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Procº nº 441/92
Rel. Cons. Alves Correia
Acordam em Plenário, no Tribunal Constitucional:
I - Relatório.
1. O Procurador-Geral da República, no uso da faculdade que lhe é
conferida pelo artigo 281º, nº 1, alínea a), e nº 2, alínea e), da Constituição
da República Portuguesa, requereu ao Tribunal Constitucional a declaração, com
força obrigatória geral, da inconstitucionalidade da norma constante do artigo
25º do Decreto-Lei nº 411/91, de 17 de Outubro.
O pedido alicerça-se nos seguintes fundamentos:
a) O Decreto-Lei nº 411/91, de 17 de Outubro, veio estabelecer o
novo regime jurídico de regularização das dívidas à segurança social, dispondo
sucessivamente sobre a regularização da dívida à segurança social (Capítulo I),
garantias gerais e especiais dessa dívida (Capítulo II), causas de extinção da
dívida para além do cumprimento (Capítulo III), situação contributiva
regularizada (Capítulo IV), não cumprimento das contribuições (Capítulo V) e
fiscalização (Capítulo VI).
No capítulo VIII, incluindo as disposições transitórias e finais,
surge o referido artigo 25º, que, sob a epígrafe 'Representação nos tribunais
tributários', dispõe:
'A representação das instituições de previdência social ou de
segurança social nos tribunais tributários é exercida por representantes do
Ministério Público'.
O Decreto-Lei nº 411/91 foi editado nos termos da alínea a) do nº 1
do artigo 201º da Constituição - portanto, expressamente no exercício da
competência legislativa própria do Governo de 'fazer decretos-leis em matéria
não reservada à Assembleia da República'.
b) A norma constante do referido artigo 25º assume-se como
claramente inovatória no que respeita à competência atribuída ao Ministério
Público, tal como resulta, quer da Lei Orgânica do Ministério Público (Lei nº
47/86, de 15 de Outubro), quer do Código de Processo Tributário (aprovado pelo
Decreto-Lei nº 154/91, de 23 de Abril, alterado pelo Decreto-Lei nº 47/95, de 10
de Março).
Na verdade, as instituições de previdência ou de segurança social
configuram-se como pessoas colectivas de direito público, juridicamente
diferenciadas e autónomas do Estado-Administração Central (artigo 7º da Lei de
Segurança Social - Lei nº 28/84, de 14 de Agosto). Assim sendo, não incumbe ao
Ministério Público, por força do preceituado nos artigos 3º e 5º da respectiva
Lei Orgânica, a sua representação judiciária, não tendo, consequentemente,
'intervenção principal' nos processos em que aquelas instituições sejam partes.
É, na realidade, doutrina unanimemente estabelecida que o Ministério Público,
por força do estatuído na Lei nº 47/86, apenas exerce a representação orgânica
do Estado-Administração Central nos casos em que este seja parte (alínea a) do
nº 1 do artigo 5º da Lei nº 47/86) e, a título facultativo, o patrocínio
judiciário das regiões autónomas e das autarquias locais (alínea b) do nº. 1 e
nº 2 do mesmo preceito).
É certo que o artigo 5º da Lei nº 47/86 contém, na alínea f) do seu
nº 1, verdadeira 'norma em branco', a coberto da qual poderá ser deferida ao
Ministério Público a representação ou patrocínio em juízo de outros serviços
públicos personalizados, quando tal competência lhe for explicitamente
atribuída pela lei reguladora da respectiva pessoa colectiva.
Porém, a verdadeira fonte normativa da competência do Ministério
Público é, neste caso, o diploma legal que institui e regula o instituto ou
serviço público personalizado - e não, naturalmente, a Lei Orgânica do
Ministério Público, que se limita a esclarecer, na citada alínea f) do nº 1 do
artigo 5º, que o leque de competências que atribui ao Ministério Público não
constitui tipologia fechada ou taxativa.
Ora, ao menos após a entrada em vigor da Constituição de 1976 - que
sempre reservou à exclusiva competência da Assembleia da República a legislação
sobre 'organização e competência dos tribunais e do Ministério Público e
estatuto dos respectivos magistrados' (artigo 167º, alínea j), do texto
inicial, a que corresponde o artigo 168º, nº 1, alínea q), do texto actual) - é
manifesto que a ampliação da competência atribuída ao Ministério Público deverá
necessariamente figurar em preceito legal constante de diploma emanado do
próprio Parlamento ou credenciado por autorização legislativa da Assembleia da
República, sob pena de incorrer em inconstitucionalidade orgânica.
c) Por outro lado, o referido artigo 25º do Decreto‑Lei nº 411/91
colide frontalmente com o regime de intervenção do Ministério Público no
ordenamento processual tributário, tal como resulta da articulação dos artigos
41º e 42º do Código de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto‑Lei nº 154/91.
Na verdade, enquanto o nº 1 do artigo 41º dispõe que:
'Cabe ao Ministério Público a defesa da legalidade, a promoção do interesse
público e a representação dos ausentes, incertos e incapazes',
Já, pelo contrário, o artigo 42º comete ao representante da Fazenda
Pública nos Tribunais Tributários:
'c) A representação da administração fiscal ou de qualquer outra entidade
pública no processo de execução fiscal'.
Da conjugação destes preceitos resulta, pois, que apenas incumbe ao
Ministério Público, nas causas que pendem nos tribunais tributários, o exercício
das funções de fiscalização e defesa da legalidade e do interesse público, bem
como o exercício da representação (ou intervenção principal) de incapazes,
ausentes e incertos. Mas já não é da sua competência a promoção do interesse
patrimonial da administração fiscal e das demais pessoas colectivas públicas
cujos direitos sejam - como ocorre com as instituições de segurança social -
efectivados através dos tribunais tributários, estando a representação ou
patrocínio judiciário destas cometido ao representante da Fazenda Pública.
O sistema de representação das instituições de segurança social no
processo tributário (melhor se diria, de patrocínio judiciário destas entidades
pelo Ministério Público) resultante do citado artigo 25º revela-se, desde logo,
profundamente incoerente, face aos princípios que sempre nortearam a atribuição
de competência para representar (lato sensu) em juízo pessoas colectivas
públicas: na realidade, compreende-se mal que, não estando cometida ao
Ministério Público, nos tribunais tributários, a prossecução dos interesses
patrimoniais da administração fiscal - que implicaria uma representação de tipo
orgânico do Estado-Administração Central -,lhe seja imposto o mero patrocínio
judiciário de outras pessoas colectivas de direito público, diversas do Estado.
E, além do mais, revela-se, com toda a clareza, organicamente
inconstitucional: na verdade, o sistema de competência do Ministério Público,
delineado pelo artigo 41º do Código de Processo Tributário, consta de diploma
legal, editado nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 201º da Constituição,
no uso da autorização legislativa concedida, aliás, pela Lei nº 37/90, de 10 de
Agosto. Pelo contrário, como atrás se constatou, o Decreto-Lei nº 411/91, de 17
de Outubro, foi publicado no exercício da competência própria do Governo, pelo
que não podia, sem ofensa do preceituado no artigo 168º, nº 1, alínea q), da
Constituição inovar no âmbito das competências atribuídas à magistratura do
Ministério Público.
2. Notificado o Primeiro-Ministro, nos termos dos artigos 54º e 55º,
nº 3, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, para se pronunciar sobre o pedido,
apresentou aquele extensa resposta, na qual defende a plena conformidade com a
Constituição do preceito questionado.
De acordo com a resposta do Primeiro-Ministro, a questão da
constitucionalidade da norma do artigo 25º do Decreto-Lei nº 411/91, de 17 de
Outubro, traduz-se, em resumo, no sentido a dar ao termo lei constante da alínea
f) do nº 1 do artigo 5º da Lei nº 47/86, de 15 de Outubro. Ou seja: tal vocábulo
refere-se a actos legislativos? Apenas a uma categoria de tais actos? Ou a outra
acepção da expressão lei? Depois de formular estes quesitos, conclui que a
referência à lei se deve entender num sentido que engloba os actos legislativos
do Governo, entendimento esse que encontra acolhimento em vários pareceres da
Procuradoria-Geral da República. Ainda segundo o Primeiro-Ministro, um tal
entendimento encontra suporte numa interpretação sistemática do preceito. Com
efeito, frequentes vezes, a expressão lei é usada, na Lei nº 47/86, para
designar os actos legislativos (vejam-se, por exemplo, as diversas alíneas do nº
1 do artigo 3º).
3. Tudo visto e ponderado, cumpre, então, apreciar e decidir a
questão de constitucionalidade que vem colocada a este Tribunal.
II- Fundamentos.
4. A norma do artigo 25º do Decreto-Lei nº 411/91, de 17 de Outubro,
tem o seguinte conteúdo:
Artigo 25º
(Representação nos tribunais tributários)
'A representação das instituições de previdência ou de segurança
social nos tribunais tributários é exercida por representante do Ministério
Público'.
A análise da questão da inconstitucionalidade da norma que acaba de
ser transcrita, tal como vem posta pelo requerente, desdobra-se em dois
momentos. Num primeiro momento, deve esclarecer-se se a norma do artigo 25º do
Decreto-Lei nº 411/91 opera ou não um alargamento inovador das competências que
estão cometidas ao Ministério Público, quer na sua Lei Orgânica (Lei nº 47/86,
de 15 de Outubro), quer no Código de Processo Tributário, aprovado pelo
Decreto-Lei nº 154/91, de 23 de Abril. Num segundo momento, no caso de se
concluir pelo carácter inovador da norma questionada, há que averiguar se o
Governo podia, através de decreto-lei não estribado em autorização legislativa,
emitir uma norma com tal sentido.
Vejamos então.
5.1. Nos termos do artigo 221º, nº 1, da Constituição, compete ao
Ministério Público 'representar o Estado, exercer a acção penal, defender a
legalidade democrática e os interesses que a lei determinar'.
Concretizando este preceito constitucional, a Lei nº 47/86, de 15 de
Outubro (a actual Lei Orgânica do Ministério Público), estabelece o quadro
normativo essencial da estrutura organizatória e funcional do Ministério
Público, bem como do regime estatutário dos respectivos magistrados. No que
respeita à competência daquela magistratura, o mencionado diploma legal
estabelece, no seu artigo 3º, nº 1, alínea a), que compete especialmente ao
Ministério Público 'representar o Estado, as regiões autónomas, as autarquias
locais, os incapazes, os incertos e os ausentes em parte incerta, nos termos ao
artigo 5º'.
Por sua vez, este preceito determina o seguinte:
'Artigo 5º
(Intervenção principal e acessória)
1. O Ministério Público tem intervenção principal nos processos:
a) Quando representa o Estado;
b) Quando representa as regiões autónomas e as autarquias locais;
c) Quando representa incapazes, incertos ou ausentes em parte
incerta;
d) Quando exerce o patrocínio oficioso dos trabalhadores e suas
famílias na defesa dos seus direitos de carácter social;
e) Nos inventários obrigatórios;
f) Nos demais casos em que a lei lhe atribua competência para
intervir nessa qualidade.
2. Em caso de representação de região autónoma ou de autarquia
local, a intervenção principal cessa quando for constituído mandatário próprio.
3. Em casos de representação de incapazes ou de ausentes em parte
incerta, a intervenção principal cessa se os respectivos representantes legais a
ela se opuserem por requerimento no processo.
4. O Ministério Público intervém nos processos acessoriamente:
a) Quando, não se verificando nenhum dos casos do nº 1, sejam
interessados na causa as regiões autónomas, as autarquias locais, outras pessoas
colectivas públicas, pessoas colectivas de utilidade pública, incapazes e
ausentes;
b) Nos demais casos previstos na lei'.
Das disposições que vêm de ser citadas resulta que cabe ao
Ministério Público a função de representação judicial do Estado, a qual é
exercida através de intervenção processual como parte principal ou de
intervenção principal.
Aqui chegados, é altura de questionar se, nesta função de
representação judicial do Estado, cometida ao Ministério Público, está ou não
incluída a representação judicial das instituições de previdência ou de
segurança social.
Para responder à questão formulada, é necessário precisar qual o
conceito de Estado que está pressuposto nos artigos 3º, nº 1, alínea a), e
5º, nº 1, alínea a), da Lei nº 47/86.
5.2. Como é sabido, sob o ponto de vista jurídico, o vocábulo Estado
é utilizado em várias acepções, tais como a acepção internacional, a acepção
constitucional e a acepção administrativa.
Considerando esta última - a única que importa para o caso em
análise -,o Estado assume-se como a pessoa colectiva pública que, no seio da
comunidade nacional, desempenha, sob a direcção do Governo, a actividade
administrativa, ou seja, como Estado-Administração. Como salienta D. Freitas do
Amaral, o Estado-Administração é encarado como 'uma pessoa colectiva pública
autónoma, não confundível com os governantes que o dirigem, nem com os
funcionários que o servem, nem com as outras entidades autónomas que integram a
Administração, nem com os cidadãos que com ele entram em relação' (cfr. Curso de
Direito Administrativo, 2ª ed., Vol. I, Coimbra, Almedina, 1994, p. 213,214).
Ainda segundo o mesmo autor, 'o interesse prático maior do recorte da figura do
Estado-Administração reside, justamente, na possibilidade assim aberta de
separar o Estado das outras pessoas colectivas públicas que integram a
Administração' (cfr. ob. cit., p. 214).
De acordo com o sentido exposto, o Estado-Administração abrange
apenas a chamada administração directa do Estado (concentrada ou
desconcentrada), a qual abarca todos os órgãos e serviços integrados na pessoa
colectiva Estado, hierarquicamente dependentes do Governo e sujeitos ao poder
de direcção deste. Ficam excluídas daquele conceito a denominada administração
indirecta do Estado, constituída por uma pluralidade de entes públicos que
realizam, com autonomia administrativa e financeira, fins do Estado e que estão
sujeitos ao poder de superintendência do Governo (v.g. institutos públicos) e a
administração autónoma, de carácter local (autarquias locais), de base
institucional (universidades) ou corporativa (associações públicas), em relação
à qual o Governo exerce apenas um poder de tutela [cfr. o artigo 202º, alínea
d), da Constituição].
Ora, o entendimento generalizado da doutrina vai no sentido de a
representação judicial do Estado, através do Ministério Público, abranger
exclusivamente o Estado-Administração, com o sentido que acabou de ser exposto.
Já quanto aos serviços públicos personalizados ou institutos públicos, uma vez
que gozam de personalidade jurídica, de autonomia administrativa e financeira e
de património próprio, a sua representação judicial está, em princípio, a cargo
dos seus órgãos estatutários ou institucionais próprios. É isso que sucede com
as instituições de previdência ou de segurança social, as quais, de acordo com o
que se estatui no nº 2 do artigo 7º da Lei nº 28/84, de 14 de Agosto, são
pessoas colectivas de direito público. A representação judicial dos serviços
personalizados do Estado ou dos institutos públicos só caberá ao Ministério
Público quando o respectivo diploma orgânico o previr expressamente [cfr.,
neste sentido, A. Costa Neves Ribeiro, O Estado nos Tribunais, Coimbra, Coimbra
Editora, 1985, p. 48-53, e os Pareceres da Procuradoria-Geral da República,
nºs. 224/79, 169/80, 43/82 e 53/82, publicados no Boletim do
Ministério da Justiça, nºs.300 (1980), p. 123 e ss., 308 (1981), p. 56 e ss.,
324 (1983), p. 384 e ss., e 325 (1983), p. 284 e ss., respectivamente].
Do exposto deve concluir-se que a norma do artigo 25º do Decreto-Lei
nº 411/91, de 17 de Outubro, ao cometer a representação nos tribunais
tributários das instituições de previdência ou de segurança social ao
Ministério Público, não encontra arrimo nos artigos 3º, nº 1, alínea a), e 5º,
nº 1, alínea a), da Lei nº 47/86, assumindo por isso, uma natureza inovadora em
relação a estas disposições legais.
Este carácter inovador verifica-se igualmente em relação ao regime
de intervenção do Ministério Público plasmado no Código de Processo Tributário
(aprovado pelo Decreto-Lei nº 154/91, de 23 de Abril, alterado pelo Decreto-Lei
nº 47/95, de 10 de Março). Com efeito, nos termos do artigo 41º deste Código,
'cabe ao Ministério Público a defesa da legalidade, a promoção do interesse
público e a representação dos ausentes, incertos e incapazes'. Por sua vez, de
harmonia com o artigo 42º, compete ao representante da Fazenda Pública nos
tribunais tributários: a representação da administração fiscal no processo de
impugnação judicial; a introdução do feito em juízo e a promoção da fase
judicial nos processos de contra-ordenação fiscal; a representação da
administração fiscal ou de qualquer outra entidade pública no processo de
execução fiscal; recorrer e intervir em patrocínio da Fazenda Pública na posição
de recorrente ou recorrida; e a prática de quaisquer actos previstos na lei.
Dos referidos preceitos do Código de Processo Tributário resulta que a
intervenção do Ministério Público, no processo judicial tributário, está
limitada à defesa dos interesses acima indicados, não lhe assistindo competência
para promover junto dos tribunais tributários a defesa dos interesses
patrimoniais da administração fiscal do Estado e das demais pessoas colectivas
públicas - como sucede com as instituições de segurança social -,já que a
referida competência está cometida à figura autónoma do representante da
Fazenda Pública, a qual foi criada pelos artigos 72º a 74º do Estatuto dos
Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei nº 129/84, de 27
de Abril (sobre a problemática geral dos poderes do representante da Fazenda
Pública nos tribunais tributários, cfr. o Acórdão do Tribunal Constitucional nº
553/94, publicado no Diário da República, II Série, nº 171, de 26 de Julho de
1995).
A norma do artigo 25º do Decreto-Lei nº 411/91, de 17 de Outubro, ao
atribuir ao Ministério Público a representação nos tribunais tributários das
instituições de previdência ou de segurança social, apresenta também uma índole
inovadora em face do regime adoptado pelo Código de Processo Tributário, em
especial do que se contém nos seus artigos 41º e 42º.
6.1. A Lei nº 47/86, de 15 de Outubro (Lei Orgânica do Ministério
Público) não contém uma enumeração taxativa das competências de representação
judicial do Ministério Público, uma vez que o artigo 5º, nº 1, alínea f), prevê
a possibilidade de aquela magistratura intervir judicialmente como parte
principal 'nos demais casos em que a lei lhe atribua a competência para
intervir nessa qualidade', permitindo, assim, que seja deferida ao Ministério
Público a representação ou patrocínio em juízo de serviços personalizados do
Estado ou de institutos públicos, quando tal competência lhe for explicitamente
atribuída por lei. Como já foi referido, essa competência será, normalmente,
fixada no estatuto orgânico da pessoa colectiva pública distinta do Estado.
Mas poderá o alargamento da competência de representação judicial
do Ministério Público, permitido pelo citado artigo 5º, nº 1, alínea f), da Lei
nº 47/86, ser concretizado por um decreto-lei não alicerçado em autorização
legislativa, como defende o Primeiro-Ministro na sua resposta?
O Tribunal entende que não, pelas razões que, breviter, se vão
expor.
6.1. A Constituição inclui na reserva relativa de competência
legislativa da Assembleia da República a 'organização e competência dos
tribunais e do Ministério Público e estatuto dos respectivos magistrados'
[artigo 168º, nº 1, alínea q)].
Debruçando-se sobre o sentido e alcance da reserva parlamentar
respeitante à definição da 'competência' do Ministério Público, entendeu o
Tribunal Constitucional, no seu Acórdão nº 329/89 (publicado no Diário da
República, II Série, nº 141, de 22 de Junho de 1989), que importa distinguir
'entre as intervenções legislativas directamente votadas àquela definição e
determinação e as que, visando outro objectivo, e inscrevendo-se num outro
domínio de regulamentação (nomeadamente o da regulamentação processual),
todavia, acabam por interferir apenas indirecta, acessória e necessariamente com
o quadro ou a distribuição legal das incumbências e faculdades cometidas ou
atribuídas ao Ministério Público e aos seus agentes', concluindo que só as
primeiras devem incluir-se no âmbito da reserva do artigo 168º, nº 1, alínea q),
da Constituição, na medida em que são indiscutivelmente qualificáveis como 'de
competência', e não já as segundas, que não merecem aquela qualificação, mas uma
outra (v.g. a de puras normas 'de processo').
Ora, na situação em análise, é manifesto que a norma do artigo 25º
do Decreto-Lei nº 411/91 tem o sentido de alargar, de forma directa e autónoma,
o núcleo de competências do Ministério Público, tal como estava definido no
quadro legislativo na altura em vigor. Assim sendo, aquela norma teria de
constar de lei da Assembleia da República ou estar inserida em decreto-lei
emitido ao abrigo de uma lei de autorização legislativa [cfr. os artigos 168º,
nº 1, alínea q), e 201º, nº 1, alínea b), da Constituição].
Não foi isso, porém, o que sucedeu, constando a norma questionada de
um decreto-lei aprovado pelo Governo ao abrigo do disposto no artigo 201º, nº 1,
alínea a), da Constituição, isto é, no exercício da competência para 'fazer
decretos-leis em matérias não reservadas à Assembleia da República'.
Terá, assim, inexoravelmente de concluir-se - na senda, aliás, do
que já foi decidido pelas Secções do Tribunal Constitucional em processos de
fiscalização concreta, com destaque para o Acórdão nº 115/95 (publicado no
Diário da República, II Série, nº 95, de 22 de Abril de 1995) - pela
inconstitucionalidade orgânica da norma do artigo 25º do Decreto-Lei nº 411/91,
de 17 de Outubro.
III - Decisão.
7. Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se declarar, com
força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante do artigo
25º do Decreto-Lei nº 411/91, de 17 de Outubro, por violação do artigo 168º, nº
1, alínea q), da Constituição.
Lisboa,, 28 de Novembro de 1995
Fernando Alves Correia
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Dinis
Messias Bento
Maria Fernanda Palma
José de Sousa e Brito
Luís Nunes de Almeida
Maria da Assunção Esteves
Alberto Tavares da Costa
Vítor Nunes de Almeida
Guilherme da Fonseca
Bravo Serra (com declaração idêntica, com as devidas
adaptações à que apus no Acórdão nº 300/95)
José Manuel Cardoso da Costa