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Proc.Nº 489/91
Plenário
Rel. Cons.
Vítor Nunes de
Almeida
Acordam no Plenário do Tribunal Constitucional:
I - RELATÓRIO:
1 - O Procurador-Geral da República, ao
abrigo do disposto no artigo 281º, nº 1, alínea a) e nº 2, alínea g) da
Constituição da República Portuguesa, veio requerer ao Tribunal Constitucional a
declaração de inconstitucionalidade de todas as normas contidas na Portaria nº
820/89, de 15 de Setembro.
Para fundamentar o seu pedido alega que na elaboração da
referida Portaria 'não foi assegurada a participação das associações sindicais
representativas dos trabalhadores interessados, como é imposto pelo artigo 56º,
nº 2, alínea a), da Constituição da República Portuguesa, na versão actualmente
vigente', sendo que 'a Portaria nº 820/89 constitui verdadeira legislação do
trabalho, pois disciplina matérias nucleares das relações jurídico-laborais dos
trabalhadores das instituições de previdência social, designadamente carreiras e
categorias profissionais, regime de recrutamento e selecção, regras de
mobilidade profissional e geográfica, duração e horário de trabalho, férias,
faltas e licenças, regime disciplinar, etc.'.
Notificado para se pronunciar, querendo, sobre o pedido,
veio o Primeiro-Ministro oferecer o mérito dos autos.
Nada obstando a que se conheça do pedido, importa
apreciar e decidir.
II - FUNDAMENTOS:
2 - A Portaria nº 820/89, de 15 de Setembro,
insere-se numa cadeia longa de vários instrumentos normativos de natureza
infra-legislativa iniciada com o Decreto Regulamentar nº 68/77, de 17 de
Outubro, a que logo se sucedeu a Portaria nº 38-A/78, de 19 de Janeiro. Foi
aquele Decreto elaborado e publicado sob invocação do disposto no nº 4 do artigo
1º do Decreto-Lei nº 164-A/76, de 28 de Fevereiro, na redacção que lhe fora dada
pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 887/76, de 29 de Dezembro, e é nele que
expressamente se funda a Portaria agora questionada.
Segundo o artigo 1º do Decreto Regulamentar nº 68/77, 'a
regulamentação de trabalho dos trabalhadores das instituições de segurança
social será fixada por portaria conjunta dos Ministérios das Finanças, do
Trabalho, dos Assuntos Sociais e da Secretaria de Estado da Administração
Pública'. O preâmbulo do diploma informa sobre o alcance desta opção normativa -
ter-se-á entendido que as instituições de segurança social deveriam assumir a
natureza de institutos públicos porque prosseguiam fins públicos próprios do
Estado e por essa razão o regime dos respectivos trabalhadores não deveria
continuar a identificar-se com o regime aplicável aos trabalhadores do sector
privado.
Na verdade, enquanto o Decreto-Lei nº 164-A/76, de 28 de
Fevereiro, que regulava em termos gerais a matéria das convenções colectivas de
trabalho, ainda mantinha no seu âmbito de aplicação as instituições da
previdência social - 'as instituições da previdência social ficarão submetidas
às normas deste diploma, sem prejuízo das alterações que lhe vierem a ser
introduzidas em decretos regulamentares a publicar pelos Ministérios do Trabalho
e dos Assuntos Sociais', conforme se lia no nº 4 do seu artigo 1º - foi outra a
opção do Decreto-Lei nº 887/76, de 29 de Dezembro, que veio alterar o primeiro.
Por força do diploma de Dezembro de 1976, 'o regime jurídico da regulamentação
colectiva de trabalho para os trabalhadores das instituições de previdência
social será objecto de diploma específico dos Ministérios da Administração
Interna, das Finanças, do Trabalho e dos Assuntos Sociais' (nº 4 do artigo 1º).
No plano legal, é esta a formulação que ainda hoje subsiste, dada por norma com
a mesma numeração e artigo, constante do Decreto-Lei nº 519‑C1/79, de 29 de
Dezembro.
Do contexto descrito e dos próprios termos do Decreto
Regulamentar nº 68/77 retira-se que o regime do trabalho do pessoal das
instituições de previdência social passaria a ser fixada por portaria, com vista
à definição de um regime transitório que, tendo em conta o novo enquadramento
daquelas instituições, não perdesse de vista toda uma realidade já existente que
era, no dizer do respectivo preâmbulo, a regulamentação em vigor de natureza
contratual, que se afastava em muitos aspectos do regime jurídico aplicável à
função pública.
Com os seus 179 artigos a que acrescem vários anexos,
parcial mas extensamente alterados pela agora questionada Portaria nº 820/89, a
Portaria nº 193/79, de 21 de Abril, constituiu um quadro normativo sistematizado
e pormenorizado que se traduziu numa aproximação em aspectos importantes e
significativos ao regime da função pública, 'acentuando-se deste modo a
irreversibilidade do processo' (transcrito do Preâmbulo). Passou também a
constituir a sede julgada mais adequada para a inserção de sucessivas alterações
e aditamentos, ora porque entretanto ocorriam modificações no regime geral da
função pública que se entendia deverem ser aplicadas neste domínio, ora porque
aos trabalhadores abrangidos se determinava que passasse a aplicar-se o regime
da função pública quanto a aspectos que até então tinham continuado a ser
regulados pelo regime transitório, sempre em uma via de aproximação ao objectivo
pretendido de identificação com o regime da função pública.
3 - Não parece indispensável para a apreensão do objecto
e alcance do pedido enumerar todas as Portarias que vieram modificar o texto
original. Até à entrada em vigor da Portaria questionada terão sido elas em
número de 4 - tantas são as referidas no artigo 1º da Portaria nº 820/89 - a que
outras se somaram, de carácter extravagante. E mesmo posteriormente, a Portaria
nº 100/91, de 4 de Fevereiro, veio regular aspectos do regime remuneratório do
pessoal abrangido, transpondo para este domínio os princípios do regime
aplicável na função pública.
Contudo, terá interesse assinalar uma outra vertente no
contexto normativo em que se inscreve o instrumento em apreciação, e que é
expressão do reforço da opção em favor da inclusão dos trabalhadores da
previdência social no regime geral da função pública.
4 - Adquirida a irreversibilidade do processo, quando
sucessivamente foi sendo erigida a estrutura unificada de enquadramento orgânico
das instituições de previdência, geraram-se situações de diferenciação de
regimes jurídicos aplicáveis, por em determinados serviços passarem a trabalhar
lado a lado funcionários e agentes abrangidos por diversos regimes de trabalho.
O preâmbulo do Decreto-Lei nº 278/82, de 20 de Julho, descreve as dificuldades
criadas: o regime da função pública aplicava-se ao pessoal dos quadros dos
centros regionais de segurança social criados pelo Decreto nº 79/79, de 2 de
Agosto, mas aos trabalhadores permanentes dos serviços anteriormente existentes
e que foram integrados nos centros, incluindo as caixas de previdência e o
Instituto das Obras Sociais, aplicava-se o estatuto de origem, que era o da
Portaria nº 193/79. A estes últimos trabalhadores, como se prescreve no artigo
4º do Decreto-Lei nº 515/79, de 28 de Dezembro, foi permitido optar pelo regime
da função pública até à data de entrada em vigor dos respectivos quadros de
pessoal. No entanto, muitos deles não terão exercido essa faculdade como se verá
da exposição subsequente.
Refira-se entretanto a propósito que os centros
regionais de segurança social constituem um dos níveis organizativos do sistema,
que compreende também os níveis central e local, e estão dotados de
personalidade jurídica e de autonomia administrativa e financeira, conforme
ficou disposto no Decreto-Lei nº 549/77, de 31 de Dezembro (artigos 3º e 21º).
Esses centros integram os órgãos, serviços e instituições do sector na
respectiva área (artigo 19º do Decreto-Lei citado, não alterado pela Lei nº
55/78, de 27 de Julho, que ratificou com emendas esse diploma), área essa que
corresponde ao distrito (artigo 20º daquele Decreto-Lei).
5 - O já referido Decreto-Lei nº 278/82 veio então
determinar que 'o pessoal dos centros regionais de segurança social e do Centro
Nacional de Pensões oriundo das instituições de previdência de inscrição
obrigatória e suas federações e o pessoal da Comissão de Equipamentos Colectivos
da Segurança Social e da Federação das Caixas de Previdência e Abono de Família,
fica abrangido pelo regime jurídico dos funcionários e agentes da Administração
Pública' (nº 1 do artigo 1º). Por sua vez, e segundo o artigo seguinte, 'o
disposto no presente diploma será também aplicável ao pessoal que vier a ser
integrado nos centros regionais de segurança social por força da extinção ou
regionalização de instituições de previdência de inscrição obrigatória e suas
federações ou ao abrigo do disposto no artigo 23º do Decreto-Lei nº 4/82, de 11
de Janeiro, bem como ao pessoal da Caixa Central dos Trabalhadores Migrantes ou
de qualquer outra instituição de previdência que venha a ser integrado num
departamento central da segurança social por força da extinção do organismo a
que pertencia'. O artigo 23º do Decreto-Lei nº 4/82, aqui mencionado, previu a
integração do pessoal das Casas do Povo adstrito à execução de tarefas do âmbito
de qualquer regime de previdência, objectivo que só mais tarde veio a ser levado
à prática.
De qualquer forma, o que neste momento interessa pôr em
destaque é que o regime da função pública passou a constituir o regime regra do
pessoal das instituições de previdência que até então tinha sido aquele que fora
estatuído pela Portaria nº 193/79. Este último passou a ser o regime especial
aplicável apenas aos trabalhadores que expressamente tivessem declarado que
desejavam manter o regime de trabalho pelo qual se vinham regendo (no mesmo
sentido já apontara o Decreto-Lei nº 515/79 já referido) no prazo de 30 dias a
contar da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 278/82 (cfr nº 3 do artigo 1º).
6 - A evolução legislativa posterior não deixa de
confirmar esta orientação.
Assim, o Decreto-Lei nº 245/90, de 27 de Julho, prevê a
criação dos serviços locais de segurança social e estabelece no seu artigo 6º
que 'à medida da efectiva criação de cada serviço local e em conformidade com as
correspondsentes necessidades, o pessoal que, a qualquer título, esteja ao
serviço das Casas do Povo do município onde os mesmos sejam implantados, afecto
à execução de tarefas do âmbito dos regimes da segurança social, é integrado nos
quadros dos centros regionais de segurança social dos respectivos distritos,
[...] ficando abrangido pelo regime jurídico dos funcionários e agentes da
Administração Pública' ( nº 1). No entanto, 'ao pessoal abrangido pela Portaria
nº 193/79, de 21 de Abril, integrado nos termos dos números anteriores, é
aplicável o disposto no Decreto-Lei nº 278/82, de 20 de Julho' (nº 4). Com este
regime se harmoniza o Decreto-Lei nº 246/90, também de 27 de Julho, que regula
aspectos do regime das Casas do Povo (nº 1 do artigo 3º).
De regime regra, o regime jurídico da função pública
passa a ser regime preferencial com o Decreto-Lei nº 106/92, de 30 de Maio, cujo
preâmbulo reconhece que da faculdade de integração proporcionada pela
Decreto-Lei nº 278/82 usou um escasso número de trabalhadores 'alguns dos quais
têm todavia, solicitado a sua revogação, bem como a consequente integração no
regime da função pública'. A intenção do legislador traduz‑se com clareza no
artigo 1º do diploma. Este determina que o pessoal abrangido pelos artigos 1º e
2º do Decreto-Lei nº 278/82, já citado, que optou pelo regime de origem - ou
seja, pelo regime que era regido pelo estatuto contido em Portarias - é
integrado no regime jurídico da função pública, salvo quanto aos trabalhadores
que expressamente declararem desejar manter o actual regime de trabalho (artigo
1º, nºs 1 e 2), concedendo um prazo de 30 dias para apresentação da
correspondente declaração (nº 3 deste artigo 1º).
Finalmente deverá ser feita referência ao diploma que
veio reformar a estrutura orgânica e funcional da segurança social. O
Decreto-Lei nº 260/93, de 23 de Julho, reduz de 18 para 5 o número de centros
regionais de segurança social, introduz o nível intermédio dos serviços
sub-regionais e mantém a figura dos serviços locais. Quanto ao respectivo
pessoal, determina que lhe seja aplicado o regime da função pública, salvo
quanto àquele que tenha optado, ao abrigo dos Decretos-Leis nºs 278/82 e 106/92,
'pela legislação em vigor nas caixas de previdência' (cfr o nº 1 do artigo 26º e
o nº 2 do artigo 32º).
7 - Verifica-se da exposição antecedente que a posição
relativa do regime, dito, originariamente, transitório, instituído pela Portaria
nº 193/79 à qual várias outras se foram sucedendo, entre elas a agora
questionada Portaria nº 820/89, de 15 de Setembro, sofreu modificações ao longo
da sua vigência. Inicialmente tratou-se de um regime paralelo ao da função
pública destinado a um universo de trabalhadores cujo âmbito se encontrava
determinado por via normativa. Após o Decreto-Lei nº 278/82, de 20 de Julho,
passa a ser um regime excepcional aplicado apenas aos trabalhadores que tivessem
optado pela sua aplicação. Após o Decreto-Lei nº 106/92, de 30 de Maio, mesmo a
estes últimos trabalhadores passa a aplicar-se o regime da função pública: o
regime da portaria é agora claramente residual pois a sua aplicação depende de
nova declaração que nesse sentido vier a ser feita pelo trabalhador interessado.
A ponderação global da descrição antecedente aponta para
que a convergência de regimes foi procurada por duas vias: a primeira
corresponde a uma aproximação dos respectivos conteúdos; a segunda corresponde à
redução do âmbito de aplicação pessoal do regime diferenciado ou específico.
Esta última será a tendência que vem prevalecendo.
8 - Será agora altura para uma descrição tão sucinta
quanto possível do conteúdo da portaria sindicada, ao mesmo tempo que se fará
menção das normas do regime da função pública que terão determinado a introdução
dos novos regimes, limitadamente aos aspectos mais gerais e sem preocupações de
exaustão e de comparação, ponto por ponto e com indicação de eventuais
diferenças, pois a intenção é meramente a de ilustrar a intenção do legislador.
8.1 - Começando pela parte em que são alteradas normas
da Portaria nº 193/79, verifica-se que, depois de definido no artigo 1º o âmbito
de aplicação do regime que se pretende modificar, com a nova redacção dada aos
artigos 7º-A e 8º se dispõe sobre estruturação dos quadros, carreiras do pessoal
e categorias existentes em cada uma delas, com vista a, fazendo fé no que vem
referido no preâmbulo, acolher as novas regras e princípios que para a função
pública resultaram do regime contido no Decreto-Lei nº 248/85, de 15 de Julho.
8.2 - As alterações introduzidas nos artigos 13º e 14º
consubstanciam-se em meras actualizações da designação de serviços.
8.3 - Com a nova redacção dos artigos 17º, 18º, 18º‑A,
18º-B, 19º, 20º, 21º e 22º, modificam-se aspectos substantivos do regime de
provimento de lugares, também com incidência em matéria de concursos e em
ligação com a classificação de serviço. Neste campo, a fonte afigura-se ser o
Decreto-Lei nº 41/84, de 23 de Fevereiro, quanto a instrumentos de mobilidade, e
o Decreto-Lei nº 248/85 já citado, na parte restante.
8.4 - Os artigos 24º, 25º, 26º, 26º-A, 28º, 29º, 31º,
33º, 52º, 53º, 56º, 57º, 58º, 59º, 60º, 61º, 63º-B a 63º‑H, 65º a 71º, 74º, 77º,
78º, 79º, 81º, 81º-A a 81º-C, 82º e 82º-A prevêem a área de recrutamento de
certas categorias do pessoal - casos dos chefes de repartição e dos chefes de
secção a que dizem respeito os artigos 24º e 25º - prevêem as condições em que
poderão ser criados lugares de chefia do pessoal operário (artigo 82º-A), e
dispõem sobre a área de recrutamento e processos de selecção do pessoal
integrado em cada uma das categorias pertencentes às carreiras que são objecto
de cada um desses artigos. Com a nova redacção consagram-se ou adaptam-se regras
do regime geral das carreiras da função pública, estabelecidos pelo Decreto-Lei
nº 248/85 e pelo Decreto-Lei nº 265/85, de 28 de Julho, este respeitante à
carreira técnica superior, ou provenientes de diplomas de natureza especial
aplicáveis a carreiras não comuns a toda a função pública, editados na sequência
do regime geral.
8.5 - O Decreto-Lei nº 498/88 terá determinado a nova
redacção dos artigos 83º a 85º sobre concursos de habilitação.
8.6 - Segue-se todo um conjunto de normas sobre duração
e forma de prestação do trabalho e respectivo horário, bem como sobre férias
(artigos 98º, 99º, 101º, 103º, 106º, 107º, 109º, 110º, 111º, 115º e 118º), que
acolhem ou adaptam o regime que para a função pública foi instituído pelo
Decreto-Lei nº 187/88, de 27 de Maio, em matéria de horário de trabalho, e pelo
Decreto-Lei nº 497/88, de 30 de Dezembro, quanto a férias.
8.7 - A Portaria nº 820/89 altera também o regime da
substituição (artigo 131º), remete para o regime geral dos
trabalhadores-estudantes (artigo 135º) e para o regime geral da maternidade,
paternidade e adopção, com especificidades (artigo 136º), dispõe sobre direito
disciplinar (artigos 147º e 150º) e sobre complementos do subsídio de doença e
de pensões (artigos 169º e 170º), bem como sobre benefícios sociais e resolução
de dúvidas e integração de casos omissos.
8.8 - Até agora têm sido referidas normas que alteram
disposições já constantes da Portaria nº 193/79, na sua redacção originária ou
entretanto alterada. Um segundo corpo de normas corresponde a aditamentos.
Os artigos 17º-A a 17º-D respeitam ao regime dos
concursos e mostram claras afinidades com o regime do Decreto‑Lei nº 498/88. No
artigo 18º-C disciplina-se o regime de estágio nas carreiras técnica superior e
técnica em paralelo com o que fora estabelecido no Decreto-Lei nº 265/88. O
artigo 18º-D regula aspectos relativos ao regime de intercomunicabilidade de
carreiras, que também encontra paralelo na lei geral (Decreto-Lei nº 248/85).
São introduzidas novas carreiras com as respectivas categorias pelos artigos
81º-D a 81º-F e 82º-B. Igualmente são aditadas normas de carácter ou
complementar ou inovador, mas com inspiração na lei geral, em matéria de férias,
licenças e faltas (artigos 106º-A, 114º-A e 169º-A).
8.9 - Depois de um muito pormenorizado regime de
transição, a Portaria em causa contem um terceiro bloco de normas com o qual se
modifica a Portaria nº 974/80, de 13 de Novembro, substituindo algumas das suas
normas ou aditando-lhe outras. Com a Portaria nº 974/80, de 13 de Novembro,
esclareça-se, foi estabelecido o enquadramento jurídico do pessoal de
informática abrangido pela Portaria nº 193/79, de 21 de Abril. Neste contexto, a
Portaria nº 820/89 veio modificar o regime da carreira dos técnicos superiores
de informática e criar a carreira de programadores.
A Portaria questionada termina com dois Anexos, contendo
várias tabelas com quadros indicativos do grupo de retribuição.
9 - É perante o enquadramento descrito que há que tomar
posição e, adiante-se desde já, ela não poderá deixar de ser no sentido da
inconstitucionalidade das normas que são objecto do pedido do Procurador-Geral
da República.
É que o Tribunal poderá declarar a
inconstitucionalidade das normas em apreciação com fundamento na violação de
normas ou princípios constitucionais diversos daqueles cuja violação foi
invocada (nº 5 do artigo 51º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro), circunstância
que, no caso presente, tornará dispensável uma análise mais pormenorizada das
normas questionadas.
10 - Conforme ficou referido inicialmente, a Portaria
nº 820/89, de 15 de Setembro, funda-se no Decreto Regulamentar nº 68/77, de 17
de Outubro, que expressamente invoca. Este, por sua vez, baseia-se em norma
constante de acto legislativo - nº 4 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 164‑A/76, de
28 de Fevereiro, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº
887/76, de 29 de Dezembro.
Tenhamos presente que as normas em apreciação se contêm
em um regulamento sob a simples forma de portaria, em um contexto em que
imediatamente se verifica que o poder regulamentar da administração recebeu e
vem exercendo poderes muitíssimo amplos de conformação do regime a aplicar aos
trabalhadores abrangidos. Desde logo, e como decorre da descrição a que se
procedeu nos pontos 4. a 7. supra, a Administração não foi constituída na
obrigação estrita de transpor para o regime do antigo pessoal da previdência
toda e qualquer alteração que ocorra no regime da função pública. Daqui decorre
que ficou e continua na sua disponibilidade o momento de actuar, mas também o
juízo sobre a extensão com que deve transpor esse mesmo regime. Atente-se,
porém, em que não só a transposição pode não ser integral como também não tem
que ser uma transposição fiel, porque a lei não impõe que o regime destes
trabalhadores tem de ser igual ao da função pública na parte transposta. Daí que
se venha assistindo - e esta Portaria não é excepção - à constituição de um
regime atípico, algures entre o regime da função pública e o regime do contrato
individual de trabalho, sempre mantendo o carácter transitório com que
originariamente foi denominado.
Neste plano, no plano de sistema em que devem ser
ponderadas todas as normas da Portaria nº 820/89, de 15 de Setembro, elas
constituem expressão de uma intenção normativa dirigida a um específico e
determinado objectivo, porquanto estatuem sobre a configuração abstracta do
conteúdo da relação laboral dos trabalhadores das instituições de previdência.
A portaria em causa é um regulamento independente. De
facto, ela foi editado ao abrigo do preceituado no nº 4 do artigo 1º do
Decreto-Lei nº 164-A/76, de 28 de Fevereiro, na redacção do Decreto-Lei nº
887/76, de 29 de Dezembro, e esta norma - a norma habilitante - limita-se a
definir a competência subjectiva e objectiva para a sua emissão.
11. - Qualificada, assim, a Portaria nº 820/91 como
regulamento independente, importa apurar a sua regularidade constitucional.
A matéria em causa, vertida na portaria, pode, por força
da legislação citada de 1976, continuar a ser tratada por via regulamentar. Com
efeito e conforme se decidiu no acórdão nº 56/95 deste Tribunal (que aqui se
segue de perto), publicado no DR, II S, de 28 de Abril de 1995, a regularidade
formal dos actos normativos 'rege-se sempre pelas normas constitucionais que
estiverem em vigor à data da respectiva formação e que lhes digam respeito. E
outro tanto se diz quanto às regras de competência que igualmente digam respeito
à formação dos actos'.
De facto, embora o nº 6 do artigo 115º da Constituição
tenha sido introduzido na Lei Fundamental pela Revisão de 1982, ou seja, já
depois da entrada em vigor das disposições legais que consentiram o exercício do
poder regulamentar nesta matéria, o certo é que o que nele se dispõe não pode
deixar de reger para os actos normativos regulamentares editados
posteriormente. Rege, por isso, para as normas em apreciação, sendo irrelevante
que a Portaria nº 820/89 se proponha alterar normas de portaria anterior.
Não está em causa, no presente processo de fiscalização
abstracta de constitucionalidade, a apreciação da conformidade constitucional do
artigo 1º do Decreto-Lei nº 164-A/76, de 28 de Fevereiro, na redacção do
Decreto-Lei nº 887/76, de 29 de Dezembro, nem a do artigo 1º do Decreto
Regulamentar nº 68/77, de 17 de Outubro.
Em causa está tão somente a questão da
constitucionalidade da Portaria nº 820/89, de 15 de Setembro.
Ora, tendo uma dada norma procedido à deslegalização de
determinada matéria, numa altura em que isso era constitucionalmente legítimo,
essa matéria pode continuar a ser tratada através do modelo normativo fixado
pela lei habilitadora.
Ponto essencial é que essa matéria pudesse continuar a
ser objecto de deslegalização, isto é, que se não estivesse no domínio de
reserva natural de lei. Porém, esta questão tem já que ver com a
constitucionalidade do artigo 1º, nº 4 do Decreto-Lei nº 164-A/76, de 28 de
Fevereiro, na redacção do Decreto-Lei nº 887/76, de 29 de Dezembro - e não com a
da portaria - mas, como atrás se refere, a primeira questão não constitui
objecto do presente processo.
No caso em apreço, foi a norma do Decreto-Lei nº
164-A/76 ( artigo 1º, nº 4, na redacção do Decreto-Lei nº 887/76, de 29 de
Dezembro), que determinou a submissão das instituições de previdência às normas
desse diploma, «sem prejuízo das alterações que lhes vierem a ser introduzidas
em decretos regulamentares», permitindo que tal matéria (as relações colectivas
de trabalho entre trabalhadores e entidades patronais, no caso, as instituições
de previdência) passasse a ser regulada através de regulamento (sublinhado
agora).
Assim, aceitando-se - como se aceita - que, tendo
determinada matéria sido validamente deslegalizada antes da Revisão
constitucional de 1982, ela pode continuar a ser tratada por via regulamentar e,
no caso dos autos, suposto que a matéria a que se reporta a Portaria nº 820/89
pode ser objecto de regulamento - questão que não tem que ser aqui tratada -,
então tal regulamento não podia deixar de revestir a forma de decreto
regulamentar e não a forma que veio a ser utilizada de portaria (em contradição
expressa, aliás, com o que se determina no preceito deslegalizador, que fala em
decretos regulamentares a publicar pelos Ministérios do Trabalho e dos Assuntos
Sociais).
Ora, após a revisão constitucional de 1982, por força do
que se preceitua no nº 6 do artigo 115º da Constituição, os regulamentos do
Governo, no caso de serem regulamentos independentes, devem revestir a forma de
decretos regulamentares.
Assim, em vez de uma Portaria, em 1989, o Governo
deveria ter editado um decreto regulamentar, que é a forma imposta pelo nº 6 do
artigo 115º da Constituição para os regulamentos independentes do Governo.
Tem, portanto, de se concluir pela inconstitucionalidade
das normas constantes na Portaria nº 820/89, de 15 de Setembro, por violação do
nº 6 do artigo 115º da Constituição.
12 - A declaração de inconstitucionalidade acarreta em
regra a cessação da vigência das normas declaradas inconstitucionais com efeitos
ex tunc (artigo 282º, nº 1 da Constituição). No que diz respeito porém às normas
da presente Portaria, não se afigura conforme às exigências da segurança
jurídica destruir retroactivamente os efeitos produzidos pelas suas normas,
atendendo a que tais efeitos se repercutiram na esfera jurídica de
trabalhadores, cuja vida profissional se tem vindo a pautar pelo regime nela
consagrado, e nela se integraram.
Torna-se por conseguinte aconselhável que o Tribunal,
usando da faculdade conferida pelo nº 4 do artigo 282º da Constituição, e por
razões de segurança jurídica e de equidade, fixe os efeitos da
inconstitucionalidade com alcance mais restrito do que o previsto no nº 1
daquele artigo, de molde a ressalvar as situações já constituídas nos termos das
normas em questão.
III - DECISÃO
Nos termos do exposto, o Tribunal Constitucional decide:
a) Declarar a inconstitucionalidade, com força
obrigatória geral, por violação do artigo 115º, nº 6, da Constituição da
República Portuguesa, de todas as normas constantes da Portaria nº 820/89, de 15
de Setembro;
b) Determinar que os efeitos da inconstitucionalidade
agora declarada, pelas razões de segurança jurídica e de equidade referidas, se
produzam apenas a partir da publicação deste acórdão no Diário da República.
Lisboa,1995.XI.15
Vítor Nunes de Almeida
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Dinis
Messias Bento
José de Sousa e Brito
Maria da Assunção Esteves
Alberto Tavares da Costa
Bravo Serra (com a declaração de que, quanto a
determinados aspectos constantes da Portaria em causa, que possam unicamente
revestir aspectos de pormenor, manteria as dúvidas que formulei na declaração
aposta no Acórdão nº 56/95)
Guilherme da Fonseca (vencido, por entender não se
verificar o fundamento da inconstitucionalidade formal a que aderiu o presente
aresto, essencialmente pelas razões adiantadas no voto de vencido junto ao
Acórdão nº 56/95, publicado no Diário da República, II Série, de 28 de Abril de
1995, e assim deveria antes declarar-se a inconstitucionalidade de todas as
normas contidas na Portaria nº 820/89, de 15 de Setembro, por violação do artigo
56º, nº 2, a), da Constituição, talqualmente vinha peticionado pelo requerente)
Luís Nunes de Almeida