Imprimir acórdão
Proc. nº 528/94
2ª Secção
Relator : Sousa e Brito
(Bravo Serra)
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional :
RELATÓRIO
A. propôs no Tribunal Cível da Comarca de Lisboa contra
B., em liquidação, acção sumária de condenação 'a reconhecer o crédito do
Autor, no valor total de Esc. 1.920.437$00 ... mais devendo ordenar-se a
inclusão dos tais créditos no mapa a que se refere o artº 8, nº 2, do D.L.
138/85 onde deverão ser graduados no lugar que lhes compete'.
O Juiz do 5º Juízo Cível, por despacho saneador de 9 de
Novembro de 1991, absolveu a Ré do pedido, por considerar prescrito o crédito
do Autor.
Recorreu o Autor para a Relação de Lisboa, que por
acórdão de 30 de Junho de 1992, revogou a decisão recorrida, julgando
improcedente a excepção de prescrição e mandando apreciar as mais questões
suscitadas.
Por sentença de 19 de Maio de 1993, o Juiz do 5º Juízo
Cível julgou a acção parcialmente procedente e condenou a Ré a reconhecer o
crédito do Autor no valor de Esc.1.059.737$00 introduzindo-o no mapa a que se
refere o artigo 8º, nº 2 do Decreto-Lei 138/85, graduado no lugar que lhe
compete.
Desta sentença recorreu a Ré para a Relação de Lisboa,
para a qual o Autor também interpôs recurso subordinado. Por acórdão de 10 de
Maio de 1994 foi a Ré absolvida do pedido e julgado improcedente o recurso
subordinado do Autor, com a fundamentação que parcialmente se transcreve:
' A primeira questão posta pela ré no seu recurso é a da remissão dos
créditos peticionados pelo autor.
Determina o artº 863, nº 1 do C. Civil que o credor pode remitir a
dívida por contrato com o devedor...
No caso em apreço, temos como factos a ter em conta para a análise da
questão, os documentos de fls. 38 e 39, em que o autor declara-se satisfeito de
eventuais créditos que detenha sobre o património da ré e o facto provado de que
o mesmo os subscreveu a pedido desta última. Este pedido integra a conduta da
outra parte demonstrativa da intenção de aceitar a proposta contratual, a que
alude o artº 234º do C. Civil, intenção essa que segundo o dito preceito, torna
dispensável a efectiva aceitação.
Assim, o contrato de remissão está claramente demonstrado[...].
Por outro lado, não é inconstitucional o artº 4º, nº 1 alínea c) do
Decreto-Lei 138/85 de 3.5, na medida em que o princípio da segurança individual
no emprego - artº 53º da CRP - deve ceder perante outros princípios, também
constitucionais, e que visam a satisfação de interesses colectivos, como sejam
os que se referem à possibilidade de extinção das empresas públicas - artº 18º
da CRP-. Assim, pelo referido Dec.-Lei foi efectivamente extinto o contrato de
trabalho do autor. Ora, a jurisprudência vem reconhecendo que, após a extinção
do vínculo laboral, os créditos dele advindos são livremente renunciáveis pelo
trabalhador.
Logo, o objecto da remissão foi legal.
Por outro lado, ainda, nada na teoria da extinção das obrigações
impede que se acorde na extinção duma generalidade indeterminada de créditos,
pelo que vigora aqui o princípio da liberdade contratual[...].
Deste modo, estão extintos, porque foram remitidos, os eventuais
créditos do autor sobre o património da ré.
Decidindo-se pela validade da remissão, como pretende a ré, fica
prejudicado o conhecimento das outras questões levantadas, a da autonomização
do processo negocial de contratação colectiva e a da caducidade do contrato de
trabalho, procedendo o recurso.'
Em 17 de Maio de 1994, o representante do Ministério
Público junto da Relação de Lisboa, interpôs recurso para o Tribunal
Constitucional em requerimento do seguinte teor :
' O Mº. Pº. interpõe recurso para o Tribunal Constitucional do aliás douto
Acórdão proferido nos autos em referência, o que faz nos termos conjugados dos
artºs 280º. 1 al c) da C.R.P.; 69º, 70º, 1 - a) e 3; 71º, 72º - 1 a); 75º - 1;
75º- A - 1, todos da Lei nº 28/82 de 15.11, com redacção conferida ainda pela
Lei nº 85/89 de 07-09.
O recurso é interposto pelo facto do aresto em apreço, contrariando a
jurisprudência, configura que 'não é inconstitucional o artº nº 1, alínea c) do
Dec.-Lei nº 138/85 de 03.05 - conforme entre outros, o douto Acórdão do
Tribunal Constitucional nº 81/92 - Processo nº 393/89 - in D.R. II Série de
18.08.92 '.
O recurso foi admitido por despacho do Desembargador
relator de 24 de Maio de 1994.
Após o proferimento deste despacho o Autor veio arguir a
nulidade do acórdão, o que foi indeferido por acórdão de 29 de Setembro de 1994.
Distribuído o processo neste Tribunal, o Conselheiro
primeiro relator, fez uma exposição prévia no sentido da não admissibilidade do
recurso, por entender que 'a norma que, no caso, serviu de suporte ao decidido
pela Relação de Lisboa, foi, não a da mencionada alínea c) do nº 1 do artigo 4º
[do Decreto-Lei nº 138/85], mas sim a do nº 1 do artigo 863º do Código Civil.'
Sobre essa exposição, o Ministério Público junto deste
Tribunal pronunciou-se em sentido contrário.
Cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO
Há em primeiro lugar que corrigir o lapso material
manifesto do requerimento de interposição quanto à indicação da alínea do nº 1
do artigo 70º da L.T.C. ao abrigo da qual o recurso é interposto. Sendo
manifesto que o recurso é interposto por o acórdão recorrido aplicar norma
anteriormente julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional - é citado
para tal efeito o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 81/92 -, o requerimento
em vez de invocar a alínea g) do nº 1 do artigo 70º da L.T.C. e o nº 5 do
artigo 280º da Constituição, invoca a alínea a) do nº 1 do artigo 70º da L.T.C.
e a alínea c) do nº 1 do artigo 280º da Constituição, que é alínea inexistente.
Esta última circunstância torna manifesto que houve lapso e não apenas erro na
subsunção do recurso à alínea do artigo 70 que o prevê. Por outro lado, este
Tribunal, como Tribunal ad quem , não tem aqui que suprir uma indicação que de
todo falta ou está errada no requerimento de interposição, porque deste consta
claramente a indicação do fundamento de interposição visado pelo requerente, que
é o facto da decisão recorrida 'contrariar' a jurisprudência do Tribunal
Constitucional, citando para o efeito o acórdão do Tribunal Constitucional nº
81/92, cuja doutrina está efectivamente em contradição com a afirmação da
sentença recorrida de que 'não é inconstitucional o artº 4, nº 1, alínea c) do
Dec.-Lei nº 138/85 de 03.05', transcrita no requerimento, como contrariando tal
jurisprudência. É portanto, o próprio requerimento que permite corrigir o lapso,
uma vez correctamente interpretado, sem ser necessário recorrer a outros
elementos dos autos. Ora, não pode negar-se ao tribunal ad quem a competência
para interpretar o requerimento de interposição. E a interpretação adoptada tem
decerto na letra do requerimento um mínimo de correspondência verbal, ainda que
imperfeitamente expresso, não havendo razão para adoptar aqui critérios mais
apertados sobre os limites da interpretação do que os geralmente seguidos em
direito quanto a actos formais (cfr. os artºs 9º, nº 2 e 238º nº1 do Código
Civil). Não havendo aqui dúvida insanável, e nem sequer quaisquer dúvidas sobre
a real intenção do requerente, não se vê razão para afastar a velha máxima
segundo a qual actus inteligendi sunt potius ut valeant quam ut pereant, sem
prejuízo das reservas que lhe possam ser levantadas noutros contextos (cfr.
Manual de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica , II, 4ª reimp., 1974,
p.314).
Resta saber se a norma declarada inconstitucional, a da
alínea c) do nº 1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 138/85 foi aplicada na decisão
recorrida.
Ora a verdade é que a não inconstitucionalidade de tal
norma foi expressamente invocada pela sentença recorrida para fundamentar a
extinção do contrato de trabalho do Autor e, por consequência, a validade do
contrato de remissão dado como provado. Com efeito, tal validade foi
considerada dependente da renunciabilidade do crédito, que no caso só se
verificaria por ter sido extinto o vínculo laboral. Nas palavras relevantes do
acórdão : 'não é inconstitucional o artº 4º, nº 1 alínea c) do Dec.-Lei
138/85[...] . Assim, pelo referido Dec.-Lei foi efectivamente extinto o contrato
de trabalho do autor. Ora a jurisprudência vem reconhecendo que, após a extinção
do vínculo laboral, os créditos dele advindos são livremente renunciáveis pelo
trabalhador, dado já não estar dependente do respectivo devedor. Logo, o objecto
da remissão foi legal.' É ,portanto, de admitir a contrario que, se o Tribunal
recorrido tivesse considerado inconstitucional a alínea c) do nº 1 do artigo 4º
do Dec.-Lei nº 138/85, teria considerado não extinto o contrato de trabalho do
Autor e, logo, irrenunciável o crédito dele derivado e, portanto, por
ilegalidade do objecto, inválida a remissão.
Nada mais é preciso para se entender que foi, no caso,
aplicada a norma da alínea c) do nº 1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 138/85 de 3
de Maio, declarado inconstitucional pelo Acórdão nº 81/92 (Diário da República,
II série, de 18.08.92) invocado no requerimento da interposição.
DECISÃO
Pelo exposto, ordena-se o prosseguimento dos autos.
Lisboa, 23 de Novembro de 1995
José de Sousa e Brito
Luís Nunes de Almeida
Guilherme da Fonseca
Bravo Serra (vencido, nos termos da declaração
de voto junta)
DECLARAÇÃO DE VOTO
Na exposição que elaborei ao abrigo do nº 1 do artº
78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, foi referido:
'1. Propôs A., no Tribunal Cível da comarca de Lisboa, acção,
seguindo a forma de processo sumário, contra B., solicitando a condenação desta
'a reconhecer o crédito do Autor., no valor total de Escs. 1.920.437$00', e que
se ordenasse a inclusão desse crédito 'no mapa a que se refere o artº 8º 2. do
D.L. 138/85, onde' deveriam 'ser graduados no lugar que lhes' competiria.
Seguindo a acção seus trâmites, o Juiz do 5º Juízo do Tribunal Cível
da comarca de Lisboa, por decisão de 9 de Novembro de 1991, absolveu a Ré do
pedido, por considerar extinto, por prescrição, o direito do Autor a reclamar o
crédito por si invocado.
Não se conformando com o assim decidido, recorreu o A. para o
Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 30 de Junho de 1992,
concedendo provimento ao recurso, revogou a decisão de 1ª instância,
determinando que fosse proferido despacho que apreciasse 'as mais questões
suscitadas nos autos'.
Na sequência desse acórdão, foram proferido despacho saneador e
organizados especificação e questionário, vindo, em 19 de Maio de 1993, a ser
proferida sentença por intermédio da qual foi a acção julgada parcialmente
procedente, condenando-se a Ré a reconhecer ao Autor o crédito no montante de
Esc. 1.059.737$00 e determinando-se a sua inclusão no mapa a que se refere o
artº 8º, nº 2, do Decreto-Lei nº 138/85, de 3 de Maio.
Dessa sentença levou a B. recurso para a Relação de Lisboa,
recorrendo também, mas subordinadamente, o Autor.
Por acórdão de 10 de Maio de 1994, foi o recurso da Ré julgado
procedente, com a consequência da sua absolvição do pedido e da improcedência do
recurso subordinado.
Nesse aresto, foi, em dados passos, expendido:-
'...................................
A primeira questão posta pela ré no seu recurso é a da remissão dos
créditos peticionados pelo autor.
Determina o artº 863º nº 1 do C. Civil que o credor pode remitir a
dívida por contrato com o devedor.............................
....................................
No caso em apreço, temos como factos a ter em conta para a análise da
questão os documentos de fls. 38 e 39, em que o autor declara-se satisfeito de
eventuais créditos que detenha sobre o património da ré e o facto provado de que
o mesmo os subscreveu a pedido desta última. Este pedido integra a conduta da
outra parte demonstrativa da intenção de aceitar a proposta contratual, a que
alude o artº 234º do C. Civil, intenção essa que, segundo o dito preceito, torna
dispensável a efectiva aceitação.
Assim, o contrato de remissão está claramente demonstrado.
....................................
Por outro lado, não é inconstitucional o artº 4º nº 1 alínea c) do
Dec.-Lei 138/85 de 3/5, na medida em que o princípio da segurança individual no
emprego - artº 53º da CRP - deve ceder perante outros princípios, também
constitucionais, e que visam a satisfação de interesses colectivos, como sejam
os que se referem à possibilidade de extinção das empresas públicas - artº 18º
da CRP- Assim, pelo referido Dec.-Lei foi efectivamente extinto o contrato de
trabalho do autor. Ora, a jurispru- dência vem reconhecendo que, após a extinção
do vínculo laboral, os créditos dele advindos são livremente renunciáveis pelo
trabalhador, dado já não estar dependente do respectivo trabalhador.
Logo, o objecto da remissão foi legal.
Por outro lado, ainda, nada na teoria da extinção das obrigações
impede que se acorde na extinção duma generalidade indeterminada de créditos,
pelo que vigora aqui o princípio da liberdade contratual.
....................................
Deste modo, estão extintos, porque foram remitidos, os eventuais
créditos do autor sobre o património da ré.
Decidindo-se pela validade da remissão, como pretende a ré, fica
prejudicado o conhecimento das outras questões levantadas, a da autonomização do
processo negocial de contratação colectiva e a da caducidade do contrato de
trabalho, procedendo o recurso.
...................................'
O representante do Ministério Público junto do citado Tribunal de 2ª
instância, notificado do acórdão de que imediatamente acima se encontram
transcritos alguns excertos, apresentou nos autos em 17 de Maio de 1994
requerimento com o seguinte teor:-
'O Mº Pº interpõe recurso para o Tribunal Constitucional do aliás douto Acórdão
proferido nos autos em referência, o que faz nos termos conjugados dos artºs
280º. 1 al c) da C.R.P.; 69º 70º, 1 - a) e 3; 71º, 72º - 1 - a); 75º - 1; 75º -
A - 1, todos da Lei nº 28/82 de 15.11, com redacção conferida ainda pela Lei nº
85/89 de 07-09.
O recurso é interposto pelo facto do aresto em apreço, contrariando a
jurisprudência, configura que 'não é inconstitucional o artigo nº 1, al. c) do
D.Lei nº 138/85 de 03.05 - conforme entre outros, o douto Acórdão do Tribunal
Constitucional nº 81/92 - Processo nº 393/89 - in D.R. II Série de 18-08.92'.
O recurso foi admitido por despacho prolatado pelo Desembargador
Relator em 24 de Maio de 1994.
Após o proferimento deste despacho, o Autor veio arguir a nulidade
do acórdão de 10 daqueles mês e ano, o que foi indeferido por acórdão de 29 de
Setembro seguinte.
2. Não obstante o despacho admissor do recurso, e já que o mesmo não
é vinculativo para este Tribunal (cfr. artº 76º, nº 3, da Lei nº 28/82, de 15 de
Novembro), entende-se que tal recurso não deveria ter sido admitido.
Na verdade, em primeira linha, o requerimento interpositor do
recurso, se por um lado apela à alínea c) do nº 1 do artigo 280º da Constituição
(que é algo de inexistente), apela também ao disposto na alínea a) do nº 1 do
artº 70º da Lei nº 28/82.
Ora, como à saciedade resulta da transcrição acima efectuada, o
acórdão pretendido impugnar não recusou, explícita ou implicitamente, qualquer
norma com fundamento na sua inconstitucionalidade.
É certo que, não obstante aquelas invocações, o aludido requerimento
se estriba na circunstância de o acórdão intentado censurar ter contrariado
'jurisprudência' (supõe-se que se quis fazer referência a uma aplicação
normativa já anteriormente julgada desconforme à Lei Fundamental pelo Tribunal
Constitucional), ao perfilhar o entendimento de que ''não é inconstitucional o
artigo nº 1, al. c) do D.Lei nº 138/85' [presume-se que se desejou dizer artº
4º, nº 1, alínea c)].
Significaria isso, então, que o que realmente o representante do
Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa pretenderia, com o
requerimento que fez juntar aos autos em 17 de Maio de 1994, era interpor
recurso para este órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade ao
abrigo do nº 5 do artigo 280º do Diploma Básico e da alínea g) do nº 1 do artº
70º da Lei nº 28/82.
2.1. Simplesmente, mesmo nesta postura, sendo certo que aquela norma
acima citada do D.L. nº 138/85 foi já objecto de julgamento de
inconstitucionalidade por banda deste Tribunal (cfr., verbi gratia, os Acórdãos
números 81/92, 380/94 e 408/94, o primeiro publicado na 2ª Série do Diário da
República de 18 de Agosto de 1992 e os dois últimos ainda inéditos), o que é
certo é que, in casu, se não reúne o condicionalismo permissor do recurso
fundado nas faladas disposições constitucional e legal.
Efectivamente, muito embora a decisão que se quer censurar viesse
referir que não padece de vício de incompatibilidade com a Constituição a norma
ínsita na alínea c) do nº 1 do artº 4º do D.L. nº 138/85, o que se torna
indiscutível é que não foi esse entendimento a razão de ser do decidido.
Essa razão, como se depara de limpidez, fundou-se (bem ou mal, não
interessa agora, por isso escapar aos poderes cognitivos deste Tribunal) na
circunstância de, fossem quais fossem os créditos (e respectiva causa) que o
Autor titulasse perante a Ré, e tivesse ou não tivesse ocorrido caducidade do
contrato de trabalho que ambos vinculava, esses créditos encontrar-se-iam
remitidos em virtude de um contrato entre eles celebrado.
Sendo assim, a norma que, no caso, serviu de suporte ao decidido
pela Relação de Lisboa foi, não a da mencionada alínea c) do nº 1 do artº 4º,
mas sim a do nº 1 do artº 863º do Código Civil.
Neste contexto, mesmo que fosse recusada a aplicação da dita alínea
c) do nº 1 do artº 4º, consequentemente podendo alargar-se o âmbito dos créditos
a que o Autor teria jus, ou mesmo que o Tribunal Constitucional viesse, neste
recurso, a julgar tal norma inconstitucional, a decisão da Relação de Lisboa
haveria, quanto ao fundo da causa, de ser a mesma, isto é, haveria de considerar
que, mercê do contrato de remissão, todos esses créditos se encontravam
remitidos.
Vale isto por dizer que as considerações efectuadas no discurso do
acórdão desejado impugnar tocantemente à conformidade constitucional do artº 4º,
nº 1, alínea c), do D.L. nº 138/85 nenhum relevo tiveram para a decisão que nele
se tomou, perspectivando-se, assim, nesse particular, como um obiter dictum.
O eventual juízo que este Tribunal houvesse de fazer quanto àquele
preceito nenhuma projecção teria no decidido pela Relação de Lisboa, o que
conduz a que, no fundo, se houvesse pronúncia daquele primeiro órgão de
administração de justiça, ela somente serviria para decidir, quanto ao caso sub
specie, uma questão meramente académica.
Termos em que se propugna por se não dever tomar conhecimento do
recurso.
Cumpra-se a parte final do nº 1 do artº 78º-A da Lei nº 28/82'.
Continuo a entender que na exposição acima transcrita, e
contrariamente ao que é exposto na «pronúncia» que sobre ela formulou o
recorrente, não foi defendido que a não correcta indicação das disposições
legais, de harmonia com as quais o presente recurso foi intentado, constituía
motivo para a sua rejeição, e isso pela simples razão segundo a qual da mesma
exposição inequivocamente resultava que o que o representante do Ministério
Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa afinal pretenderia era interpor
recurso com base no preceituado no nº 5 do artigo 280º da Constituição e na
alínea g) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82.
Por outro lado, e tal como na aludida exposição defendi,
mantenho a óptica segundo a qual o aresto impugnado não usou, como suporte
normativo da decisão ali tomada, o comando constante da alínea c) do nº 1 do
artº 4º do Decreto-Lei nº 138/85, de 3 de Maio.
De facto, se é certo que, nesse aresto, a dado passo, é
dito que 'a jurisprudência vem reconhecendo que, após a extinção do vínculo
laboral, os créditos dele advindos são livremente renunciáveis pelo trabalhador,
dado já não estar dependente do respectivo devedor', menos certo não é que,
expressamente, ficou consignado que, uma vez concluído que, no caso, houve uma
renúncia, por parte do trabalhador, ao direito de exigir uma prestação que
porventura impendesse a cargo da ora recorrida, renúncia essa operada por via de
remissão, ficava prejudicada a questão da 'caducidade do contrato'.
Pois bem:
Tendo sido defendido nos autos que a caducidade do
contrato de trabalho em causa era de perspectivar como inválida mercê da alegada
inconstitucionalidade da norma da alínea c) do nº 1 do artº 4º do D.L. nº
138/85, tenho para mim que a decisão recorrida, ao considerar prejudicado o
conhecimento da questão da caducidade do contrato por virtude em ter por válida
a remissão, indubitavelmente se desligou do enfrentamento daqueloutra questão
consistente em saber se o rompimento do vínculo laboral, operado por via da
caducidade ditada pela dita norma, era ou não algo de validamente aceitável do
ponto de vista de compatibilidade constitucional.
Afigura-se-me líquido que, no raciocínio do acórdão
recorrido, ainda que fossem inválidos ou ineficazes os motivos pelos quais foi
extinto o contrato de trabalho que ligou o A. à B. (de entre eles se podendo
colocar o da invalidade constitucional da norma determinante da caducidade desse
contrato) - o que, em abstracto, poderia conduzir a que houvesse lugar, pela
extinção, a um ressarcimento do trabalhador superior àquele que constou do
contrato de remissão celebrado entre as indicadas partes - o que era seguro era
que, em virtude do falado contrato de remissão, o A. renunciou a eventuais
prestações a que porventura teria direito por força das referidas invalidade ou
ineficácia.
Não estando em causa saber aqui se é ou não correcta a
postura do acórdão impugnado no tocante a ter entendido que todos os créditos
(no montante dos quais eventualmente se compreenderiam prestações devidas por
força de uma invalidade da extinção do contrato de trabalho) a que o A. teria
direito se encontravam remitidos (e isso, obviamente, porque tal questão
ultrapassa os poderes cognitivos deste Tribunal), então sou levado a concluir
que o que o Tribunal da Relação de Lisboa, na decisão ora em apreço, considerou
foi que todas as prestações que fossem devidas ao A. pela B. por força da
extinção do contrato de trabalho entre ambos celebrado (independentemente de se
saber se essa extinção teve ou não cobertura legal válida), foram por ele
renunciadas através do estabelecimento de um contrato de remissão.
Ora, se assim é, tenho para mim como claro que a
questão ligada com a compatibilidade ou incompatibilidade com a Lei Fundamental
da norma da alínea b) do artº 4º do D.L. nº 138/85 não constituiu o ou um dos
fundamentos determinantes da decisão em recurso.
Perfilho, pois, a opinião segundo a qual o fundamento (e
aliás único) do decidido pela Relação de Lisboa foi a celebração de um contrato
de remissão entre o A. e a B., o que conduz a que tenha de entender que, em sede
de suporte normativo, o aresto intentado impugnar somente fez aplicação da norma
do artº 863º, nº 1, do Código Civil.
A questão da constitucionalidade da norma da aludida
alínea c) do nº 1 do artº 4º não actuou, no aresto da Relação de Lisboa, como um
qualquer fundamento determinante do ali decidido, motivo pelo qual não posso
concordar com o decidido no presente Acórdão, de que este declaração faz parte
integrante, já que, no meu modo de ver, o conhecimento dessa questão não
apresenta, relativamente ao decidido naquele aresto, um interesse jurídico
relevante.
Em face do exposto, não tomaria conhecimento do recurso.
Messias Bento (vencido nos termos da declaração
de voto junta)
Declaração de voto:
Pronunciei-me no sentido que vinha proposto pelo primitivo relator,
que era o do não conhecimento do recurso.
As razões são as seguintes:
1º O recurso foi interposto ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo
70º da Lei do Tribunal Constitucional (recusa de aplicação de norma com
fundamento na sua inconstitucionalidade) - para além de ter sido também invocada
uma inexistente alínea c) do nº 1 do artigo 280º da Constituição.
Simplesmente, o acórdão recorrido não desaplicou qualquer norma
jurídica com fundamento em que ela afrontava a Constituição.
Ora, quando se interpõe um recurso invocando uma determinada alínea
do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional sem que se verifiquem os
respectivos pressupostos, não deve o Tribunal conhecer do mesmo (cf., neste
sentido, entre outros, o acórdão nº 36/95, por publicar) - o que logo se
compreende, quando se tiver em conta que a indicação correcta da alínea do nº 1
do mencionado artigo 70º ao abrigo da qual se recorre, imposta pelo artigo 75º-A
da mesma Lei, consubstancia, não o cumprimento de um mero dever de colaboração
das partes com o Tribunal, sim um autêntico requisito formal do conhecimento do
recurso [cf., neste sentido, os Acórdãos nºs 402/93, 156/94, 445/94 e 34/95
(Diário da República, II série, de 18 de Janeiro de 1995, o primeiro, e os
outros, por publicar)].
Objecta-se que, no caso, o erro na indicação da alínea do nº 1 do
artigo 70º - que em vez da alínea a), devia ser a alínea g) - era manifesto,
devendo, por isso, ser corrigido oficiosamente pelo Tribunal.
De facto - diz-se - no requerimento de interposição do recurso,
afirmou-se expressamente que o acórdão recorrido, ao julgar não inconstitucional
'o artigo nº 1, al. c) do DL nº 138/85, de 03.05', contrariava a jurisprudência,
'conforme, entre outros, o douto acórdão do Tribunal Constitucional nº 81/92'.
Só que o recorrente pôde requerer a correcção desse erro material e
não o fez.
Ora, quando estejam em causa erros materiais cometidos pelas partes,
o Tribunal só pode - e deve - corrigi-los, se tal lhe for requerido por elas. De
contrário, podia ir corrigir o que ele julgava ser um erro - eventualmente até,
um erro manifesto - e a parte vir, depois, dizer que não era tal e que, por
isso, o Tribunal conhecera de questão de que não podia conhecer.
2. A estas razões acrescem as que o primitivo relator aduz na sua
declaração de voto.
José Manuel Cardoso da Costa