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Proc. nº 676/92
1ª Secção
Rel. Cons.: Assunção Esteves
Acordam no Tribunal Constitucional:
I - No Tribunal Judicial da Comarca de Silves, em processo de
expropriação por utilidade pública, sendo expropriante a Direcção-Geral dos
Edifícios e Monumentos Nacionais e expropriado A., foi por este interposto
recurso da decisão arbitral que fixara em Esc. 137.336$00 o valor da parcela de
terreno expropriada. Propugnou a fixação da indemnização em Esc. 6.548.000$00 e
requereu a realização das seguintes diligências instrutórias: avaliação,
inspecção judicial e inquirição de testemunhas.
Em despacho de 6 de Abril de 1990, o senhor juiz designou o dia e
hora para 'a inspecção e avaliação a que se refere o artigo 77º do Código das
Expropriações' [é, ainda, do Código aprovado pelo Decreto-Lei nº 845/76, de 11
de Dezembro, que aí se trata].
Elaborado o relatório dos peritos que, por maioria, atribuíram à
parcela expropriada o valor de Esc. 214.800$00, e notificado às partes para que
formulassem os esclarecimentos que entendessem necessários, arguiu o expropriado
a nulidade daquele relatório e das respostas aos quesitos, com fundamento em
ilegalidade e inconstitucionalidade dos critérios adoptados.
O senhor juiz indeferiu o pedido de arguição de nulidade, em
despacho de 5 de Julho de 1990, e notificou os peritos para fornecerem os
elementos de facto em que basearam as respostas ao quesito 6. Daquele despacho
o expropriado interpôs recurso de agravo para o Tribunal da Relação de Évora.
Em sentença de 9 de Novembro de 1990, fixou-se em Esc. 214.800$00 o
valor da indemnização da parcela expropriada e condenou-se o expropriado em
custas, com base no valor de Esc. 6.333.200$00, valor que no recurso fôra por
ele reclamado. E indeferiu-se ainda o pedido de inquirição de testemunhas que
fôra formulado na resposta ao esclarecimento dos peritos.
O expropriado interpôs recurso de apelação desta sentença para o
Tribunal da Relação de Évora. Em alegações, sustentou a inconstitucionalidade do
artigo 73º, nº 2, do Código das Expropriações e a ilegalidade e
inconstitucionalidade do critério utilizado na sentença recorrida para a fixação
da indemnização. Considerou também que o cálculo das custas com base no valor de
Esc. 6.333.200$00 correspondia a um enriquecimento sem causa do Estado.
A Relação de Évora, em acórdão de 17 de Dezembro de 1991, negou
provimento aos recursos de agravo e de apelação, confirmando as decisões
recorridas.
O expropriado pretendeu interpor recurso desse acórdão para o
Tribunal Constitucional, invocando o artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro. Arguiu a inconstitucionalidade das normas do Título IV
e do artigo 73º, nº 2, face ao artigo 82º, nº 1, do Decreto-Lei nº 845/76, de
11 de Dezembro (Código das Expropriações), dos artigos 523º, 524º e 580º, nº 3,
do Código de Processo Civil, do artigo 126º, nº 2, do Código das Custas
Judiciais, e do Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro, por violação das
normas dos artigos 12º, nº 1, 13º, nºs. 1 e 2, 18º, nºs. 1, 2 e 3, 20º, nº 1,
62º, nº 2, 205º, nº 2 e 207º da Constituição da República.
O recurso foi admitido por despacho do Sr. Desembargador da Relação
de Évora, apenas quanto à norma do artigo 73º, nº 2, do Decreto-Lei nº 845/76,
nos seguintes termos:
'O expropriado, A., vem, através do antecedente requerimento, interpor recurso
do acórdão de fls. 246 a 254 - julgando improcedentes o agravo (da decisão de
fls. 160 e 161, indeferindo a sua arguição de nulidade do laudo dos peritos do
tribunal e da expropriante) e a apelação (da decisão final do processo a fls.
203 e seguintes) que interpusera - para o Tribunal Constitucional na base de que
ele aplicou normas cuja inconstitucionalidade fora suscitada durante o processo.
E não há dúvidas de que, nos termos do artigo 70ª, nº 1, alínea b),
da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro - Lei de Organização, funcionamento e
processo daquele Tribunal - para ele são recorríveis as decisões dos tribunais
relativamente às quais aqueles dois pressupostos se verifiquem, aliás mesmo
(vide Acórdão nº 122/84 do mesmo Tribunal, no Boletim do Ministério da Justiça,
nº 357, pág. 176) que o segundo (suscitação de inconstitucionalidade da norma
durante o processo) o tenha sido só implicitamente.
No presente caso, diz o recorrente, as normas cuja
inconstitucionalidade pretende ver apreciadas pelo Tribunal Constitucional
seriam as do Título IV, bem como a do artigo 73º, nº 2, face ao artigo 82º, nº
1, do Decreto-Lei nº 845/76, de 11 de Dezembro (Código das Expropriações), e
ainda as dos artigos 524º e 580º, nº 3, do Código de Processo Civil e o artigo
126º, nº 2, do Código das Custas Judiciais, bem como o Decreto-Lei nº 387-B/87,
de 29 de Dezembro.
Sucede que a todas estas normas, a respectiva inconstitucionalidade
só foi suscitada, expressa ou implicitamente, quanto às dos artigos 30º, nº 2,
33º, nº 1, 33º, nº 3, e 73º, nº 2, do Decreto-Lei nº 845/76 e que delas o
Tribunal só fez aplicação da última.
Nesta conformidade admito o recurso interposto, restritamente à
medida em que o acórdão recorrido, de normas cuja inconstitucionalidade foi
suscitada durante o processo, só aplicou a do artigo 73º, nº 2, do Decreto-Lei
nº 845/76'.
O expropriado reclamou, então, para o Tribunal Constitucional desse
despacho, na parte em que não admitiu o recurso quanto às normas que indicara
para além do artigo 73º, nº 2, do Código das Expropriações. Mas este Tribunal,
no Acórdão nº 253/93, de 30 de Março, indeferiu a reclamação, demarcando a
admissibilidade do recurso - e, pois, o seu objecto - nesta norma do artigo 73º,
nº 2, como o fizera o Desembargador-relator na Relação. O expropriado, ainda,
viria a arguir a nulidade desse acórdão, o que lhe foi indeferido em um novo
acórdão, o que tem o número 415/93, de 30 de Junho de 1993 (inédito).
Em 13 de Junho de 1994, os autos, que haviam sido enviados à Relação
[e, depois, por lapso, ainda enviados ao Supremo] foram de novo remetidos ao
Tribunal Constitucional para serem apensados no processo principal.
Neste processo, em alegações, o recorrente confrontara todas as
normas que impugnou - e, dentre elas, a do artigo 73º, nº 2, do Código das
Expropriações - com os artigos 12º, nº 1, 13º, nºs 1 e 2, 18º, nºs 1, 2 e 3,
20º, nº 1, 62º, nº 2, 205º, nº 2, e 207º da Constituição da República. Em
alegações ainda, e por referência também a estes lugares da Constituição
arguira, pela primeira vez, a inconstitucionalidade dos artigos 6º, nº 2, 8º,
nº 1, alínea s), e 101º, nº 2, do Código das Custas Judiciais, sendo que
somente o artigo 8º era referido na respectiva conclusão.
Mas, como resulta do acórdão do Tribunal Constitucional que decidiu
da reclamação, é apenas na norma do artigo 73º, nº 2 do Código das
Expropriações que aqui se delimita o objecto do recurso de constitucionalidade.
As demais normas, como aí se afirmou, não satisfazem aos pressupostos do artigo
70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro. E assim acontece
também com estoutras que, pela primeira vez, são referidas nas alegações. Para
além da incontroversa ausência de clareza com que sobre elas se argumenta no
plano da constitucionalidade (sobre este tema, cf. os Acórdãos nºs. 199/88 e
123/89, D.R., II Série, de 28-3-1989 e de 29-4-1989), é facto que o recorrente
não pode alargar em alegações o objecto do recurso que já definiu no
requerimento por que o interpôs (cf. o Acórdão nº 10/95, D.R., II Série, de
22-3-1995).
O Sr. Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal, contra-alegando,
delimitou também o objecto do recurso de constitucionalidade na norma do artigo
73º, nº 2, do Código das Expropriações [lembremos que não haviam ainda os autos
de reclamação sido apensos ao processo principal] e pronunciou-se no sentido da
não inconstitucionalidade daquela norma. Depois, afirmou que o recorrente 'ao
imputar extemporaneamente e sem qualquer fundamento sério aos peritos
designados pelo tribunal comportamento processual censurável, altera
intencionalmente a verdade dos factos, incorrendo em litigância de má-fé (...)'.
II. A questão de constitucionalidade é, assim, relativa à norma do
artigo 73º, nº 2, do Código das Expropriações aprovado pelo Decreto-Lei nº
845/76, de 11 de Dezembro. O artigo 73º abre a Secção V, sobre o 'recurso da
arbitragem'. No nº 1 determina que 'no requerimento de interposição de recurso,
o recorrente exporá logo as razões da discordância com a decisão arbitral,
oferecendo todos os documentos, requerendo as demais provas e designará o seu
perito'. E, depois, no nº 2:
'Não é admissível a prova testemunhal, sem prejuízo de o juiz poder
requisitar qualquer pessoa para depor, sempre que o repute indispensável'.
O recorrente afirma que existe aí 'inadmissibilidade de prova
testemunhal' e que isso é 'uma restrição inconstitucional', uma restrição que
afronta os artigos 62º, nº 2 e 13º da Constituição.
Ora, em um outro recurso de constitucionalidade emergente de
processo de expropriação [que justamente tinha também como causa a utilidade
pública de construção do estabelecimento prisional de ------------------],
processo que teve o número 133/93, o Tribunal Constitucional procedeu já ao
controlo da norma do artigo 73º, nº 2, do Código das Expropriações aprovado pelo
Decreto-Lei nº 845/76, de 11 de Dezembro. Fê-lo no acórdão nº 209/95 [inédito] e
aí decidiu no sentido da não inconstitucionalidade dessa norma, que considerou
justificada pela caracterização marcadamente técnica e especializada dos
conhecimentos requeridos para a avaliação do terreno expropriado. Afirmou,
então:
'(...) A norma transcrita não veda em absoluto a produção de prova
testemunhal, admitindo-a apenas quando tal for considerado indispensável pelo
juiz de primeira instância, enquanto tribunal de recurso da arbitragem. Confere
ao juiz o poder discricionário de ouvir certos depoimentos, não atribuindo nem
ao recorrente nem ao recorrido o direito de produzir prova testemunhal.
(...) Não se vê que o art. 62º, nº 2, da Constituição, ou os arts. 13º e
20º, nº 1, desta, tornem inconstitucional o nº 2 do art. 73º do referido Código
das Expropriações. No processo de expropriação litigiosa, o legislador pretende
que seja determinada com rigor a justa indemnização devida ao expropriado. O
meio de prova por excelência para alcançar tal desiderato há-de ser a prova
pericial, na fase do recurso interposto da decisão arbitral, proferida antes da
remessa dos autos ao tribunal judicial. Como se exprime o art. 388º, 1ª parte,
do Código Civil, '[a] prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de
factos por meio de peritos, quando
sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem [...]'.
(...) Importa acentuar que o direito de acesso à justiça comporta
indiscutivelmente o direito à produção de prova (cfr. M. Teixeira de Sousa, As
Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa, Lisboa, 1995, págs. 228 e
segs.). Tal não significa, porém, que o direito subjectivo à prova implique a
admissão de todos os meios de prova permitidos em direito, em qualquer tipo de
processo e relativamente a qualquer objecto do litígio, ou que não sejam
possíveis limitações quantitativas na produção de certos meios de prova (por
exemplo, limitação a um número máximo de testemunhas arroladas por cada parte).
(...) Ora, no processo expropriativo, o legislador entende que, havendo
uma decisão arbitral que fixa o valor indemnização, no recurso dela interposto a
impugnação do quantum indemnizatório implicará uma prova pericial exigente.
Estando em causa a fixação que começou por ser feita na fase arbitral - o juiz
há-de valorar em especial a prova pericial, visto que os peritos são
encarregados pelo tribunal de transmitir a este informações que devem colher,
nomeadamente utilizando certos conhecimentos de natureza técnica (art. 388º do
Código Civil).
(...) o legislador entendeu que, em vez da opinião do 'homem comum' ou a
do 'bom pai de família' - opiniões expressas em depoimentos de testemunhas -
importava privilegiar a intervenção de peritos, por estes disporem de
conhecimentos especiais que os julgadores não possuem por regra. Mas deixou,
sempre, ao critério do juiz a audição de prova testemunhal'.
E, na consideração global da regulação dos meios de prova em
processo de expropriação, o Tribunal Constitucional concluiu no sentido de que
não é desproporcionada ou arbitrária a solução que é dada pela norma do artigo
73º, nº 2, do Código das Expropriações, não havendo, assim, violação da
Constituição. É essa jurisprudência que aqui se reitera.
III - O Exmº Procurador-Geral Adjunto considera, em
contra-alegações, que o recorrente litigou de má-fé, ao produzir afirmações
sobre os peritos como aquelas em que designa que eles 'são funcionários do
Estado e receberam ordens terminantes para só pagarem o terreno a 250.00, pelo
que não gozam do mínimo de isenção e imparcialidade' e que 'fizeram aquilo que a
respectiva Direcção-Geral lhes disse para fazer, de forma a atribuírem um valor
irrisório e ridículo aos terrenos'.
Salvo o devido respeito, esta matéria não se reconduz à previsão da
norma do artigo 456º do Código de Processo Civil, que define assim o litigante
de má-fé: 'diz-se litigante de má-fé não só o que tiver deduzido pretensão ou
oposição cuja falta de fundamento não ignorava, como também o que tiver
conscientemente alterado a verdade dos factos ou omitido factos essenciais ou
que tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente
reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal ou de entorpecer a acção
da justiça ou de impedir a descoberta da verdade'.
As imputações feitas aos peritos pelo recorrente não radicam naquela
conexão estreita entre uso e fim do processo que vai pressuposta na norma do
artigo 456º do Código de Processo Civil. Não está em causa uma qualquer
'disfunção' da acção em relação com o fim para que foi concedida (Betti), uma
qualquer ideia de 'abuso de direito de acção', uma qualquer 'consciência de não
ter razão' quanto aos desígnios por que se litiga (Alberto dos Reis). Aquelas
imputações terão, eventualmente, relevância jurídica (mesmo jurídico-criminal)
autónoma, mas não cabe averiguá-la na decisão deste recurso.
IV - Decisão
Nestes termos, decide-se:
a) - Não julgar inconstitucional a norma do artigo 73º, nº 2, do
Código das Expropriações aprovado pelo Decreto-Lei nº 845/76, de 11 de Dezembro,
assim negando provimento ao recurso e confirmando a decisão recorrida.
b) - Não condenar o recorrente por litigância de má fé.
Lisboa, 19 de Dezembro de 1995
Maria da Assunção Esteves
Vítor Nunes de Almeida
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Dinis
Alberto Tavares da Costa
José Manuel Cardoso da Costa