 Vitor Nunes de Almeida Armindo Ribeiro Mendes Antero Alves Monteiro Diniz Maria da Assunção Esteves Maria Fernanda Palma (dispensei o visto) José Manuel Cardoso da Costa