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Processo nº 250/95
2ª Secção
Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do
Tribunal Constitucional:
1. A., com os sinais identificadores dos autos, veio
reclamar para este Tribunal Constitucional do despacho do Relator do recurso
penal pendente no Supremo Tribunal de Justiça sob o nº 46 802, de 1 de Março de
1995, que não lhe admitiu o recurso de constitucionalidade, na base de que o
respectivo 'requerimento não satisfaz o requisito do artigo 75º-A do mesmo
diploma atinente à norma cuja inconstitucionalidade se pretende seja apreciada
no T.C., (...)'.
2. Aquele despacho, ora reclamado, é do teor que passa a
transcrever-se, porque ilustra bem a sequência processual que aqui releva:
'No presente recurso nº 46802, o arguido A., depois de ter requerido, sem
êxito, a aclaração do acórdão condenatório de fls. 416 e ss., vem agora
recorrer para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do artigo 70º da
Lei nº 28/82, de 15//11, requerendo-se bem entendemos o seu pedido - a
apreciação da ilegalidade/inconstitucionalidade da norma contida no artigo
272º, nºs 1 e 3 da Constituição da República Portuguesa.
A fim de
tentarmos perceber o raciocínio do recorrente, convém retermos o seguinte:
1º - Na
motivação do recurso interposto para este S.T.J., o arguido A. (na conclusão
11ª) alegou que «o B., indivíduo que no caso concreto interfere indevidamente
com a acção da Polícia de «garantir a segurança interna» e «prevenção dos
crimes» (cfr. quesito 3º e nºs 1 e 3 do artigo 272º da C.R.P.), estranhamente,
apresentou queixa contra os arguidos, por se sentir «humilhado e vexado,
sofrendo a seguir aos factos certo abalo psíquico (quesito 47), querendo com
isto imputar tais factos à actuação dos arguidos quando, é certo, que foi ele
próprio que lhes deu origem»;
2º - Na
mesma motivação (conclusão 13ª), invocou a violação, pelo acórdão então
recorrido, do disposto no artigo 272º, nºs 1 e 3 da C.R.P.;
3º - No
acórdão deste Supremo de fls. 416 e ss., expressamente se afastou a pretensa
violação daqueles preceitos constitucionais, afirmando-se:
«E, quanto à
invocada violação do artigo 272º, nºs 1 e 3 da mesma lei fundamental, diremos
que a invocação é infeliz, por isso que aquele nº 3 é expresso: 'a prevenção dos
crimes, incluindo a dos crimes contra a segurança do Estado, só pode fazer-se em
observância das regras gerais sobre polícia e com respeito pelos direitos,
liberdades e garantias dos cidadãos'».
Assim, não
foi desaplicada no acórdão a norma do artigo 272º, nºs 1 e 3 da C.R.P.. Não foi
é aplicada com o sentido que o recorrente pretendia dar-lhe. E daí o entender
ele que foi violada.
Não se
trata, pois, de apreciar a inconstitucionalidade (!) do artigo 272º, nºs 1 e 3
da C.R.P., mas a inconstitucionalidade do próprio acórdão, uma vez que não vem
pedida a declaração - em relação a qualquer outra norma - de
inconstitucionalidade ou constitucionalidade.
Porém, o
Tribunal Constitucional de há muito (v., entre outros, o ac. de 5/6/87, in BMJ
nº 368º-204 e o ac. de 23/3/94, in D.R. nº 39, de 18/6/94) vem entendendo que
não pode apreciar a inconstitucionalidade de decisões judiciais, mas apenas de
normas.
Afirma-se
naquele primeiro aresto:
«... Como se
decidiu no acórdão nº 75/87: 'É certo que as decisões judiciais (tal como
qualquer acto jurídico) também pode infringir directamente a Constituição,
visto que esta é directamente aplicável (cfr. artigo 18º, nº 1) e os tribunais
lhe estão naturalmente submetidos. Todavia, ao contrário do que sucede noutros
sistemas constitucionais, a C.R.P. não previu a possibilidade de o Tribunal
Constitucional controlar a constitucionalidade das próprias decisões dos
demais tribunais, fora de uma controvérsia sobre a conformidade constitucional
de uma ou mais normas'».
Pelo
exposto, nos termos do artigo 76º, nº 2 da referida Lei nº 28/82, e porque o
requerimento não satisfaz o requisito do artigo 75º-A do mesmo diploma atinente
à norma cuja inconstitucionalidade se pretende seja apreciada no T.C., não
admito o recurso.
Pagará o
recorrente 3 UCS de taxa de justiça pelo incidente.'
3. A reclamação vem sustentada nos 'fundamentos
seguintes':
'Salvo o devido respeito, não podemos concordar com a decisão contida no douto
despacho de fls., uma vez que o recurso foi interposto nos termos da al. a) do
artº 70º da Lei nº 28/82, de 15.11, conforme requerimento de fls., cujo teor se
dá aqui por integralmente reproduzido.
Na verdade,
Quer os
considerandos, quer a decisão proferida pelo Mmº Relator, teriam toda a acuidade
caso o recorrente tivesse interposto o recurso nos termos da al. b) do artº 70º
da Lei nº 28/82. Todavia, assim não acontece e o recorrente está mesmo em crer
que existiu recusa da aplicação da norma em questão.
A questão
suscitada no despacho de fls. 401 a 405 acaba por se traduzir numa simples
discordância do Mmº Juiz Conselheiro Relator relativamente à tese do
recorrente. Pretende tão só demonstrar que estamos, mais uma vez, perante um
requerimento de interposição de recurso para o T.C. onde é suscitado o controle
de uma decisão judicial; mecanismo de todo inadmissível no nosso ordenamento
jurídico.
Repita-se,
estamos perante um recurso relativo a uma norma cuja aplicação foi recusada, não
obstante o recorrente ter suscitado a sua aplicação, e dessa recusa, apesar de
ser apenas implícita, se extraírem consequências correspondentes à declaração
de inconstitucionalidade.'
4. Interessa ainda, e só, registar que no requerimento de
interposição do recurso para este Tribunal Constitucional, o recorrente e ora
reclamante diz que o faz 'nos termos da al. a) do artº 70º da Lei nº 28/82, de
15.11' e 'porque nos presentes autos foi desaplicada/violada a norma do artº
272º, nºs 1 e 3 da Constituição da República Portuguesa'.
5. No seu visto, o Ministério Público, tomou a seguinte
posição:
'É manifestamente improcedente a insólita reclamação, deduzida com fundamento
em que teria sido 'desaplicada' pelo acórdão de que se pretendia recorrer certa
norma constitucional - a constante do artº 272º, nº 1 e 3 da Lei Fundamental -
com fundamento, ao que parece, na sua 'inconstitucionalidade'!
Não sendo obviamente essa a situação dos autos, procedem inteiramente as razões
aduzidas nos doutos despacho e acórdão transcritos a fls. 40 e 6 desta
reclamação'.
6. Vistos os autos, cumpre decidir.
Como se alcança claramente do requerimento de interposição
do recurso de constitucionalidade, o reclamante identificou o tipo de recurso -
o da alínea a) do nº 1 do artigo 70º, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro - e
indicou a norma jurídica pretensamente 'desaplicada/violada': a norma do artigo
272º, nºs 1 e 3 da Constituição, que se reporta aos poderes da policia.
Tal significa que ter-se-ia de descortinar no acórdão
recorrido do Supremo Tribunal de Justiça, de 22 de Setembro de 1994, que
condenou o reclamante em pena de prisão pelos 'crimes de sequestro, ofensa a
funcionário, injúrias e ofensas corporais', uma tal desaplicação da citada norma
do artigo 272º, nºs 1 e 3, mas isso é tarefa impossível.
Na verdade, o que desse acórdão consta, na parte que aqui
interessa, e quanto 'à invocada violação do artigo 272º, nºs 1 e 3 da mesma lei
fundamental', é que 'a invocação é infeliz, por isso que aquele nº 3 é expresso:
«a prevenção dos crimes, incluindo a dos crimes contra a segurança do Estado, só
pode fazer-se com observância das regras gerais sobre policia e com respeito
pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos'.
E acrescenta-se:
'Pode mesmo afirmar-se que o barómetro de um verdadeiro estado de direito
democrático está na maneira como as polícias actuam relativamente aos cidadãos.
Não podem as polícias arrogar-se nunca a pretensão de poderem agir sem a
vigilância permanente dos órgãos de soberania do Estado'.
Daqui decorre, à evidência, que não houve no acórdão
recorrido nenhum juízo de desaplicação de norma infraconstitucional, com
fundamento em inconstitucionalidade, material ou orgânica, antes e só se
procurou verificar se o julgado da primeira instância (o Tribunal Colectivo do
Círculo de Cascais) teria incorrido na violação daquele artigo 272º, nºs 1 e 3,
talqualmente se expressou o recorrente na respectiva motivação de recurso, para
se responder de modo negativo.
Se é assim, é bom de ver que não está preenchido o
requisito da citada alínea a) do nº 1 do artigo 70º, de que se serviu o
reclamante.
Com o que não merece censura o despacho reclamado.
7. Termos em que, DECIDINDO, indefere-se a presente
reclamação, condenando-se o reclamante nas custas, com a taxa de justiça fixada
em cinco unidades de conta.
Lisboa, 7.11.95
Guilherme da Fonseca
Bravo Serra
Fernando Alves Correia
Messias Bento
José Sousa e Brito
Luís Nunes de Almeida