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Procº nº 122/95
Rel. Cons. Alves Correia
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - Relatório.
1. A. propôs, no Tribunal Judicial da Comarca de Ferreira do
Alentejo, uma acção de despejo sob a forma de processo sumário contra B.,
tendo a mesma sido julgada procedente, por Sentença de 28 de Setembro de 1992.
Inconformada, interpôs a ré recurso para o Tribunal da Relação de
Évora, o qual, por Acórdão de 23 de Setembro de 1993, confirmou a decisão
recorrida.
2. Arguiu, então, a ré a nulidade daquele aresto, invocando a
oposição entre os fundamentos e a decisão, nos termos da alínea c) do nº 1 do
artigo 668º do Código de Processo Civil. No requerimento de arguição de
nulidade, referiu a ré, inter alia, que, 'se o Tribunal da Relação de Évora
julgasse com violação do artigo 273º do C.P.C., alterando a causa de pedir,
então estaria a incorrer na prática de um acto materialmente inconstitucional,
dado que violaria o princípio da sujeição dos tribunais à lei, previsto no art.
206º da Constituição da República Portuguesa'.
O Tribunal da Relação de Évora, por Acórdão de 12 de Julho de 1994,
indeferiu, no entanto, a reclamação por nulidade.
3. De novo inconformada, recorreu a ré para o Tribunal
Constitucional, tendo a mesma salientado no requerimento dirigido a este
Tribunal que 'o presente recurso é interposto com base nas alíneas b) e c) do
art. 70º da Lei 28/82, tendo a questão sido suscitada no requerimento em que se
solicitou a declaração de nulidade da sentença'.
Um tal recurso não foi, porém, admitido, por despacho do
Desembargador Relator de 29 de Setembro de 1994.
4. Do despacho de inadmissão do recurso reclamou a ré para o
Tribunal Constitucional. Submetidos os autos à conferência, manteve o Tribunal
da Relação de Évora o despacho reclamado, por Acórdão de 19 de Janeiro de 1995.
5. O Exmº Procurador-Geral Adjunto em funções neste Tribunal emitiu
parecer no sentido do indeferimento da presente reclamação.
6. Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir a presente
reclamação.
II - Fundamentos
7. Como foi salientado anteriormente, a reclamante recorreu para
este Tribunal ao abrigo das alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 70º da Lei do
Tribunal Constitucional (Lei nº 28/82, de 15 de Setembro).
Importa, por isso, averiguar se o recurso interposto pela reclamante
preenche os pressupostos processuais constitucional e legalmente exigidos para
os recursos referidos naquelas duas alíneas do nº 1 do artigo 70º da Lei do
Tribunal Constitucional.
7.1. De harmonia com o estatuído na alínea a) do nº 2 do artigo 280º
da Constituição e da alínea c) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal
Constitucional, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos
Tribunais 'que recusem a aplicação de norma constante de acto legislativo com
fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor reforçado'.
Para este tipo de recurso seja admissível, necessária se torna a
ocorrência dos seguintes pressupostos:
a) A recusa de aplicação, na decisão de um tribunal, de uma norma;
b) Que essa norma conste de acto legislativo;
c) Que aquela recusa de aplicação se fundamente na sua ilegalidade
por violação de lei com valor reforçado.
Ora, resulta claramente dos autos que, em momento algum, houve
recusa de aplicação de qualquer norma constante de acto legislativo, com
fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor reforçado. É, assim,
manifesto que não se verificam, in casu, os pressupostos do recurso contemplado
nos preceitos acima identificados.
7.2. O recurso que a reclamante pretendeu interpor para este
Tribunal também não preenche os pressupostos do recurso de constitucionalidade
previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 280º da Constituição e na alínea b) do
nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
Com efeito, o recurso de constitucionalidade consagrado nestes
preceitos exige, para além dos pressupostos gerais, a verificação dos seguintes
pressupostos específicos:
a) A suscitação durante o processo da inconstitucionalidade de uma
ou de várias normas jurídicas;
b) A aplicação ulterior pela decisão recorrida dessa norma ou normas
jurídicas reputadas de inconstitucionais;
c) A inadmissibilidade de recurso ordinário da decisão de aplicação,
por a lei não o prever ou por já se haverem esgotado todos os que no caso
cabiam.
No caso sub judicio, não foi cumprido, desde logo, o primeiro
pressuposto específico, consistente em a inconstitucionalidade haver sido
suscitada 'durante o processo'.
De acordo com a jurisprudência uniforme e constante deste Tribunal,
tal pressuposto deve ser tomado 'não num sentido puramente formal (tal que a
inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da instância)', mas
num 'sentido funcional', tal que 'essa invocação haverá de ter sido feita em
momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da questão'. Ou seja: a
inconstitucionalidade haverá de suscitar-se 'antes de esgotado o poder
jurisdicional do juiz sobre a matéria a que (a mesma questão de
inconstitucionalidade) respeita'.
Assim sendo, porque o poder jurisdicional se esgota, em princípio,
com a prolação da sentença e porque a eventual aplicação de uma norma
inconstitucional não constitui erro material, não é causa de nulidade da decisão
judicial, nem torna esta obscura ou ambígua, deve entender-se que o pedido de
aclaração de uma decisão judicial ou a reclamação da sua nulidade não são já, em
princípio, meios idóneos e atempados para suscitar a questão de
inconstitucionalidade, nem muito menos o requerimento de interposição do recurso
para o Tribunal Constitucional [cfr. neste sentido, inter alia, o Acórdão nº
90/85, in Diário da República, II Série, nº 157, de 11 de Julho de 1985; o
Acórdão nº 94/88, in Diário da República, II Série, nº 193, de 22 de Agosto de
1988; o Acórdão nº 318/90, in Diário da República, II Série, nº 62, de 15 de
Março de 1991; e o Acórdão nº 266/94 (inédito)]. Ainda segundo jurisprudência
pacífica deste Tribunal, a orientação acabada de referir sofre restrições apenas
em situações excepcionais, anómalas, nas quais o interessado não disponha de
oportunidade processual para suscitar a questão de inconstitucionalidade antes
de proferida a decisão final (cfr. os arestos citados).
No caso em apreço, a reclamante fez referência, pela primeira vez, a
uma questão de inconstitucionalidade, no requerimento de arguição de nulidade do
Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 23 de Setembro de 1993,não se estando
em face de nenhuma situação excepcional ou anómala que justifique um tratamento
diverso do constante da referida orientação geral do Tribunal Constitucional.
7.3. Mas, ainda que, por mera hipótese, se admitisse estar-se
perante uma situação excepcional, em termos de se poder considerar, de acordo
com a jurisprudência atrás referida, que a questão de inconstitucionalidade foi
suscitada durante o processo, nem mesmo assim seria de admitir o presente
recurso.
Com efeito, ao referir-se à questão de inconstitucionalidade, no
requerimento de arguição de nulidade acima referido, a reclamante escreveu que,
'se o Tribunal da Relação de Évora julgasse com violação do artigo 273º do
C.P.C., alterando a causa pedir, então estaria a incorrer na prática de um acto
materialmente inconstitucional, dado que violaria o princípio da sujeição dos
tribunais à lei, previsto no art. 206 da Constituição da República Portuguesa'
(realce nosso), imputando, deste modo, a inconstitucionalidade à própria decisão
judicial e não a normas jurídicas.
O mesmo fez a reclamante no requerimento de interposição do recurso
para este Tribunal. De facto, pode ler--se naquele requerimento que 'o Tribunal
da Relação de Évora incorreu em prática ilegal, por violação do art. 273º do
C.P.C., e inconstitucional, pois violou o princípio da legalidade prescrito no
art. 206º da Constituição'.
Ora, como tem sido uniformemente reiterado por este Tribunal, o
recurso para o Tribunal Constitucional só pode ter por objecto «normas
jurídicas», enquanto actos do poder normativo do Estado (lato sensu), e não
também actos de índole diversa, designadamente, as decisões judiciais e actos da
Administração sem carácter normativo (cfr., por todos, o citado Acórdão nº
318/90).
Deste modo, é seguro que não deve ser admitido o recurso, pois não
se mostram preenchidos, no caso vertente, os pressupostos que condicionam a sua
admissibilidade.
Há, assim, que concluir que o despacho de não admissão do recurso
não merece censura deste Tribunal, pelo que deve ser indeferida a presente
reclamação.
III - Decisão.
8. Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a
presente reclamação e condenar-se a reclamante em custas, fixando-se a taxa de
justiça em cinco Unidades de Conta.
Lisboa, 7 de Novembro de 1995
Fernando Alves Correia
Messias Bento
José de Sousa e Brito
Guilherme da Fonseca
Bravo Serra
Luís Nunes de Almeida