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Processo nº 19/94
2ª/Plenário
Relator: Conselheiro Guilherme da Fonseca
Acordam no Plenário do Tribunal Constitucional:
I
1. O Procurador Geral da República requereu ao Tribunal
Constitucional, 'no uso da faculdade que lhe é conferida pelo artigo 281º, nº
1, alínea a) e nº 2, alínea e), da Constituição da República Portuguesa',
doravante CRP, a apreciação e declaração de inconstitucionalidade, com força
obrigatória geral: 'a) do artigo 68º do Decreto-Lei nº 445/91, de 20 de
Novembro; b) do Regulamento aprovado em reunião da Assembleia Municipal de
Lisboa, de 11 de Julho de 1991 (Publicado no Diário Municipal nº 16 276, de 20
de Dezembro)'.
O requerimento foi assim fundamentado:
'1. Dispõe o artigo 68º do Decreto-Lei nº 445//91, de 20 de Novembro:
'A emissão de alvarás de licença de construção e de utilização está sujeita ao
pagamento das taxas a que se refere a alínea b) do artigo 11º da Lei nº 1/87,
de 6 de Janeiro, não havendo lugar ao pagamento de quaisquer mais-valias ou
compensações'.
Em consequência de tal norma - inserida no diploma legal que estabeleceu o
regime jurídico do licenciamento de obras particulares - ficou vedado aos
municípios a cobrança de taxas pela realização de infra-estruturas urbanísticas
no processo de licenciamento de obras particulares, operando-se, por esta via,
uma restrição à faculdade que decorria do regime previsto no artigo 11º da Lei
das Finanças Locais (Lei nº 1/87, de 6 de Janeiro), que dispõe:
'Os municípios podem cobrar taxas por:
a) Realização de infra-estruturas urbanísticas;
b) Concessão de licença de loteamento, de execução de obras particulares, de
ocupação da via pública por motivo de obras e de utilização de edifícios.'
(...)
Na verdade, como consequência da norma ora impugnada, a genérica faculdade
que decorria do preceituado na alínea a) deste artigo 11º é restringida, uma vez
que os municípios ficam impedidos legalmente de cobrar taxas pelas
infra-estruturas urbanísticas, que hajam efectivamente realizado, no âmbito
dos processos de licenciamento de obras particulares e como condicionante da
emissão do respectivo alvará.
2. A CRP estabelece, no artigo 240º, o princípio da autonomia financeira
das autarquias locais, dispondo, por sua vez, o artigo 168º, nº 1, alínea s)
que é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre o
estatuto das autarquias locais, incluindo o regime das finanças locais.
Constitui, deste modo, toda a regulamentação do regime das finanças locais -
isto é, da actividade financeira das autarquias, consistente na obtenção e
emprego de bens económicos, com vista à satisfação das respectivas
necessidades - matéria inserida no âmbito da competência legislativa reservada
à Assembleia da República - e constando presentemente do texto da Lei nº 1/87,
de 6 de Janeiro.
O Decreto-Lei nº 445/91 foi emitido no uso da autorização legislativa
concedida ao Governo pela Lei nº 58/91, de 13 de Agosto, que abrangia a
regulamentação da matéria do licenciamento municipal de obras e o
estabelecimento do regime sancionatório adequado - sem, todavia, fazer qualquer
referência, no seu texto, ao tipo de taxas que poderiam ou não ser exigidas no
processo de licenciamento daquelas obras.
Não estava, deste modo, o Governo credenciado pelo Parlamento para
restringir o alcance da alínea a) do artigo 11º da Lei das Finanças Locais,
dispondo sobre as circunstâncias em que as autarquias podem ou não proceder à
cobrança de taxas pela realização de infra-estruturas urbanísticas. Ao fazê-lo,
sem dispor da indispensável autorização da Assembleia da República, está o
Governo a interferir na autonomia constitucionalmente reservada às autarquias
locais e a ofender o princípio da reserva de lei, no que às finanças locais se
refere - o que acarreta a inconstitucionalidade orgânica da norma constante do
citado artigo 68º.
3. O Regulamento da Taxa Municipal de Infra-Estruturas Urbanísticas do
Município de Lisboa veio definir regras sobre a incidência e isenção ou redução
da taxa que constitui a contrapartida devida ao município pelas utilidades
prestadas aos particulares pelas infra-estruturas urbanísticas primárias e
secundárias, cuja realização, remodelação ou reforço seja consequência de
operações de construção, reconstrução ou ampliação de edifícios ou de
alterações na forma de utilização destes.
Sucede que tal diploma, de cariz claramente regulamentar, não cita a lei
habilitante, nos termos impostos pelo nº 7 do artigo 115º da CRP, o que
acarreta a respectiva inconstitucionalidade formal, pelas razões apontadas
no Acórdão nº 76/88 do Tribunal Constitucional, emitido a propósito de caso
análogo ao presente'.
Foram juntos com o requerimento exemplares do Diário da
República, contendo o citado Decreto-Lei 445/91, e do Diário Municipal, contendo
o mencionado Regulamento.
2. Ouvida nos termos e para os efeitos dos artigos 54º e 55º, nº
3, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, veio a Assembleia Municipal de Lisboa
responder e adiantar na resposta as seguintes conclusões:
'1ª. O pedido de declaração de inconstitucionalidade das normas constantes
do Regulamento aprovado pela Assembleia Municipal de Lisboa em reunião de 11 de
Julho de 1991, que criou a Taxa Municipal pela Realização de Infra-Estruturas
Urbanísticas, embora correcto na sua formulação, fundamenta-se num pressuposto
errado;
2ª. Na verdade, conforme se verifica pela cópia autenticada junta como Doc.
nº 1, do texto original do diploma, nos termos exactos em que foi aprovado pela
Assembleia Municipal de Lisboa, sob proposta da Câmara Municipal (Proposta nº
138/91), consta expressamente que o Regulamento foi aprovado 'ao abrigo do
determinado no artº 11º, a), da Lei nº 1/87, de 6 de Janeiro (Finanças Locais),
artº 39º, nº2, l) do Decreto-Lei nº 100/84, de 29 de Março e expressamente artº
43º, nº 1 do Decreto-Lei nº 400/84, de 31 de Dezembro';
3ª. É assim manifesto que o Regulamento aprovado pela AML em reunião de 11
de Julho de 1991, que criou a Taxa Municipal pela Realização de Infra-Estruturas
Urbanísticas, cumpre todos os requisitos de validade formal exigidos pelo nº 7
do artº 115 da CRP, mencionando expressamente as leis que definem a competência
objectiva e subjectiva para a sua emissão, inexistindo, portanto, o alegado
vício de inconstitucionalidade formal.
4ª. Existiu na verdade uma discrepância entre o texto original do diploma,
nos termos em que foi aprovado pela AML, e o texto impresso na respectiva
publicação através do Edital nº 269//91 (publicado no Diário Municipal nº 16276,
de 20/12/91), em virtude de na publicação não ter constado a menção das leis
habilitantes, erro esse que foi já rectificado através do Edital nº 22/94,
publicado no Diário Municipal nº 16816, de 14 de Fevereiro de 1994 (cfr. DOC nº
2 adiante junto);
5ª. Tal erro de publicação tem manifestamente natureza inteiramente distinta
do vício apontado pelo Procurador-Geral da República no seu requerimento
inicial - que era o vício decorrente da falta de menção da lei ou leis
habilitantes - e não é susceptível de consubstanciar a alegada
inconstitucionalidade formal por violação do disposto no nº 7 do artº 115º da
Constituição;
6ª. No caso de assim não se entender, deve considerar-se que uma eventual
obrigação de restituição aos contribuintes de toda a 'taxa pela realização de
infra-estruturas urbanísticas' entretanto liquidada e arrecadada, provocaria
uma ruptura imediata na gestão orçamental do Município e causaria uma
perturbação de graves consequências na prestação de serviços à Cidade e aos
munícipes, designadamente na própria actividade de realização de
infra-estruturas urbanísticas, o que representaria, aliás, um efeito
manifestamente desproporcionado face à natureza do erro material verificado na
publicação, pelo que se afigura, assim, existirem no caso concreto razões de
interesse público de relevo suficiente para que este Venerando Tribunal, caso
conclua pela relevância constitucional do erro de publicação verificado, se
digne ponderar fazer uso da faculdade que lhe é conferida pelo nº 4 do artº 282º
da CRP, à semelhança do que se julgou no Acórdão nº 76/88, de 7 de Abril de
1988.
Nestes termos, requer-se que este Venerando Tribunal não declare a
inconstitucionalidade das normas constantes do Regulamento aprovado pela
Assembleia Municipal de Lisboa em reunião de 11 de Julho de 1991, que criou a
Taxa Municipal pela Realização de Infra-Estruturas Urbanísticas, ou, caso assim
não entenda, que se digne ponderar fazer uso da faculdade que lhe é conferida
pelo nº 4 do artº 282º da CRP, limitando os efeitos da declaração de
inconstitucionalidade atentas as razões de interesse público em presença no caso
concreto'.
Com a resposta foram juntas fotocópia da Proposta nº 138/91,
da Câmara Municipal de Lisboa, identificada como Doc. nº 1, e fotocópia do
Diário Municipal nº 16816, de 14 de Fevereiro de 1994, identificada como Doc. nº
2.
3. Ouvido igualmente o Primeiro-Ministro, veio sustentar
que 'não deverá o Tribunal pronunciar-se pela inconstitucionalidade da norma
supra referida' oferecendo a resposta que se transcreve:
1º) O art. 68º do Decreto-Lei nº 445/91, de 20/11, estabelece a sujeição da
emissão de alvarás de licença de construção ao pagamento das taxas referidas na
alínea b) do art. 11º da Lei nº 1/87, de 6 de Janeiro (Lei das Finanças Locais),
determinando também que não haverá 'lugar ao pagamento de quaisquer mais-valias
ou compensações'.
2º) O Senhor Procurador-Geral da República considera que a parte final do
referido art. 68º do Decreto-Lei nº 445/91, de 20/11, impede que os municípios
cobrem taxas pela realização de infra-estruturas urbanísticas no processo de
licenciamento de obras particulares.
3º) Desta forma, o diploma legal em causa restringiria o poder ou a
faculdade estabelecida na alínea a) do art. 11º da Lei das Finanças Locais, isto
é, o de cobrar taxas pela 'realização de infra-estruturas urbanísticas'.
4º) Ora como, nos termos do art. 168º, nº1, s) da Constituição, é da
competência exclusiva da Assembleia da República legislar sobre os estatutos
das autarquias locais , 'incluindo o regime de Finanças locais'; como o
Decreto-Lei nº 445/91, de 20/11, foi emitido ao abrigo de uma autorização
legislativa (Lei nº 58/91, de 13 de Agosto), sendo tal lei omissa quanto às
receitas a serem cobradas no processo de licenciamento de obras particulares,
o Governo não estava habilitado a legislar sobre essa matéria.
5º) Salvo o devido respeito, tal tese não é procedente, como se tentará
demonstrar.
6º) É que do art. 68º do Decreto-Lei nº 445/91, de 20/11, não resulta
qualquer impossibilidade de os municípios cobrarem as taxas referidas na alínea
a) do art. 11º da Lei nº 1/87.
7º) Na verdade, estamos perante duas situações diferentes, que podem gerar a
cobrança de dois tipos de receitas também diferentes: a emissão de alvará da
licença de construção e de utilização (alínea b) do artº 11º da Lei nº 1/87) e
a realização de infra-estruturas urbanísticas (alínea a) do art. 11º da Lei nº
1/87).
8º) Em certas situações, não há lugar a infra-estruturas urbanísticas -
logo, não há também lugar ao pagamento da taxa prevista na alínea a) do art. 11º
da Lei nº 1/87. Mas, se simultaneamente com a concessão de alvará de licença de
construção, tiver havido realização de infra-estruturas urbanísticas, há lugar à
taxa prevista na alínea a) do art. 11º da Lei nº 1/ /87.
9º) Por outras palavras: o que o art. 68º do Decreto-Lei nº 445/91, de
20/11, proíbe é que pela emissão de alvará de licença de construção possa haver
lugar à cobrança de outra taxa, que não a prevista na alínea b) do art. 11º da
Lei nº 1/87.
10º) Mas do art. 68º do Decreto-Lei nº 445/91, de 20/11, não resulta nenhuma
proibição à cobrança de outra taxa, resultante de outro facto que não a licença
de construção.
11º) Isto é, a norma em crise (art. 68º do Decreto-Lei nº 445/91) não
restringe o quer que seja nesta matéria, porque a restrição já resultava da
própria Lei nº 1/87, uma vez que, nos termos desta, só podia ser cobrada a taxa
prevista na alínea a) do art. 11º se houvesse lugar a infra-estruturas
urbanísticas.
12º) Repare-se que, se estamos perante taxas, estas implicam a existência de
um nexo sinalagmático, pelo que só era possível (antes mesmo do Decreto-Lei nº
445/91, de 20/11) exigir a taxa da alínea a) do art.11º da Lei nº 1/87 se
tivesse havido, efectivamente, realização de infra-estruturas urbanísticas.
13º) Por outro lado, a proibição da exigência do 'pagamento de quaisquer
mais-valias ou compensações' não é inovadora já que não se conhece nenhuma lei
que permita aos municípios cobrar tais receitas.
14º) A referida proibição, constante da parte final do art. 68º do
Decreto-lei nº 445/91, de 20/11, tem apenas a natureza de reafirmação de algo
que já decorria da legislação em vigor.
15º) Assim, porque a disposição em crise não implica qualquer restrição nova
aos poderes financeiros dos municípios, o Governo não 'invadiu' a competência
da Assembleia da República, não sendo portanto inconstitucional'
4. Após a distribuição, o Relator ordenou uma diligência, ao
abrigo do disposto no artigo 64º.-A, da Lei nº 28//82, aditado pelo artigo 2º da
Lei nº85/89, de 7 de Setembro, a que o Presidente da Assembleia Municipal de
Lisboa deu satisfação, remetendo a este Tribunal Constitucional, 'devidamente
autenticadas, fotocópia da Proposta 138/91 da Câmara Municipal e fotocópia da
parte da acta da Assembleia Municipal que diz respeito à deliberação tomada na
mesma Assembleia referente à Proposta acima citada'.
II
5. Como claramente flui do requerimento do Procurador-Geral
da República, são de dois tipos as normas cuja apreciação é submetida a este
Tribunal Constitucional, conquanto digam respeito à mesma matéria das taxas
devidas pela emissão de alvarás de licença de construção e de utilização no
processo de licenciamento de obras particulares:
a) uma norma de natureza legislativa, o artigo 68º do
Decreto-Lei nº 445/91, de 20 de Novembro, que reza assim: 'A emissão de alvarás
de licença de construção e de utilização está sujeita ao pagamento das taxas a
que se refere a alínea b) do artigo 11º da Lei nº 1/87, de 6 de Janeiro, não
havendo lugar ao pagamento de quaisquer mais-valias ou compensações'.
b) outras de natureza regulamentar, todas as normas
constantes do Edital nº 269/91, publicado no Diário Municipal da Câmara
Municipal de Lisboa, nº 16276, de 20 de Dezembro de 1991, sob a epígrafe de:
Criação da Taxa Municipal de Infra-Estruturas Urbanísticas (o Edital contém oito
artigos, assim distribuídos: o artigo 1º, sobre a natureza e fins da taxa
municipal, que 'constitui a contrapartida devida ao município pelas utilidades
prestadas aos particulares pelas infra-estruturas urbanísticas primárias e
secundárias cuja realização, remodelação ou reforço seja consequência de
operações de construção, reconstrução ou ampliação de edifícios ou de
alterações na forma de utilização destes'; o artigo 2º, sobre a incidência da
taxa; o artigo 3º, definindo isenções e reduções; os artigos 4º e 5º, enunciando
o cálculo da taxa; o artigo 6º, sobre liquidação e cobrança da taxa; o artigo
7º, sobre a fixação do valor unitário; e o artigo 8º, contendo disposições
transitórias e finais).
Por estas últimas - as normas do Edital nº 269/91 - se vai
começar, apenas por uma razão de comodidade, atento o teor da resposta da
Assembleia Municipal de Lisboa.
6. O pedido do requerente assenta apenas na afirmação de que
'tal diploma, de cariz claramente regulamentar, não cita a lei habilitante,
nos termos impostos pelo nº 7 do artigo 115º da CRP, o que acarreta a
respectiva inconstitucionalidade formal, pelas razões apontadas no Acórdão nº
76/88 do Tribunal Constitucional, emitido a propósito de caso análogo ao
presente'.
Ao que responde a Assembleia Municipal de Lisboa que tal
pedido 'fundamenta-se num pressuposto errado', pela simples razão de que houve
manifesto erro na publicação do citado Edital, não constando dela a parte da
deliberação da Assembleia Municipal de Lisboa 'onde vêm expressamente
mencionadas as leis habilitantes para a sua emissão'.
'Existiu na verdade uma discrepância entre o texto original
do diploma, nos termos em que foi aprovado pela AML, e o texto impresso na
respectiva publicação através do Edital nº 269//91 (publicado no Diário
Municipal nº 16276, de 20/12/91), em virtude de na publicação não ter constado a
menção das leis habilitantes, erro esse que foi já rectificado através do
Edital nº 22/94, publicado no Diário Municipal nº 16816, de 14 de Fevereiro de
1994 (cfr. DOC nº 2 adiante junto)' - é a afirmação essencial que se extrai da
resposta da autora do Edital.
Será assim?
Do resultado da diligência ordenada pelo relator decorre à
evidência que o Edital em causa nasceu de uma proposta - a Proposta nº 138/91 -
da Câmara Municipal de Lisboa, que foi aprovada por maioria na acta da reunião
de 5 de Junho de 1991, com 13 votos a favor e 2 abstenções, nela se invocando
expressamente ' o que se expõe ao abrigo do determinado no artº 11º a) da Lei nº
1/87 de 6 de Janeiro (Finanças Locais), artº 39º, nº 2, l) do Decreto-Lei nº
100/84 de 29 de Março e expressamente artº 43º, nº 1 do Decreto-Lei nº 400/84
de 31 de Dezembro'.
Por sua vez, da acta nº 45 da sessão ordinária da Assembleia
Municipal de Lisboa iniciada no dia 20 de Junho e continuada em 11 de Julho de
1991 consta o 'ponto onze', exactamente sobre a dita Proposta, enviada 'ao
abrigo da alínea l) do numero dois do artigo trigésimo nono do decreto lei cem/
/oitenta e quatro, de vinte e nove de Março', aí se dando conta da apresentação
da proposta pelo vereador Luís Simões e da discussão que ela originou, com
intervenção de vários vogais da assembleia, terminando com a votação, 'tendo a
Assembleia deliberado aprová-la, por maioria, sem votos contra, votos
favoráveis de todas as forças políticas e a abstenção do Partido Social
Democrata'.
Tais elementos probatórios apontam claramente no sentido de
que, contrariamente ao que invoca o requerente, as normas regulamentares
aprovadas pela Assembleia Municipal de Lisboa assentaram numa proposta
camarária, nos termos previstos nos artigos 39º, nº 2, l) e 51º, nº 3, a) do
Decreto-Lei nº 100/84, de 29 de Março, e nela vem citada e identificada a lei
habilitante.
Lê-se no acórdão deste Tribunal Constitucional nº 76/88,
citado pelo requerente:
'(...) Dispõe o nº 7 do artigo 115º da CRP que 'os regulamentos devem indicar
expressamente as leis que visam regulamentar ou que definem a competência
subjectiva para a sua emissão'. Para a perfeita compreensão do sentido e
alcance do preceito, indispensável é estabelecer-se o confronto do nº 7 com o
nº 6 do artigo 115º.
De facto, enquanto o nº 6 do artigo 115º da CRP estipula que 'os
regulamentos do Governo revestem a forma de decreto regulamentar quando tal
seja determinado pela lei que regulamentam, bem como no caso de regulamentos
independentes', limitando por conseguinte, e de modo expresso, a determinação
dele constante aos regulamentos do Executivo, já o nº 7 do mesmo artigo se
refere a regulamentos tout court, sujeitando, assim, todo e qualquer
regulamento, independentemente da consideração do órgão ou da autoridade donde
tiverem emanado, à imposição de tipo alternativo nele prevista.
É, pois, claro, face a este simples cotejo normativo, que abrangidos pela
regra bidireccional do nº 7 do artigo 115º da CRP estão todos os Regulamentos,
nomeadamente os que provenham do Governo [artigo 202º, alínea c)], dos órgãos de
governo próprio das regiões autónomas [artigo 229º, alínea b)] e dos órgãos
próprios das autarquias locais (artigo 242º da CRP). Todos esses regulamentos,
de um ou de outro modo, estão umbilicalmente ligados a uma lei, à lei que
necessariamente precede cada um deles, e que, por força do disposto no nº 7 do
artigo 115º da CRP, tem de ser obrigatoriamente citada no próprio regulamento.
O papel dessa lei precedente - di-lo o nº 7 do artigo 115º - não é sempre o
mesmo.
Umas vezes a lei a referir é aquela que o regulamento visa regulamentar.
Será esse o caso dos regulamentos de execução stricto sensu ou dos regulamentos
complementares.
Outras vezes a lei a indicar é a que define a competência subjectiva e
objectiva para a sua omissão. De facto, no exercício do poder regulamentar têm
de ser respeitados diversos parâmetros, e assim é que 'cada autoridade ou órgão
só pode elaborar os regulamentos para cuja feitura a lei lhe confira
competência, não podendo invadir a de outras autoridades ou órgãos (competência
subjectiva)' e nessa 'feitura deverá visar-se o fim determinante da atribuição
do poder regulamentar (competência objectiva)' - Afonso Rodrigues Queiró,
'Teoria dos Regulamentos' Revista de Direito e Estudos Sociais, ano XXVII, nºs
1-2-3-4, p. 19. A necessidade de citação dessa lei definidora da competência,
subjectiva e objectiva da autoridade ou órgão que emite o regulamento,
verificar-se-á designadamente no caso dos regulamentos autónomos.'
Obedecendo a este quadro está o Regulamento ora em causa,
constante do Edital nº 269/91, pois da proposta camarária nº 138/91 logo
constava a identificação da lei habilitante, e como tal ela foi aprovada em
reunião da Assembleia Municipal de Lisboa. Em termos tais que se pode considerar
cumprido 'o dever de citação da lei habilitante' de que falam Gomes Canotilho e
Vital Moreira ('O princípio da primariedade ou precedência da lei é claramente
afirmado no nº 7, onde se estabelece: a) a precedência da lei relativamente a
toda a actividade regulamentar; b) o dever de citação da lei habilitante por
parte de todos os regulamentos. Esta dupla exigência torna ilegítimos não só os
regulamentos carecidos de habilitação legal mas também os regulamentos que,
embora com provável fundamento legal, não individualizam expressamente este
fundamento' - escrevem aqueles Autores, Constituição Anotada, 3ª ed. pág. 514).
Por consequência, não se pode falar in casu da ausência de um
elemento formal constitucionalmente necessário, inexistindo, assim,
inconstitucionalidade formal, por referencia ao nº 7 do artigo 115º da CRP.
E, então, que influência pode ter em tal conclusão a
inexactidão da publicação no Diário Municipal do Edital nº 269/91, corrigida
mais tarde por via do Edital nº 22/94 (e este enuncia logo no frontispício: 'Por
ter saído incompleta a publicação da deliberação da Assembleia Municipal de
Lisboa constante do Edital nº 269/91 (Diário Municipal nº 16276, de 20 de
Dezembro de 1991)(...)), já na pendência destes autos de fiscalização
abstracta?
Parece evidente que, à luz da principiologia do Estado de
direito democrático constitucionalmente consagrado no artigo 2º da CRP, a função
da exigência do dever de citação da lei habilitante consiste não apenas em
disciplinar o uso do poder regulamentar, obrigando os órgãos da Administração a
controlarem, em cada caso, a habilitação legal de cada regulamento, mas também
em garantir a segurança e a transparência jurídicas, importantes para os
destinatários da norma regulamentar.
Ora, a partir do momento da publicação no Diário Municipal,
nº 16876, de 14 de Fevereiro de 1994, do citado Edital nº 22/94, mostra-se
cumprido o tal dever de citação da lei habilitante, pois por essa via foi
corrigida a inexactidão da publicação no Diário Municipal do anterior Edital nº
269/91, inexistindo, deste modo, e para o futuro, relativamente ao Regulamento
em causa, a invocada inconstitucionalidade formal.
Quanto ao período intertemporal decorrido entre os dois
Editais - pouco mais de dois anos - e tratando-se in casu de processo de
fiscalização abstracta de constitucionalidade, não se vê que exista um interesse
jurídico relevante na emissão de uma declaração de inconstitucionalidade formal,
com força obrigatória geral, que atinja todas as normas constantes do
Regulamento em causa.
É que, como se disse já no acórdão deste Tribunal
Constitucional nº 17/83, nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 1º volume,
pág. 96, 'qualquer interesse, eventualmente existente, na pretendida declaração
de inconstitucionalidade não se reveste de conteúdo prático aplicável', sendo
'inadequado e desproporcionado accionar um mecanismo de índole genérica e
abstracta, como é a declaração com força obrigatória geral, da
inconstitucionalidade'. Pois que, os efeitos eventualmente produzidos por tais
normas, durante aquele tempo em que vigoraram, podem sempre ser eliminados por
meio de mecanismos processuais à disposição dos interessados, incluindo o
controlo concreto de constitucionalidade.
Com o que não há fundamento para declarar a
inconstitucionalidade do Regulamento aprovado em reunião da Assembleia
Municipal de Lisboa, de 11 de Julho de 1991 (Publicado no Diário Municipal nº 16
276, de 20 de Dezembro).
III
7. Passando agora, e por último, à apreciação da norma do
artigo 68º do Decreto-Lei nº 445/91, de 20 de Novembro, é bom de ver que a
razão não está do lado do requerente.
Com efeito, o pedido do Procurador-Geral da República
assenta essencialmente na afirmação de que em consequência ' de tal norma -
inserida no diploma legal que estabeleceu o regime jurídico do licenciamento de
obras particulares - ficou vedado aos municípios a cobrança de taxas pela
realização de infra-estruturas urbanísticas no processo de licenciamento de
obras particulares, operando-se, por esta via, uma restrição à faculdade que
decorria do regime previsto no artigo 11º da Lei das Finanças Locais (Lei nº
1/87, de 6 de Janeiro)' ('Não estava, deste modo, o Governo credenciado pelo
Parlamento para restringir o alcance da alínea a) do artigo 11º da Lei das
Finanças Locais, dispondo sobre as circunstâncias em que as autarquias podem ou
não proceder à cobrança de taxas pela realização de infra-estruturas
urbanísticas. Ao fazê-lo, sem dispor da indispensável autorização da
Assembleia da República, está o Governo a interferir na autonomia
constitucionalmente reservada às autarquias locais e a ofender o princípio da
reserva de lei, no que às finanças locais se refere - o que acarreta a
inconstitucionalidade orgânica da norma constante do citado artigo 68º.'- é o
resultado lógico decorrente daquela primeira afirmação).
Portanto, é no plano da inconstitucionalidade orgânica que a
apreciação tem de ater-se e no ponto único da tal restrição para os municípios
de cobrarem 'taxas pelas infra-estruturas urbanísticas, que hajam
efectivamente realizado, no âmbito dos processos de licenciamento de obras
particulares e como condicionante da emissão do respectivo alvará' (o que
permite delimitar o pedido a esse ponto, afastando, assim, dele o conhecimento
da matéria da proibição constante da parte final do artigo 68º, determinando-se
que não há 'lugar ao pagamento de quaisquer mais-valias ou compensações').
Registe-se, desde já, que ao questionado artigo 68º foi dada
nova redacção pelo artigo 1º do Decreto-lei nº 250/94, de 15 de Outubro,
passando a número 1 o anterior corpo do artigo e aditando-se os números 2, 3, 4
e 5 (e prescreve esclarecidamente aquele nº 2 o seguinte: 'A câmara municipal
com o deferimento do pedido de licenciamento, procede à liquidação das taxas em
conformidade com o regulamento aprovado pela assembleia municipal')
E registe-se ainda que o diploma legal que no mesmo mês de
Novembro de 1991 veio aprovar o regime jurídico dos loteamentos urbanos - o
Decreto-Lei nº 448/91, de 29 de Novembro - contem uma norma, o artigo 32º, do
mesmo tipo do artigo 68º, prevendo a sujeição ao pagamento de taxas a
'realização de infra-estruturas urbanísticas' e a 'concessão do licenciamento da
operação de loteamento', mas reportando-se às alíneas a) e b) do artigo 11º da
Lei nº 1/87, de 6 de Janeiro, quando é certo que o artigo 68º só refere a
alínea b) e silencia a 'realização de infra-estruturas urbanísticas'.
Só que para haver inconstitucionalidade orgânica, na tese do
requerente, será preciso verificar se funciona para os municípios a apontada
restrição.
E, é isso que não se revela, pelo confronto das citadas
disposições legais. Pelo contrário, pode antes demonstrar-se que não está
vedado aos municípios, sendo caso disso, a cobrança de taxas pela realização de
infra-estruturas urbanísticas no processo de licenciamento de obras
particulares.
Se é certo serem tais infra-estruturas mais correntes e
mesmo necessárias nas operações de loteamento - e daí o cuidado do legislador na
redacção do artigo 32º do Decreto-Lei nº 448/91 -, a verdade é que elas podem
também acompanhar as operações construção, reconstrução ou ampliação de
edifícios, o que se prende com o licenciamento de obras particulares.
É o que, no fundo, sustenta o Primeiro-Ministro, na sua
resposta, quando diz:
'6º) É que do art. 68º do Decreto-Lei nº 445/ /91, de 20/11, não resulta
qualquer impossibilidade de os municípios cobrarem as taxas referidas na
alínea a) do art. 11º da Lei nº 1/87.
7º) Na verdade, estamos perante duas situações diferentes, que podem gerar a
cobrança de dois tipos de receitas também diferentes: a emissão de alvará da
licença de construção e de utilização (alínea b) do artº 11º da Lei nº 1/87) e
a realização de infra-estruturas urbanísticas (alínea a) do art. 11º da Lei nº
1/87).
8º) Em certas situações, não há lugar a infra-estruturas urbanísticas -
logo, não há também lugar ao pagamento da taxa prevista na alínea a) do art. 11º
da Lei nº 1/87. Mas, se simultaneamente com a concessão de alvará de licença de
construção, tiver havido realização de infra-estruturas urbanísticas, há lugar à
taxa prevista na alínea a) do art. 11º da Lei nº 1/ /87.
9º) Por outras palavras: o que o art. 68º do Decreto-Lei nº 445/91, de
20/11, proíbe é que pela emissão de alvará de licença de construção possa haver
lugar à cobrança de outra taxa, que não a prevista na alínea b) do art. 11º da
Lei nº 1/87.
10º) Mas do art. 68º do Decreto-Lei nº 445/91, de 20/11, não resulta nenhuma
proibição à cobrança de outra taxa, resultante de outro facto que não a licença
de construção'.
O Regulamento constante do Edital nº 269/91, rectificado
pelo Edital nº 22/94, que se acabou de apreciar (ponto II), veio exactamente
regulamentar a taxa municipal pela realização de infra-estruturas
urbanísticas, cuja liquidação e cobrança se situa na fase do levantamento da
licença de construção, invocando-se como sua credencial legislativa o artigo
11º, alínea a), da Lei nº 1/87, de 6 de Janeiro (Lei das Finanças Locais), a
norma que o requerente diz ter sido 'restringida' como consequência do artigo
68º, ora questionado, muito embora tenha ainda invocado 'expressamente' o
artigo 43º, nº 1, do Decreto-Lei nº 400/84, de 31 de Dezembro, o anterior
diploma regulador do regime jurídico dos loteamentos urbanos, à data vigente
(cfr. os artigos 71º e 73º do Decreto-Lei nº 448/91, que revoga aquele).
E, compreende-se que, face ao processamento administrativo
do licenciamento de obras particulares, constante do regime legal do Decreto-Lei
nº 445/91, se trate de 'duas situações diferentes', talqualmente se expressa o
Primeiro-Ministro.
No procedimento administrativo regulado naquele Decreto-Lei
há, com efeito, duas fases no licenciamento municipal de obras particulares:
uma primeira fase de pedido do licenciamento propriamente dito, que culmina na
deliberação camarária e devendo ser - o pedido - publicitado sob a forma de
aviso (artigos 8º e 14º a 19º); uma segunda fase, que se inicia com o pedido de
emissão do alvará de licença de construção - e, na falta deste pedido, caduca a
deliberação camarária (artigo 20º), - culminando na emissão do alvará 'desde que
se mostrem pagas ou depositadas em instituição bancária, à ordem da câmara
Municipal, as taxas e demais quantias devidas nos termos da lei' (artigo 21º, nº
1, e 22º), e devendo igualmente ser o alvará publicitado sob a forma de aviso
(artigo 9º).
Sem esquecer que ainda há lugar, por último, à passagem de
alvará de licença de utilização, destinado a 'comprovar a conformidade da obra
concluída com o projecto aprovado e condicionamento do licenciamento e com o uso
previsto no alvará de licença de construção' (artigos 26º, 27º e 28º).
Ora, o questionado artigo 68º só contempla estes últimos
momentos de emissão de alvarás de licença de construção e de utilização, mas não
briga com um primeiro momento de exigência de taxas - as previstas na alínea a)
do artigo 11º da Lei nº 1/87 e devidas quando há lugar a elas, face à tal
realização de infra-estruturas.
Sendo isto assim, é compatível o regime do artigo 68º do
Decreto-Lei nº 445/91, relativamente à emissão de alvarás de licença de
construção e de utilização, abrigando-se na alínea b) do artigo 11º da Lei nº
1/87, com a faculdade prevista na alínea a) do mesmo artigo 11º, no que toca à
exigência de taxas pela realização de infra-estruturas urbanísticas, se for caso
disso, (cfr. o acórdão deste Tribunal Constitucional, nº 432/93, no Diário da
República, II Série, nº 193, de 18 de Agosto de 1993, sobre a natureza das
taxas).
Daí que não se possa acompanhar a afirmação do requerente de
que com o artigo 68º 'ficou vedado aos município a cobrança de taxas pela
realização de infra-estruturas urbanísticas no procedimento de licenciamento de
obras particulares', pois os municípios não estão legalmente impedidos de
cobrar tais taxas, à sombra da citada alínea a) do artigo 11º.
Em resumo, não colhe a invocação da inconstitucionalidade
orgânica do questionado artigo 68º, por pretensa violação do artigo 168º, nº 1,
s) combinado com o artigo 240º da CRP.
8. Termos em que, DECIDINDO, não se declara a
inconstitucionalidade do artigo 68º do Decreto-Lei nº 445/91, de 20 de
Novembro, nem do Regulamento aprovado em reunião da Assembleia Municipal de
Lisboa, de 11 de Julho de 1991 (Publicado no Diário Municipal nº 16 276, de 20
de Dezembro).
Lisboa 15 de Novembro de 1995
Guilherme da Fonseca
Bravo Serra
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Diniz
Messias Bento
Maria Fernanda Palma
José de Sousa e Brito
Maria da Assunção Esteves
Alberto Tavares da Costa
Vitor Nunes de Almeida
Luís Nunes de Almeida