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Procº nº 227/94.
2ª Secção.
Relator:- Consº BRAVO SERRA.
I
1. Tendo a Comissão Nacional de Objecção de Consciência,
com base na circunstância de não ter A. apresentado 'declaração de expressa
disponibilidade para cumprir o serviço cívico', não obstante ter sido notificado
para o fazer, tomado, em 2 de Dezembro de 1993, a deliberação de indeferir
liminarmente a petição, por aquele apresentada perante tal Comissão, petição
essa por intermédio da qual pretendia que lhe fosse conferido o estatuto de
objector de consciência, veio o mesmo A., no tocante à mencionada deliberação,
interpôr recurso para o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa.
O Juiz deste Tribunal, por decisão de 28 de Abril de
1994, concedeu provimento ao recurso, anulando a deliberação impugnada, visto
ter entendido verificar-se, no caso, a ocorrência de vício de violação de lei
consubstanciado na aplicação, nessa deliberação, de norma - a constante da
alínea d) do nº 3 do artº 18º da Lei nº 7/92, de 12 de Maio - que entendeu
padecer de inconstitucionalidade material por violação dos artigos 18º, nº 2,
41º, nº 6, e 276º, nº 4, da Lei Fundamental, motivo pelo qual recusou a
respectiva aplicação.
As razões que conduziram, no decidido em censura, à
recusa de aplicação da norma em causa, prenderam-se, essencialmente, com a
consideração de que, ao impôr ela 'com a «declaração de objecção», a
obrigatoriedade, desde logo, da «disponibilidade para o cumprimento do serviço
cívico», e ao admitir, com fundamento na sua não apresentação, o «indeferimento
liminar», por parte da CNOC, do pedido de «reconhecimento do estatuto», a Lei nº
7/92, nos artºs. 18º e sgs. , ficou aquém do que deva ser um «procedimento
justo»', assim fazendo com que o 'exercício do «direito de objecção de
consciência»' se visse '«aniquilado pela falta de medidas de defesa expeditas»'.
Acrescentou-se ainda, de uma banda, que, muito embora,
constitucionalmente, 'a «objecção de consciência» esteja «sob reserva de lei»,
não se compreendem aí «restrições» a tal «direito», nem se autoriza o
estabelecimento de limitações no âmbito de protecção', pelo que tal objecção
opera como 'um direito fundado na própria Constituição', 'sendo irrelevantes,
por não previstas na Lei Fundamental - como é caso da «declaração de
disponibilidade para o serviço cívico» -, quaisquer outras «atitudes de
consciência» estranhas ao «serviço militar»', e isso já que 'do artº 276º nº 4
da CRP, decorre que, para os «objectores de consciência», apenas existe a
obrigação de cumprir o serviço cívico', não resultando, 'que os objectores, ou
os candidatos a objectores, devam ter uma «atitude de consciência» conforme com
aquele dever', porquanto '[e]m termos de Lei Fundamental, a objecção de
consciência ao serviço cívico, a verificar-se, não passa de mera «via de facto»,
juridicamente sem consequências'.
Por outra banda, considerou-se, a final, que a norma em
apreço, 'ao impor a «declaração de disponibilidade para a prestação do serviço
cívico»' '«restringe» o «direito à objecção de consciência», sem a «verificação
cumulativa» das quatro «condições supra enumeradas»', o que '[n]ão só não se
mostra constitucionalmente admitido, como, no mínimo, diminui a extensão e o
alcance do conteúdo essencial do direito fundamental à «objecção de
consciência»'.
2. Dessa decisão, no tocante à recusa de aplicação,
recorreu para este Tribunal o Ministério Público, aqui tendo o Ex.mo
Procurador-Geral Adjunto produzido alegação, na qual concluiu por se dever
conceder provimento ao recurso, já que '[a] norma da alínea d) do nº 3 do artigo
18º da Lei nº 7/92 (Lei sobre Objecção de Consciência), não enferma de
inconstitucionalidade, designadamente por violação dos artigos 18º, nº 2, 41º,
nº 6, e 276º, nº 4, da Constituição'
Por parte do recorrido A. não foi apresentada qualquer
alegação.
II
1. A nossa Constituição, após proclamar, no nº 1 do seu
artigo 41º, a inviolabilidade da liberdade de consciência, de religião e de
culto, estende ou exprime a proibição de discriminação e de concessão de
privilégios em razão de convicções ou prática religiosas, dispondo, no nº 2
daquele artigo, que '[n]inguém pode ser perseguido, privado de direitos ou
isento de obrigações ou deveres cívicos por causa das suas convicções ou prática
religiosa' (sublinhado nosso).
No entanto, e como excepção à proibição de concessão de
privilégios - isenção de obrigações ou deveres cívicos - , estatui no nº 6,
ainda do mesmo artigo 41º, que '[é] garantido o direito à objecção de
consciência, nos termos da lei'.
Não obstante o Diploma Básico remeter para a lei
ordinária o âmbito, concretização, formas e procedimentos como há-de operar
aquele direito constitucionalmente garantido - o que vale por dizer que esse
direito se há-de perspectivar como um «direito sob reserva de lei» (cfr. Gomes
Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª
edição, 245) - não deixa de, mais à frente, no seu artigo 276º, nº 4, e na
sequência da consagração dos direito e dever (este, em regra e somente em regra
- cfr., sobre o ponto, Soveral Martins, in Estatuto do Objector de Consciência,
11 -, traduzido no cumprimento do serviço militar) fundamentais de defesa da
Pátria, estabelecer, expressamente para os objectores de consciência, a
obrigação de prestação de um outro dever, que funciona, verdadeiramente, como
sucedâneo daquele primeiro dever, qual seja o do cumprimento do 'serviço cívico
de duração e penosidade equivalentes à do serviço militar armado'.
Estando, como se disse, «sob reserva de lei» o direito à
objecção de consciência», é ele hoje regulado pela Lei nº 7/92, de 12 de Maio,
diploma que em se integra a questionada norma e que, naturalmente, vem efectuar
determinadas cautelas na concessão desse direito.
E referiu-se «naturalmente», já que - aceitando-se a
argumentação, carreada neste particular no Acórdão deste Tribunal nº 65/91
(publicado na 2ª Série do Diário da República de 4 de Julho de 1991) - sendo
certo que quem exercita o direito à objecção de consciência o faz 'no âmbito de
uma liberdade fundamental', o que é certo é que esse exercício, porque, de certa
forma, traduz 'um certo comportamento desviante do regime-regra' que levou o
legislador constituinte à consagração do serviço militar constricto, em geral,
aos cidadãos, tem de levar em conta uma ponderação acautelada 'quanto à
harmonização entre os interesses da comunidade ... e o espaço de liberdade (de
consciência) reconhecido ao objector por razões inicialmente estranhas ao
direito, mas, afinal, por este tomadas em consideração'. E isso para que o
valor que presidiu à instituição constitucional do dever de defesa da Pátria na
sua vertente-regra de prestação do serviço militar se não veja amplamente
«dissolvido» ou em grave conflito perante e com uma hipertrofia da protecção
daqueloutro valor que levou o legislador a reconhecer o direito de objecção de
consciência (cfr. Tomás Quadra-Salceda Fernandez del Castillo, em Clausula de
Conciencia: um Godot Constitucional, Revista Española de Derecho Constitucional,
23, 64 e 64, citados no Acórdão 65/91; cfr., ainda, sobre a questão de, na
dualidade entre o dever de defesa da Pátria e o direito de objecção de
consciência, se considerar aquele como devendo ocupar a primeira linha, Gomes
Canotilho e Vital Moreira, Fundamentos da Constituição, 117).
Justamente por isso, como se viu já, erigiu a
Constituição o dever de serviço cívico como sucedâneo ou substituto do serviço
militar armado relativamente aos objectores de consciência que, de entre o mais,
visa, para utilizar as palavras de G. Canotilho e V. Moreira (Constituição da
República Portuguesa Anotada, cit. edição, 966) 'evitar a «banalização» do
direito à objecção de consciência'.
Estes, pois, os principais parâmetros que haverão de
iluminar a questão de que tratamos.
2. A norma em crise, incluída no Capítulo IV da Lei nº
7/92, Capítulo esse precisamente dedicado às normas que regem o processo de
aquisição do estatuto do objector de consciência (processo esse de natureza
administrativa), impõe que a declaração que, apresentada na Comissão Nacional de
Objecção de Consciência, nos postos consulares ou nos serviços competentes das
Regiões Autónomas (cfr. artº 20º, nº 1), inicia aquele processo, deva conter
'[a] declaração expressa da disponibilidade para cumprir o serviço cívico
alternativo', comandando-se no nº 2 do artº 21º que '[s]empre que a declaração
de objecção de consciência se encontrar incompleta ou irregularmente instruída,
a Comissão Nacional notifica o declarante para que, no prazo máximo de 20 dias,
supra as respectivas deficiências, sob pena de ser liminarmente indeferida'.
A questão que se coloca é, assim, a de saber se o
procedimento gizado na Lei nº 7/92, no ponto que ora releva, ou seja, o de
exigir, por entre o mais, que a declaração de objecção de consciência seja
acompanhada por uma outra declaração manifestando a disponibilidade do objector
em prestar o serviço cívico, sob pena de, não o fazendo (após notificação para
tanto), ser indeferida aquela sua pretensão, é algo que constitui um
«procedimento injusto», porventura «aniquilador» do direito «por falta de
medidas expeditas», constituindo, desta arte, uma «restrição» ou uma «limitação»
ou diminuição do «âmbito, extensão e alcance» do seu conteúdo, como se concluiu
na decisão recorrida.
A resposta a esta questão, adiante-se desde já, sofre
resposta negativa por parte deste Tribunal.
Efectivamente, tomando em consideração os parâmetros que
acima se deixaram gizados, cumpre, numa primeira linha, sublinhar, como faz o
Ex.mo Procurador-Geral Adjunto na sua alegação, que a apresentação da declaração
de objecção de consciência, como manifestação unilateral de vontade por banda do
declarante, vai desencadear uma alteração de um regime-regra estabelecido para o
comum dos cidadãos, regime esse fundado num dever constitucional- mente imposto.
Em face disso, é perfeitamente curial que, atenta a
possibilidade, já anteriormente assinalada, de criação de conflito entre o
aludido dever e o direito de objecção de consciência, se rodeie o legislador
ordinário de cautelas no sentido de assegurar a seriedade da declaração,
designadamente no tocante a efectivar em concreto a «consciencialização» do
declarante de que, ao pretender que, por uma mera manifestação de vontade por si
produzida, haja a seu favor uma alteração do ordenamento jurídico regra, isso
acarretará a imposição de uma obrigação sucedânea.
Esta uma forma - e, quiçá, poderia até não ser a única -
que, perfeitamente e de modo não exagerado, serve para o referido asseguramento.
Mas, para além disso (e vincando-se aqui que o
indeferimento liminar só surge se o declarante não apresentar o documento a que
alude a alínea d) do nº 3 do artº 18º da Lei nº 7//92, após ser, pela Comissão
Nacional de Objecção de Consciência, notificado para o fazer), o que se torna
claro é que a imposição decorrente daquela norma, por si e em conjugação com a
do nº 2 do artº 21º não é, por um lado, algo de oneroso - e, muito menos,
excessivamente oneroso e, logo, concretizador de um procedimento «injusto» - que
ponha em causa a praticabilidade do exercício do direito ou que, em si,
restrinja ou limite os seus âmbito, extensão e conteúdo.
Na realidade, no desenvolvimento deste segundo ponto, e
contrariamente ao que parece defluir do discurso utilizado na decisão ora
impugnada, há que atentar em que não parece, minimamente, que seja ou tenha sido
escopo do legislador, na exigência da declaração de disponibilidade para o
cumprimento do serviço cívico, uma adesão do declarante à opção constitucional
da imposição daquele serviço como sucedâneo da obrigação de prestação do serviço
militar armado, bem como à imposição desta obrigação decorrente do dever de
defesa da Pátria.
Antes, e pelo contrário, como se viu já, a dita
exigência funda-se num modo de asseguramento da seriedade da declaração
unilateral de objecção de consciência, com a inerente «consciencialização» do
declarante.
Termos em que se não vislumbra, por parte da norma
constante da alínea d) do nº 3 do artº 18º da Lei nº 7/92, por si ou em
conjugação com a parte final do nº 2 do artº 21º do mesmo diploma, ofensa das
normas ou princípios constitucionais, nomeadamente os artigos 18º, nº 2, 41º, nº
6 e 276º, nº 4, da Lei Fundamental.
IV
Em consequência, concedendo-se provimento ao recurso,
determina-se a reforma da decisão impugnada, a fim de a mesma ser reformada em
consonância com o aqui decidido sobre a questão de constitucionalidade.
Lisboa, 6 de Dezembro de 1995
Bravo Serra
Fernando Alves Correia
Messias Bento
José de Sousa e Brito (vencido. nos termos da declaração
de voto junta)
Luís Nunes de Almeida (vencido, nos termos da declaração
de voto junta)
Guilherme da Fonseca (vencido, pelos fundamentos constantes
da declaração de voto do Ex.mº Consº J. Sousa e Brito
que acompanho)
José Manuel Cardoso da Costa