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Processo: n.º 356/94.
2ª Secção
Relator: Conselheiro Luís Nunes de Almeida.
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I — Relatório
1 — A. — hoje substituído na acção pelos seus sucessores B., C., D., E. e F. —
recorreu para o Tribunal Judicial da Comarca de Silves da decisão arbitral que
havia fixado em 3 175 448$00 o montante a pagar pelo Estado pela expropriação
por utilidade pública da parcela de 11 760 m2 de terreno a que se referem os
presentes autos, com vista à construção de um estabelecimento criminal no
concelho de Silves.
No âmbito daquele recurso, houve inspecção judicial e avaliação, tendo os
peritos dado resposta aos respectivos quesitos e indicado valores divergentes
para a parcela em questão. O expropriado arguiu nulidades do relatório e das
respostas aos quesitos apresentadas pelos peritos designados pelo tribunal e
pela entidade expropriante; e, não tendo sido atendido, interpôs recurso de
agravo, que foi admitido com subida diferida.
Por sentença de 10 de Outubro de 1990, o tribunal de primeira instância fixou em
3 757 800$00 o montante da indemnização, e em 141 939 000$00 o valor da causa
para efeito do cálculo das custas devidas pelo expropriado — que apelou de
tal decisão para o Tribunal de Relação de Évora.
Por acórdão de 1 de Julho de 1993, aquele tribunal superior negou provimento ao
agravo anteriormente referido e julgou parcialmente procedente a apelação da
sentença, fixando em 5 051 168$00 a indemnização a pagar ao expropriado.
Deste acórdão foram interpostos dois recursos para o Supremo Tribunal de
Justiça, respectivamente pelo Ministério Público e pelos primeiros três
sucessores do expropriado entretanto habilitados nos autos; tendo estes indicado
que, caso se entendesse não ser admissível o seu recurso, deveria o mesmo
considerar-se interposto para o Tribunal Constitucional.
Ambos os recursos subiram ao Supremo Tribunal de Justiça. Porém, aí, o dos
expropriados foi julgado deserto, por estes não terem apresentado alegações. E o
recurso do Ministério Público não teve seguimento, pois o Supremo Tribunal
considerou irrecorrível a decisão da Relação.
Notificados da decisão que lhes julgou deserto o recurso, os expropriados vieram
«manter e reafirmar» o teor do requerimento de interposição de recurso para o
Tribunal Constitucional. E, a convite do relator do STJ, esclareceram que
consideravam inconstitucionais:
a) os artigos 8.º, n.º 1, alínea s), e 126.º, n.º 2, do Código das
Custas Judiciais;
b) o Decreto-Lei n.º 387-B/87, de 29 de Dezembro;
c) o Título IV do Decreto-Lei n.º 845/76, de 11 de Dezembro,
designadamente os artigos 27.º, n.º 2, 28.º, n.º 1, bem como os artigos 61.º,
73.º, n.º 2, face ao artigo 82.º, n.º 1, do diploma;
d) os artigos 523.º, 524.º e 580.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
Este recurso foi admitido.
2 — Nas alegações apresentadas no Tribunal Constitucional, os recorrentes pedem
que se julguem inconstitucionais as normas referidas e se ordene a reforma da
decisão recorrida.
O Ministério Público, porém, observa que o objecto do presente recurso se
circunscreve à apreciação da constitucionalidade das normas constantes dos
artigos 29.º e 35.º do Código das Expropriações de 1976, as únicas que, ao menos
implicitamente, poderiam ter sido aplicadas na decisão recorrida; quanto às
restantes normas, ou a questão de inconstitucionalidade não foi suscitada
tempestivamente, ou não foram esgotados os recursos ordinários; no entanto, não
foram aplicadas na decisão recorrida quaisquer normas inconstitucionais do
Título iv do Código referido, uma vez que o único preceito inconstitucional que
aí poderia ser aplicado ao caso dos autos, o artigo 30.º, não foi efectivamente
aplicado. Termina pedindo a condenação dos recorrentes por litigância de má fé.
Respondendo às questões prévias suscitadas pelo Ministério Público, os
expropriados consideraram-nas improcedentes, e requereram que o Tribunal ouvisse
testemunhas para prova da matéria de facto relativa à má fé que lhes é imputada.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
II — Fundamentos
3 — Uma primeira questão prévia que cumpre examinar é a da tempestividade do
recurso.
Como vimos, os expropriados interpuseram recurso do acórdão do Tribunal de
Relação de Évora que julgou o agravo e a apelação, referentes respectivamente a
uma decisão sobre nulidades por eles invocadas e à sentença final do Tribunal
Judicial da Comarca de Silves. A Relação julgou improcedente o agravo e
parcialmente procedente a apelação. Não se conformando com esta decisão, os
expropriados interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, fazendo
logo notar que, se tal decisão fosse julgada irrecorrível, o recurso deveria
considerar-se interposto para o Tribunal Constitucional.
Ora, o Supremo Tribunal de Justiça não chegou sequer a apreciar a
recorribilidade do acórdão da Relação. Como os expropriados não apresentaram
alegações, julgou deserto o recurso. E só apreciou a admissibilidade do recurso
apresentado pelo Ministério Público.
Notificados da decisão que julgou deserto o recurso no STJ, os interessados
vieram «manter e reafirmar» o teor do requerimento de interposição do recurso,
pedindo que o Tribunal Constitucional o apreciasse.
Mas põe-se a questão de saber se, tendo o recurso para o STJ sido julgado
deserto, pode agora o recorrente retomá-lo perante o Tribunal Constitucional.
O recurso é interposto nos termos do artigo 70.º n.º 1, alínea b), da LTC
(decisão que aplicou norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada
durante o processo). Mas os recursos deste tipo só podem ser admitidos depois
de esgotados os recursos ordinários (n.º 2 do mesmo artigo).
Em conformidade com a orientação jurisprudencial do Acórdão n.º 8/88, Diário da
República, II Série, de 15 de Março de 1988, que apreciou uma situação
semelhante, entende-se que só quando o recurso foi julgado deserto no STJ é que
ficaram esgotados os recursos ordinários que no caso cabiam da decisão da
Relação (artigo 70.º, n.º 2, da LTC).
Assim, e embora o STJ não tivesse chegado a pronunciar-se sobre a
admissibilidade do recurso — uma vez que o julgou deserto —, o recorrente estava
ainda em condições de recorrer da decisão da Relação para o Tribunal
Constitucional. O requerimento através do qual retomou a questão de
inconstitucionalidade que não chegara a ser apreciada no STJ deve ser
considerado como interposição de recurso, e foi apresentado tempestivamente.
4 — Uma segunda questão prévia diz respeito ao âmbito material do recurso: como
este foi interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, só pode
ter por objecto decisões que o tribunal a quo tenha efectivamente aplicado, e
cuja inconstitucionalidade os recorrentes tenham suscitado durante o processo.
Mas nem todas as normas que os recorrentes pretendem submeter à apreciação deste
Tribunal preenchem aquelas condições.
Os recorrentes não suscitaram durante o processo a questão da
inconstitucionalidade do artigo 8.º, n.º 1, alínea s), do Código das Custas
Judiciais (valor do recurso para efeito de custas). Quando recorreram para a
Relação de Évora, apenas invocaram a ilegalidade e inconstitucionalidade da
decisão de primeira instância (Parte V — Conclusões, fls. 194 v). Só no STJ é
que invocaram a inconstitucionalidade da norma, depois de o recurso ter sido
julgado deserto (quando o relator daquele Tribunal os convidou a indicar as
normas que consideravam inconstitucionais). Ou seja, só invocaram a questão
depois de proferida a decisão recorrida. Portanto, tal questão não pode ter-se
por suscitada durante o processo.
O mesmo se passa quanto à questão da inconstitucionalidade da norma do artigo
126.º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais, a qual, aliás, não chegou a ser
aplicada mesmo implicitamente — pelo Tribunal recorrido. Tal norma dispõe que
«as custas devidas pelo expropriado saem do produto da expropriação». É
manifesto que estamos aqui perante uma regra relativa à elaboração da conta de
custas; mas a conta relativa a estes autos não foi ainda elaborada (só o será a
final, pelo tribunal de primeira instância — cfr. artigo 126.º, n.º 1, do
referido Código), pelo que não se pôs ainda sequer a questão da aplicação da
norma em causa. Note-se que, depois de elaborada a conta, dela cabe reclamação
para o juiz, e da decisão deste cabe ainda recurso, nos termos do artigo 138.º,
n.º 3, 139.º e 140.º do Código das Custas Judiciais.
Também não pode considerar-se suscitada durante o processo a questão da
inconstitucionalidade das normas dos artigos 523.º, 524.º e 580.º do CPC (regras
relativas à produção de prova documental e aos impedimentos dos peritos). Esta
questão também só foi colocada depois de proferida a decisão recorrida (da
Relação), tendo portanto o recorrente deixado passar a oportunidade de a ver aí
apreciada.
Os recorrentes consideram também inconstitucional todo o Decreto-Lei n.º
387-B/87, de 29 de Dezembro, que regula o apoio judiciário — não identificando,
no entanto, qualquer norma em particular.
Ora, desde logo, não poderia considerar-se idoneamente suscitada uma questão de
inconstitucionalidade relativa ao diploma no seu todo, sem um mínimo de
especificação das normas impugnadas (ver, sobre esta matéria, nomeadamente, o
Acórdão n.º 170/92, Diário da República, II Série, de 18 de Setembro de 1992, e
o Acórdão n.º 253/93, inédito). De facto, a necessidade de tal especificação
resulta do artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição e do artigo 75.º-A,
n.º 1, da LTC. O requerente, convidado, nos termos do n.º 5 deste último
artigo, a fazer tal indicação, não colmatou tal deficiência do requerimento do
recurso, pelo que, também por este motivo, ele não poderia ser admitido
relativamente a esta matéria.
E, por outro lado, a decisão recorrida não aplicou nenhuma norma deste diploma,
o que obstaria também à sua admissão. Os recorrentes pediram apoio judiciário
no Tribunal de Relação de Évora, pedido que foi julgado parcialmente procedente
por despacho de 25 de Junho de 1992. Tal despacho é que aplicou disposições
daquele decreto-lei; mas, como não foi impugnado, transitou em julgado. Era
dele, e não do acórdão que apreciou o mérito da causa, que deveriam ter
recorrido, para apreciação desta matéria.
Quanto às disposições do Título iv do Código das Expropriações aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 845/76, de 11 de Dezembro, e pelas razões anteriormente
referidas, só podem ter-se em conta as que os recorrentes especificaram, depois
de para o efeito terem sido convidados nos termos do artigo 75-A, n.º 5, da LTC:
os artigos 27.º, n.º 2, 28.º, n.º 1, bem como os artigos 61.º, 73.º, n.º 2, face
ao artigo 82.º, n.º 1, do diploma. No entanto, destas normas, só foi suscitada,
durante o recurso, a inconstitucionalidade do artigo 73.º, n.º 2 (alegações da
apelação para a Relação de Évora, fls. 189). Nas alegações do agravo para a
Relação (fls. 147 v e 148 v), haviam suscitado a inconstitucionalidade dos
artigos 30.º e 33.º, mas não retomaram tal questão no recurso para o Tribunal
Constitucional, pelo que tais normas não podem ser aqui examinadas (de qualquer
forma, sempre se dirá que o artigo 30.º não foi aplicado pela decisão recorrida,
pois, como aí se refere, foram declarados inconstitucionais, com força
obrigatória geral, os seus n.os 1 e 2 — Acórdãos do Tribunal Constitucional
n.os 131/88 e 52/90, Diário da República, I Série, de 29 de Junho de 1988 e de
30 de Março de 1990). No mais, apenas alegaram que o relatório e as respostas
dos peritos, bem com o despacho do juiz são inconstitucionais não tendo invocado
a inconstitucionalidade de qualquer norma que este último tivesse aplicado (fls.
126 v, 206 v e 207 v).
5 — Assim, e em conclusão, o presente recurso tem por objecto apenas a
apreciação da inconstitucionalidade da norma do artigo 73.º, n.º 2, do Código
das Expropriações de 1976 (Decreto-Lei n.º 845/76, de 11 de Dezembro). Esta
norma já foi apreciada no Acórdão n.º 209/95, ainda inédito. Não havendo razões
para adoptar conclusões diversas daquelas a que o Tribunal aí alcançou, bastará
expô-las aqui no essencial.
6 — O artigo 73.º do Código das Expropriações de 1976 dispõe sobre o recurso da
decisão arbitral proferida na fase administrativa do processo de expropriação.
Segundo o n.º 1 deste artigo, «no requerimento de interposição do recurso, o
recorrente exporá logo as razões da discordância com a decisão arbitral,
oferecendo todos os documentos, requerendo as demais provas e designando o seu
perito». E o n.º 2 estabelece o seguinte:
Não é admissível a prova testemunhal, sem prejuízo de o juiz poder requisitar
qualquer pessoa para depor, sempre que o repute indispensável.
Segundo os recorrentes, esta «inadmissibilidade da prova testemunhal em processo
expropriativo é uma restrição ou proibição inconstitucional, na medida em que se
opõe aos artigos 62.º, n.º 2, e 13.º da Lei Fundamental e ao artigo 82.º, n.º 1,
do Decreto-Lei n.º 845/76 que se refere a diligências de prova, no plural e não
no singular». Violará também os artigos 12.º, n.º 1, 18.º, 20.º, n.º 1, 205.º,
n.º 2, e 207.º da Constituição.
Deixando de lado a eventual contradição entre os artigos 73.º, n.º 2, e 82.º,
n.º 1, do diploma, por não se tratar de questão de inconstitucionalidade (não
tendo portanto o Tribunal Constitucional competência para sobre ela se
debruçar), examinemos a conformidade daquela primeira disposição com as
mencionadas normas constitucionais.
7 — É preciso observar que aquela disposição não veda de todo a possibilidade de
produção de prova testemunhal. Confere ao juiz a possibilidade de ouvir
qualquer depoimento, sempre que o considerar necessário. Apenas impede que esse
depoimento seja obrigatoriamente produzido sempre que as partes lho requeiram.
Como se refere no acórdão recorrido, «a razão de ser do princípio ínsito no n.º
2 do artigo 73.º reside no facto de a avaliação ser o tipo de prova mais
indicado para determinação do valor dos bens a expropriar, uma vez que a
expropriação implica e exige a posse e capacidade de manejo de conhecimentos
especiais que, em regra, não se encontram ao alcance do comum das pessoas (cfr.
Acórdão da Relação de Évora de 25 de Junho de 1992, na Colectânea de
Jurisprudência, tomo iii, p. 343, que decidiu caso semelhante ao dos autos, e
Guia das Expropriações, de Goucha Soares e Sá Pereira, ed. de 1976, p. 75)».
8 — Conforme este Tribunal Constitucional expôs no já citado Acórdão n.º 209/95:
Na verdade, não se vê que o artigo 62.º, n.º 2, da Constituição, ou os artigos
13.º e 20.º, n.º 1, desta, tornem inconstitucional o n.º 2 do artigo 73.º do
referido Código das Expropriações. No processo de expropriação litigiosa, o
legislador pretende que seja determinada com rigor a justa indemnização devida
ao expropriado. O meio de prova por excelência para alcançar tal desiderato
há-de ser a prova pericial, na fase do recurso interposto da decisão arbitral,
proferida antes da remessa dos autos ao tribunal judicial. Como se exprime o
artigo 388.º, 1.ª parte, do Código Civil, «[a] prova pericial tem por fim a
percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários
conhecimentos especiais que os julgadores não possuem […].
[…]
Importa acentuar que o direito de acesso à justiça comporta indiscutivelmente o
direito à produção de prova (cfr. M. Teixeira de Sousa, As partes, o Objecto e a
Prova na Acção Declarativa, Lisboa, 1995, pp. 228 e segs.). Tal não significa,
porém, que o direito subjectivo à prova implique a admissão de todos os meios de
prova permitidos em direito, em qualquer tipo de processo e relativamente a
qualquer objecto do litígio, ou que não sejam possíveis limitações quantitativas
na produção de certos meios de prova (por exemplo, limitações a um número máximo
de testemunhas arroladas por cada parte).
Bastará percorrer as normas de direito probatório constantes do Código Civil ou
do Código de Processo Civil para verificar que há diversas proibições de
utilização de certos meios de prova cuja constitucionalidade nunca foi posta em
causa. Assim, quanto à prova confessória, há casos em que a lei a considera
insuficiente para provar certos factos (por exemplo, um negócio jurídico solene
em que sejam exigidas formalidades ad substantiam) ou inadmissível (por exemplo,
por recair sobre facto cujo reconhecimento ou investigação a lei proíba ou sobre
factos relativos a direitos indisponíveis — artigo 354.º do Código Civil).
Também quanto à prova testemunhal, a mesma é considerada inadmissível quando a
declaração negocial tiver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada
por escrito, ou ainda quando o facto probando estiver «plenamente provado por
documento ou outro meio com força probatória plena» (artigo 393.º, n.º 2, do
Código Civil; vejam-se, porém, os artigos 393.º, n.º 3, e 394.º do mesmo
diploma). Especialmente impressivo é o caso da prova do acordo simulatório e do
negócio simulado: a prova testemunhal só é admissível se for um terceiro a
arguir a simulação, mas já não é admissível quando esse acordo ou o negócio
simulado forem invocados pelos próprios simuladores (artigo 394.º, n.os 2 e 3,
do Código Civil).
Em muitos destes casos, a inadmissibilidade, estabelecida pela lei, de prova
testemunhal tem como fundamento o juízo do legislador sobre as graves
consequências de um testemunho inverídico, dada a especial falibilidade desse
meio probatório. Tais casos de inadmissibilidade têm, porém, natureza
excepcional e hão-de ter uma justificação racional.
Ora, no processo expropriativo, o legislador entende que, havendo uma decisão
arbitral que fixa o valor da indemnização, no recurso dela interposto, a
impugnação do quantum indemnizatório implicará uma prova pericial exigente.
Estando em causa a fixação do valor do bem ou direito expropriados — fixação que
começou por ser feita na fase arbitral — o juiz há-de valorar em especial a
prova pericial, visto que os peritos são encarregados pelo tribunal de
transmitir a este informações que devem colher, nomeadamente utilizando certos
conhecimentos de natureza técnica (artigo 388.º do Código Civil). Sabendo-se
que as testemunhas transmitem conhecimentos casualmente adquiridos, bem se
compreende a enorme falibilidade do respectivo testemunho, nomeadamente quando
está em causa a transmissão ao tribunal de informações sobre valores do mercado
imobiliário, devendo a prova desses valores assentar, por regra, em documentos
autênticos (como as alienações dos bens imóveis estão sujeitas a escritura
pública, os valores dos preços constam desses documentos; só quanto aos
contratos preliminares falta, em regra, a publicidade registral, podendo
admitir-se a vantagem de produção de prova testemunhal, ainda que muito falível,
dado o carácter reservado, ou mesmo confidencial, da celebração de muitos
contratos-promessas).
A opção do legislador constante da norma impugnada não se afigura arbitrária ou
irrazoável. Como a fixação do valor de avaliação do bem expropriado, necessária
para a atribuição do quantum indemnizatório, na fase de recurso há-de ser feita
pelo juiz, que assim vai apreciar criticamente o outro valor a que se chegou no
juízo arbitral, entendeu o legislador que os meios probatórios especialmente
atendíveis deveriam ser a perícia, os documentos e a própria inspecção judicial.
No que toca à prova pericial, o legislador entendeu que, em vez da opinião do
«homem comum» ou a do «bom pai de família» — opiniões expressas em depoimentos
de testemunhas — importava privilegiar a intervenção de peritos, por estes
disporem de conhecimentos especiais que os julgadores não possuem por regra.
Mas deixou, sempre, ao critério do juiz a audição de prova testemunhal.
Acrescente-se que a prova testemunhal sobre o valor de mercado de um bem não
será susceptível, no comum dos casos, de esclarecer cabalmente o julgador,
atentos os outros meios probatórios a que pode recorrer (prova documental, prova
pericial e inspecção judicial). Seja como for, a lei não veda em absoluto a
prova testemunhal no processo expropriativo. Na verdade, a lei confere um poder
discricionário para ouvir o depoimento de pessoas que não sejam peritos, sempre
que o repute indispensável, podendo valorar livremente esses depoimentos, tal
como os laudos periciais (artigo 389.º do Código Civil).
Considerada globalmente a regulamentação dos meios probatórios no processo de
expropriação, afigura-se que não é desproporcionada ou arbitrária a solução
limitativa constante do n.º 2 do artigo 73.º do Código das Expropriações de
1976, porque tem justificação material, atendendo à natureza do litígio em causa
e à fase processual de recurso em que não ocorre a mesma limitação.
9 — A norma em apreço não viola, pois, os artigos 13.º, 20.º, n.º 1, e 62.º, n.º
2, da Constituição. Também não se vê em que poderia violar os artigos 12.º, n.º
1 (princípio da universalidade dos direitos fundamentais), 18.º (força jurídica
respectiva), 205.º, n.º 2 (função jurisdicional), e 207.º (apreciação da
inconstitucionalidade pelos tribunais) — nem os recorrentes justificam tal
alegação.
10 — Resta examinar a questão da litigância de má fé.
O Ministério Público pede a condenação dos recorrentes por litigância de má fé,
por terem alegado perante o Tribunal que «os peritos designados judicialmente
receberam ‘ordens expressas’, ‘terminantes e antecipadas’ do Estado (DGEMN) para
só pagarem o terreno a 250$00/m2, limitando-se a fazer aquilo que a respectiva
Direcção-Geral lhes disse para fazer, de forma a atribuirem um valor irrisório e
ridículo aos terrenos».
Na sua resposta, os recorrentes mantêm o teor das afirmações feitas,
acrescentando que «os peritos declararam, perante testemunhas, que o Estado lhes
impôs o preço de 250$00/metro quadrado», e pedindo que o Tribunal oiça tais
testemunhas.
Diz-se litigante de má fé, nomeadamente, «o que tiver conscientemente alterado a
verdade dos factos ou omitido factos essenciais e o que tiver feito do processo
ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de
conseguir um objectivo ilegal ou de entorpecer a acção da justiça ou de impedir
a descoberta da verdade» — artigo 456.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
Para tal condenação ser possível, necessário se torna que existam elementos no
processo que provem a prática dos factos previstos nesta norma. Nem a lei
processual que regula este incidente nem a lei que regula a tramitação dos
recursos no Tribunal Constitucional comportam a possibilidade de se ordenar a
realização de diligências com vista ao apuramento desses factos, se eles não
estiverem suficientemente comprovados nos autos.
O próprio Ministério Público, aliás, parece admitir essa insuficiência de
elementos, quando refere nas suas alegações que tal comportamento dos peritos «a
ter-se verificado, constituiria censurável violação dos seus deveres
deontológicos e processuais».
Além de que não compete ao Tribunal Constitucional ajuizar da gravidade e
eventuais consequências das afirmações em causa, pois tal juízo está para além
da apreciação do objecto do presente recurso de constitucionalidade.
Portanto, não havendo elementos nos autos suficientes para apreciar a questão,
nem cabendo na tramitação especial do presente incidente proceder à realização
de específicas diligências de prova para o efeito, é improcedente o pedido de
condenação dos recorrentes como litigantes de má fé.
III — Decisão
11 — Assim, e pelo exposto, decide-se:
a) Negar provimento ao recurso.
b) Não condenar os recorrentes por litigância de má fé.
Lisboa, 8 de Novembro de 1995. — Luís Nunes de Almeida — Guilherme da Fonseca —
Messias Bento — José de Sousa e Brito — Bravo Serra (vencido quanto à primeira
questão prévia, nos termos da declaração de voto junta) — Fernando Alves Correia
(vencido. Propendo, neste momento, a entender, quanto à primeira questão
prévia, pelo essencial dos fundamentos constantes da Acórdão da 1.ª Secção n.º
282/95 que, in casu, não houve exaustão dos recursos ordinários, pelo que não se
devia tomar conhecimento do recurso) — José Manuel Cardoso da Costa (Quanto à
primeira questão prévia, tomei posição diversa, da perfilhada no presente
aresto, no Acórdão n.º 8/88, embora já aí com alguma dúvida. Dúvida que, não
tendo voltado a considerar detidamente o problema, não resolvi ainda — pelo
menos em termos de aderir definitivamente à solução adoptada).
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei no sentido de se não tomar conhecimento do objecto do presente recurso,
por isso que, na minha óptica, tendo o recurso interposto pelos expropriados
para o Supremo Tribunal de Justiça sido julgado deserto e, consequentemente, não
se tendo aquele Alto Tribunal debruçado sobre o mesmo (ainda que eventualmente
no sentido de saber se ele seria ou não admissível), não poderia o recorrente
retomá-lo perante o Tribunal Constitucional.
É que, na minha perspectiva, desenha-se aqui um caso de não exaustão dos
recursos ordinários.
Não desconheço, certamente, a orientação jurisprudencial firmada por intermédio
do Acórdão n.º 8/88, citado no texto do Acórdão de que faz parte integrante a
presente declaração.
Todavia, tal orientação, aliás contrariada no Acórdão n.º 282/95, não me parece
que deva ser a mais correcta.
Para tanto, baseio-me, no essencial, quer na argumentação carreada na declaração
de voto aposta àquele Acórdão n.º 8/88 pelo Ex.mo Conselheiro Cardoso da Costa,
quer na exposição do Relator para que remete o Acórdão n.º 282/95.
A essas argumentações adito que não me convencem considerações no sentido de o
recorrente que desiste do recurso ordinário ou que assume uma atitude que leva a
que esse recurso venha a ser julgado deserto (verbi gratia por falta de
apresentação de alegação ou por falta de pagamento de preparo) está, ao fim a ao
cabo, a renunciar a que o mérito da causa não mais venha a ser objecto de
reapreciação por banda da ordem dos tribunais das várias ordens judiciárias,
visto que aquilo que unicamente pretende saber é o desfecho sobre a questão de
constitucionalidade que suscitou e, consequentemente, nada obstaria a que se
aceitasse o recurso de constitucionalidade.
Na verdade, tais considerações olvidam que, a ser decidida pelo Tribunal
Constitucional a questão de constitucionalidade em sentido favorável ao
recorrente, necessariamente a decisão do tribunal que se debruçou sobre o fundo
da causa terá de ser reformada em obediência com o juízo de
inconstitucionalidade que foi formulado pelo primeiro. Ora, na sequência dessa
reforma, e porque se trata de uma nova decisão, torna-se claro que ao então
peticionante do recurso de constitucionalidade (e que neste obteve ganho de
causa) ainda é possível interpôr recurso quanto à causa e, desta sorte, obter
veredictos dos tribunais das superiores instâncias da ordem judiciária em
questão, que, anteriormente, foram, pelo mesmo recorrente e em virtude da sua
actuação (consistente em “desistir” do recurso ordinário antes de conseguir uma
decisão já definitiva, sobre a questão de constitucionalidade obter),
«despojados» do seu «dever/direito» de terem uma palavra sobre tal questão,
assim almejando que o Tribunal Constitucional viesse, quase em única via, a ter
a primeira palavra sobre essa mesma questão, o que equivale, na minha maneira de
ver as coisas, a defraudar objectivamente o que se estatui no n.º 2 do artigo
70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro.
Estas, em mui em síntese, as razões que me levaram a votar pelo não conhecimento
do objecto do recurso. — Bravo Serra.
(1) Acórdão publicado no Diário da República, II Série, de 14 de Março de
1996.