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Processo nº 405/94
2ª Secção
Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do
Tribunal Constitucional:
1. O Governo Regional da Madeira veio interpor recurso
para este Tribunal Constitucional dos acórdãos da 1ª Secção (Secção do
Contencioso Administrativo) do Supremo Tribunal Administrativo (Tribunal
Pleno), de 24 de Março de 1994 e de 28 de Junho de 1994, 'nos termos dos artºs
70º, 75º e 75º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações
introduzidas pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro'.
Invoca o recorrente, no requerimento de interposição do
recurso para este Tribunal Constitucional:
'O recurso é interposto ao abrigo das alíneas b) e g) do artº 70º da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro, sendo que a interpretação dada nos acórdãos recorridos
à alínea a) do artº 22º da L.P.T.A. (Dec-Lei 267/85, de 16 de Julho),
inconstitucionaliza aquela disposição por violação do artº 20º da Constituição.
A questão da inconstitucionalidade daquela disposição foi expressamente
suscitada no requerimento de 23.Maio.94, de fls., em que se solicitava que
recaísse acórdão da conferência, nos termos do nº 3, do artº 700º do CPCivil'.
2. Os citados acórdãos do Tribunal a quo decidiram:
- o de 24 de Março de 1994 negar provimento aos recursos
interpostos pelo Governo Regional da Madeira dos acórdãos da dita 1ª Secção 'de
22 de Janeiro de 1991, a fls. 55 e segs., e de 19 de Maio de 1992, a fls. 106 e
segs. dos autos, por naquele se ter decidido não ser extemporâneo o recurso
contencioso interposto por A. (ora recorrida) da Resolução nº 564/89, do
Plenário do Governo Regional da Madeira, de 20 de Abril de 1989, e neste se ter
dado provimento ao mesmo, anulando-se a citada Resolução, com fundamento em
vício de violação de lei'.
- o de 28 de Junho de 1994 indeferir a reclamação do mesmo Governo e
'confirmar o despacho reclamado', ou seja, o despacho do relator, de 6 de Maio
de 1994, do seguinte teor:
-
'Não admito o recurso interposto para o Plenário do STA do Ac. do Pleno de fls.
159 e segs., com fundamento em oposição de julgados, pela simples razão, como
refere o exmº Procurador-Geral Adjunto no seu douto parecer, que o artº 22º do
ETAF o não permite, como o evidencia uma mera leitura, da sua alínea a), segundo
a qual compete ao Plenário conhecer dos recursos de acórdãos das secções (...).
Ora, o acórdão de que o requerente pretende recorrer é do Pleno e não de nenhuma
das Secções'.
3. Nas suas alegações, limitou-se o Governo Regional
recorrente a concluir que 'se deverá considerar inconstitucional a
interpretação feita ao artº 22 alínea a) do ETAF, por violação dos artºs 13º e
20º da Constituição da República Portuguesa'.
Do texto das alegações do recorrente colhe-se a seguinte
consideração essencial:
'O artº 22º alínea a) do E.T.A.F. não pode, pois, deixar de ser interpretado de
forma a assegurar que relativamente a um acórdão proferido ao abrigo da alínea
a) do artº 24º do ETAF seja assegurado o recurso por oposição com outro
acórdão, seja da Secção, seja do Pleno da Secção, seja de outra Secção, seja do
Plenário, sob pena de se deixar de fora uma faixa da maior importância
relativamente à qual se deverá assegurar em nome da justiça e da equidade a
maior garantia de uniformização de Jurisprudência, ou se assim não for
entendido, ter-se à de considerar como ferido de inconstitucionalidade material
por ofensa dos citados artigos 13º e 20º da Constituição.
Aliás, interpretar a alínea a) do artº 22º do ETAF de forma a que só é possível
recurso para o Plenário com base em oposição de Acórdãos de Secção diferente é
esvaziá-lo completamente de sentido e de alcance.
Efectivamente as Secções têm âmbitos de competência completamente distintos e é
muito pouco provável que haja contradições de julgados no domínio da mesma
questão fundamental de direito entre por exemplo acórdãos da Secção de
Contencioso Administrativo e acórdãos de Secção de Contencioso Tributário, já
que os ramos de direito que tais Secções aplicam são completamente distintos.
No mínimo, e para efeito da alínea a) do artº 22º do ETAF ter-se-ão de
considerar como Secções diferentes a Secção propriamente dita por um lado e o
Pleno da Secção por outro, sob pena de, por denegação de justiça e ofensa do
princípio da maior admissibilidade dos recursos e do acesso à justiça e ao
direito e do princípio da igualdade, tal disposição se ter por
inconstitucional.'
4. A recorrida A. apresentou uma contra-alegação,
concluindo que 'deve ser negado provimento ao presente recurso que não
desrespeita o princípio da igualdade, nem denega justiça ou o acesso ao
Direito'
5. Vistos os autos, incluindo o visto do Ministério
Público, cumpre decidir.
Antes de mais, importa clarificar os contornos do presente
recurso de constitucionalidade, pois o requerimento da sua interposição enferma
de inexactidões. Desde logo, a identificação de norma no caso aplicada e cuja
inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo, sendo ela o artigo 22º,
alínea a), do Decreto-Lei nº 129/84, de 27 de Abril, que aprovou o Estatuto dos
Tribunais Administrativos e Fiscais - doravante ETAF - (e não do Decreto-Lei nº
267/85, de 16 de Julho, como, por lapso, vem indicado pelo recorrente). Depois,
a identificação da decisão recorrida do Supremo Tribunal Administrativo, que só
pode ser o acórdão de 28 de Junho de 1994, que aplicou a citada norma do artigo
22º, alínea a), e nunca o acórdão de 24 de Março de 1994, também referenciado
pelo recorrente, mas que conheceu do mérito da causa antes de desencadeado o
recurso que o recorrente pretendeu usar, com base em oposição de julgados e ao
abrigo daquela mesma norma. Finalmente, a invocação que o recorrente faz da
alínea g) do artigo 70º, nº 1, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, como
fundamento do recurso de constitucionalidade, não tem razão de ser, pois não é
evidentemente caso de aplicação de norma 'já anteriormente julgada
inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal Constitucional', pois nunca
este Tribunal se pronunciou até hoje sobre o questionado artigo 22º, alínea
a).
6. Prossigamos, pois, feita esta clarificação, para mais
facilmente se abrir o caminho da solução.
Os autos revelam que, tendo ficado vencido o Governo
Regional da Madeira nos recursos interpostos para o Pleno da 1ª Secção do
Supremo Tribunal Administrativo, por via do citado acórdão daquele Pleno, de 24
de Março de 1994, dele pretendeu recorrer para o Plenário do mesmo Supremo
Tribunal Administrativo, 'porquanto está em manifesta oposição, no domínio da
mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, com anterior
Acórdão da 1ª Secção deste S.T.A., de 16/2/94, transitado em julgado, proferido
em processo diferente e que correspondeu ao recurso nº 30 051' (linguagem do
recorrente).
Não foi este recurso admitido por despacho do relator e
apresentada então reclamação pelo recorrente, nos termos do nº 3 do artigo 700º
do Código do Processo Civil, para que 'sobre tal despacho recaia acórdão da
conferência', veio esta, no acórdão ora recorrido, de 28 de Junho de 1994, a
indeferir a reclamação, confirmando o despacho reclamado.
Nesse acórdão, depois de se afirmar que é 'jurisprudência
pacífica' do Supremo Tribunal Administrativo que 'não há recursos de acórdãos do
Pleno para o Plenário', respondeu-se do seguinte modo à tese do recorrente:
'Quanto à arguição da inconstitucionalidade da alínea a) do artº 22º do ETAF,
por violação do disposto no artº 20º da Constituição, já que da sua aplicação,
nos termos expostos, resultaria a 'denegação da justiça', a 'ofensa do
princípio da maior admissibilidade dos recursos' e do 'acesso à justiça e ao
direito' não se vê em que é que a não admissibilidade de um recurso em 3º grau
tem a ver com o acesso ao direito e aos tribunais, nem com a denegação de
justiça e, por consequência, com o invocado princípio 'da maior admissibilidade
dos recursos' o qual não tem qualquer cabimento no citado normativo
constitucional.
Anote-se que, como é pacífico, o nosso ordenamento jurídico constitucional não
consagra o princípio do duplo grau de recurso jurisdicional e muito menos, como
seria o caso, o 3º grau''.
Quid juris?
7. A norma questionada do artigo 22º, alínea a), do ETAF,
como norma de competência do plenário do Supremo Tribunal Administrativo, prevê
'recursos de acórdãos das secções que, relativamente ao mesmo fundamento de
direito e na ausência de alteração substancial da regulamentação jurídica,
perfilhem solução oposta à de acórdão de diferente secção ou do plenário', o que
significa recursos por oposição de julgados, seguindo a tramitação regulada no
Código de Processo Civil, tendo em vista a uniformização da jurisprudência, 'a
unidade de aplicação do direito' de que fala o nº 5 do artigo 23º.
Tal tipo de recursos da competência do Plenário, na tese
do acórdão recorrido e que nele se entende conforme à Lei Fundamental, tem como
pressuposto 'acórdãos das secções', as Secções de Contencioso Administrativo e
de Contencioso Tributário daquele Supremo Tribunal Administrativo, e 'não
abrange os acórdãos do Pleno'.
Para o Governo Regional recorrente 'ter-se-ão de
considerar como Secções diferentes a Secção propriamente dita por um lado e o
Pleno da Secção por outro', assegurando-se 'o recurso por oposição com outro
acórdão, seja da Secção, seja do Pleno da Secção, seja de outra Secção, seja do
Plenário', e só assim será respeitada a Constituição, à luz dos seus artigos 13º
e 20º.
8. Não assiste, porém, razão ao recorrente e não se
vislumbra a ofensa das citadas normas constitucionais.
Na verdade, não oferece dúvidas que a aplicação que no
acórdão recorrido se faz da alínea a) do artigo 22º do ETAF é a única que se
concilia com o teor literal da norma - 'acórdãos das secções' e 'acórdão de
diferente secção' -, utilizando expressões de sentido inequívoco, e que se
compadece com a organização do Supremo Tribunal Administrativo em duas secções
(nº 2 do artigo 14º), com o seu funcionamento 'em plenário, por secções e por
subsecções' (nº 1 do artigo 20º) e com a distribuição da competência de cada uma
das secções, em pleno e por subsecção (artigo 24º, 26º, 30º, 32º e 33º). E
também se compadece com a composição do Plenário, 'constituído pelo presidente
do Tribunal, pelos vice-presidentes e, nos termos dos números seguintes, por
outros juízes de ambas as secções' (nº 1 do artigo 23º).
Que não há aí violação do artigo 20º e mais rigorosamente
do seu nº 1, da Constituição - 'por denegação de justiça e ofensa do princípio
da maior admissibilidade dos recursos e do acesso à justiça e ao direito',
talqualmente vem caracterizado pelo recorrente -, é um dado que ressalta de
posições ditas e rearfimadas por este Tribunal Constitucional, apoiando-se na
doutrina e na sua já vasta jurisprudência a propósito tirada, no sentido de que
o direito de acesso aos tribunais postulado pelo artigo 20º, nº 1, da Lei
Fundamental não garante, necessariamente, em todos os casos e por si só, o
direito a um duplo ou a um triplo grau de jurisdição, sendo que a garantia de
um duplo grau de jurisdição referentemente a réus condenados em processo
criminal não é imposta por aquele normativo constitucional, antes decorrendo do
que se preceitua no nº 1 do artigo 32º da Constituição.
E, igualmente, tem defendido que aquela Lei não consagra
um direito geral de recurso das decisões judiciais (afora aquelas de natureza
criminal condenatória, recurso esse, porém, que deflui da necessidade de
previsão de um segundo grau de jurisdição, necessidade essa, repete-se, imposta
pelo nº 1 do artº 32º). Acrescenta, todavia, com suporte na própria doutrina,
que, uma vez que a Constituição prevê 'a existência de tribunais de recurso na
ordem dos tribunais judiciais' - o mesmo acontecendo na ordem dos tribunais
administrativas e fiscais - e que lei infraconstitucional, designadamente os
diplomas adjectivos fundamentais e os que regem a organização judiciária, no
caso o ETAF, também prevêm esses órgãos de administração de justiça funcionando
como tribunais também vocacionados para decidir em sede de impugnação das
decisões emanadas de tribunais de hierarquia inferior, então não será lícito ao
legislador ordinário 'suprimir em bloco os tribunais de recurso e os próprios
recursos' ou 'ir até ao ponto de limitar de tal modo o direito de recorrer, que,
na prática, se tivesse de concluir que os recursos tinham sido suprimidos' (as
expressões em itálico são extraídas da obra Recursos em Processo Civil de
Armindo Ribeiro Mendes, Lisboa 1992, 100, 101 e 102; cfr., como exemplo da
jurisprudência do Tribunal, e com mais recente publicação, quanto ao tema em
análise, o Acórdão nº 447/93, no Diário da República, 2ª Série, de 23 de Abril
de 1994).
A norma em questão, seguramente, não vem prescrever
aquela supressão em bloco ou uma solução de onde decorra que, na prática,
ficaram, com o sistema por ela estabelecido, suprimidos os recursos no que tange
às decisões proferidas em processos de contencioso administrativo instaurados na
respectiva secção do Supremo Tribunal Administrativo. Daí que, havendo-se de
reconhecer ao legislador uma liberdade de conformação quanto ao estabelecimento
de requisitos condicionadores dos recursos ou para 'alterar pontualmente as
regras sobre a recorribilidade das decisões', ampliando ou restringindo,
designadamente, e aqui, os recursos por oposição de julgados, 'e a existência de
recursos', respeitados que sejam os limites acima focados, ter-se-á de concluir
que a aplicação que é feita da norma do artigo 22º, alínea a) do ETAF pelo
acórdão em crise não viola o disposto no artigo 20º da Constituição,
nomeadamente o seu nº 1.
9. Num outro enfoque, não se divisa que tal norma,
aplicada do modo como o foi, postergue o princípio da igualdade que deflui do
artigo 13º do Diploma Fundamental, conformemente vem alegado pelo recorrente, na
base de que não é legítimo que 'nuns casos seja admissível a uniformização de
jurisprudência entre acórdãos da mesma secção e que noutros tal só seja
admissível relativamente a Acórdãos de secções diferentes', tudo isto 'em
função dos actos admitirem recurso directamente para o S.T.A. ou admitirem antes
recurso para os T.A.C. e destes para o S.T.A.'.
É bem sabido que aquele princípio não aponta no sentido de
que igualdade corresponda a igualitarismo, antes correspondendo a uma igualdade
proporcional, ou seja, exige que se tratem por igual situações substancialmente
iguais, e que situações substancialmente dissemelhantes sofram diverso
tratamento, embora proporcionadamente diferente.
Poder-se-ia argumentar que a interpretação dada à norma
sub specie pelo acórdão recorrido levaria a que houvesse, quanto às formas de
impugnação de decisões judiciais proferidas na secção do contencioso
administrativo uma diferenciação de tratamento, conforme se tratasse de
recursos instaurados em primeira mão nos tribunais de primeira instância ou
directamente naquela secção, por isso que seria permitida, no discurso do
recorrente, nos primeiros e em regra, a existência de três graus de jurisdição,
enquanto que nos segundos só seriam permitidos dois.
Diz o recorrente:
'Daqui decorre que, interposto recurso de acto de um simples Director-Geral para
o Tribunal Administrativo de Círculo, assegura-se aí uma 1ª Instância ou grau de
apreciação de tal acto, podendo obter-se um 2º grau de apreciação, recorrendo
da decisão do Tribunal Administrativo de Círculo para a Secção de Contencioso
Administrativo do S.T.A., e podendo obter-se ainda uma terceira apreciação, se
o Acórdão que vier a ser proferido estiver em oposição sobre a mesma questão
fundamental de direito com outro Acórdão da mesma Secção, por via do recurso
para o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo.
Ora, se estivermos perante situação decorrente de acto da Administração em
princípio de maior importância (despacho de membro do Governo, por exemplo),
ter-se-á de recorrer directamente para a 1ª Secção do Contencioso Administrativo
do S.T.A. e deste para o Pleno da Secção. Mas se a decisão do Pleno da Secção
estiver em oposição com outra, seja do Plano da Secção, já não é possível, no
entendimento dado no acórdão recorrido, dela recorrer com vista à
uniformização da Jurisprudência'
A um tal argumento responder-se-á que, ao fim e ao resto,
a detectada diferenciação resulta, em direitas contas, não da norma em
apreciação em si (e na aplicação que dela foi feita), pois que essa
diferenciação não é uma peculiaridade da mesma, mas sim das características
gerais dos recursos consagrados no ETAF para a oposição de julgados, um campo
peculiar em matéria de impugnação de decisões jurisdicionais.
Ora, neste particular, há que ponderar, de um lado, que
todas as «partes» intervenientes em processos de contencioso administrativo,
quanto à forma de impugnação, com fundamento em oposição de julgados, das
decisões tomadas pela secção do contencioso administrativo, são tratadas de
maneira igual à luz da norma do artigo 22º, alínea a), sendo que o tratamento
pretensamente diferenciado quanto à não admissibilidade, em princípio, de mais
do que um grau de recurso, para casos como o presente, é justificado e
proporcionado se se tiver em conta o modo como o processo de contencioso
administrativo se encontra estruturado a nível de censura, com aquele
fundamento, das decisões tomadas pela dita secção.
Com o que improcede a conclusão das alegações do Governo
Regional recorrente.
10. Termos em que, DECIDINDO, nega-se provimento ao
recurso.
Lx. 23.11.95
Guilherme da Fonseca
Bravo Serra
Messias Bento
José de Sousa e Brito
Luís Nunes de Almeida
José Manuel Cardoso da Costa