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Processo: n.º 49/91.
1ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Nunes de Almeida.
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I — Relatório
1 — A. e B. interpuseram, perante o Supremo Tribunal Administrativo, recurso
contencioso de anulação do acto administrativo contido no Despacho Normativo n.º
71/88 do Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças, publicado no Diário da
República, I Série, de 18 de Agosto de 1988, que, ao abrigo do disposto no
artigo 14.º da Lei n.º 80/77, de 26 de Outubro, fixou os valores definitivos
para as indemnizações dos titulares de acções de empresas nacionalizadas, no
caso, na parte em que fixou os valores respeitantes às acções do Banco C.,
empresa de que os recorrentes eram accionistas.
Aquele Tribunal, por acórdão da 1.ª Secção de 27 de Setembro de 1990, concedeu
provimento ao recurso, declarando nulo o acto impugnado, devido a ter recusado a
aplicação do artigo 14.º da Lei n.º 80/77, na redacção do Decreto-Lei n.º
343/80, de 2 de Setembro, com fundamento na inconstitucionalidade desta norma.
2 — Deste acórdão interpôs o Ministério Público recurso obrigatório para o
Tribunal Constitucional.
Com as suas alegações, o Ministério Público formulou as seguintes conclusões:
1.º Não é inconstitucional, designadamente por violação do artigo 205.º, n.os
1 e 2, da Constituição (versão de 1989), a norma constante do artigo 14.º da Lei
n.º 80/77, de 26 de Outubro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º
343/80, de 2 de Setembro;
2.º Deve, assim, conceder-se provimento ao presente recurso, determinando-se a
reformulação da decisão recorrida, na parte impugnada, em conformidade com o
precedente juízo de não inconstitucionalidade.
Pelo seu lado, os recorridos particulares também alegaram, tendo concluído da
seguinte forma:
a) O que está fundamentalmente em causa é o problema de delimitação da
função jurisdicional e da função administrativa, problema que não se confunde
com o da garantia constitucional de acesso aos tribunais.
b) Está em causa a violação do artigo 205.º e não a do artigo 268.º,
n.º 4, da Constituição.
c) Nos termos desse artigo 25.º, cabe essencialmente à função
jurisdicional a composição de conflitos de interesses com o fim de realizar, por
meio de órgãos imparciais e independentes, o direito ou a justiça. Cabe-lhe,
pois, necessariamente, a determinação da «justa indemnização» devida pelas
expropriações ou nacionalizações.
d) No exercício da função administrativa, poderá a Administração
decretar a nacionalização dos bens e estabelecer os «critérios» para a
determinação da indemnização devida. Mas esses critérios não podem obstar a que
o Tribunal fixe o valor da indemnização, pois só os Tribunais, administrando a
justiça, podem ajustar essa indemnização.
e) Constitui usurpação do poder a prática por um órgão administrativo
de acto incluído na esfera da competência dos Tribunais.
f) A possibilidade de recurso contencioso «à posteriori», se satisfaz o
artigo 268.º, n.º 4, da Constituição não sana a inconstitucionalidade que vicia
o acto praticado pela Administração que dirime um conflito de interesses
pretendendo aplicar uma justa indemnização, acto este que só os Tribunais, como
órgãos independentes, poderiam praticar, nos termos do artigo 25.º da
Constituição.
g) Aliás, no caso concreto, não existiu qualquer possibilidade de
discutir o quantitativo, a «justeza» da indemnização fixada unilateralmente pelo
despacho ministerial. A decisão da Comissão Arbitral não é válida pois carece
de despacho ministerial homologatório. E os recursos contenciosos dos despachos
ministeriais não são de plena jurisdição mas de simples anulação.
h) Os Acórdãos do Tribunal Constitucional que o Recorrente invoca como
único fundamento do recurso não contemplam, na perspectiva que interessa agora,
o problema da inconstitucionalidade do artigo 14.º da Lei n.º 80/77 em virtude
de usurpação do poder. E em nada contrariam o Acórdão recorrido que encontra
franco apoio na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo funcionando em
Pleno e, até, numa Resolução do Conselho da Revolução.
i) O despacho ministerial recorrido, além da inconstitucionalidade do
artigo 14.º, está viciado por outras inconstitucionalidades ainda mais
flagrantes, se possível.
j) Conclui-se como no Parecer junto, que o artigo 14.º da Lei n.º 80/77
está viciado de «usurpação do poder» e viola o artigo 205.º da Constituição.
Nestes termos: Deve ser negado provimento ao recurso como é de
JUSTIÇA!
Com as alegações, os recorridos juntaram um parecer jurídico.
A autoridade recorrida e autora do acto impugnado, veio, também produzir
alegações, tendo concluído as mesmas pela forma seguinte:
O artigo 14.º da Lei n.º 80/72, de 26 de Outubro, com a redacção que lhe foi
conferida pelo Decreto-Lei n.º 343/80, de 2 de Setembro não viola o disposto nos
n.os 1 e 2 do artigo 205.º da Constituição (Revisão de 1989), porque a fixação
da indemnização inclui-se ainda no exercício da função administrativa do Estado,
que realiza, por esta forma, um dos interesses públicos ligados ao acto de
nacionalização — garantir a paz social pela salvaguarda do direito fundamental
do cidadão à imediata atribuição de um sucedâneo, quando despojado,
legitimamente e no interesse público, do seu direito de propriedade.
Os recorridos particulares vieram, depois, juntar a fotocópia de um «Diário da
República», com um despacho normativo fixando um novo valor às acções em causa e
fotocópia de parte de um outro parecer jurídico.
3 — Enquanto decorriam os vistos, os recorridos particulares vieram requerer a
suspensão da instância até ser decidido um processo de fiscalização abstracta
sucessiva de constitucionalidade, que abrangia também a norma questionada nos
presentes autos.
Proferido despacho pelo relator no sentido do deferimento da requerida
suspensão, o Ministério Público reclamou para a conferência quanto a tal
despacho.
A questão veio a ser resolvida pelo Acórdão deste Tribunal, n.º 259/92, de 13 de
Julho de 1992, que decretou a suspensão da instância até ser decidido o processo
n.º 417/91 de fiscalização abstracta sucessiva.
Este processo veio a ser decidido através do Acórdão n.º 452/95, de 6 de Julho,
que apenas foi publicado no «Diário da República», II Série, n.º 269, de 21 de
Novembro de 1995.
Com esta publicação, cessa a suspensão da instância, pelo que se passa a
conhecer do mérito da questão, corridos que foram os respectivos vistos.
II — Fundamentos
4 — A questão trazida à apreciação deste Tribunal não pode dizer-se que seja
nova.
Desde logo, em sede de fiscalização abstracta sucessiva, o Acórdão n.º 39/88, de
9 de Fevereiro de 1988, publicado no Diário da República, I Série, de 3 de Março
de 1988, debruçou-se sobre alguns pontos do regime jurídico das indemnizações
por nacionalização, concretamente sobre o artigo 16.º da Lei n.º 80/77 na
redacção do Decreto-Lei n.º 343/80, tendo aí o Tribunal entendido que não
ocorria violação da garantia do recurso contencioso quanto à possibilidade de
litígios relativos à titularidade do direito à indemnização, sua fixação,
liquidação e efectivação serem resolvidos por comissões arbitrais cujas decisões
carecem de homologação ministerial, susceptível de recurso para o Supremo
Tribunal Administrativo.
E a orientação que este último Supremo Tribunal veio sustentando, no sentido da
inconstitucionalidade do artigo 14.º da mencionada Lei na redacção que lhe foi
dada em 1980, em considerável medida terá sido arredada pela 1.ª Secção Tribunal
Constitucional no Acórdão n.º 280/89 (in Diário da República, II Série de 12 de
Junho de 1989 e Acórdão do Tribunal Constitucional, 13.º Vol., Tomo II, pp. 837
e segs.) que teve por objecto, no entanto, redacção originária dos artigos 15.º
e 16.º aquela norma, contexto de indemnizações devidas por expropriações
efectuadas no âmbito da Reforma Agrária, mas em que o primeiro destes dois
artigos é indiscutível lugar paralelo em face do artigo 14.º agora em questão.
Posteriormente, o Acórdão n.º 317/89, da 2.ª Secção deste Tribunal (publicado no
Diário da República, II Série de 16 de Junho de 1989 e nos «Acórdãos do Tribunal
Constitucional», ibidem, pp. 931 e segs.), a propósito daquele artigo 15.º,
agora na redacção do Decreto-Lei n.º 343/80, pronunciou-se no sentido de que a
fixação do valor da indemnização definitiva cabia no âmbito da função
administrativa, por representar a prossecução do interesse público subjacente ao
acto de nacionalização ou expropriação. No mesmo sentido, e, sobre a fixação do
valor da indemnização pelo Ministro das Finanças, mas a respeito do n.º 6 do
artigo 16.º da Lei n.º 80/77, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 343/80, se
pronunciou o Acórdão n.º 226/95: essa fixação por acto administrativo não viola
a reserva do juiz.
É neste ponto, efectivamente, que reside a questão nuclear que vem posta.
Na verdade, a decisão sub iudicio é bem incisiva no sentido de o acto do membro
de Governo praticado ao abrigo da norma sindicada padecer do vício de usurpação
de poder, por ter invadido a esfera das atribuições dos tribunais.
Como já ficou referido, o presente processo esteve suspenso até ser proferida
decisão no processo n.º 417/91, de fiscalização abstracta sucessiva, no qual
houve ensejo para reexaminar toda a jurisprudência anterior sobre a matéria. O
acórdão n.º 452/95, teve por objecto normas do Decreto-Lei n.º 332/91, de 6 de
Setembro, designadamente as normas constantes dos respectivos artigo 8.º, n.º 2,
e artigo 9.º, n.º 8, tendo-se discutido nessa sede a atribuição ao Ministro das
Finanças da competência para fixar por despacho o valor da indemnização — aliás
o artigo 14.º da Lei n.º 80/77 na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 343/80, de
2 de Setembro, é expressamente revogado pela alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º
daquele diploma.
Nesse acórdão pormenorizadamente se procede à ponderação dos argumentos que
poderão ser aduzidos em favor da tese da conformidade à Constituição da
atribuição da referida competência ou da tese contrária, acabando por se
concluir «que as normas constantes dos artigos 8.º a 11.º do Decreto-Lei n.º
332/92 não infringem o princípio da reserva da função jurisdicional aos juízes e
aos tribunais, plasmado no artigo 205.º, n.os 1 e 2, da Constituição, nem,
consequentemente, o princípio da separação de poderes, consagrado no artigo
114.º da Lei Fundamental».
Dado que em causa está, apenas, a fixação do valor da indemnização por despacho
do membro do Governo competente, sem prejuízo da intervenção posterior de outro
órgão, a título de recurso ou de requerimento de revisão, com nova intervenção
daquele membro do Governo, valem para o juízo a formular acerca do artigo 14.º
da Lei n.º 80/77, na redacção do Decreto-Lei n.º 343/80, de 2 de Setembro, as
razões aduzidas no ponto 9. do Acórdão n.º 452/95, de 6 de Julho de 1995, a
respeito das normas que sobre a matéria constam do Decreto-Lei n.º 332/91, de 6
de Setembro, maxime a propósito do n.º 2 do respectivo artigo 8.º Por este
motivo se procede à respectiva transcrição, na parte relevante:
9.2 — A norma do artigo 8.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 339/91 que atribui ao
Ministro das Finanças competência para proceder ao reajustamento do valor das
indemnizações por nacionalização já fixadas, em conformidade com os novos
critérios enunciados nos artigos 1.º a 7.º daquele diploma legal, e, bem assim,
a norma do artigo 9.º, n.º 8, que consagra a competência do mesmo Ministro para
fixar por despacho o montante definitivo da indemnização, com base em parecer
elaborado pelas comissões mistas, vêm sendo consideradas inconstitucionais, por
violação do princípio da reserva do juiz, por um sector importante da doutrina
[cfr., por exemplo, M. Rebelo de Sousa, Comissões Arbitrais, cit., pp. 98-99, o
qual afirma que o Decreto-Lei n.º 332/91 pretendeu «resolver dúvidas que se
colocavam à constitucionalidade da Lei n.º 80/77, e que tinham eco jurisdicional
(no Supremo Tribunal Administrativo de forma claríssima), com uma imposição do
mais puro positivismo normativista, ao serviço da administrativização de uma
realidade que deveria ser do foro jurisdicional, assim cometendo
premeditadamente inconstitucionalidade e agravando o regime vigente agravando
duplamente ao esvaziar a própria via jurisdicional comum paralela, assim
tornando ainda mais graves as consequências da administrativização das
anteriores comissões arbitrais, passadas à denominação de comissões
consultivas»] e pela jurisprudência dominante do Supremo Tribunal
Administrativo. De facto, debruçando-se sobre o Decreto-Lei n.º 332/91, este
órgão jurisdicional vem considerando, em múltiplos arestos, que as normas dos
artigos 8.º, n.º 2, e 9.º, n.º 8, daquele diploma legal infringem o disposto no
artigo 205.º da Constituição, porque atribuem poderes materialmente
jurisdicionais a um órgão da Administração, uma vez que «a fixação da
indemnização, em caso de nacionalização, como na expropriação por utilidade
pública, já não representa a satisfação de qualquer interesse público que a
Administração deva realizar, correspondendo antes a prossecução do interesse
público da composição do conflito de interesses, que é missão específica da
função jurisdicional» (cfr., por todos, o Acórdão da 1.ª Secção do Supremo
Tribunal Administrativo de 20 de Outubro de l994, tirado no Recurso n.º 31 111).
E mais à frente, depois de referir critérios de distinção entre as funções
administrativa e jurisdicional propostos pela doutrina portuguesa ou seguidos
nos acórdão deste Tribunal, refere-se:
9.3 — A nossa Constituição deu guarida ao princípio segundo o qual «só aos
tribunais compete administrar a justiça (reserva do juiz), não podendo ser
atribuídas funções jurisdicionais a outros órgãos, designadamente à
Administração Pública» (cfr., neste sentido, J. J. Gomes Canotilho/Vital
Moreira, Constituição Anotada, cit., p. 792, e os Acórdãos deste Tribunal n.os
178/86 e 419/87, publicados no Diário da República, I Série, de 23 de Junho de
1986, e II Série, de 5 de Maio de 1988, respectivamente). Fê-lo no artigo
205.º, n.os 1 e 9, na actual versão decorrente da revisão de 1989, que
corresponde aos artigos 205.º e 206.º, na redacção original e na saída da
revisão de 1982. Prescreve-se, com efeito, no artigo 205.º, n.os 1 e 2, da Lei
Fundamental:
Artigo 205.º
(Função Jurisdicional)
1 — Os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a
justiça em nome do povo.
2 — Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos
direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da
legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados.
3 — […].
4 — […].
É conhecida, porém, a dificuldade em definir rigorosamente o conceito de «função
jurisdicional», em confronto com as restantes funções do Estado, em especial com
a «função administrativa».
Na doutrina, A. Rodrigues Queiró elaborou um critério — o critério teleológico —
de distinção material das funções jurisdicional e administrativa, que tem sido
adoptado uniformemente pela restante doutrina e pela jurisprudência. Este
juspublicista, depois de acentuar que «essencial, para que se fale de um acto
jurisdicional, parece-nos ser, para já, que um agente estadual tenha que
resolver de acordo com o direito ‘uma questão jurídica’, entendendo-se por tal
um conflito de pretensões entre duas ou mais pessoas, ou uma controvérsia sobre
a verificação em concreto de uma ofensa ou violação da ordem jurídica», escreve:
Ao cabo e ao resto, o quid specisicum do acto jurisdicional reside em que ele
não apenas pressupõe, mas é necessariamente praticado para resolver uma «questão
de direito». Se, ao tomar-se uma decisão, a partir de uma situação de facto
traduzida numa «questão de direito» (na violação do direito objectivo ou na
ofensa de um direito subjectivo), se actua, por força da lei, para se conseguir
a produção de um resultado prático diferente da paz jurídica decorrente da
resolução dessa «questão de direito», então não estaremos perante um acto
jurisdicional: estaremos, sim, perante um acto administrativo» [cfr. Lições de
Direito Administrativo, vol. i, Coimbra, 1976, pp. 43, 44 e 51, e «A Função
Administrativa», Separata da Revista de Direito e de Estudos Sociais, xxiv (n.os
1, 2 e 3), Coimbra, 1977, pp. 30 e 31].
Na mesma linha, R. Ehrhardt Soares salienta que, na actividade administrativa, a
resolução do conflito de interesses (da «questão de direito») é orientada por
uma perspectiva de interesse público — justamente, do interesse público
específico ou particular que a norma acolhe e incorpora (cfr. Interesse Público,
Legalidade e Mérito, Coimbra, Atlântida, 1955, pp. 101, 102 e 120).
Na jurisprudência, múltiplos têm sido os arestos do Tribunal Constitucional que
se ocupam da distinção entre as duas funções estaduais acima referidas. Assim,
no Acórdão n.º 104/85 (publicado no Diário da República, II Série, de 2 de
Agosto), acentuou-se:
É certo que existe algum paralelismo, alguma analogia, entre a função
jurisdicional e a função administrativa: ambas, como funções do Estado, são
expressão do imperium emanado da soberania popular, ambas são executivas e ambas
agem sobre o caso concreto. Mas apesar de ligadas entre si por estes pontos
comuns, mantêm-se no fundo irredutivelmente diferenciadas.
A separação real entre a função jurisdicional e a função administrativa passa
pelo campo dos interesses em jogo: enquanto a jurisdição resolve litígios em que
os interesses em confronto são apenas os das partes, a Administração, embora na
presença de interesses alheios, realiza o interesse público. Na primeira
hipótese, a decisão situa-se num plano distinto do dos interesses em conflito;
na segunda hipótese, verifica-se uma osmose entre o caso resolvido e o interesse
público.
Todavia, ainda por outra vertente se distinguem as funções consideradas: ao
passo que o medium da jurisdição é a vontade da lei (concretizada no apuramento
da conclusão decisória a partir das premissas previamente enunciadas do
silogismo judiciário), o medium da Administração, é a vontade própria (o que
pressupõe a possibilidade de agir sobre as várias alternativas propostas pela
lei).
Mais recentemente, no Acórdão n.º 443/91 (publicado no Diário da República, II
Série, de 2 de Abril de 1992), no intuito de caracterizar a função judicial,
vincou-se, a dado passo, o seguinte:
Será, pois, na chamada resolução de um conflito relativo a um caso concreto,
resolução essa cujo atingir decorre dos critérios constantes de normas jurídicas
já existentes (e, desta arte, tendo como fim específico a realização do direito
e da justiça), que residira o punctum saliens caracterizador da função
jurisdicional que, assim, não almeja a prossecução e realização de um interesse
público diferente do da composição dos conflitos.
A função jurisdicional consubstancia-se, assim, numa «composição de conflitos de
interesses», levada a cabo por um órgão independente e imparcial, de harmonia
com a lei ou com critérios por ela definidos, tendo como fim específico a
realização do direito ou da justiça (cfr. o Acórdão deste Tribunal n.º 182/90,
publicado no Diário da República, II Série, de 11 de Setembro de 1990).
Aquela função estadual diz respeito a matérias em relação às quais os tribunais
têm de ter não apenas a última, mas logo a primeira palavra (cfr. os Acórdãos
deste Tribunal n.os 98/88 e 211/90, o primeiro publicado no Diário da República,
II Série, de 22 de Agosto de 1988, e o segundo nos Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 16.º Vol., p. 575 e segs.). A função administrativa é, ao
invés, uma actividade que, partindo de uma situação de facto traduzida numa
«questão de direito», visa a prossecução do interesse público que a lei põe a
cargo da Administração e não a paz jurídica que decorre da resolução dessa
questão. Daí que, na actividade administrativa, a primeira palavra deva caber à
Administração, cabendo aos tribunais a última e definitiva palavra, de acordo
com a garantia constitucional do recurso contencioso, condensada no artigo
268.º, n.º 4, da Lei Fundamental.
As transcrições anteriores esclarecem e fundamentam abundantemente a posição a
tomar e que vai no sentido da não inconstitucionalidade da norma questionada
constante do artigo 14.º da Lei n.º 80/77, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º
343/80, de 2 de Setembro.
III — Decisão
Nestes termos, decide-se:
a) Não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 14.º da Lei
n.º 80/77, de 26 de Outubro, na redacção do Decreto-Lei n.º 343/80, de 2 de
Setembro;
b) Em consequência, concede-se provimento ao recurso e determina-se que
a decisão recorrida seja reformada, de acordo com a presente decisão sobre a
questão de constitucionalidade.
Lisboa, 19 de Dezembro de 1995. — Vítor Nunes de Almeida — Maria da Assunção
Esteves — Alberto Tavares da Costa — Antero Alves Monteiro Diniz (votei a
conclusão, sem prejuízo de, no plano da fundamentação, dar aqui por acolhido o
conteúdo da declaração de voto junta ao Acórdão n.º 425/95, Diário da República,
II Série, de 21 de Novembro de 1995) — Maria Fernanda Palma (votei a decisão
constante do acórdão, mantendo quanto à fundamentação a posição que consta da
declaração de voto junta ao Acórdão n.º 226/95, Diário da República, II Série,
de 27 de Julho de 1995) — Armindo Ribeiro Mendes (vencido no essencial pelas
razões constantes das minhas declarações de voto juntas aos Acórdãos n.os 226/95
e 452/95, publicados no Diário da República, n.º 172, de 27 de Julho de 1995, e
n.º 269, de 21 de Novembro de 1995, por entender que existe reserva de juiz na
fixação das indemnizações, ainda que com carácter provisório) — José Manuel
Cardoso da Costa (votei o acórdão, em conformidade com o que deixei dito na
declaração de voto que juntei ao Acórdão n.º 226/95).
(1) Acórdão publicado no Diário da República, II Série, de 26 de Abril de 1996.