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Procº.Nº 548/94
Sec. 1ª
Rel. Cons. Vítor Nunes de Almeida
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - RELATÓRIO:
1. – A. foi acusado e julgado, no 2º Juízo de
Competência Especializada Criminal da Comarca de Guimarães por, no dia 13 de
Novembro de 1994, conduzir o veículo ligeiro de matrícula ----------
apresentando uma taxa de álcool no sangue de 2,17 g/l, tendo sido condenado como
autor material de um crime de condução sob influência do álcool previsto e
punível nos artigos 2º, nº 1 e 4º, nºs 1 e 2, alínea a), do Decreto-Lei nº
124/90, de 14 de Abril, na pena de 65 dias de multa à taxa diária de 250$00 e em
7 meses de inibição da faculdade de conduzir.
2. - A decisão condenatória referida concluiu que o
artigo 87º do Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei nº 114/94, de 3 de
Maio, já em vigor à data dos factos, por força do preceituado no artigo 7º, nº
2, do Código Civil, revogou os artigos 1º e 2º do Decreto-Lei nº 124/90, na
medida em que engloba na sua previsão todos os factos previstos nas últimas
normas incriminatórias do Decreto-Lei nº 124/90 e é uma legislação posterior.
Ainda a decisão impugnada recusou aplicar o artigo 87º
do Código da Estrada, com fundamento na sua inconstitucionalidade, decorrendo
esta da seguinte formulação:
'Este diploma [o novo Código da Estrada] foi publicado no uso da autorização
legislativa concedida pela Lei 63/93 de 21/8.
Esta lei de autorização legislativa, no seu ponto 5, autoriza o Governo a
rever as normas constantes do DL 124/90 de 14/4 apenas na medida do alargamento
dos respectivos pressupostos à punição da condução sob influência de
estupefacientes, psicotrópicos e estimulantes ou outras substâncias similares.
Por outro lado a Lei 35/94 de 15/9 que autorizou o Governo a rever o C.Penal
prevê no seu ponto 146 a inclusão naquele diploma legal de um art. 292º que
prevê como criminosa a conduta de quem conduzir veículos na via pública com taxa
de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l.
O constante desta Lei 35/94 constitui importante elemento interpretativo dos
limites da autorização concedida neste diploma pela Lei 63/93.
A 'definição dos crimes, penas, medidas de segurança e respectivos
pressupostos' é da exclusiva responsabilidade da Assembleia da República art.
68º, nº 1, al d), da Constituição da República.
Do que se conclui que, na parte que nos ocupa, o Governo legislou sobre
matéria criminal, excedendo os limites da autorização legislativa concedida pela
Assembleia da República.
Em consequência, a norma do art. 87º, do CE na parte em que prevê e pune a
condução sob a influência de álcool com uma taxa igual ou superior a 1,2 g/l,
revogando o constante do DL 124/90, é inconstitucional - art. 277º, nº 1, al.
a), da Constituição da República.'
3. - Foi desta decisão que o Ministério Público interpôs
recurso obrigatório de inconstitucionalidade, relativamente à recusa da
aplicação da norma do artigo 87º do Código da Estrada.
Neste Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, nas
alegações que apresentou, suscitou a questão prévia do não conhecimento do
objecto do recurso por falta de interesse processual, fundamentando esta sua
posição na existência de um Parecer da Procuradoria-Geral da República (nº
61/94, de 27 de Outubro de 1994) e na existência de jurisprudência do Tribunal
da Relação do Porto, de 12 de Outubro de 1994, referindo após a citação destes
elementos, o seguinte:
'A sentença recorrida perfilhou, como vimos, entendimento contrário.
Só que acabaria por condenar o arguido pela prática do crime de condução sob
influência do álcool previsto nos artigos 1º e 2º, nº 1, do Decreto-Lei nº
124/90, por ter recusado a aplicação da norma constante do artigo 87º do Código
da Estrada, com fundamento na sua inconstitucionalidade orgânica.
Isto significa que, embora por outra via, a decisão recorrida acabou por
chegar à mesma conclusão a que chegaria se tivesse interpretado a norma
questionada nos termos em que o fizeram o Conselho Consultivo da
Procuradoria-Geral da República ou o Tribunal da Relação do Porto. Ou seja, e
por outras palavras, quer se parta de uma, quer de outra interpretação, chega-se
ao mesmo resultado: o arguido seria punido, em qualquer caso, pela prática do
mesmo crime e com a mesma pena.
Mas, sendo assim, inexiste interesse processual no conhecimento do objecto do
recurso.
Na verdade, como se escreveu no Acórdão nº 454/91, de 3 de Dezembro de 1991,
na esteira de jurisprudência constante do Tribunal Constitucional, o julgamento
da questão de constitucionalidade desempenha sempre uma função instrumental,
apenas se justificando que a ele se proceda se o mesmo tiver utilidade para a
decisão da questão de fundo. Ou seja: o sentido do julgamento da questão de
constitucionalidade há-de ser susceptível de influir na decisão destoutra
questão, pois, de contrário, estar-se-ia a decidir uma pura questão académica.
Ora, era o que aconteceria se se apreciasse a questão de constitucionalidade
que vem posta, visto que o arguido, qualquer que fosse a decisão que viesse a
ser tomada, nunca seria por ela afectado.'
O recorrido não apresentou alegações.
Corridos que foram os vistos legais, cumpre decidir.
II - FUNDAMENTOS:
4. - Importa apreciar, antes de mais, a questão prévia
suscitada pelo Procurador-Geral da República.
Entende-se, na posição exposta, que a apreciação da
questão de constitucionalidade, que levou à recusa da aplicação da norma do
artigo 87º do Código da Estrada, é totalmente irrelevante no sentido de influir
na decisão proferida, qualquer que seja a posição que sobre essa questão se
venha a ter, pelo que, de acordo com a jurisprudência deste Tribunal
Constitucional, não deve o Tribunal conhecer do objecto do recurso.
Vejamos.
O recurso vem interposto ao abrigo da alínea a), do nº
1, do artigo 280º da Constituição e do artigo 70º, nº 1, alínea a) da Lei do
Tribunal Constitucional (Lei nº 28/82, de 15.11, alterada pela Lei nº 85/89, de
7.08).
Assim, das decisões dos tribunais que recusam a
aplicação de qualquer norma, com fundamento na sua inconstitucionalidade - as
chamadas decisões positivas de inconstitucionalidade, ou decisões de
acolhimento, na terminologia italiana - cabe recurso para o Tribunal
Constitucional, recurso que é directo, imediato e obrigatório para o Ministério
Público, independentemente de serem possíveis outros recursos ordinários, no
sentido de se vir a uniformizar a jurisprudência e a permitir que, sobre matéria
de conformidade da normação infraconstitucional à Lei Fundamental, o Tribunal
Constitucional tenha a última palavra.
Mas mesmo no âmbito deste tipo de recurso de
constitucionalidade, o conhecimento do recurso só se justifica se a sua decisão
for relevante para a resolução da questão de fundo que a decisão recorrida
acabou por decidir.
Com efeito, o recurso de constitucionalidade é um
recurso instrumental e, de acordo com a jurisprudência uniforme do Tribunal
Constitucional, a utilidade do julgamento da questão de constitucionalidade tem
de aferir-se pela existência ou não da possibilidade da decisão naquela matéria
ir influir na decisão de mérito proferida pelo Tribunal recorrido.
No caso de se demonstrar que o julgamento do recurso de
constitucionalidade nenhuma modificação poderia oferecer na decisão de fundo,
não deverá conhecer-se do recurso, pois, de outra forma, o Tribunal estaria a
decidir uma mera questão académica e a proferir uma decisão inútil pois que sem
qualquer influência na questão de mérito, cuja resolução sempre se manteria
inalterada.
É esta a posição assumida nos autos pelo
Procurador‑Geral Adjunto e recorrente.
Vejamos se é procedente.
5. - Nos autos foi deduzida a acusação contra A. por
condução de veículo automóvel sob a influência de álcool, apresentando uma taxa
de álcool no sangue (TAS) de 2,17 g/l, imputando-lhe por esses factos o
cometimento, como autor material, de um crime previsto e punido nos artigos 1º e
2º do Decreto-Lei nº 124/90, de 14 de Abril.
Na decisão recorrida, começou por se considerar como
provada toda a factualidade alegada na acusação e em sede de fundamentação de
direito começou por se entender que os artigos 1º e 2º do Decreto-Lei nº 124/90,
se tinham de considerar revogados pelo artigo 87º do Código da Estrada, aprovado
pelo Decreto-Lei nº 114/94, de 3 de Maio, por este preceito englobar na sua
previsão a totalidade dos factos previstos nas normas do diploma de 1990.
Mas, em seguida, a decisão recorrida conclui que o
artigo 87º do Código da Estrada é organicamente inconstitucional por não
respeitar o sentido e o objecto da Lei de Autorização Legislativa (a Lei nº
63/93, de 21 de Agosto), pelo que recusa a sua aplicação ao caso em apreço,
vindo a decidir a questão dos autos por aplicação dos artigos 1º e 2º do
Decreto-Lei nº 124/90 - não se declarando se por repristinação ou por outro
motivo - condenando-se o arguido na pena de 65 dias de multa à taxa de 250$00
por dia, e, em alternativa, em 45 dias de prisão, inibindo-o da faculdade de
conduzir por 7 meses.
É assim manifesto que na decisão em apreço se recusou
aplicação à norma do artigo 87º do Código da Estrada, com fundamento em
inconstitucionalidade.
O Ministério Público defende que não deve conhecer‑se do
objecto do recurso pelo facto de inexistir qualquer interesse processual
relevante.
Entende o Tribunal que não é correcto este
posicionamento do recorrente.
Verifica-se que a solução da questão de
constitucionalidade é susceptível de influenciar o sentido da decisão recorrida.
Com efeito, assentando esta em que o artigo 87º, do CE revogou o artigo 2º, do
Decreto-Lei nº 124/90, a decisão deste Tribunal a considerar conforme à
Constituição o referido artigo 87º, não deixaria de levar - desde que se
mantivesse o encadeamento argumentativo seguido na decisão recorrida - a que o
arguido viesse a ser condenado com base na contra-ordenação emergente do artigo
87º do CE, em vez de ser punido pelo crime p. e p. pelo artigo 2º, do
Decreto-Lei nº 124/90.
Assim, tem de se concluir que continua a existir
interesse processual no conhecimento do objecto do recurso, pelo que se deverá
julgar improcedente a questão prévia suscitada pelo Ministério Público.
6. - Passando, portanto, a conhecer do mérito da questão
de constitucionalidade suscitada importa, antes de mais, ver o texto das normas
em questão.
O artigo 2º do Decreto-Lei nº 124/90, de 14 de Abril,
sob a epígrafe 'Crime', estabelece o seguinte: '1. Quem conduzir veículos, com
ou sem motor, em via pública ou equiparada, apresentando uma TAS igual ou
superior a 1,2 g/l será punido com pena de prisão até um ano ou multa até 200
dias, se pena mais grave não for aplicável. 2. Se o facto for imputável a
título de negligência, a pena será de prisão até seis meses ou multa até 100
dias.'
Pelo seu lado, o artigo 3º do mesmo diploma, sob a
epígrafe 'Contravenção', estabelece que '1. Constituem contravenção os factos
descritos no nº 1 do artigo 2º quando o condutor apresentar uma TAS inferior a
1,20 g/l e igual ou superior a o,50 g/l. 2. Sendo a TAS igual ou superior a
0,80 g/l, a multa será de 30 000$00 a 150 000$00. 3. Sendo a TAS igual ou
superior a 0,50 g/l e inferior a 0,80 g/l, a multa será de 15 000$00 a 75
000$00.'
Por último, o artigo 3º do Decreto-Lei nº 124/90, fazia
acrescer às penas previstas nos artigos 2º e 3º, a sanção acessória de inibição
de conduzir por períodos diferenciados, consoante a incriminação.
Entretanto, veio a entrar em vigor um novo Código da
Estrada (CE), aprovado pelo Decreto-Lei nº 114/94, de 3 de Maio. No seu artigo
87º estabelece-se: '1. É proibido conduzir sob a influência do álcool,
considerando-se como tal a condução com uma taxa de álcool no sangue igual ou
superior a 0,5 g/l. 2. Quem conduzir sob a influência do álcool será punido com
coima de 20 000$00 a 100 0000$00, salvo se a taxa de álcool no sangue for igual
ou superior a 0,8 g/l, caso em que a coima será de 40 000$00 a 200 000$00.(...)'
O Decreto-Lei nº 124/90, foi publicado ao abrigo da
autorização legislativa concedida pela Lei nº 31/89, de 21 de Agosto, e veio
depois a ser regulamentado pelo Decreto Regulamentar nº 12/90, de 14 de Maio, e
pela Portaria nº 986/92, de 20 de Outubro.
Por outro lado, o artigo 2º do Decreto-Lei nº 114/94, de
3 de Maio, preceitua que 'é revogado o Código da Estrada aprovado pelo
Decreto-Lei nº 39.672, de 20 de Maio de 1954, bem como a respectiva legislação
complementar que se encontre em oposição às disposições do Código ora aprovado'.
O diploma que aprovou o novo CE foi publicado no uso da
autorização legislativa concedida pela Lei nº 63/93, de 21 de Agosto, que, no
seu ponto 5º autoriza o Governo a rever as normas constantes do Decreto-Lei nº
124/90, mas apenas na medida em que permite o alargamento dos respectivos
pressupostos à punição da condução sob a influência de estupefacientes,
psicotrópicos e estimulantes ou outras substâncias similares.
Entretanto, foi publicada a Lei nº 35/94, de 15 de
Setembro, que autorizou o Governo a rever o Código Penal e, nessa lei, o ponto
147 autorizou o Governo a substituir os artigos 277º a 281º 'Dos crimes contra s
segurança das comunicações' pelos artigos 287º a 294º, tendo o artigo 292º, sob
a epígrafe 'Condução de veículo em estado de embriaguês', a seguinte redacção:
'Quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via
pública ou equivalente, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2
g/l é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias, se
pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.'
A questão de constitucionalidade que se tem de resolver
nos autos é a da inconstitucionalidade orgânica, por violação do artigo 168º,
nº1, alínea c) e nº 2 da Constituição.
Esta questão foi já objecto de três acórdãos deste
Tribunal (os nºs 608, 609 e 610/95, todos da 2ª Secção) e, por se concordar com
a solução ali encontrada, se passa a transcrever o essencial da fundamentação de
um desses arestos.
Escreveu-se no mencionado acórdão (Acórdão nº 609/95),
depois de se esclarecer que da conjugação do artigo 2º do Decreto-Lei nº 114/94
com o artigo 87º do CE apenas decorre a revogação do artigo 3º do Decreto-Lei nº
124/90 (que punia como contravenção a condução com um TAS igual a ou superior a
0,50 mas inferior a 1,20 g/l) e o artigo 4º, na parte em remetia para o artigo
3º daquele diploma), só podendo considerar-se revogados os artigo 1º, 2º e 4º,
na parte em que remete para o artigo 2º ainda do Decreto-Lei nº 124/90, com a
entrada em vigor do Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março, que aprovou o Código
Penal, no qual o artigo 292º passou a regular a punição, como crime, da condução
de viaturas com um TAS igual ou superior a 1,20 g/l:
'Seria, de resto, irrazoável admitir que o legislador tivesse pretendido deixar
de considerar crime uma conduta tão perigosa como é a condução de veículos por
quem apresente uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,20 gr/l.
É certo - como se sublinhou no Acórdão nº 83/95 (Diário da
República, II série, de 16 de Junho de 1995) - que 'só os comportamentos, que se
traduzem em violações de direitos e interesses que, no contexto da ordem
jurídico-constitucional, tenham ou devam ter valor (e, por isso, sejam valores
elevados à dignidade de bens jurídicos) podem cair no âmbito do direito penal'.
Mas certo é igualmente que a vida e a segurança das pessoas - que o legislador
pretende proteger com a punição da condução sob a influência do álcool - 'são,
seguramente, bens que, à luz da ordem jurídico-constitucional de valores, o
direito penal pode assumir como seus (isto é, como bens jurídico‑penais)' (cf.
citado acórdão nº 83/95). E são-no, certamente, num âmbito - o da circulação
rodoviária - em que se verificam elevados índices de sinistralidade e em que,
por isso, urge pôr cobro a condutas, como a condução sob influência do álcool,
que, pela sua gravidade, põem em causa a vida de todos quantos circulam nas
estradas.
A necessidade de lançar mão de sanções penais para assegurar a
protecção de tais bens jurídicos no domínio da circulação rodoviária
reafirmou-a, de resto, o legislador no já citado artigo 292º do Código Penal,
com cuja entrada em vigor foi então revogado, como se disse, o artigo 2º do
Decreto-Lei nº 124/90.'
Assim, não pode deixar de se concluir que o Governo ao
editar o artigo 87º do CE não excedeu os limites da autorização legislativa:
nesta Lei a Assembleia da República não concedeu poderes ao Governo para
desgraduar em contraordenações o crime de condução sob influência do álcool, e a
revisão ou revogação de normas penais incriminadoras de violações de normas sob
o trânsito foi condicionada à inalterabilidade dos tipos de crime e à proibição
de agravação dos limites das sanções aplicáveis, nem violou a reserva da
Assembleia da República, uma vez que ao editá-lo não legislou sobre crimes ou
matéria criminal.
O recurso de constitucionalidade não pode, pois, deixar
de improceder.
Porém, mesmo para quem admita, como se fez na decisão
recorrida (ao contrário da jurisprudência penal das Relações que sempre defendeu
a não derrogação dos artigo 1º, 2º, 4º, nºs 1 e 2, e 5º, alínea a) do
Decreto-Lei nº 124/90 pelo artigo 87º, nº 2, do CE - acórdãos in 'Colectânea de
Jurisprudência', Ano XIX (1994), Tomo I), que houve revogação pelo artigo 87º,
nº 2 do CE das referidas normas do Decreto‑Lei nº 124/90, então sempre haveria
que optar pela interpretação segundo a qual aquele preceito legal apenas tinha
passado a punir como contra-ordenações as infracções que no mencionado diploma
constituíam contravenções, mantendo-se, assim, em vigor aqueles normativos do
Decreto-Lei nº 124/90, na medida em que esta interpretação não violaria a
Constituição.
Como se escreveu no referido Acórdão n.º 609/95:
'De facto, entre uma interpretação que é conforme à Constituição e outra que com
ela é incompatível, o intérprete (juiz incluído) deve preferir sempre o sentido
que o texto constitucional suporta. Se o não fizer e desaplicar a norma legal
com fundamento em inconstitucionalidade, no recurso que subir ao Tribunal
Constitucional, deve este fixar o sentido da norma que é compatível com a
Constituição, e mandar aplicar esta no processo com tal interpretação [cf.,
neste sentido, os Acórdãos nºs 163/95 e 198/95 (Diário da República, II série,
de 8 de Junho de 1995 e de 22 de Junho de 1995, respectivamente)].'
Não pode, nesta perspectiva, deixar de invocar e aplicar
aqui o preceituado no nº 3 do artigo 80º, da Lei do Tribunal Constitucional.
Neste preceito estabelece-se que 'no caso de o juízo de
constitucionalidade ou de legalidade sobre a norma que a decisão recorrida tiver
aplicado, ou a que tiver recusado aplicação, se fundar em determinada
interpretação da mesma norma, esta deve ser aplicada com tal interpretação, no
processo em causa'.
O artigo 87º, n.º 2, do CE deve, pois, ser interpretado
no sentido de não ter derrogados artigos 1º, 2º e 4º, n.ºs 1 e 2, alínea a), do
Decreto-Lei n.º 124/90, de 14 de Abril. O entendimento a ter daquele preceito é
o de que se passou a punir como contra-ordenação as infracções que, naquele
decreto-lei, constituíam contravenção.
Nesta interpretação, o mencionado artigo não está
afectado de qualquer vício de inconstitucionalidade, pelo que deve assim ser
interpretado e aplicado nos autos.
III - DECISÃO:
Nestes termos, decide-se conceder provimento ao recurso
e, em consequência, determina-se a reformulação da decisão recorrida por forma a
nela se aplicar o artigo 87º, nº 2, do Código da Estrada, com a interpretação
aqui julgada conforme à Constituição.
Lisboa,1995.XI.21
Vítor Nunes de Almeida
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Dinis
Maria Fernanda Palma
Alberto Tavares da Costa
José Manuel Cardoso da Costa