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Proc. nº 416/95 ACÓRDÃO Nº 3/96
1ª Secção Rel: Cons. Ribeiro Mendes
(Cons. V. Nunes Almeida)
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. A e B vieram reclamar, nos termos dos arts. 76º, nº 4, e 77º da Lei do Tribunal Constitucional, em conjugação com o disposto no art. 688º do Código de Processo Civil, contra o despacho de não recebimento de um recurso por eles interposto em 1 de Março de 1995, invocando o seguinte:
- a decisão reclamada fora proferido pelo Desembargador relator no Tribunal da Relação de Lisboa, muito embora os ora reclamantes tivessem pretendido recorrer de uma decisão proferida por diferente entidade, a saber, o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, tendo endereçado o seu requerimento a este último, não obstante terem entregue esse requerimento no Tribunal de Relação de Lisboa, por aí se encontrar o processo;
- segundo jurisprudência uniforme do Tribunal
Constitucional, 'os requerimentos de interposição de recurso de decisão que não admitirem recursos ordinários, e proferidos no âmbito de reclamações contra tal não recebimento, devem ser dirigidos a quem os proferiu' (a fls 2 dos autos);
- carecia, por isso, de competência o Desembargador relator para admitir ou rejeitar a admissão desse recurso de constitucionalidade;
- por outro lado, e para além do primeiro fundamento de incompetência, a decisão reclamada teria errado nos seus fundamentos, por quanto a suscitação da inconstitucionalidade do disposto no nº 1 do art. 678º do Código de Processo Civil teria sido feita pelos ora reclamantes durante o processo, visto que tal suscitação fora apresentada na anterior reclamação apresentada ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, tendo este último dela conhecido, precisamente no despacho de que os ora reclamantes pretenderam recorrer para o Tribunal Constitucional.
Concluíram pedindo que fosse julgada procedente a reclamação, com as legais consequências.
Requereram ainda que fosse mandada passar certidão de várias peças processuais relevantes.
2. Junta a requerida certidão aos presentes autos, foram os mesmos à conferência, a qual, através do acórdão de fls. 12, proferido em 20 de Junho de 1995, manteve o despacho do relator, ordenando o cumprimento do disposto no nº 5 do art. 688º do Código de Processo Civil.
Após a notificação do acórdão, foram os autos remetidos ao Supremo Tribunal de Justiça.
Aí, o Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, através de despacho proferido em 10 de Julho de 1995 e depois de historiar o desenrolar processual que culminou na presente reclamação, considerou que deviam ser remetidos os autos ao Tribunal Constitucional, uma vez que a relamação se dirigia contra um despacho do Desembargador relator do Tribunal da Relação de Lisboa, achando-se este despacho confirmado por um acórdão da conferência ( a fls. 15-16).
3. Recebidos os autos de relamação no Tribunal Constitucional, deles teve vista o Exmº. Representante do Ministério Público. Em parecer exarado a fls. 18º a 19º, preconizou o indeferimento da reclamação, por considerar o recurso de constitucionalidade - que não fora admitido - 'manifestamente infundado, nos termos e para os efeitos previstos na parte final do nº 2 do art. 76º da Lei nº 28/82', dada a jurisprudência fixada pelo Tribunal Constitucional relativamente à questão de constitucionalidade suscitada pelos ora reclamantes. Afirmou ainda que tal falta manifesta de fundamento conduziria, só por si, à inadmissibilidade do recurso, tornando
'inútil a apreciação da questão - estritamente procedimental - suscitada pelo recorrente: ter sido o despacho de rejeição do recurso proferido pelo Tribunal da Relação, e não pelo STJ'.
4. Foram corridos os vistos legais.
Discutido o projecto de acórdão apresentado pelo primitivo relator, não obteve o mesmo vencimento, ocorrendo, por isso, mudança de relator.
II
5. Dos elementos constantes dos autos, retira-se que os ora reclamantes, apelantes numa acção de despejo, pretenderam interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação de Lisboa que lhes julgara improcedente a apelação. Esse recurso de revista não foi admitido em virtude de o valor da causa se encontrar dentro da alçada do Tribunal da Relação.
Inconformados com o despacho de não admissão do recurso de revista, dele deduziram reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, nos termos dos arts. 688º e 689º do Código de Processo Civil, suscitando nessa reclamação a questão da inconstitucionalidade do disposto no art. 678º, nº 1, do Código de Processo Civil, por violação do art.
20º da Constituição. Esta reclamação foi indeferida por despacho de 27 de Janeiro de 1995 (cfr. certidão junta aos autos, a fls. 7 vº a 8 vº).
O despacho de indeferimento desta reclamação só foi notificado aos ora reclamantes pelo Tribunal da Relação de Lisboa. Desse despacho, vieram os ora reclamantes interpor recurso de constitucionalidade, através de requerimento dirigido ao 'Senhor Juiz Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça' (a fls. 9 e vº dos presentes autos). Nesse recurso acentuaram que, segundo jurisprudência constante do Tribunal Constitucional, o requerimento de interposição, apesar de apresentado noutro tribunal, tinha de ser endereçado ao magistrado que proferira o despacho de que se pretendia recorrer.
Este recurso não foi admitido por despacho do Desembargador relator, proferido em 7 de Março de 1995, com o fundamento de que
'a questão da possível inconstitucionalidade da norma do art. 678º, nº 1 CPC apenas [fora] suscitada na reclamação pelo não recebimento do recurso para o STJ' (despacho certificado a fls. 10 dos autos).
É quanto a último despacho que foi deduzida a presente reclamação.
6. Face ao relato feito, tem de concluir-se que merece provimento o primeiro fundamento da reclamação, sendo esta última meio processual idóneo para suscitar tal questão de legalidade, atinente ao elemento processual indispensável para se poder conhecer do objecto de reclamação.
De facto, o recurso de constitucionalidade foi dirigido ao magistrado autor do despacho de que se pretendia recorrer, a saber, o Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, mas foi apreciado por entidade diversa, que não dispunha da necessária competência. Atento o disposto no nº 1 do art. 76º da Lei do Tribunal Constitucional, a rejeição do recurso foi proferida 'a non judice'.
Impõe-se, por isso, eliminar essa situação, de forma a que o requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade possa ser despachado pelo autor da decisão impugnada.
Não é possível, por outro lado, ao Tribunal Constitucional, nesta sede, substituir-se, por razões de economia processual, ao autor do despacho impugnado na apreciação da viabilidade do recurso, não se acolhendo, assim, a tese propugnada pelo Senhor Procurador-Geral Adjunto.
III
7. Nestes termos e pelos fundamentos expostos, decide o Tribunal Constitucional conceder provimento à presente reclamação, apenas quanto ao primeiro fundamento nela aduzido, revogando o despacho do Sr. Desembargador relator objecto da reclamação, bem como o acórdão da Relação de Lisboa que o confirmou, devendo, em consequência, os autos principais ser submetidos ao Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, para os legais efeitos.
Lisboa, 16 de Janeiro de 1996
Ass) Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Dinis
Maria Fernanda Palma
Maria da Assunção Esteves
Alberto Tavares da Costa
Vitor Nunes de Almeida (vencido, conforme declaração que junto) DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencido, como primitivo relator, na presente reclamação, pois entendo que não se devia tomar conhecimento da mesma, pelos fundamentos seguintes:
De acordo com o preceituado no artigo 76º, nº1 da Lei do Tribunal Constitucional
(Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, alterada pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro),
'compete ao tribunal que tiver proferido a decisão recorrida apreciar a admissão do respectivo recurso', pelo que, tendo havido reclamação para o Presidente do STJ do despacho de não admissão do recurso de revista, e tendo os reclamantes suscitado nesse requerimento uma questão de constitucionalidade relativa ao artigo 678º, nº 1, do CPC, o despacho sobre a admissão ou não admissão de tal recurso de constitucionalidade visando submeter à apreciação do Tribunal Constitucional tal questão, só podia ser proferido por quem proferiu a decisão sob recurso, ou seja, pelo Presidente do STJ e não pelo desembargador-relator na Relação, embora o processo aí se encontrasse.
O despacho em reclamação é, assim, um despacho proferido por quem não tinha competência para o proferir, isto é, um despacho «a non domino» .
Só que a reclamação para o Tribunal Constitucional formulada ao abrigo do preceituado nos artigos 76º, nº 4 e 77º da Lei do Tribunal Constitucional não é, em casos como o dos autos, o meio adequado para reagir contra o despacho de não admissão de recurso proferido por quem não tinha competência para o fazer.
Na verdade, a reclamação para este Tribunal destina-se a decidir se o despacho de não admissão de um recurso de constitucionalidade deve ou não manter-se, ou seja, a fazer admitir o recurso ou a confirmar a não admissão, fazendo, na primeira hipótese, caso julgado quanto à admissibilidade.
Não pode, assim, a reclamação ter como fundamento autónomo, a questão de decidir se determinada entidade autora do despacho é ou não entidade competente para o proferir. É, todavia, evidente que o Tribunal Constitucional ao decidir uma reclamação de um despacho de não admissão de um recurso de constitucionalidade, se o fizer no sentido do deferimento, define também, por inerência, quem é a entidade competente para o proferir.
No caso dos autos, constata-se que o primeiro dos fundamentos da reclamação é o de que o autor do despacho reclamado não tinha competência para o proferir.
Decorre do relato feito que a decisão recorrida é do Presidente do STJ, pelo que a ele competiria, de acordo com o artigo 76º, nº1, da LTC, citado, exarar o despacho de admissão ou não admissão.
Assim, mesmo que se admitisse que o fundamento material invocado viesse a obter procedência, ou seja, hipotisando-se a procedência da reclamação, este Tribunal nunca poderia determinar a admissão do recurso a uma entidade incompetente para o proferir - como, aliás, o tribunal acabou por concluir.
Daqui decorre que, não pode conhecer-se da presente reclamação uma vez que não foi proferido despacho de admissão ou de inadmissão do recurso pelo tribunal que proferiu a decisão recorrida.
Deveria, portanto, formular-se uma decisão de não conhecimento, remetendo os presente autos ao Supremo Tribunal de Justiça, para que aí seja exarado despacho pela mesma entidade que proferiu a decisão recorrida sobre a admissão ou não do recurso interposto, mas não revogando a decisão da Relação, como se fez, por não ser a reclamação , como entendo, meio próprio para conseguir tal fim.
José Manuel Cardoso da Costa