Imprimir acórdão
Proc. nº 90/93
1ª Secção
Rel. Cons. Monteiro Diniz
Acordam no Tribunal Constitucional:
1 - A. e B., perante o Supremo Tribunal Administrativo,
interpuseram recurso contencioso directo do despacho do Secretário de Estado do
Tesouro, publicado no Diário da República, II série, de 15 de Julho de 1991, que
não homologou a decisão da comissão arbitral, constituída nos termos do
Decreto-Lei nº 51/86, de 14 de Março, relativamente à empresa nacionalizada C..
Aquele Tribunal, por acórdão de 19 de Novembro de 1992, concedeu
provimento ao recurso e declarou nulo o acto impugnado, recusando para tanto,
com fundamento em inconstitucionalidade, por violação dos artigos 205º, nº 1 e
208º, nº 2, da Constituição, a aplicação dos artigos 16º, nº 6 da Lei nº 80/77,
de 26 de Outubro, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 343/80, de 2 de Setembro,
e 24º do Decreto-Lei nº 51/86, de 14 de Março.
*///*
2 - Deste acórdão foi interposto recurso de constitucionalidade
pelo Ministério Público havendo o senhor Procurador-Geral Adjunto, fechado as
alegações depois oferecidas, com as conclusões seguintes:
'1º - A função jurisdicional traduz-se numa actividade de heterocomposição de
conflitos de interesses, realizada por um órgão neutro, independente e imparcial
relativamente aos interessados que solicitam tal composição, a efectivar
através da estrita aplicação do Direito (ou da equidade, quando a lei o permite)
aos casos concretos.
2º - Embora normalmente a função administrativa envolva a prossecução activa
de interesses públicos diversos do da realização do Direito e da Justiça, pode
a lei atribuir à Administração um poder de autocomposição dos conflitos de
interesses subjacentes às relações jurídico-administrativas, como expressão do
privilégio da execução prévia.
3º - Não representa usurpação da função jurisdicional a possibilidade
legalmente conferida aos órgãos da Administração de tomarem unilateral e
autoritariamente decisões vinculativas para os particulares, dirimindo
liminarmente conflitos de interesses ou aplicando sanções em áreas regidas
pelo Direito Administrativo, mesmo quando as decisões da Administração envolvam
a aplicação de critérios estritamente jurídicos.
4º - A questão do arbitramento e liquidação das indemnizações devidas por
nacionalizações situa-se plenamente no campo do Direito público, havendo,
consequentemente, interesse público autónomo e relevante na fixação da
contrapartida devida pela apropriação colectiva de meios de produção, ditada
por razões de natureza político-económica.
5º - Regendo-se as relações emergentes de nacionalizações inteiramente pelos
princípios do Direito público, nada impede que sobre elas possa recair um acto
administrativo definitivo e executório, como expressão do atrás aludido poder
autotutelar da Administração.
6º - As comissões arbitrais, na versão decorrente do estatuído nos
Decretos-Leis nºs 343/80, de 2 de Setembro e 51/86, de 14 de Março, não podem
ser qualificadas como tribunais arbitrais, já que a lei que as institui e
regulamenta não confere força vinculativa própria às decisões que proferem sobre
a liquidação das indemnizações devidas por nacionalizações.
7º - Exercem, pelo contrário, tais comissões uma função de arbitragem no
âmbito do procedimento administrativo 'gracioso', que culmina na prática de um
acto administrativo definitivo e executório que, controlando a regularidade e
legalidade da arbitragem efectuada, confere força vinculativa à decisão dos
árbitros.
8º - Não sendo legalmente as comissões arbitrais órgãos jurisdicionais, não
representa qualquer intromissão constitucionalmente ilegítima da Administração
no exercício da função jurisdicional a necessidade legal de ser homologada por
acto administrativo definitivo e executório a decisão proferida pelos árbitros.
9º - Não ocorre, pois, qualquer violação do disposto nos artigos 205º, nº 1,
206º e 208º, nº 2, da Constituição, pelo que deve, em consequência, conceder-se
provimento ao presente recurso, determinando-se a reforma da decisão recorrida,
na parte impugnada.'
Contralegando, vieram aos autos os recorridos sufragar a solução
encontrada no acórdão sob recurso, dizendo, em síntese conclusiva, o seguinte:
'a) as Comissões Arbitrais previstas na Lei nº 80/77 e no DL 51/86 são
verdadeiros órgãos jurisdicionais encarregados de dirimir litígios na fixação
das indemnizações devidas por nacionalização;
b) Face à natureza dos citados órgãos, é manifestamente inconstitucional a
submissão das suas decisões a homologação ministerial;
c) Assim, a decisão recorrida, ao julgar inconstitucionais os artigos 16º nº
6 da Lei 80/77 e 24º do DL 51/86, e ao proceder à sua não aplicação, decidiu
correctamente, face ao quadro constitucional e legislativo vigente, não sendo
legítimo qualquer tipo de censura a esta decisão.
d) Impõe-se, assim, que o Tribunal Constitucional, declarando a
inconstitucionalidade de tais preceitos, confirme a douta decisão recorrida.'
Os autos seguiram os vistos de lei ficando depois a aguardar que
sobre a matéria objecto do presente recurso fosse emitida pronúncia pelo
plenário do Tribunal.
*///*
3 - Com efeito, se bem que no processo de fiscalização abstracta
sucessiva de constitucionalidade nº 417/91, haja sido tirado o Acórdão nº
452/95, de 6 de Julho, ainda inédito, no qual não se chegou a tratar da questão
da inconstitucionalidade das normas objecto do presente recurso, o Tribunal
Constitucional, em conformidade com o disposto no artigo 79º-A, nº 1, da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro, aditado pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro, proferiu
o Acórdão nº 226/95, Diário da República, II série, de 27 de Julho de 1995, no
qual não foram julgadas inconstitucionais as normas dos artigos 16º, nº 6, da
Lei nº 80/77 (na redacção do Decreto-Lei nº 343/80) e 24º do Decreto-Lei nº
51/86.
E assim sendo, tendo em vista o propósito de uniformização
jurisprudencial que ditou aquele acórdão, importa agora, remetendo para a sua
fundamentação, proceder em conformidade com a solução ali encontrada.
*///*
4 - Nestes termos, decide-se:
a) Não julgar inconstitucionais as normas constantes dos artigos 16º, nº 6,
da Lei nº 80/77, de 26 de Outubro, na redacção do Decreto-Lei nº 343/80, de 2 de
Setembro, e do artigo 24º do Decreto-Lei nº 51/86, de 14 de Março;
b) Conceder, consequentemente, provimento ao recurso e ordenar a reforma da
decisão impugnada, em harmonia com a presente decisão sobre a questão de
constitucionalidade.
Lisboa, 17 de Outubro de 1995
Antero Alves Monteiro Dinis
Maria Fernanda Palma
Maria da Assunção Esteves
Alberto Tavares da Costa
Vítor Nunes de Almeida
Armindo Ribeiro Mendes
José Manuel Cardoso da Costa