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Procº nº 791/92 Rel. Cons. Alves Correia
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A propôs uma acção com processo comum sumário, emergente de contrato individual de trabalho, contra 'B', pedindo que esta fosse condenada a pagar-lhe, além da quantia de 1.722.000$00 acrescida das prestações vencidas, indemnização por despedimento, bem como juros de mora contados desde a citação e até integral pagamento.
A acção foi julgada parcialmente procedente, por Sentença de 30 de Abril de 1991, tendo a ré sido condenada a reintegrar o autor ao seu serviço e a pagar-lhe quantias várias no montante global de 3.057.750$00 e juros de mora legais.
2. Inconformada, interpôs a ré recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por Acórdão de 25 de Março de 1992, julgou a acção improcedente, determinando a revogação da sentença recorrida e a absolvição da ré do pedido.
3. Deste aresto recorreu o autor para o Supremo Tribunal de Justiça. O recurso não veio, porém, a ser admitido, por despacho do Desembargador relator de 9 de Abril de 1992, com o fundamento de o valor da causa se encontrar dentro da alçada do Tribunal da Relação.
Discordando desta decisão, veio então o autor reclamar perante o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, concluindo o requerimento de reclamação do seguinte modo:
'1- Nos termos dos artigos 306º, nº 1, 308º, nº 3, e 315º, nº 3, do Código de Processo Civil, deve entender-se que o valor fixado à causa foi aquele em que a decisão corrigiu o valor indicado de 1. 722 000$00 para 3. 057 750$00, ao condenar a apelante nessa quantia, ainda que sem referência expressa ao valor da causa.
2- Outro entendimento obrigaria à descida do processo à primeira instância por iniciativa da Relação para essa pronúncia expressa num qualquer sentido, e correcção da conta de custas, se fosse o caso, por a omissão ser do conhecimento oficioso da Relação, por ser de interesse e de ordem pública a correcção do valor.
3- De qualquer modo, de uma hipotética omissão de pronúncia sobre a questão do valor, não caberia recurso da primeira instância por parte do ora reclamante, e, portanto, teria agora o recurso de ser admitido ou, em alternativa, ordenada a sua descida
à primeira instância para fixação do valor.
4- Mas nunca o requerimento de interposição do recurso poderia ser indeferido, como foi, com fundamento num valor que não cabe à Veneranda Relação fixar; que à face da lei deve ser igual ao da condenação e que não foi expressamente referido na sentença.
5- Outra interpretação constituiria aplicação de norma inconstitucional, nos termos que se deixaram expostos por violação dos arts.
13º, 207º e 280º da Constituição'.
Submetido à conferência o despacho reclamado, foi o mesmo confirmado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, através do Acórdão de 29 de Abril de 1992.
4. Por despacho de 11 de Junho de 1992, o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça indeferiu a reclamação, mantendo, consequentemente, o despacho reclamado. Para tanto, entendeu o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que o valor da acção no caso dos autos em que se pediu uma quantia em dinheiro e interesses (salários e juros) vencidos e vincendos, se rege pelo disposto no artigo 306º, nº 2, do Código de Processo Civil, devendo atender-se somente aos interesses vencidos à data da propositura da acção.
De acordo com aquele despacho, o valor de 1.722.000$00 dado à acção pelo próprio autor foi o correcto, tendo tal valor ficado definitivamente fixado, uma vez que as partes assentaram nele e não foi alterado pelo juiz, logo que foi proferida a sentença na primeira instância, como resulta do artigo 315º, nºs. 1, 2 e 3, do Código de Processo Civil. Como aquele valor se contém dentro da alçada da Relação (2.000.000$00), o recurso não é admíssivel face ao artigo
678º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Ainda segundo o mencionado despacho do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, não se verifica qualquer ofensa do princípio da igualdade, uma vez que se está perante regras gerais aplicáveis a todas as pessoas, nem qualquer violação de outra disposição ou princípio constitucional.
5. É daquele despacho do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que vem interposto o presente recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 280º, nºs. 1, alínea b), e 4, da Constituição e no artigo
70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional (Lei nº 28/82, de 15 de Novembro).
6. Depois de completado o requerimento de interposição do recurso com base em convite do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do disposto no artigo 75º-A, nº 2 e 5, da Lei do Tribunal Constitucional, veio o recurso a ser admitido, por despacho de 1 de Outubro de 1992. Neste Tribunal, o recorrente concluiu as suas alegações nos seguintes termos:
1- O Exmº. Juiz Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça aplicou norma inconstitucional, ao aplicar ao caso sub judice o artigo
306º, nº 2, do C.P.C..
2- Norma essa violadora do disposto nos artigos 13º, 207º e 208º, todos da Constituição.
3- Na medida em que fez do referido preceito interpretação extensiva, por forma a abarcar nele a situação sub judice.
4- Que de facto se subsume nos artigos 315º, nº 3, e 306º, nº 1, todos do C.P.C., e 8º, nºs. 1 e 3, do C.C.J., sendo eles os aplicáveis e que executam a Constituição.
Por sua vez, a recorrida refere, nas suas alegações, em síntese, que o recurso, nos termos em que se acha configurado pelo recorrente, não tem cabimento, pois não põe em causa a constitucionalidade, em abstracto, da norma do nº 2 do artigo 306º do Código de Processo Civil, mas sim, e exclusivamente, o critério hermenêutico adoptado no despacho recorrido, que argui de violador do princípio da igualdade. Ainda segundo a recorrida, a interpretação perfilhada no douto despacho recorrido é absolutamente correcta, não se verificando a mais leve ofensa a princípios constitucionais. A norma legal nele invocada é igualmente aplicável a todas e quaisquer pessoas que deduzam pedido análogo ao formulado pelo recorrente na sua petição inicial.
7. Corridos os vistos legais, cumpre decidir, começando-se por tratar a questão de saber se deve ou não conhecer-se do recurso.
II- Fundamentos.
8. Nas suas alegações, sustenta a recorrida que o presente recurso não se contém nos limites nem do artigo 280º da Constituição, nem do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, pois o que o recorrente pretende é que seja considerada violadora dos princípios constitucionais a interpretação efectuada pelo Supremo Tribunal de Justiça sobre o conteúdo da norma do artigo 306º, nº 2, do Código de Processo Civil, concretamente no tocante à sua aplicação ao caso ora em apreço.
Tendo em conta o objecto do recurso, tal como foi configurado pelo recorrente, tudo parece apontar no sentido de o presente recurso não dizer respeito a uma questão de constitucionalidade, mas antes a uma discordância do recorrente quanto às normas aplicáveis ao caso concreto.
Vejamos então.
8.1. O sistema português de fiscalização concreta da constitucionalidade é, tal como vem sublinhando este Tribunal, um sistema de controlo normativo, uma vez que só podem ser objecto de recurso de constitucionalidade as normas jurídicas e não também as decisões judiciais, consideradas em si mesmas (cfr., inter alia, o Acórdão deste Tribunal nº.
318/93, publicado no Diário da República, II Série, de 2 de Outubro de 1993, e os Acórdãos nºs. 638/93 e 412/94, estes dois inéditos).
Na verdade, o Tribunal Constitucional apenas pode conhecer de recursos interpostos de decisões dos outros tribunais, que recusem a aplicação de normas jurídicas com fundamento na sua inconstitucionalidade ou que as apliquem não obstante a sua inconstitucionalidade haver sido suscitada durante o processo pelo recorrente. Ainda de harmonia com a jurisprudência uniforme deste Tribunal, nada obsta a que, na fiscalização concreta da constitucionalidade, se discuta a constitucionalidade de uma norma, tal como ela foi interpretada e aplicada ao caso concreto (cfr., por todos, o Acórdão deste Tribunal nº 114/89, publicado no Diário da República, II Série, de 24 de Abril de 1989).
A questão de inconstitucionalidade pode respeitar a uma norma, a uma sua dimensão parcelar ou, mais restritamente, à interpretação ou sentido com que ela foi tomada no caso concreto e aplicada na decisão recorrida (cfr., por todos, o Acórdão nº 238/94, publicado no Diário da República, II Série, de 28 de Junho de 1995).
Acontece, no entanto, que, no caso sub judicio, o que o recorrente questiona é a aplicação da norma do artigo 306º, nº 2, do Código de Processo Civil pelo tribunal recorrido, em vez das normas dos artigos 315º, nº 3, 306º, nº 1, e 308º, nº 3, do mesmo Código e do artigo 8º, nºs. 1 e 3, do Código das Custas Judiciais, as quais, na óptica do recorrente, seriam as aplicáveis nos autos.
8.2. Com efeito, da análise das peças processuais resulta que o recorrente coloca o acento tónico na errada determinação do direito aplicável pelo tribunal a quo, ao aplicar o artigo 306º, nº 2, do Código de Processo Civil, quando as normas aplicáveis e conformes à Constituição seriam as constantes dos artigos 315º, nº 3, 306º, nº 1, e 308º, nº 3, do mesmo Código e ainda as do artigo 8º, nºs. 1 e 3, do Código das Custas Judiciais. O que acaba de referir-se é confirmado pelo recorrente ao escrever no requerimento de interpretação do recurso que 'a douta decisão de que pretende recorrer-se, em vez das normas indicadas com a interpretação dada pelo recorrente, aplicou o artigo 306º, nº 2, C.P.C., confundindo, salvo o devido respeito, a natureza dos interesses objecto da acção com a natureza de interesses identificados por juros, rendas, ou rendimentos, que, assim, com a interpretação dada, é inconstitucional, nos termos suscitados por preterição das normas aplicáveis citadas, em conformidade com a Constituição'. E, na mesma linha, depois de convidado a completar o requerimento de recurso, veio o recorrente afirmar que a norma que se pretende ver apreciada é o 'artigo
306º, nº 2, do C.P.C. com a interpretação que lhe deu a decisão de que pretende recorrer-se, como sendo a norma inconstitucional ao entender-se que essa era a norma aplicável ao caso sub judicio, em vez de se aplicarem os artigos 315º, nº
3, 308º, nº 3, e 306, nº 1, todos do C.P.C. e 8º, nºs. 1 e 3, do Código das Custas Judiciais, que assim foram desaplicados inconstitucionalmente'.
A questão fundamental que se discute neste recurso é a de saber se numa acção de impugnação de despedimento, em que se peticionam créditos vencidos, créditos emergentes do artigo 13º, nº 1, do Decreto-Lei nº 64-A/89, de
27 de Fevereiro, e juros vencidos e vincendos, o valor da causa deve ser determinado nos termos do artigo 306º, nº 2, do Código de Processo Civil ou nos termos do artigo 315º, nº 3, em conjugação com o artigo 306º, nº 1, do mesmo diploma.
Ora do modo como a questão foi colocada pelo recorrente extrai-se a ideia de que, no essencial, ele não concorda com a aplicação da norma realizada, no caso em análise, pelo tribunal recorrido. Não se trata de saber se a decisão re- corrida fez ou não uma interpretação constitucionalmente admis- -sível da norma aplicada, situação que ainda caberia na compe- tência deste Tribunal.Trata-se antes de uma simples divergência entre o tribunal a quo e o recorrente sobre as normas jurídicas aplicáveis no caso concreto.
Como já foi referido anteriormente, o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça sustentou que, para a determinação do valor da acção em apreço em que se pediu uma quantia em dinheiro e interesses (salários e juros) vencidos e vincendos, rege o artigo 306º, nº 2, do Código de Processo Civil, atendendo-se somente aos interesses já vencidos à data da propositura da acção, ao passo que, na opinião do recorrente, as normas aplicáveis seriam as constantes dos artigos
315º, nº 3, 308º, nº 3, e 306º, nº 1, todos do Código de Processo Civil, e o artigo 8º, nºs. 1 e 3, do Código das Custas Judiciais, normas que, na sua opinião, foram inaplicadas indevidamente.
Ora, ao Tribunal Constitucional não compete formular um juízo sobre a boa ou má determinação do direito aplicável pelo tribunal recorrido, pois o recurso de constitucionalidade não é um recurso de revista.
9. Interessa, por fim, acrescentar que, suscitando o recorrente a inconstitucionalidade de uma norma jurídica, por ter sido aplicada pelo tribunal a quo em vez das normas jurídicas que, na sua opinião, deviam ser aplicadas, o que ele faz, no fundo, é imputar a inconstitucionalidade à própria decisão judicial. Também por esta razão não deve tomar-se conhecimento do presente recurso.
III- Decisão
10. Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se não tomar conhecimento do recurso, condenando-se o recorrente em custas, fixando-se a taxa de justiça em cinco Unidades de Conta.
Lisboa,16 de Janeiro de 1996 Fernando Alves Correia José de Sousa e Brito Messias Bento Bravo Serra Guilherme da Fonseca Luis Nunes de Almeida