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Processo nº. 181/93
2ª Secção (Plenário)
Relator Cons.: Sousa e Brito
Acordam no Plenário do Tribunal Constitucional:
I
A CAUSA
1. No Tribunal Judicial da Comarca de Loulé, A., foi
conjuntamente com outros condenado em processo de querela (ele em concreto) na
pena de oito anos e três meses de prisão e 1.000.000$00 de multa,
correspondente à co-autoria de um crime previsto e punível pelo artigo 23º. nº.
1, agravado nos termos do artigo 27º, alíneas c) e h), ambos do DL nº. 430/83,
de 13 de Dezembro (tráfico agravado de drogas).
Foi tal Acórdão confirmado, sucessivamente, pelo Tribunal da
Relação de Évora (Acórdão de 19/4/88) e pelo Supremo Tribunal de Justiça
(Acórdão de 25/11/89), na sequência de recursos interpostos pelo réu A.. Nesses
recursos suscitou, sem êxito, e no que aqui releva, a inconstitucionalidade do
artigo 665º do Código de Processo Penal de 1929 (CPP/1929), por violação dos
artigos 32º., nº. 1 da Constituição, 11º., nº. 1 da Declaração Universal dos
Direitos do Homem, 14º., nº. 5 do Pacto Internacional Sobre os Direitos Civis e
Políticos e 6º., da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
2. Recorreu, então, o réu A., para o Tribunal Constitucional,
ao abrigo da alínea b) do nº. 1 do artigo 70º., da Lei nº. 28/82, de 15 de
Novembro (LTC). Este Tribunal, porém, pelo Acórdão nº. 124/90, de 19 de Abril,
da 2ª. Secção, negou provimento ao recurso, confirmando o Acórdão recorrido (o
do Supremo Tribunal de 25/1/89).
Pelo Ministério Público neste Tribunal, nos termos do artigo
79º-D da LTC, alegando divergência entre o referido Acórdão nº. 124/90 e
anterior Acórdão do mesmo Tribunal (Acórdão nº. 219/89, de 15 de Fevereiro da
1ª. Secção), foi interposto recurso para o Plenário, que, através do Acórdão nº.
340/90, de 19 de Dezembro (fls. 2947/2982), julgou inconstitucional a norma do
artigo 665º. do CPP/1929, 'na interpretação que lhe foi dada pelo Assento do
Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Junho de 1934' (adiante designado por
Assento), revogando nessa parte o Acórdão recorrido e determinando a remessa do
processo ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ), 'nos termos e para os efeitos do
nº. 2 do artigo 80º. da Lei nº. 28/82'.
3. O STJ, através de Acórdão de 4 de Abril de 1991 (fls.
3011/3013), anulando o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora (o de 19/4/88 que
confirmara inicialmente o julgamento da 1ª Instância) determinou a baixa do
processo à mesma Relação para que se efectuasse o julgamento de acordo com os
'poderes acrescidos' de cognição em matéria de facto, decorrentes do julgamento
de inconstitucionalidade operada pelo Acórdão nº. 340/90 do Tribunal
Constitucional.
4. O Tribunal da Relação de Évora, proferiu então o Acórdão de
12 de Novembro de 1991 (fls. 3027/3042), negando provimento ao recurso mantendo
'inteiramente o acórdão recorrido' (o da 1ª. Instância).
5. Desta decisão da Relação interpôs o réu A. novo recurso para
o STJ, formulando nas respectivas alegações as conclusões que se transcrevem:
'1º -O acórdão do TC nº 219/89 de 15/2/89 declarou a inconstitucionalidade do
artº 665º do CPP/29, com a sobreposição interpretativa do Assento de 29/6/34;
2º -Essa orientação é mantida com o acórdão nº 340/90;
3º -O acórdão do STJ de 4/4/91 interpretou essa declaração de
inconstitucionalidade como abrangendo a parte restritiva do artº 665º e o
próprio assento de 1934;
4º -Dessa interpretação, em harmonia com o acórdão do TC,
5º -Resulta que as Relações conhecerão de facto e de direito (...) nos recursos
interpostos dos tribunais colectivos;
6º -O acórdão recorrido adopta a orientação de que a declaração de
inconstitucionalidade apenas se restringe ao assento de 1934,
7º -Fazendo assim depender a reapreciação da matéria de facto da apreciação das
deficiências, obscuridades e contradições na leitura dos quesitos,
8º -Que não encontrou,
9º -O acórdão recorrido desaplicou assim os acórdãos citados do TC e do STJ;
10º -Não tendo o Tribunal da Relação procedido a um novo julgamento sobre a
matéria de facto,
11º -Permanece a falta de integração determinada pelo Tribunal Constitucional.
12º -A falta de garantia do direito ao recurso, nessa perspectiva, constitui
violação do disposto no nº 1 do artº 11º, da Declaração Universal dos Direitos
do Homem,
13º -Cujas proposições têm o valor jurídico de princípios constitucionais, dada
a recepção formal operada pelo artº 16º, nº 2 da Constituição;
14º -Essa falta de garantia do direito ao recurso constitui também violação do
disposto no nº 5 do artº 14º do Pacto Internacional de Direitos Cívicos e
Políticos de 16 de Dezembro de 1966,
15º -O qual foi ratificado, sem reservas, pela Lei nº 29/78, de 12 de Junho;
16º -Essa falta de garantia do direito ao recurso constitui ainda violação do
disposto no artº 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem,
17º -A qual foi aprovada, para ratificação, com reservas, pela Lei nº 65/78 de
13 de Outubro;
18º -Essa falta de garantia traduz-se numa ilegalidade, por violação de fontes
de direito convencionais, recebidas por lei interna,
19º -Bem como numa inconstitucionalidade material,
20º -Face à manifesta violação do princípio do duplo grau de jurisdição;
21º - O acórdão recorrido permanece assim, de modo implícito, a acatar a versão
inconstitucionalizada do artº 665º do CPP.
22º -Verificam-se assim razões de anulação do acórdão recorrido
Porquanto,
23º -Este violou, além das disposições legais já citadas, as constantes das
alíneas b), c) e d) do nº 1 do artº 668 do CPC, aplicável por força do § único
do artº 1º do CPP,
24º -Termos em que deve ser revogado '
O STJ, desta feita através do Acórdão de 21 de Janeiro de 1993
(fls. 3104/3109), negou provimento a tal recurso confirmando o Acórdão de
12/11/91 do Tribunal da Relação de Évora.
6. É nesta sequência que aparece o presente recurso,
interposto pelo réu A. invocando a alínea b) do nº. 1 do artº. 70º. da LTC e
acrescentando:
' ... pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade do artº. 665º. do
Código de Processo Penal de 1929, com a sobreposição interpretativa do Assento
do Supremo Tribunal de 29/6/34, na parte em que determina que as relações, no
recurso das decisões condenatórias dos Tribunais colectivos criminais, ao
conhecerem da matéria de facto, haverão de basear-se exclusivamente nos
documentos, respostas aos quesitos e em outros elementos constantes dos autos.
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A inconstitucionalidade do artº. 665º. foi declarada pelo acórdão do Tribunal
Constitucional (o Acórdão nº. 340/90) ... mas não aplicada pelos acórdãos do
Tribunal da Relação e pelo ora recorrido (Acórdão de 21/1/93 do STJ)...'
Nas respectivas alegações concluiu o recorrente A.:
1º - O sistema de recursos admitido na lei
ordinária, com a interpretação e aplicação correntes do artigo 665º do CPP, de
julgar limitadamente em matéria de facto, com a exclusão da renovação da prova
e o insuficiente conhecimento da prova produzida, não garante o direito ao
recurso;
2º - Não tendo o Tribunal da Relação, em rigor,
procedido ao reexame da prova;
3º - Inexistindo, pois, nessa âmbito, um
verdadeiro julgamento de facto;
4º - A falta de garantia do direito ao recurso,
nessa perspectiva, constitui violação do disposto no nº 1 do artº 11º da
Declaração Universal dos Direitos do Homem;
5º - Cujas normas têm valor jurídico de
princípios constitucionais, dada a recepção formal operada pelo artigo 16º, nº
2, da Constituição;
6º - Essa falta de garantia do direito ao recurso
constitui também violação do disposto no nº 5 do artigo 14º do Pacto
Internacional de Direitos Cívicos e Políticos de 16 de Dezembro de 1966;
7º - O qual foi ratificado, sem reservas, pela
Lei nº 29/78, de 12 de Junho;
8º - Essa falta de garantia do direito ao recurso
constitui ainda violação do disposto no artigo 6º da Convenção Europeia dos
Direitos do Homem;
9º - A qual foi aprovada, para ratificação, com
reservas, pela Lei nº 65/78, de 13 de Outubro;
10º- Essa falta de garantia traduz-se numa
inconstitucionalidade material;
11º- Face à violação do princípio do duplo grau
de jurisdição;
12º- Com o acórdão do TC nº 401/91, de 8/1/92, a
declaração de inconstitucionalidade do artº 665º adquire alcance preclusivo e
força obrigatória geral nos termos do artº 282º, nº 1 da Constituição.
Assim,
13º- O acórdão recorrido e a respectiva
argumentação estão em contradição com tais decisões,
Pelo que,
14º- Deve ser declarada a inconstitucionalidade
do artº 665º. em conformidade com o juízo já anteriormente formulado naquela
decisão,
15º- E em consequência revogado o acórdão
recorrido,
16º- Determinando-se a sua reformulação de
harmonia com a decisão tomada sobre a questão de constitucionalidade '
O Exmº. Procurador-Geral Adjunto, por sua vez, sintetizou a
respectiva posição - de que se não deve conhecer do recurso - nas seguintes
conclusões:
1º. Ao contrário do que pretende o
recorrente, a decisão recorrida não fez aplicação, à revelia da jurisprudência
constitucional, da norma constante do artigo 665º do Código de Processo Penal
de 1929, com a sobreposição interpretativa do Assento do Supremo Tribunal de
Justiça de 29 de Junho de 1934.
2º. Bem pelo contrário, o Supremo
Tribunal de Justiça formulou, na sequência da declaração de
inconstitucionalidade proferida pelo acórdão nº 340/90, um enunciado normativo
para o referido artigo 665º que concede amplíssimos poderes de cognição, em
sede de matéria de facto, à Relação -- e que seguramente não é susceptível de
ofender o princípio constitucional das garantias de defesa.
3º. Não é objecto idóneo do recurso de
constitucionalidade sindicar o modo como os tribunais judiciais 'executaram' uma
precedente declaração de inconstitucionalidade normativa e, muito menos,
controlar a forma como o Tribunal da Relação executou o enunciado normativo do
artigo 665º, formulado pelo Supremo Tribunal de Justiça face à declaração de
inconstitucionalidade constante do Acórdão nº 340/90 deste Tribunal
Constitucional.
4º. A garantia do segundo grau de
jurisdição em sede de matéria de facto, ínsita no princípio constitucional das
garantias de defesa, não implica a repetição da audiência perante o tribunal
'ad quem', não envolvendo o reexame global da matéria de facto, cumprindo sempre
ao recorrente o ónus de alegar fundadamente a existência de concretos erros de
julgamento sobre determinados pontos da matéria de facto.
5º. Não deverá, deste modo, conhecer-se do
presente recurso, já que a decisão recorrida não fez aplicação da norma
invocada pelo recorrente no seu requerimento de interposição de recurso e nas
alegações que apresentou (a do artigo 665º do Código de Processo Penal de 1929,
com a sobreposição interpretativa do Assento do Supremo Tribunal de Justiça de
29 de Junho de 1934).
Respondeu o recorrente à 'questão prévia' suscitada pelo
Mº.Pº., afirmando não estar em causa 'a mera execução do Tribunal a quo da norma
inconstitucional, mas a permanência no campo da aplicação (e interpretação
inconstitucional do artigo 665º. do CPP/1929'.
Determinada que foi, a fls. 3123, nos termos dos nºs. 1 e 2 do
artigo 79-A da LTC, a intervenção do Plenário no julgamento do recurso e
corridos os pertinentes vistos, importa decidir.
II
FUNDAMENTAÇÃO
7. Na procura de uma resposta à questão colocada - que é por
ora a da admissibilidade do recurso - mostra-se indispensável analisar com
algum detalhe não só ao julgamento de inconstitucionalidade consubstanciado no
Acórdão nº. 340/90, como a sequência processual que tendo levado o processo ao
STJ, à Relação de Évora e de novo ao STJ, o trouxe de volta a este Tribunal.
7.1. Através desse Acórdão do Plenário (adiante designado
Acórdão 340/90), julgou-se a inconstitucionalidade da norma do artigo 665º do
CPP/1929, na interpretação que a este fora dada pelo Assento (ou seja, a
redacção introduzida pelo Decreto 20147, de 1 de Agosto de 1931, com a
sobreposição do Assento).
Revogou-se, assim, a decisão recorrida estabelecendo-se, como
consequência processual dessa revogação, a remessa dos autos ao STJ a fim de que
este, dando cumprimento ao nº. 2 do artigo 80º. da LTC, reformasse em
conformidade com tal decisão de provimento, o Acórdão recorrido nesse trecho
processual.
Podemos sintetizar essa decisão na seguinte passagem do
Acórdão nº 340/90:
' ... num sistema, como o instituído pelo Código de que estamos a falar, em
que, (...), a prova produzida perante o Tribunal colectivo não é reduzida a
escrito (artº. 466º.) e as respostas aos quesitos não são fundamentadas
(artº.469º), o artigo 665º., entendido no sentido de as Relações só poderem
«alterar as decisões dos tribunais colectivos de 1ª. instância em face de
elementos do processo que não pudessem ser contrariados pela prova apreciada no
julgamento e que haja determinado as respostas aos quesitos», não constitui
suficiente garantia para o arguido e ofende, portanto, o nº. 1 do artigo 32º.
da Constituição'.
O Tribunal Constitucional 'inconstitucionalizou',
assim, a leitura interpretativa (e neste Acórdão apenas essa) que do artigo
665º. fez o Assento.
Tratando-se este, como sem dúvida se trata, de um
'assento interpretativo' e sendo certo que nestes 'a norma visada sofre
«profunda recomposição: é uma norma, deste modo recomposta, que passa a existir
no direito positivo» (...), verificando-se como que uma fusão entre a norma
interpretada e aquela que, afinal, o assento acaba por modular e redefinir
(Acórdão nº. 810/93, DR-II de 2/3/94), sendo isto certo, dizíamos, o que o
acórdão veio determinar foi afinal uma nova recomposição dessa norma que lhe
tirasse essa redefinição operada pelo Assento.
Ocorre ainda sublinhar, no Acórdão 340/90, a referência
particularmente significativa (reiterada no Acórdão nº. 401/91 - DR-I-A de
8/1/92 - proferido em processo de fiscalização abstracta sucessiva), de que o
julgamento de inconstitucionalidade não poderia ser entendido como expressando
a ideia de que só a repetição da prova em audiência pública perante as Relações
não estaria em conflito com o texto constitucional, acrescentando-se a
propósito:
' Entre o sistema em questão, que, na prática, e na grande maioria das
situações, reduz a zero os poderes das Relações nos recursos penais em matéria
de facto, e o que ordenasse a repetição da prova em audiência pública perante o
Tribunal de recurso outros há certamente -- não compete a este Tribunal
indicá-los -- que não porão em causa as garantias de defesa que o processo
criminal deve assegurar.
7.2. Foram estas as coordenadas fornecidas ao STJ para
reforma da decisão em conformidade com o julgamento da questão de
inconstitucionalidade.
Ao levar a cabo essa operação entendeu o Supremo Tribunal que a
redacção do artigo 665º. do CPP/1929 ficou, em função da decisão do Tribunal
Constitucional, reduzida, 'para os fins deste processo', à seguinte formulação:
' As Relações conhecerão de facto e de direito nas causas que julguem em
primeira instância, nos recursos interpostos das decisões proferidas pelos
juízes da primeira instância e das decisões finais dos Tribunais colectivos'.
Ou seja, consignou ainda o Supremo Tribunal:
' Advieram, assim, para as Relações poderes acrescidos de cognição em matéria de
facto ficando investidas, quanto às decisões dos Tribunais colectivos, de total
amplitude de cognição em matéria de facto, com a mesma latitude de movimentação
em matéria de direito'.
A anulação do julgamento da Relação de Évora ficou assim a
dever-se à circunstância de o mesmo se ter processado (no Acórdão subsequente ao
julgamento em 1ª. Instância) 'em bases restritivas', havendo que o repetir para
- usando esses 'poderes acrescidos' - 'apreciação sem quaisquer embaraços de
outros elementos de prova que antes não constavam do processo'.
Quanto à escolha dos meios processuais adequados a este
objectivo consignou o STJ:
' O preenchimento de um tal caso omisso, porque sem regulamentação legal
directa relativamente aos actuais poderes de cognição da Relação é, para já,
da competência específica daquele mesmo Tribunal, a quem pertence, por isso,
eleger a medida integrativa mais consentânea à obtenção do objectivo
determinado '.
7.3. Da decisão nesta sequência proferida, pelo Tribunal da
Relação de Évora, salientamos o seguinte trecho:
' Estaremos todos de acordo que no caso será de excluir a repetição da prova
em audiência pública perante as Relações. E diremos nós que será de excluir
também a repetição do julgamento na 1ª. instância a não existir qualquer
nulidade de que ainda possa conhecer-se e que conduzisse à anulação do
processado incluindo aquele julgamento (artºs. 98 e 99º), ou a concluir-se pela
inexistência de qualquer vício a que alude o artº. 712º do C. Proc. Civil. Com
efeito, não tendo sido pedida ou declarada a inconstitucionalidade do artº. 466º
e tendo sido declarada a constitucionalidade do artº. 469º ambos do C.P.Penal
de 1929, a repetição do julgamento fora das hipóteses anunciadas seria não só
manifestamente inútil como ilegal. Sacrificar-se-ia quanto a nós o princípio da
verdade material que deve presidir a toda a acção processual em relação ao qual
as normas processuais devem apenas ser instrumento, inclusivé aquelas que
estabelecem as garantias de defesa do arguido.
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Assim, e muito embora se reconheça que os poderes
da Relação no domínio da legislação de 1929 relativamente aos recursos penais em
matéria de facto são reduzidos, e ainda bem, eles continuarão a sê-lo com a
declaração de inconstitucionalidade atrás referida, uma vez que na apreciação da
matéria de facto a Relação apenas poderá basear-se nos documentos, respostas
aos quesitos, e todos os outros elementos constantes dos autos; se assim não
fosse, pôr-se-ia em causa não só a verdade material, como as próprias
garantias de defesa do Réu '.
Depois de transcrever a matéria de facto dada como provada pelo
colectivo consignou ainda o Tribunal da Relação:
' Consultados os elementos dos autos; e feita a sua análise em conjunto com
a matéria de facto fixada pelo Colectivo, nada existe que conduza à modificação
desta matéria de facto, considerando-se não provado o que provado ficou ou
vice-versa. Por outro lado, o recorrente não acusa um só facto dado como
provado na 1ª. instância de o ter sido sem prova ou com insuficiência de prova e
não indicou um só elemento dos autos do qual resulte ou possa resultar a
alteração da matéria de facto.'
Tendo-se, finalmente, pronunciado quanto às deficiências e
obscuridades que o recorrente invocara existirem nas respostas aos quesitos,
concluiu a Relação pela improcedência do recurso, mantendo as penas aplicadas.
7.4. Inconformado, o recorrente A., interpôs recurso para o
STJ.
Da argumentação que expendeu nas alegações (as de fls.
3062/3072) importa reter a afirmação de que o STJ no seu Acórdão de 4/4/91 (a
referência a 4/11/91 constitui lapso manifesto) fez uma leitura correcta, em
função do Acórdão 340/ /90, dos poderes de cognição da Relação quanto a matéria
de facto (v. ponto 3 de fls. 3066). Porém, no entender do recorrente,
aplicando essa leitura ao caso dos autos, 'como não há registo de prova,
impõe-se, por exclusão de partes, a repetição da prova em audiência pública'.
Ou seja, o recorrente entende que a Relação de Évora
'desaplicou' os anteriores Acórdãos proferidos no processo pelo Tribunal
Constitucional e pelo STJ.
7.4.1. A este respeito o STJ, através do Acórdão de 21/1/93,
sublinhando a passagem do Acórdão n.º 340/90 em que se rejeita que a solução
diversa da repetição da prova em audiência pública, não cumpra a declaração de
inconstitucionalidade dele constante, refere, antes de negar provimento ao
recurso:
' O acórdão ora recorrido não se afasta da posição que vem sendo sufragada
neste Supremo Tribunal de Justiça - a de que nenhuma ofensa ao texto
constitucional e ao direito de defesa se verifica se a Relação aplica a norma do
artigo 665º do Código de Processo Penal de 1929, sem a restrição do Assento de
29 de Junho de 1934, ou a posição mais exigente de que a Relação, face às
dificuldades de interpretação do artigo 665º mencionado, criaria a norma
adequada à realização do julgamento (artigo 10º, nº 3 do Código Civil -
suprindo assim a lacuna sem que tal norma se pudesse afastar da contida no
artigo 410º do actual Código de Processo Penal de 1987, em qualquer caso dos
apontados sempre se podendo afirmar que o aresto ora recorrido não violou o
direito de defesa consagrado constitucionalmente que, como bem demonstra tal
aresto e este Supremo Tribunal de Justiça vem sustentando, não exige ou
pressupõe a repetição da prova na Relação. '
7.5. É esta decisão a que se refere o presente recurso,
reportado pelo recorrente à 'aplicação de norma cuja inconstitucionalidade foi
suscitada durante o processo', o artigo 665º. do CPP/1929, com a sobreposição
interpretativa do Assento. Tal inconstitucionalidade reconhece o recorrente já
ter sido julgada pelo Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 340/90, proferido
nos autos, mas entende não ter sido a mesma aplicada pela Relação de Évora e
pelo STJ na decisão recorrida.
8. Da sequência processual atrás relatada decorre que a questão
da inconstitucionalidade do artigo 665º., com a sobreposição interpretativa do
Assento, ou seja, aquela que, quanto aos poderes de cognição das Relações,
estabelece que eventuais alterações do decidido em matéria de facto pela 1ª.
Instância só podem basear-se em elementos do processo insusceptíveis de ser
contrariados pela prova apreciada no julgamento e que tenha determinado as
respostas aos quesitos, tal questão de ilegitimidade constitucional, dizíamos,
já foi objecto de decisão nestes autos pelo Acórdão n.º 340/90.
Ora, sendo evidente que o STJ, na decisão visando dar
cumprimento a este Acórdão n.º 340/90 - como o próprio recorrente reconhece -
já retirou à norma em causa essa sobreposição interpretativa do Assento (em
rigor, indo mesmo além do que resultava dessa sobreposição, já que conferiu à
Relação 'total amplitude de cognição em matéria de facto, com a mesma latitude
de movimentação em matéria de direito'), o que agora poderia estar em causa,
porque não abrangido pela anterior julgamento de inconstitucionalidade
proferido no processo, seria aquilo que 'sobeja' (digamo-lo assim) do artigo
665.º, sem a sobreposição do Assento. Enfim, o que nesta sequência processual
poderia relevantemente suscitar-se seria a inconstitucionalidade do artigo
665.º mesmo sem a referida sobreposição do Assento de 29/6/34.
Como se viu, o recorrente não é isso o que
pretende com o presente recurso, mas antes, como diz expressamente no
requerimento de interposição (e resulta das alegações que produziu neste
Tribunal), a apreciação da inconstitucionalidade do artigo 665.º, com a
mesmíssima sobreposição interpretativa do Assento, já apreciada.
Sendo evidente que o STJ, ao cumprir o Acórdão n.º 340/90, como
já se sublinhou, retirou claramente o que o Assento interpretativamente
acrescentara ao artigo 665.º, fica o presente recurso sem uma invocação
relevante de inconstitucionalidade para o efeito estabelecido na alínea b), do
nº. 1, do artigo 70º. da LTC.
De tudo o que se referiu resulta não estar o Tribunal
Constitucional legitimado a conhecer do recurso interposto.
III
DECISÃO
9. Assim, decide-se não tomar conhecimento do presente
recurso, condenando-se o recorrente nas custas, fixando-se em 5 unidades de
conta a taxa de justiça.
Lisboa, 29 de Novembro de 1995
José de Sousa e Brito
Armindo Ribeiro Mendes
Bravo Serra
Antero Alves Monteiro Dinis
Maria da Assunção Esteves
Luís Nunes de Almeida
Alberto Tavares da Costa
Guilherme da Fonseca
Vítor Nunes de Almeida
Maria Fernanda Palma
Messias Bento
José Manuel Cardoso da Costa