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Proc. nº 802/93
Plenário
Rel. Cons. Ribeiro Mendes
Acordam no Plenário do Tribunal Constitucional:
1. A., e outros, representados todos pelo
mesmo Senhor Advogado, vieram através do requerimento de fls. 314 a 317, arguir
a nulidade do acórdão nº 164/95, nos termos da alínea d) do nº 1 do art. 668º do
Código de Processo Civil, para tanto alegando o seguinte:
- Na situação dos autos, o Supremo Tribunal de Justiça não havia acatado o
primeiro acórdão do Tribunal Constitucional (acórdão nº 270/93), embora tivesse
afirmado que ia dar cumprimento ao dever de reformar a sua decisão anterior, de
acordo com o decidido pelo Tribunal Constitucional: de facto, acabou por
'respeitar o seu entendimento de que para a acção não é competente o Tribunal do
Trabalho mas sim o Tribunal Cível de Lisboa';
- A norma aplicada pelo primeiro acórdão do Supremo Tribunal de Justiça não foi
considerada totalmente inconstitucional pelo acórdão nº 270/93, mas apenas 'na
errada interpretação que dele fizeram as Instâncias e o Supremo Tribunal de
Justiça', não tendo sido julgada inconstitucional 'interpretada no sentido de
que o Tribunal comum de que aí se fala é o Tribunal de Trabalho quando no
processo se discutem direitos laborais'. No sentido julgado inconstitucional, a
norma veio mesmo a ser declarada inconstitucional com força obrigatória geral;
- Os recorrentes e agora requerentes 'expressamente alegaram que o Acórdão
recorrido do Supremo Tribunal de Justiça tem o sabor amargo de violação de caso
julgado';
- O nº 3 do art. 80º da Lei do Tribunal Constitucional estabelece que a decisão
que reforme uma decisão revogada pelo Tribunal Constitucional deve aplicar a
norma com a interpretação não julgada inconstitucional;
- O caso vertente é um dos casos a que se aplica o nº 3 do art. 80º da Lei do
Tribunal Constitucional: o acórdão nº 270/93 havia julgado inconstitucional a
norma do nº 1 do art. 8º do Decreto-Lei nº 137/85, de 3 de Maio, no entendimento
interpretativo de que 'o tribunal comum de que ali se fala é o Tribunal Cível
quando estejam em causa créditos de nítido conteúdo laboral, e não o Tribunal de
Trabalho';
- Se o Supremo Tribunal de Justiça quisesse verdadeiramente acatar o julgado do
Tribunal Constitucional deveria, na sua segunda decisão, ter aplicado a indicada
norma 'com a interpretação que lhe foi dada pelo Tribunal Constitucional; em vez
disso, porém, recusou flagrantemente a interpretação consagrada pelo Tribunal
Constitucional, violando o nº 3 do artigo 80º da Lei 28/82, o que também e
claramente constitui violação do caso julgado';
- O Tribunal Constitucional 'pode e deve aplicar o referido nº 3 do art. 80º [da
Lei do] Tribunal Constitucional no caso vertente. É que os recorrentes
insurgiram-se contra a decisão do Supremo Tribunal de Justiça por se ter
recusado a aplicar a decisão contida no anterior Acórdão nº 270/93 com a
interpretação decidida e fixada no anterior Douto Acórdão do Tribunal
Constitucional' (veja-se o ponto c) da 15ª conclusão do presente recurso de
constitucionalidade): o Supremo Tribunal de Justiça, em vez de ter aplicado a
norma em causa com a interpretação conforme à Constituição, aplicou uma outra
norma (nº 4 do art. 43º do Decreto-Lei nº 260/76, de 8 de Abril), que se achava
revogada por força de alteração de sistema;
- Não obstante as considerações feitas no acórdão arguido de nulo sobre o
objecto do recurso e a impossibilidade de o Tribunal Constitucional alterar ex
officio tal objecto, a verdade é que os reclamantes 'invocaram claramente a
violação do preceituado no artigo 80º da Lei 28/82', ao menos de forma
implícita;
- Fosse como fosse e ainda que os recorrentes não tivessem invocado tal
violação, 'sempre o Tribunal Constitucional teria o dever de conhecer
oficiosamente da questão, uma vez que o artigo 80º já citado é norma
imperativa';
- Como o Tribunal Constitucional não correria o risco de alterar o objecto do
recurso, visto a questão da violação do nº 3 do art. 80º da Lei do Tribunal
Constitucional ter sido implicitamente colocada pelos recorrentes, ora
requerentes, e como o mesmo Tribunal sempre podia conhecer oficiosamente da
questão, sem alteração do objecto do recurso, 'foi cometida a nulidade prevista
na alínea d) do nº 1 do art. 668º do C. Processo Civil'.
Terminam o requerimento solicitado que a presente
arguição seja apreciada em conferência e seja julgada procedente e provada,
acrescentando um desabafo sobre o tempo decorrido (quase 10 anos) sem que haja
ainda sido fixado qual o tribunal competente para a causa, estando os autores
'economicamente depauperados e sem recursos, após esta longa e dispendiosa
caminhada', só lhes restando a esperança de ver reconhecidos os seus direitos
laborais.
2. Notificada a recorrida B., empresa pública (em
liquidação) para se pronunciar sobre a arguição da nulidade, nada disse no prazo
legal.
Foram corridos vistos sobre esta arguição.
3. Cumpre, pois, apreciar a nulidade do acórdão,
arguida pelos ora recorrentes.
O art. 668º, nº 1, alínea d), do Código de
Processo Civil - disposição aplicável às decisões do Tribunal Constitucional
por conjugação do disposto no art. 716º, nº 1, do mesmo diploma com o art. 69º
da Lei do Tribunal Constitucional - dispõe que é nula a decisão judicial 'quando
o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que deva apreciar ou conheça de
questões de que não podia tomar conhecimento'.
Como resulta do teor de arguição de nulidade que
acima se deixou detalhadamente referido, está apenas em causa a nulidade
prevista na primeira parte da citada alínea d), ou seja, o Tribunal
Constitucional terá deixado de pronunciar-se sobre uma questão que deveria
apreciar, a saber, a da aplicação do nº 3 do art. 80º da Lei do Tribunal
Constitucional ao recurso sub judicio.
Terão razão os requerentes, ao suscitarem essa
nulidade?
4. Entende o Tribunal Constitucional que é
improcedente a presente arguição de nulidade.
Como resulta do teor do Acórdão nº 164/95, os
recorrentes, através do requerimento de fls. 247 a 251 vº, interpuseram um
recurso, qualificado por eles de agravo, do acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça de 20 de Outubro de 1993, nos termos da alínea b) do nº 1 do art. 70º da
Lei do Tribunal Constitucional, tendo indicado como objecto do recurso o
seguinte:
'Os recorrentes pretendem que o Tribunal [Constitucional] aprecie a questão da
inconstitucionalidade da norma do nº 4 do art. 43º do Dec. Lei 260/76, de 8 de
Abril, questão implicitamente suscitada nas alegações de recurso para o Tribunal
da Relação e explicitamente neste requerimento de interposição deste recurso
para o Tribunal Constitucional' (a fls. 250)
A afirmação tão claramente feita pelos ora
requerentes do objecto do recurso, dispensa o Tribunal de se interrogar se a
vontade declarada por aqueles se coaduna ou não com a sua vontade real,
dispensando-o de qualquer actividade interpretativa mais complexa.
A delimitação deste objecto do recurso, assim
claramente estabelecido, vincula o Tribunal Constitucional.
De facto, nos recursos de constitucionalidade
- no âmbito de fiscalização concreta - o Tribunal Constitucional 'só pode julgar
inconstitucional ou ilegal a norma que a decisão recorrida, conforme os casos,
tenha aplicado ou a que haja recusado aplicação, mas pode fazê-lo com fundamento
na violação de normas ou princípios constitucionais ou legais diversos daqueles
cuja violação foi invocada' (art. 79º-C da Lei do Tribunal Constitucional).
Vigora, assim, na jurisdição constitucional o
princípio do pedido. Como refere Cardoso da Costa, 'já seria óbvio que não pode
o Tribunal alargar a sua apreciação a normas diversas da aplicada ou desaplicada
pelo Tribunal a quo, ainda que eventualmente também aplicáveis à hipótese sub
judice; mas pode julgar aquela inconstitucional com fundamento em violação de
normas ou princípios da Constituição diferentes dos invocados (art. 79º-C LTC)'
(A Jurisdição Constitucional em Portugal, 2ª edição revista e actualizada,
Coimbra, 1992, pág. 53).
5. Acresce que os nºs 1 e 2 do art. 75º-A da
Lei do Tribunal Constitucional - disposição aditada pela Lei nº 85/89, de 7 de
Setembro - impõem aos recorrentes o ónus de delimitação rigorosa do objecto do
recurso e de indicação da espécie de recurso interposto, garantias da plena
observância do princípio do pedido.
Dito isto, logo se alcança que o Tribunal
Constitucional não podia inquirir ex officio sobre a constitucionalidade ou
inconstitucionalidade de normas que não foram aplicadas pela decisão recorrida.
Tão-pouco poderia averiguar ex officio se tinha havido violação de anterior caso
julgado, num recurso em que o objecto apontado pelos recorrentes era outro,
completamente diferente.
6. Os requerentes, no fundo, põem em causa o
disposto nos arts. 75º-A e 79º-C da Lei do Tribunal Constitucional, preconizando
uma ampliação dos poderes de cognição do Tribunal Constitucional.
Por muito defensável que seja o seu propósito,
a verdade é que se trata de uma perspectiva de jure constituendo, sobre a futura
reforma de legislação do processo constitucional.
No presente recurso, os poderes de cognição do
Tribunal Constitucional cingiram-se à questão de constitucionali- dade suscitada
pelos recorrentes, a da norma aplicada pela decisão recorrida. Não podiam
abranger outras normas não aplicadas pela decisão recorrida. Tão-pouco podia
este órgão jurisdicional pronunciar-se sobre a constitucionalidade de uma
eventual desaplicação de certa norma, com uma certa interpretação, por razões de
constitucionalidade, convolando oficiosamente de um recurso da alínea b) do nº 1
do art. 70º da Lei do Tribunal Constitucional, para um recurso da alínea a)
desse número e artigo (sobre este ponto, veja-se o Acórdão nº 226/94, publicado
in Diário da República, II Série, nº 160, de 13 de Julho de 1994).
Não procede, por isso, a nulidade invocada,
estando vedado ao Tribunal Constitucional conhecer da questão de
inconstitucionalidade do art. 8º, nº 1, do Decreto-Lei nº 137/85, numa certa
interpretação, ou da eventual ofensa de caso julgado pelo Supremo Tribunal de
Justiça.
7. Não houve, pois, questão sobre a qual o
Tribunal Constitucional se tivesse abstido de conhecer, devendo fazê-lo.
8. Nestes termos e pelas razões expostas,
decide o Tribunal Constitucional indeferir a presente arguição de nulidade.
Custas pelos requerentes, fixando-se a taxa de
justiça em 4 (quatro) unidades de conta.
Lisboa, 14 de Novembro de 1995
Armindo Ribeiro Mendes
Fernando Alves Correia
Antero Alves Monteiro Dinis
Messias Bento
Maria Fernanda Palma
José de Sousa e Brito
Maria da Assunção Esteves
Alberto Tavares da Costa
Vítor Nunes de Almeida
Guilherme da Fonseca
Bravo Serra
Luís Nunes de Almeida