Imprimir acórdão
Proc. nº 251/95
1ª Secção
Rel. Cons. Ribeiro Mendes
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. A. e sua mulher, B., apelantes em processo
pendente no Tribunal da Relação do Porto, vieram reclamar, nos termos do art.
76º, nº 4, da Lei do Tribunal Constitucional, do despacho proferido pelo relator
nesses autos que não admitiu recurso por eles interposto para o Tribunal
Constitucional.
Alegaram o seguinte:
- Tendo interposto recurso de constitucionalidade do acórdão da Relação do Porto
que não dera provimento à arguição de nulidades e inconstitucionalidades, foi o
mesmo julgado inadmissível por despacho do Desembargador relator, proferido em 8
de Março de 1995;
- Os ora recorrentes, réus numa acção de despejo contra eles proposta em 29 de
Junho de 1984, que só teria sentença em primeira instância em 17 de Junho de
1993, acabaram por ser condenados, não obstante a jurisprudência prevalecente ao
tempo da propositura da acção lhes ser 'inteiramente favorável';
- No recurso de apelação sustentaram a ilegalidade da decisão, confiados na
revogação da decisão recorrida, mas o Tribunal da Relação do Porto julgou
improcedente o respectivo recurso, o que os levou a sustentar, em requerimento
de arguição de nulidades, 'a clamorosa violação do princípio constitucional da
proporcionalidade ao interpretar o Tribunal da Relação do Porto o normativo que
serviu de fundamento à resolução do contrato - art. 18º, nº 2, da Lei
Fundamental'.
- Do 'acórdão em causa flui nítida postergação do princípio constitucional da
proporcionalidade, que ao decidir pelo despejo impôs aos aqui reclamantes um
sacrifício desmesurado e violentamente excessivo ao por essa via suprimir-lhes o
direito de habitação e o direito ao trabalho - pois que os peticionantes vivem
no 1º andar do locado e trabalham no rés-do-chão e logradouro - onde têm oficina
de reparação de automóveis -, TUDO HÁ MAIS DE 16 ANOS, pelo que não existiu, com
a devida vénia, adequação ou justa medida na interpretação efectuada'. Da
violação do princípio de proporcionalidade resultaria, in causa, a violação dos
direitos constitucionais ao trabalho e a uma habitação;
- A violação dos preceitos constitucionais referidos só se consumara 'com o
acórdão que decidiu a apelação, razão por que é apenas invocad[a] na arguição de
nulidade, MAS DURANTE O PROCESSO, nos termos do estatuído no art. 70º, nº 1, al.
b) da Lei 28/82 de 15.11 e ENQUANTO NÃO FOSSE PROFERIDO O DITO ACÓRDÃO
DESCONHECIAM OS RECLAMANTES O SENTIDO INTERPRETATIVO DADO AO NORMATIVO LEGAL EM
QUE SUSTENTAM A DECISÃO, pelo que é tempestiva a inconstitucionalidade
invocada';
- A interpretação 'rígida e excessiva' do art. 1093º, nº 1, alínea d), do
Código Civil, então em vigor, feita nas decisões da Relação, consubstanciou uma
violação do princípio de proporcionalidade, que atinge, 'sem apelo nem agravo e
de forma irremediável', o direito à habitação e ao trabalho;
- A decisão que decretou o despejo atingiu indistintamente a parte do locado
destinado ao exercício de actividade industrial - onde havia sido colocada uma
cobertura para salvaguardar os carros entregues à guarda dos reclamantes, e que
constitui o fundamento do despejo - e a parte destinada à habitação dos
locatários, o que se traduziu num 'prémio, no mínimo indesejável e iníquo';
- No sentido da desnecessidade de invocação expressa da inconstitucionalidade
indica-se o Acórdão nº 105/90 do Tribunal Constitucional, onde se admitiu a
impugnação da inconstituciona-lidade de uma norma numa certa interpretação, o
que seria transponível para a interpretação perfilhada da alínea e do número
referidos do art. 1093º do Código Civil, adoptados na decisão de que se
pretendera recorrer.
Concluiram, pedindo o deferimento da reclamação.
Solicitaram certidão de diferentes peças
processuais, o que foi deferido.
Através de acórdão de fls. 17 a 18, proferido em
16 de Maio de 1995, a Relação do Porto manteve o despacho do relator, chamando a
atenção para o teor do passo do requerimento de arguição de nulidades subscrito
pelos ora reclamantes e considerando ser patente que aí se não indicava 'nenhuma
disposição legal cuja inconstitucionalidade tivesse sido suscitada'.
2. Subiram os autos ao Tribunal Constitucional.
Teve vista deste autos o representante do
Ministério Público, tendo elaborado parecer no sentido da manifesta
improcedência de reclamação (a fls. 66 vº e 67 dos autos).
3. Foram corridos os vistos legais.
Importa conhecer do objecto da reclamação.
II
4. Conforme resulta já do resumo feito atrás da
fundamentação da reclamação e se alcança dos documentos que instruem esta peça
processual, os reclamantes foram demandados pelo senhorio, C., em acção de
despejo proposta no Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, tendo vindo a ser
julgada procedente a mesma acção, por se ter considerado que as edificações
construídas no logradouro pelos inquilinos haviam alterado substancialmente a
estrutura externa do arrendado, ficando a casa locada mais devassada a partir da
destruição pelos inquilinos do muro de vedação.
No recurso de apelação que interpuseram, os ora
reclamantes não suscitaram qualquer questão de constitucionalidade. Nas
conclusões das alegações, afirmaram que não ocorria o requisito legal para a
resolução do contrato (art. 1093º, nº 1, alínea d), do Código Civil), visto que
'todas as obras efectuadas, quer na cozinha, quer no logradouro, aumentaram o
valor locativo do imóvel e não alteraram a estrutura externa [...], a cobertura
é retirável a todo o tempo e não tem qualquer ligação à parede da casa, que
permaneceu intocada' (conclusão II, a fls. 37 dos autos).
Só na arguição de nulidades do acórdão que negou
provimento ao recurso de apelação, é que os ora reclamantes suscitaram uma
questão de constitucionalidade, nos seguintes termos:
'Ao decretar o despejo, primeiro o Tribunal de Vila Nova de Gaia, agora o
Tribunal de Relação do Porto, violaram claramente o princípio da razoabilidade,
tanto mais que poderiam ter determinado a retirada da cobertura, com a
manutenção do contrato, porque fundamentalmente está em causa não só a
habitação, como também o exercício da actividade profissional do requerente,
pelo que tais decisões judiciais violam ostensivamente o princípio da
proporcionalidade, também conhecido por proibição do excesso, plasmado
constitucionalmente, como violam o direito à habitação e ao emprego, igualmente
consagrados na Constituição, violações que para todos os devidos e legais
efeitos aqui se invocam e que são de aplicação directa - artº. 18, nº 1, artº
58, nº 1, artº 65 e 266, nº 2, da CRP' (a fls. 60 dos autos).
E, na conclusão do mesmo requerimento, afirma-se
que aquele tribunal se segunda instância 'não respeitou ainda os princípios [da]
razoabilidade e proporcionalidade, com o que violou, directa e indirectamente, a
Lei Fundamental - artºs 18, nº 1, 58, nº 1, 65 e 266, todos da CRP'.
O Tribunal da Relação do Porto não se pronunciou
sobre a arguição desses vícios de inconstitucionalidade, por ter considerado que
a mesma fora extemporânea.
5. É manifesto que os ora reclamantes nunca
suscitaram uma questão de inconstitucionalidade normativa, limitando-se, depois
de decidido o recurso de apelação, a imputarem vícios de inconstitucionalidade a
um acto judicial.
Só no requerimento de interposição do recurso de
constitucionalidade (certificado a fls. 37 destes autos) é que os ora
reclamantes imputaram o vício de inconstitucionalidade à norma do art. 1093º, nº
1, al. d), do Código Civil, na interpretação acolhida no acórdão recorrido.
Assim sendo, não merece provimento a presente
reclamação.
6. De facto, não foi suscitada durante o processo
uma questão de inconstitucionalidade normativa: segundo uma jurisprudência firme
e uniforme, a questão de inconstitucionalidade tem de ter por objecto normas e
não actos concretos de aplicação do direito (decisões judiciais ou actos
administrativos) e, por outro lado, a questão tem de ser eficazmente suscitada
durante o processo, entendida esta expressão de um modo funcional e não
puramente formal, sendo considerados momentos inidóneos para suscitar a questão
de constitucionalidade o pedido de aclaração da decisão do tribunal a quo, a
arguição de nulidade da mesma decisão, o requerimento de interposição do recurso
de constitucionalidade ou as alegações do próprio recurso (vejam-se, por todos,
os Acórdãos nºs 62/85, 90/95 e 94/88, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 5º
vol., págs. 497 e segs. e 663 e segs. e Boletim do Ministério de Justiça 372,
págs. 285 e segs.).
7. Por outro lado, não podem os reclamantes
sustentar que não tiveram oportunidade processual de suscitar a questão de
inconstitucionalidade antes de proferido o acórdão da Relação sobre o recurso de
apelação: de facto, a acção de despejo tinha como fundamento a alínea d) do nº 1
do art. 1093º do Código Civil, tendo a sentença de primeira instância aplicado
esta norma, de forma que mereceu a discordância dos ora reclamantes. Deveriam,
por isso, os reclamantes ter suscitado a questão da inconstitucionalidade da
interpretação por eles repudiada nas alegações do recurso de apelação, momento
processualmente idóneo para o efeito. Não colhe o argumento por eles avançado
nesta reclamação de que a violação constitucional só se consumara com o acórdão
que decidira a apelação, razão por que seria tempestiva a invocação da
inconstitucionalidade na arguição de nulidades. É que, como se viu, a norma
aplicável ao caso sub judicio estava definida desde a petição inicial.
8. Nestes termos e pelas razões expostas, decide
o Tribunal Constitucional indeferir a presente reclamação
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de
justiça em quatro (4) unidades de conta.
Lisboa,7 de Novembro de 1995
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Dinis
Maria Fernanda Palma
Maria da Assunção Esteves
Alberto Tavares da Costa
Vítor Nunes de Almeida
José Manuel Cardoso da Costa