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Processo nº 387/94
2ª Secção
Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do
Tribunal Constitucional:
1. O recorrente A., notificado do Acórdão nº 2/95, a fls.
278 e 279 dos autos, que não tomou conhecimento do recurso de
constitucionalidade por ele interposto e o condenou 'em custas, fixando-se a
taxa de justiça em cinco unidades de conta, porquanto, na perspectiva do
disposto no artigo 446º do Código de Processo Civil, uma vez que tendo
interposto recurso, para 'subir após a decisão que ponha termo ao processo',
após a notificação da decisão que lhe foi favorável, não desistiu desse
recurso', veio agora 'arguir nulidades do acórdão, na parte em que o condenou em
custas, e pedir a sua reforma quanto a custas, por erro de julgamento', pedindo
no final do requerimento: 'DEVE SER ANULADO e substituído por outro que não
condene o ora reclamante em custas, ou REFORMADO QUANTO A CUSTAS, nos termos do
artº 669, alínea b) do C.P. Civil'.
2. No respectivo requerimento desdobra o recorrente a sua
larga argumentação em dois pontos:
2.1. A arguição de nulidades, as 'várias nulidades
previstas no nº 1 do artº 668º do Cód. Proc. Civil, no que toca à condenação em
custas':
- desde logo, 'a nulidade por falta de especificação dos
fundamentos de direitos da decisão - alínea b)', pois, 'tendo o requerente
obtido ganho de causa no aludido recurso contencioso, é óbvio que, segundo a
norma no acórdão invocada, não deu causa ao processo' e daí que a 'razão
invocada pelo acórdão, pela total falta de ligação com os pressupostos
definidos no artº 446º citado, é absolutamente ininteligível! O que equivale a
falta de especificação dos fundamentos de direito'.
- por outro lado, 'os fundamentos estão em oposição com a
decisão - alínea c) do nº 1 do citado artº 668º citado', pois e no essencial,
'a afirmação de que o acórdão final do STJ transitara há muito e a de que por
isso não se podia conhecer do recurso interposto do despacho interlocutório são
absolutamente incompatíveis com a afirmação de que o recorrente deveria ter
desistido do recurso', sendo que o reclamante não desistiu do recurso e, como
não desistiu, 'a conclusão que deveria daí extrair era a de que se mantinha o
recurso interposto do acórdão interlocutório' ('Quer isso significar que existe
uma contradição insanável entre a pronúncia no sentido do não conhecimento do
recurso, em virtude de o acórdão final do STJ ter transitado em julgado, e a
decisão de condenação em custas por não desistência do recurso!' - acrescenta o
reclamante).
- 'O acórdão - diz também o reclamante - enferma ainda de
outra nulidade: omissão de pronúncia, prevista na alínea d) do nº 1 do artº
668º do C.P. Civil', porquanto o reclamante 'sustentou uma questão nova', que o
acórdão 'não enfrentou' e que 'consistiu na afirmação de que o recurso por si
interposto do acórdão interlocutório ficou sem efeito, nos termos do disposto
no nº 2 do artº 735º do C.P. Civil, por não ter requerido a sua subida ao TC, e
que por isso o recurso não poderia ter subido e, em consequência, o recorrente
não podia ser condenado em custas'.
2.2. A reforma quanto a custas, pois 'o acórdão cometeu um
eventíssimo erro de julgamento na parte em que condenou o ora reclamante nas
custas', desenvolvendo-se assim o raciocínio do reclamante, que, por
comodidade, se transcreve na íntegra:
'1 - Na verdade, e como se acentuou supra a propósito da nulidade da contradição
entre os fundamentos e a decisão de condenação em custas, tendo o acórdão final
do STJ transitado em julgado e não tendo o recorrente requerido a subida ao TC
do recurso interposto do acórdão interlocutório, ao abrigo do disposto no nº 2
do artº 735º do C.P.Civil, este ficou sem efeito.
Dito por outras palavras: com o acórdão final do STJ extinguiu-se a instância de
recurso contencioso, e essa extinção implica irrefragavelmente a extinção da
instância do recurso interposto do acórdão interlocutório
Daí decorre, como consequência absolutamente necessária, que o recorrente não
tinha que desistir do recurso que interpusera. Isso era mesmo um impossível
jurídico. Era, repete-se, como pretender chegar à Lua a pé...! Como é que podia
o recorrente desistir do recurso interposto de um acórdão se o recurso ficara
sem efeito?! Se o recurso ficara sem efeito, não havia de que desistir. O efeito
útil traduzido na desistência resulta directamente do nº 2 do artº 735º citado
ao dispor que, não sendo requerida a subida do recurso, este fica sem
efeito!... Digamos que - para seguir o raciocínio do douto acórdão ora
reclamado - que o recorrente desistiu pelo simples facto de não ter requerido a
subida do recurso ao TC.
2 -Observe-se ainda - vendo agora as coisas de outro ângulo - que o douto
acórdão ora reclamado deduz a condenação em custas do facto de o recorrente ter
afirmado, ao interpor recurso do acórdão interlocutório do STJ, que o recurso
devia 'subir após a decisão que ponha termo ao processo' e não ter desistido do
recurso após a notificação do acórdão final que lhe foi favorável.
Trata-se de um raciocínio espantoso, salvo o devido respeito.
2.1. Em primeiro lugar, é óbvio que não era a posição do recorrente que relevava
para o efeito da fixação do regime do recurso, nomeadamente no que toca ao
momento da subida. O regime dos recursos é estabelecido pelo tribunal ad quem,
como toda a gente sabe. Tal doutrina, consagrada no C.P.Civil - para que remete
o artº 69º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC) -, é reafirmada no nº 3 do
artº 76º da mesma LTC. Em consequência disso, é óbvio que não é porque o
recorrente afirmou que a subida do recurso deveria ter lugar depois do acórdão
final que haveria que ter desistido do mesmo recurso. O recorrente limitou-se a
exprimir o seu ponto de vista em face da anormalidade de o STJ ter cindido o
objecto de julgamento em dois acórdãos.
Visto que o fez, isso obrigou, na opinião do recorrente, a que o regime do
recurso passasse a ser o de agravo.
2.2. Em segundo lugar, o despacho de admissão do recurso fê-lo afirmando que ele
'seguirá oportunamente, nos próprios autos e sem efeito suspensivo'. É óbvio
que, pese embora alguma ambiguidade, dele resulta que subiria a final, o que
implica que o seria nos termos do nº 2 do artº 735º do C.P. Civil.
Tal é, de resto a posição assumida pelo próprio acórdão ora reclamado, pois que
acolheu a opinião nesse sentido do Exmº Relator - cfr. o nº 5 dessa
exposição...!
2.3. Por outro lado ainda, afirma o douto acórdão que o recorrente não desistiu
do recurso após a notificação da decisão que lhe foi favorável (quer referir-se
ao acórdão final do STJ). Mas não se deu conta de uma singularidade assaz
relevante. É que o recorrente foi notificado do acórdão por carta de 30 de
Maio, mas só foi notificado do despacho do relator do processo no STJ de
admissão do recurso interposto do acórdão interlocutório por carta de 12 de
Julho...! É espantoso...! Como podia então o recorrente desistir do recurso se o
despacho de admissão não lhe fora ainda notificado?!
3. Importa ainda chamar à atenção do TC para um outro ponto.
Na verdade, o Ex.mº Relator, no ponto 4 da sua exposição, depois de afirmar que
o STJ não deveria ter cindido o objecto de julgamento em dois acórdãos,
escreveu o seguinte: 'Não sucedendo assim, mas tendo o recurso subido em
diferido, não pode agora o Tribunal alhear-se do circunstancialismo em que o
recorrente se encontra, neste momento, ou seja, no de parte vencedora.
Na verdade, não se podem ver as duas decisões dissociadas uma da outra, porque,
ao dar-se por competente para conhecer da questão de mérito, o STJ está
implicitamente e de novo a aplicar a norma que em momento anterior não teve por
inconstitucional'.
O ora reclamante não concorda com semelhante raciocínio, o qual até se encontra
em contradição com a posição depois assumida de que o recurso interposto do
acórdão interlocutório seguiu o regime do artº 735º, nº 2, do C.P. Civil.
Aquele raciocínio aponta para que o regime do recurso fosse então o regime
normal, ou seja, o da apelação, ex vi do artº 69º da LTC, mas o que é certo é
que o recurso foi admitido segundo o regime do recurso de agravo e o acórdão
ora reclamado não alterou o seu regime, ao abrigo da faculdade prevista no nº 3
do artº 76º da LTC (não existe nulidade do acórdão neste ponto porque a
contradição entre os fundamentos não é fundamento de nulidade).
Contudo, a ser assim, isso quer dizer que, na opinião do Exmº Relator e do
próprio acórdão ora reclamado, tudo se passa como se o STJ tenha decidido pela
sua competência em razão da matéria no acórdão final. Mas então é de concluir
que o recorrente deveria ter interposto recurso do acórdão final se dele
discordasse e entendesse dever fazê-lo... Como o não fez, não existe nenhuma
instância de recurso de que devesse desistir para impedir a subida do recurso
ao TC...!
4. Mas há mais e bem mais importante.
Sustenta o acórdão ora reclamado que o recorrente e aqui reclamante deveria ter
desistido do recurso. Como não desistiu, a consequência que deveria daí extrair,
como se afirmou a propósito da nulidade prevista na c) do nº 1 do artº 668º do
C.P. Civil, seria a de que se mantinha o recurso interposto do acórdão
interlocutório. Seguir-se-ia então que o acórdão do STJ ainda não transitara em
julgado, ao contrário do que afirma o acórdão ora reclamado...!
Quer isto significar que existe uma contradição insanável entre a pronúncia no
sentido do não conhecimento do recurso, em virtude de o acórdão final do STJ
ter transitado em julgado, e a decisão de condenação em custas por não
desistência do recurso...!'
3. Na sua resposta, o Ministério Público veio sustentar
que 'merecerá procedência o pedido de reforma da condenação em custas', embora
'por fundamentos diversos dos apontados pelo recorrente'.
Depois de se registar nessa resposta que improcedem 'as
apontadas 'nulidades' do acórdão proferido, designadamente no que toca à
'deficiência de fundamentação'', pois a 'especificidade da decisão acessória
sobre custas - sujeita a posterior contraditório dos interessados, podendo o
tribunal reformulá-la livremente quando, face às razões invocadas, se convença
da existência de erro de julgamento - torna, (...) inaplicável a este segmento
da decisão o regime geral das nulidades da sentença e do dever de a
fundamentar, por parte do juiz que a profere', explanou o Ministério Público, no
que toca 'ao pedido de reforma do decidido quanto a custas', a seguinte linha
argumentativa:
'2. No que se refere ao pedido de reforma do decidido quanto a custas, pensamos
que a questão jurídico-processual a decidir é essencialmente esta: poderá
configurar-se como agravo, para os efeitos da aplicação do regime constante do
artigo 735º, nº 2, do Código de Processo Civil - caducidade automática dos
recursos interpostos antes da decisão final e que com ela deveriam subir,
quando tal decisão transite em julgado e o agravante nada requeira - o recurso
de constitucionalidade interposto de decisão interlocutória, quando o recorrente
deixe transitar em julgado a decisão final?
Não oferece dúvidas que a instrumentalidade dos recursos de constitucionalidade
vai conduzir a um resultado de algum modo paralelo ao que decorreria da
aplicação do citado nº 2 do artigo 735º: na verdade a insusceptibilidade de a
decisão a proferir no recurso de constitucionalidade se repercutir no conteúdo
da decisão recorrida, em consequência do respectivo trânsito em julgado,
sempre conduzirá seguramente a que o Tribunal Constitucional não possa conhecer
do mérito de tais recursos interlocutórios.
Mas com, eventualmente, uma diferença relevante: a necessidade de a falta de
interesse na apreciação do objecto do recurso depender de decisão a proferir
pelo próprio Tribunal Constitucional - e não de decisão proferida no tribunal
'a quo' ou, ainda menos, da actuação do regime de caducidade automática
constante do citado nº 2 do artigo 735º do Código de Processo Civil - salvo se
naturalmente o recorrente, desistindo do recurso, logo inviabilizar a sua
apreciação por este Tribunal.
3. Segundo o artigo 69º da Lei nº 28/82, os recursos de fiscalização concreta
são tramitados como apelação (nos aspectos não especialmente regulados na Lei
do Tribunal Constitucional), sendo certo que tal preceito não limita ou
condiciona tal qualificação aos recursos de constitucionalidade que sejam
interpostos da sentença ou acórdão finais sobre o mérito da causa. Assim sendo,
seguirá o regime da apelação um recurso de constitucionalidade interposto de
um despacho interlocutório e ainda que versando sobre questões de natureza
meramente procedimental ou adjectiva.
E não temos,
por outro lado, como seguro que se possa inferir do preceituado no artigo 78º da
Lei nº 28/82 a aplicabilidade do regime de caducidade virtualmente automática
dos 'agravos' prejudicados pela decisão final: de tal preceito apenas se poderá
inferir quando sobe o recurso (imediata ou diferidamente), em que termos (nos
próprios autos ou em separado) e com que efeitos (suspensivo ou meramente
devolutivo).
Ou seja: tendo em conta a especificidade e a relevância dos recursos de
constitucionalidade, a apreciação da 'utilidade' do seu julgamento, uma vez
admitidos, estaria conferida em exclusivo ao Tribunal Constitucional, o que
determinaria que - na falta de desistência do recorrente - os recursos
interpostos durante a pendência do processo sempre seriam remetidos para
apreciação a este Tribunal - que, naturalmente, por força da instrumentalidade
que os caracteriza, deles não poderia tomar conhecimento quando entendesse que
o julgamento da questão de inconstitucionalidade normativa suscitada nenhuma
repercussão poderia ter na concreta solução do pleito, constante de decisão
final já transitada em julgado.
E supomos que a prática jurisprudencial apontará nesse sentido de - uma vez
admitidos os recursos de constitucionalidade - competir em exclusivo ao
Tribunal Constitucional a decisão sobre a 'utilidade' da sua apreciação
(entendida no sentido de a susceptibilidade do decidido acerca da questão de
constitucionalidade suscitada poder ou não repercutir-se na concreta decisão
do pleito): assim, por exemplo, mesmo nos casos em que ocorre extinção do
procedimento criminal por amnistia, tem sido prática desde sempre seguida a de
determinar a baixa dos autos para eventual aplicação de tal medida de clemência,
mas a título puramente devolutivo, cumprindo sempre a este Tribunal proferir a
decisão final no recurso de constitucionalidade interposto, apesar de ser
evidente e inquestionável que o decretamento da amnistia já determinou
irremediavelmente a sua inutilidade.
Em suma:
afigura-se-nos que, por estar exclusivamente reservada ao Tribunal
Constitucional a pronúncia sobre os recursos já admitidos no tribunal recorrido,
não será aplicável aos recursos de constitucionalidade o regime de caducidade
dos agravos, estatuído no nº 2 do artigo 735º do Código de Processo Civil -
incumbindo, deste modo, sempre ao Tribunal Constitucional decidir se tais
recursos, de um ponto de vista funcional, conservam ou não 'utilidade', se são
ou não susceptíveis de se repercutirem no teor da decisão que dirimiu o litígio.
4. Temos, porém, algumas dúvidas sobre se numa hipótese com a configuração
destes autos - o recorrente deve ser tributado, em consequência do disposto no
artigo 84º, nº 2, da Lei nº 28/82.
Estatui tal
preceito que o Tribunal Constitucional deverá condenar o recorrente em custas
em duas hipóteses:
- quando não tomar conhecimento do recurso, por não verificação de qualquer
pressuposto da sua admissibilidade
- quando o julgar sumariamente improcedente, em consequência de exposição
prévia apresentada pelo relator.
No caso 'sub juditio', verifica-se que a causa do não conhecimento do recurso
por este Tribunal não radica propriamente na falta de um originário
pressuposto de admissibilidade do recurso intentado, mas na ocorrência de uma
circunstância superveniente à sua interposição e admissão, que acabou por ditar
a inutilidade superveniente da instância de recurso: o trânsito em julgado da
decisão final, que reconheceu razão ao recorrente.
Ou seja:
verificaram-se, no caso, todos os pressupostos de admissibilidade do recurso
interlocutório intentado pelo recorrente - que foi bem admitido no tribunal 'a
quo' - mas o mesmo veio a tornar-se posteriormente inútil, em consequência do
sentido da decisão final transitada em julgado - e que o recorrente não podia,
aliás, impugnar, por ser 'parte vencedora'.
Na nossa
perspectiva, parece-nos necessário distinguir entre a falta de um pressuposto ou
requisito de admissibilidade do recurso - que se prende com a valoração da
situação processual existente no momento em que ocorreu o acto de interposição
e admissão - e os pressupostos do seu ulterior conhecimento ou apreciação pelo
tribunal 'ad quem', que se prendem com a possível verificação de
circunstâncias supervenientes à dita interposição e que possam tornar inútil o
julgamento da questão de constitucionalidade suscitada.
Na verdade,
o Tribunal Constitucional não tomou conhecimento do objecto do recurso, não por
faltar algum dos originários pressupostos de admissibilidade do recurso - que, à
data da interposição, preenchia inteiramente os requisitos da alínea b) do nº
1 do artigo 70º da Lei nº 28/82 e tinha 'utilidade', por poder repercutir-se
ainda no sentido da decisão recorrida - mas por ocorrerem circunstâncias
supervenientes que o vieram a tornar, entretanto, inútil.
Ora, se a
hipótese referenciada em primeiro lugar é de pleno e inquestionavelmente
subsumível à primeira parte do nº 1 do citado artigo 84º, já temos as maiores
reservas em nele incluir o caso tratado em segundo lugar: é que a tributação
imposta ao recorrente assenta na criação de um ónus de expressa e imediata
desistência do recurso interlocutório intentado e admitido, perante a
ocorrência de circunstâncias supervenientes, que lhe não são imputáveis, e que
ditaram a inutilidade da apreciação da questão de (in)constitucionalidade
normativa que dele era objecto, que não conseguimos fundar, em termos
suficientes, no artigo 446º do Código de Processo Civil.
Pensamos,
aliás, que, entender-se que esta situação é susceptível de tributação - o que,
repetimos, nos parece particularmente duvidoso - o seu fundamento radicaria
mais na filosofia subjacente ao artigo 447º do Código de Processo Civil,
conjugado com o decidido no Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de
Novembro de 1977: a extinção da instância de recurso, por superveniente
inutilidade deste, implicaria que as custas ficassem a cargo do autor (isto é,
do recorrente) independentemente da natureza do facto determinante da
superveniente inutilidade, dado que esta não era imputável aos recorridos.'
4. Não oferece dúvidas que a pretensão do recorrente visa
unicamente alterar a sua condenação em custas, constante do Acórdão nº 2/95, a
fls. 278 e 279 dos autos, e desdobra-se ela em dois planos:
- o da arguição de nulidades desse acórdão, só na parte em
que condenou em custas o recorrente, à luz das várias alíneas do nº 1 do artigo
668º, do Código de Processo Civil;
- o da 'reforma quanto a custas, por erro de
julgamento', nos termos do artigo 669º, b) do mesmo Código.
Começando naturalmente pela arguição de nulidades, que o
recorrente utiliza para invocar a pretensa 'falta de especificação dos
fundamentos de direito da decisão - alínea b)', para sustentar a pretensa
oposição dos fundamentos com a decisão - alínea c), e ainda para afirmar uma
pretensa 'omissão de pronuncia, prevista na alínea d) do nº 1 do artº. 668º do
C.P.Civil' - quase esgotando assim as várias alíneas desse artigo 668º -, é
fácil de ver, talqualmente se posiciona o Ministério Público, que de tal
arguição não se pode conhecer, por não ter cabimento relativamente a uma decisão
sobre custas ('especificidade da decisão acessória sobre custas - sujeita a
posterior contraditório dos interessados, podendo o tribunal reformulá-la
livremente quando, face às razões invocadas, se convença da existência de erro
de julgamento - torna, (...) inaplicável a este segmento da decisão o regime
geral das nulidades da sentença e do dever de a fundamentar, por parte do juiz
que a profere' - é a afirmação acertada do Ministério Público).
Na verdade, o sistema processual civil, no tocante a
vícios e reforma da sentença, apoia-se, no que aqui interessa, em dois
mecanismos distintos, claramente diferenciados nos artigos 666º e seguintes do
respectivo Código (mecanismos transponíveis para os acórdãos: artigo 716º do
mesmo Código).
Um, relativo ao suprimento de nulidades da sentença, que
está previsto e regulado nos artigos 666º, nº 2, e 668º, e outro, respeitante à
reforma da sentença quanto a custas e multa, que está previsto nos artigos
666º, nº 2, e 669º, b), tendo ambos um ritualismo processual simples e breve.
E é o nº 3 do artigo 670º a vincar a diferenciação,
quando prevê um prazo 'para arguir nulidades ou pedir a reforma' (diferente do
pedido de reforma quanto a custas, é o caso de a sentença ser omissa quanto a
tal matéria, caso em que o juiz pode, mesmo oficiosamente, suprir essa omissão -
artigo 667º do mesmo Código).
Trata-se, pois, de expedientes processuais que não se
podem justapor, funcionando o suprimento de nulidades para a decisão
propriamente dita - de fundo, de forma ou mista - e a reforma restritivamente e
só para a decisão de custas e multa, havendo ilegalidade quanto a tal condenação
(trata-se de um erro de julgamento, a ser apreciado de modo rápido e menos
solene, face ao que consta do processo e da lei - cfr. Santos Silveira,
Impugnação das Decisões em Processo Civil, Coimbra Editora, 1970, pág. 65 e
seguintes).
Tanto basta para que se decida desatender a pretensão do
recorrente, no plano da arguição de nulidades dirigida à parte final do
acórdão de que consta a sua condenação em custas.
5. Fica, assim, para conhecer e decidir o pedido do
recorrente de 'reforma quanto a custas, por erro de julgamento', à luz dos
artigos 666º, nº 2, e 669º, b) do citado Código.
Não tem, porém, razão o recorrente, pese embora o esforço
argumentativo de que se socorre.
É que, no seu espírito está sempre presente a EXPOSIÇÃO
do Relator que serviu de suporte ao Acórdão nº 2/95, daí derivando o essencial
da sua argumentação. Mas esquece o recorrente que nesse acórdão, apesar de se
'ter presente' tal EXPOSIÇÃO, o juízo decisório de não tomar conhecimento do
recurso de constitucionalidade assentou na única consideração de faltar ao
recorrente, 'tendo obtido ganho de causa no recurso contencioso', 'interesse em
dar continuidade ao presente recurso' (o recurso de constitucionalidade).
O que significa que das tais alíneas apontadas na
EXPOSIÇÃO (nº 6.) para, isoladamente ou de forma cumulativa, fundarem o juízo de
não conhecimento do recurso de constitucionalidade, o Acórdão nº 2/95 utilizou
apenas a alínea a), apoiada na falta de interesse do recorrente em dar
continuidade ao recurso de constitucionalidade, por ter obtido ganho de causa no
recurso contencioso, servindo-se do que se registou no ponto 3. da EXPOSIÇÃO.
A partir daqui - sendo irrelevantes quaisquer
considerações que se queiram fazer, fora do quadro restritivo de julgamento do
Acórdão nº 2/95 - é fácil chegar à decisão sobre custas, na óptica do artigo
446º do Código de Processo Civil, por haver uma imputação da responsabilidade
de custas ao recorrente, derivada de uma relação de causalidade, na medida em
que não desistiu de um recurso de constitucionalidade, no momento em que dele
não iria tirar nenhuma utilidade ou proveito juridicamente relevante (recurso
em que o próprio recorrente pediu, para 'subir após a decisão que ponha termo
ao processo', decisão esta que lhe veio a ser favorável).E, não desistiu,
quando podia e devia tê-lo feito. Devia, porque, por um lado, tendo sido
proferido no tribunal a quo o despacho de admissão do recurso de
constitucionalidade - e para seguir 'oportunamente, nos próprios autos e sem
efeito suspensivo' -, esse recurso e o despacho de admissão são referenciados
no relatório do acórdão final de 26 de Março de 1994, que foi notificado ao
recorrente e certamente ele o leu, sendo que não se vê como a notificação de 12
de Julho de 1994, a que o recorrente agora se refere, pudesse de qualquer modo
impedir a mesma desistência. Por outro lado, porque não sendo aplicáveis ao
recurso de constitucionalidade as regras do recurso de agravo, ele não ficou
sem efeito, nos termos do artigo 735º, nº 2, do Código de Processo Civil (não
havendo desistência, só este Tribunal Constitucional pode ajuizar da existência
ou subsistência de interesse jurídico relevante na decisão da questão de
constitucionalidade).
Uma última palavra para responder sinteticamente às
dúvidas postas pelo Ministério Público quanto à aplicação do artigo 446º, do
Código de Processo Civil ('o seu fundamento radicaria mais na filosofia
subjacente ao artigo 447º do Código de Processo Civil, conjugado com o decidido
no Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Novembro de 1977' - diz o
Ministério Público).
É que, de acordo com o disposto no artigo 84º, nº 2, da
Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, o 'Tribunal condenará o recorrente em custas
quando não tomar conhecimento do recurso, por não verificação de qualquer
pressuposto da sua admissibilidade', e é esta exactamente a hipótese dos autos.
Na verdade, no Acórdão nº 2/95 não se tomou conhecimento
do recurso de constitucionalidade, por não ter o recorrente 'interesse em dar
continuidade' a esse recurso (ou seja, e vendo as coisas de um outro ângulo:
por, atenta a função instrumental do recurso de constitucionalidade, não haver
interesse jurídico relevante na decisão da questão de constitucionalidade), e
daí a conjugação com o artigo 446º do Código de Processo Civil, que apoia uma
imputação da responsabilidade de custas ao recorrente, derivada de uma relação
de causalidade.
Esta falta de interesse, isto é, do interesse em agir, é
também um pressuposto processual, não se tratando, como defende o Ministério
Público, de um caso de 'extinção da instância de recurso, por superveniente
inutilidade deste' (antes é caso de falta de um pressuposto do recurso,
verificada supervenientemente ao acto de interposição do mesmo recurso).
Em suma, não há que reformar a condenação em custas
constante do Acórdão nº 2/95, soçobrando a pretensão do recorrente.
6. Termos em que, DECIDINDO:
a) Desatende-se a arguição de nulidades;
b) Desatende-se o pedido de reforma quanto a custas.
E, vai o recorrente condenado nas custas, com a taxa de
justiça fixada em dez unidades de conta.
Lx.23.11.95
Guilherme da Fonseca
Bravo Serra
José de Sousa e Brito
Luís Nunes de Almeida
José Manuel Cardoso da Costa