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Proc. nº 120/90
2ª Secção
Relator: Cons. Luís Nunes de Almeida
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - RELATÓRIO
1. A. e B., sucessores de C., recorreram
para o Tribunal Constitucional do acórdão de 8 de Fevereiro de 1990 do Tribunal
da Relação de Lisboa que confirmou a sentença de 22 de Fevereiro de 1989 do
Tribunal Judicial da Comarca de Santa Cruz, a qual havia fixado em 1.227.440$00
o montante da indemnização devida pela Diocese do Funchal, aqui recorrida, pela
remição da colonia respeitante a um terreno de que os recorrentes eram
proprietários-senhorios.
Pretendem que o Tribunal Constitucional
aprecie as seguintes normas que a decisão recorrida teria aplicado:
a) O artigo 55º da Lei nº 77/77, de 19 de
Setembro, que consideram inconstitucional;
b) Os artigos 1º, 3º e 7º, do Decreto
Regional nº 13/77/M, de 10 de Outubro, que consideram inconstitucionais e também
ilegais;
c) O artigo 9º do Decreto Regional nº
16/79/M, de 14 de Setembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto
Re-gional nº 7/80/M, de 20 de Agosto, e Decreto Legislativo Regional nº 1/83/M,
de 5 de Março, que consideram igualmente inconstitucionais e ilegais.
2. O recurso foi admitido, mas os autos
ficaram a aguardar a solução de um outro recurso, também pendente no Tribunal
Constitucional, relativo à decisão que inicialmente havia adjudicado a
propriedade do mesmo terreno à Diocese recorrida. Uma vez decidido aquele
recurso (que foi julgado parcialmente procedente - Acórdão nº 44/92, reproduzido
a fls. 201-228 dos autos) e proferida em 18 de Novembro de 1992 nova decisão de
adjudicação que transitou em julgado, os presentes autos prosseguiram os seus
termos.
Nas alegações aqui apresentadas, os
recorrentes pronunciaram-se pela inconstitucionalidade e ilegalidade das normas
em causa. A recorrida, pelo contrário apresentou alegações concluindo pela
improcedência do recurso.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
II - FUNDAMENTOS
3. Conforme se viu, os recorrentes
impugnam um acórdão da Relação de Lisboa que confirmou a sentença do Tribunal
Judicial da Comarca de Santa Cruz fixando o montante da indemnização a pagar
pela Diocese do Funchal pela remição da colonia.
E essa sentença apenas fixou o montante
da indemnização, não tendo incidido sobre a questão da remição propriamente
dita. Na verdade, esta remição já havia sido apreciada e decidida pela anterior
decisão do mesmo tribunal de primeira instância que havia adjudicado o terreno
dos recorrentes à Diocese do Funchal - decisão que, como vimos, foi revogada
pelo Tribunal Constitucional e depois substituída por nova decisão já transitada
em julgado e que novamente adjudicou à Diocese do Funchal o mesmo terreno.
Mas, se a decisão aqui recorrida é apenas
a decisão que fixa o montante da indemnização, segue-se daí que só podem ser
objecto do presente recurso as normas legais de que o tribunal a quo lançou mão
para estabelecer esse montante - pelo que se excluem as que se referem à remição
propriamente dita e que, aliás, já foram sujeitas à apreciação do Tribunal
Constitucional no outro recurso referido.
4. Tais normas, que não podem ser
apreciadas no âmbito dos presentes autos, são as seguintes:
a) O artigo 55º da Lei nº 77/77 que
declarou extintos os contratos de colonia existentes na Região Autónoma da
Madeira (nº 1) e atribuiu ao Governo a missão de apoiar as iniciativas dos
órgãos de governo regionais para a resolução das situações decorrentes dessa
extinção (nº 2).
b) As normas dos artigos 1º, 3º, nº 1, e
7º, nº 1, do Decreto Regional nº 13/77/M. Aquele artigo 1º também declarou
extintos os contratos de colonia, dispondo que os mesmos passariam a reger-se
pelas disposições respeitantes ao arrendamento rural e pelas normas daquele
diploma; o artigo 3º, nº 1, deu ao colono-rendeiro o direito de remir a
propriedade do solo onde possuísse benfeitorias; e o artigo 7º, nº 1, atribuiu
ao senhorio o direito de indemnização por tal remição. Todas estas normas já
foram examinadas no citado Acórdão nº 44/92 do Tribunal Constitucional, que não
as considerou inconstitucionais ou ilegais, tendo depois sido aplicadas na nova
sentença de adjudicação, que já transitou em julgado.
c) A norma do artigo 9º do Decreto
Regional nº 16/79/M (que mandava seguir na tramitação da remição a forma de
processo urgente prevista no Código das Expropriações, embora com algumas
modificações e adptações), quer na redacção do Decreto Regional nº 7/80/M, quer
na redacção do Decreto Legislativo Regional nº 1/83/M - e que o Tribunal
Constitucional também já apreciou no âmbito do mesmo recurso.
5. Também são de excluir do objecto do
presente recurso, por nada terem a ver com a situação dos presentes autos, os
nºs 2 a 4 do artigo 3º do Decreto Regional nº 13/77/M: referem-se às hipóteses
em que o colono-rendeiro pode ser preterido no direito à remição, por a terra
estar a ser explorada directamente por pessoas diversas.
Restam os nºs 2 e 3 do artigo 7º do
Decreto Regional nº 13/77/M.
Mas, destes, o nº 3 também não foi
aplicado pela decisão recorrida: na verdade, dispõe-se aí que «o valor dos ónus
ou encargos que incidam sobre a terra remida, quando constituídos, será deduzido
ao montante da indemnização a pagar pelo remitente» - o que também não sucedeu
no caso dos autos.
6. Assim, e em resumo, apenas é objecto
do presente recurso a apreciação da inconstitucionalidade da norma do artigo
7º, nº 2, do Decreto Regional nº 13/77/M, cuja redacção é a seguinte:
2 - O valor da indemnização, caso não se verifique acordo entre as partes,
corresponde ao valor actual do solo considerado para fins agrícolas e por
desbravar.
Tal norma já foi julgada
inconstitucional pelos Acórdãos nºs 194/89 e 195/89 deste Tribunal (publicados
no Diário da República, II série, de 16 de Maio de 1989), e também por extensa
jurisprudência posterior, que seria inútil citar aqui. O Tribunal Constitucional
só não apreciou o pedido de declaração de inconstitucionalidade com força
obrigatória geral (artigo 281º, nº 3, da Constituição) por ter concluído que
tal declaração seria inútil, uma vez que a norma em causa havia sido entretanto
revogada pela Lei nº 62/91, de 13 de Agosto, não subsistindo qualquer interesse
prático na generalização do juízo de inconstitucionalidade (v. Acórdão nº 62/91,
Diário da República, II Série, de 19 de Abril de 1991).
Assim, retomar-se-á aqui resumidamente a
fundamentação exposta no citado Acórdão nº 195/89 - segundo a qual a norma em
causa é organicamente inconstitucional.
7. Na verdade, e conforme aí se notou, a
legislação referente aos critérios de fixação das indemnizações a pagar pelos
colonos-rendeiros aos respectivos senhorios teria de ser apreciada, de um ponto
de vista material, ou à luz do artigo 62º, nº 2, ou à luz do artigo 82º da
Constituição.
Ora, se se entendesse que a questão
deveria ser resolvida em sede de direito de propriedade - e portanto de acordo
com o preceituado no artigo 62º, nº 2, da Constituição, que fixa o «pagamento de
justa indemnização», uma vez que, se tal critério é obrigatoriamente aplicável
nos casos de expropriação por utilidade pública, então também teria de o ser
nos casos constitucionalmente admissíveis de expropriação por utilidade
particular -, a conclusão óbvia seria a de que a matéria a que se reporta a
norma em apreço cairia dentro da previsão do artigo 167º, alínea c) da Lei
Fundamental, na sua versão originária, que reservava ao Parlamento a
competência para legislar sobre «direitos, liberdades e garantias».
É que, como se salientou no Acórdão nº
404/87, (Diário da República, II Série, de 21 de Dezembro de 1987), se «o
direito à propriedade privada não é elencado pela Constituição entre os chamados
direitos, liberdades e garantias», no entanto, «deve entender-se que é um
direito fundamental a eles análogo, e sujeito, por consequência, e por força do
artigo 17º da Constituição, ao respectivo regime jurídico (incluindo aí a
reserva parlamentar), se não porventura em todos os aspectos do seu estatuto e
regulamentação, pelo menos naqueles - como seria indiscutivelmente aqui o caso -
«que são verdadeiramente significativos e determinantes da sua caracterização
como garantia constitucional».
Se, pelo contrário, se entendesse que,
por estarmos aqui perante um caso de privação de propriedade de meios de
produção expressamente previsto em sede de Constituição económica, no artigo
101º, a questão devia ser resolvida, de um ponto de vista material, à luz do
preceituado no artigo 82º da Constituição, onde se remete para a lei a
determinação dos critérios de fixação de indemnizações quando se verifique a
nacionalização, a socialização ou outras formas de intervenção em meios de
produção, e, então, teria de se concluir que a norma em apreço se integra, de
forma indiscutível, no âmbito de previsão da alínea q) do artigo 167º da Lei
Fundamental, na sua primitiva redacção, que cobria inteiramente o conteúdo do
referido artigo 82º, incluindo a parte referente aos critérios de fixação de
indemnizações.
E nem se diga, em contrário, que, no caso
vertente, se deveria considerar a matéria em causa abrangida pela primitiva
alínea r) do referido artigo 167º, atinente às bases da reforma agrária. É que,
ainda assim, no que respeita aos referidos critérios da fixação de
indemnizações, teria de se considerar aplicável a alínea q) do mesmo artigo
(versão originária), que se apresentava como norma especial em relação à da
mencionada alínea r): isto é, embora à Assembleia da República só se encontrasse
constitucionalmente reservada a definição das bases da reforma agrária, já lhe
cabia regular integralmente a matéria respeitante à determinação dos critérios
de fixação das indemnizaçõpes decorrentes das nacionalizações ou expropriações
efectuadas no âmbito dessa mesma reforma agrária. Neste sentido apontam, aliás,
não apenas o teor do primitivo nº 2 do artigo 82º da Constituição - onde, a
propósito das indemnizações, se referiam os grandes latifundiários - , mas
também os artigos 61º e 75º, nº 2, alínea e), da Lei nº 77/77.
Portanto, trata-se, em qualquer caso, de
matéria constitucionalmente reservada à competência legislativa da Assembleia da
República, e que não pode ser objecto de diploma regional.
III - DECISÃO
8. Assim, e pelo exposto, decide-se:
a) Não conhecer do objecto do recurso, na
parte referente aos artigos 1º, 3º, e 7º, nºs 1, 3 e 4, do Decreto Regional nº
13/77/M, de 18 de Outubro;
b) Não conhecer do objecto do recurso, na
parte referente ao artigo 9º do Decreto Regional nº 16/79/M, de 14 de Setembro,
com as alterações introduzidas pelo Decreto Regional nº 7/80/M, de 20 de Agosto,
e pelo Decreto Legislativo Regional nº 1/83/M, de 5 de Março.
c) Não conhecer do objecto do recurso na
parte referente ao artigo 55º da Lei nº 77/77, de 29 de Setembro (Lei de Bases
da Reforma Agrária);
d) Julgar inconstitucional a norma
constante do nº 2 do artigo 7º do Decreto Regional nº 13/77/M, de 18 de
Outubro, por violação do disposto na alínea q) do artigo 167º da Constituição
(versão originária).
e) Consequentemente, conceder provimento
parcial ao recurso, devendo a decisão recorrida ser reformada em conformidade
com o ora decidido em matéria de inconstitucionalidade.
Lisboa, 7 de Novembro de 1995
Luís Nunes de Almeida
Guilherme da Fonseca
Bravo Serra
Fernando Alves Correia
Messias Bento
José de Sousa e Brito
José Manuel Cardoso da Costa