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Proc. nº 388/94
1ª Secção
Rel. Cons. Ribeiro Mendes
Acordão na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. A., casado, empregado bancário, residente em
----------, -------------, propôs no Tribunal de Trabalho de Leiria, em 13 de
Outubro de 1992, acção declarativa de condenação, com processo sumário, contra o
banco B., pedindo a condenação deste, na qualidade de ex-entidade patronal (fora
admitido como empregado em 1982 e rescindira o contrato de trabalho em Novembro
de 1991), a pagar-lhe a quantia de 785.957$00, acrescida de juros de mora até
integral cumprimento, correspondendo à soma dos montantes de subsídio de
valorização a que tenha direito por força de deliberação do Conselho de Gestão
do Banco réu de 5 de Janeiro de 1983, numa altura em que o mesmo banco tinha o
estatuto de empresa pública. Alegou factos que indiciavam ser ilegal a recusa de
pagamento pela antiga entidade patronal desses subsídios de valorização.
A acção foi contestada, tendo o Banco réu
invocado que a deliberação invocada fora suspensa por nova deliberação, por
força de um despacho do Secretário de Estado do Tesouro de 19 de Janeiro de
1983, sendo certo que já na altura estava em vigor a Resolução nº 163/80 do
Conselho de Ministros, de 15 de Abril de 1980, pela qual se proibia que os
órgãos de gestão das empresas públicas concedessem aumentos genéricos de
remuneração fora da contratação colectiva.
O autor veio entretanto juntar cópia de um
acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido numa acção idêntica proposta
por um outro trabalhador bancário contra o mesmo Banco, bem como um parecer
jurídico da autoria dos Drs. Jorge Leite e João Leal Amado.
Realizou-se o julgamento, vindo a ser juntos aos
autos pelo Banco réu pareceres jurídicos da autoria do Prof. Doutor José Manuel
Sérvulo Correia, do Dr. Bernardo Lobo Xavier e Dr. Luís Brito Correia.
Por sentença de 14 de Outubro de 1993, veio a ser
julgada improcedente a acção.
O autor, inconformado, interpôs dela recurso de
apelação, o qual foi admitido.
Nas respectivas alegações, suscitou a questão de
inconstitucionalidade da alínea g) do nº 2 do art. 13º do Decreto-Lei nº 260/76,
se interpretado de tal forma que pudesse conferir-se ao tribunal de trabalho ou
a outra entidade o poder de se substituir ao legislador, fixando de forma
casuística a lista de actos dos conselhos de gestão dos bancos nacionalizados
que careciam de tutela correctiva pelo Governo (conclusões 16ª e 17ª, a fls. 478
vº e 479). Com as alegações, o apelante juntou pareceres da autoria do Dr. Rui
Machete e do Prof. Doutor Diogo Freitas do Amaral e Drª. Maria da Glória
Ferreira Pinto Dias Garcia.
Por acórdão da Relação de Coimbra, proferido em
15 de Junho de 1994, foi negado provimento ao recurso de apelação.
Nesse acórdão, depois de se considerar que o
subsídio de valorização profissional contemplado na deliberação do Conselho de
Gestão do Banco recorrido de 5 de Janeiro de 1983 tinha a natureza de
retribuição paga pela entidade patronal ao respectivo trabalhador, que, por
isso, não podia ser diminuída unilateralmente por aquela, e que a atribuição
desse subsídio era válida à luz do disposto no Decreto-Lei nº 729-F/75, de 22 de
Dezembro, diploma que regulava a orgânica das instituições de crédito
nacionalizadas, visto neste último não se prever uma intervenção tutelar na
matéria do Governo, veio a entender-se que o quadro normativo se alterara a
partir de 1977, visto o Decreto-Lei nº 353-A/77, de 29 de Agosto, ter aditado
um novo nº 2 ao art. 49º do Decreto-Lei nº 260/76, de 8 de Agosto (Bases Gerais
das empresas públicas). Ora, o sentido de introdução desse novo nº 2 teria sido
o de tornar claro que todos os princípios previstos no Decreto-Lei nº 260/76,
sem excepção, seriam igualmente aplicáveis às instituições de crédito
nacionalizadas, não obstante a sua orgânica se reger por diploma especial. E
afirmou-se na mesma decisão judicial, depois de se aludir ao sentido da
Resolução do Conselho de Ministros nº 163/80, publicada no Diário da República,
I Série, de 9 de Maio de 1980:
'Ora, sendo o R. uma empresa pública, estava ele sujeito ao regime estabelecido
no D.L. 260/76 e seus princípios e ao regulamentado naquela Resolução. Assim,
ele precisava de autorização ou aprovação das Finanças e do Ministro do
Trabalho, o que não se mostra ter existido. E não se mostra que o R. tenha
obtido a necessária autorização para atribuir aquele subsídio, nem se mostra que
tenha obtido a sua posterior aprovação [...].
Nas suas alegações refere o Autor que foi violado o art. 114º da
CRP, e isto por ser ao Governo que competiria, através de aprovação dos
estatutos do R., estabelecer quais os actos que careciam da sua aprovação ou
autorização; e não podendo outra entidade substituir-se ao legislador e fixar de
forma casuística a lista dos actos carentes daquela autorização ou aprovação.
Ora, e tendo em conta o que atrás se referiu, não se verifica
aquela violação da separação de poderes consagrados naquele art. 114º. É que,
como se procurou demonstrar, o R. estaria, por via legal - regime do DL 260/76 -
obrigado a obter aquelas autorização ou aprovação [...].
Finalmente, e para apreciação da questão posta, não se pode
esquecer o motivo da intervenção do Governo, o qual consta do art. 12º do DL
260/76: «cabe ao Governo definir os objectivos das empresas públicas e o
enquadramento geral no qual se deve desenvolver a respectiva actividade, de modo
a assegurar a sua harmonização com as políticas globais e sectoriais e com o
planeamento económico nacional ...».
É certo que nos termos do art. 13, nº 1 b) do mesmo diploma se
diz que a tutela económica e financeira compreende: «o poder de autorizar ou
aprovar os actos expressamente indicados em lista taxativa constante do estatuto
de cada empresa». Assim, seríamos tentados a dizer que a atribuição daquele
subsídio só não seria permitida, carecendo de autorização ou aprovação, se
figurasse de forma taxativa nos estatutos do R.. No entanto, haverá que ter em
conta o nº 2 do mesmo artigo que refere: «Da lista de actos dependentes da
autorização ou aprovação do Ministro da Tutela, nos termos da alínea b) do
número anterior, devem necessariamente constar: ... g) O estatuto do pessoal, em
particular no que respeita à fixação de remunerações».
Assim, temos que a fixação de remunerações estaria sempre sujeita
a autorização ou aprovação da Tutela, nos termos desta alínea c), conjugada com
o nº 4 do mesmo art. 13.' (a fls. 652 vº a 653 vº)
Notificado deste acórdão, dele veio o autor
interpor recurso de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do art.
70º da Lei do Tribunal Constitucional. Nos termos do requerimento de
interposição, este recurso teria 'por âmbito o apuramento da
inconstitucionalidade do entendimento nele dado à norma constante do art.
13-2-g) do DL 260/76 (8.4), na redacção do D.L. 353-A/77 (29.8), que o
recorrente reputa violador do art. 114º da CRP, questão esta suscitada, nas suas
alegações de recurso e consubstanciada nas conclusões nºs 13ª, 14ª, 15ª, 16ª e
17ª' (a fls. 656).
Este recurso foi admitido por despacho de fls.
657.
2. Subiram os autos ao Tribunal Constitucional.
Concedidos prazos para alegações, vieram a
apresentar esta peça processual quer o recorrente, quer o Banco recorrido.
Das conclusões da alegação do recorrente
respigam-se as que se referem à questão de constitucionalidade:
'11. Todas as empresas públicas estão sujeitas aos mesmos princípios - os
princípios do DL 260/76 - mas não são as mesmas as regras que os concretizam e
desenvolvem.
12. Às empresas públicas em geral aplicam-se as regras e os princípios do DL
260/76, pelo que os seus estatutos os não podem contrariar.
13. Quanto às instituições bancárias, parabancárias e seguradoras aplicam-se
apenas os princípios enformadores do DL 260/76
------------------------------------------------.
21. O DL 729-F/75 não contém qualquer norma que estabeleça um regime de tutela
correctiva «a priori ou a posteriori» semelhante à prevista no art. 13-2-g do DL
260/76 (8.4).
22. Os poderes de tutela não se presumem, antes têm de resultar de preceito
legal expresso.
23. A regra constante do art. 13º-2-g) do DL 260/78 (8.4), para se tornar
exequível, no tocante às instituições de crédito, necessita de mediação
concretizadora do legislador.
24. Caberia, em consequência, ao Governo, através da aprovação dos estatutos de
cada empresa, estabelecer, de entre os actos da lista constante da alínea g) do
nº 2 do art. 13º do DL 260/76, quais os actos que ficam sujeitos a controlo «a
priori» (sujeitos a autorização) e quais os que ficariam sujeitos a controlo «a
posteriori» (sujeitos a aprovação).
25. Não pode qualquer outra entidade, designadamente o Tribunal de Trabalho,
pela voz do seu juiz, substituir-se ao legislador e fixar de forma casuística
essa lista de actos e nem pode escolher de forma arbitrária o tipo de controlo a
que fica sujeito cada acto de uma determinada empresa.
-------------------------------------------------
33. O acórdão ora recorrido ao apontar para uma nulidade absoluta com recurso a
meras regras de interpretação e integração de lacunas, justifica uma «escolha»
que manifestamente ultrapassa os seus poderes (art. 114º da CRP) e assim
representa sempre uma manifesta ultrapassagem dos limites que o DL 260/76
estabelecia (reserva de estatuto).
34. Por outro lado, interpretada esse sentido, a Res. CM 163/80 sempre violaria
o art. 13º do DL 260/76 pelo que seria «contra legem» e, por isso, nesse plano,
nula.
35. Interpretada em sentido diverso a norma constante do art. 13º nº 2, alínea
g) daquele diploma terá de haver-se por inconstitucional, por violação do
princípio da separação de poderes (art. 114º da CRP).
36. Na verdade, a decisão recorrida esta atingida por uma dupla
inconstitucionalidade:
- sabendo-se que só existe tutela onde a lei a estabelecer de forma expressa,
sendo tal matéria de reserva legislativa do legislador, não pode o tribunal
escolher casuisticamente os casos em que, à falta de tal prescrição legislativa,
se deveria impor ou não uma tutela do tipo da invocada pelo R. (interpretação do
Art. 13-2-g), do DL 260/76 que aplicada na situação concreta dos presentes
autos, viola o princípio da separação dos poderes legislativos e judicial fixado
no art. 114º da CRP).
- o despacho do SET pretendia «suspender» (e não extinguir) o negócio jurídico
laboral sub iudice, ao pretender ter efeito retroactivo viola o principio do
Estado de direito na sua dimensão concreta de protecção dos cidadãos e da
segurança jurídica (art. 2 e 53 da CRP).
---------------------------------------------
44. A Resolução do Conselho de Ministros 163/80 (9.5) não é fonte imediata de
direito.
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52. Cabe ao Governo, através de aprovação dos estatutos de cada empresa,
estabelecer, de entre os actos da lista constante do art. 13-2-g), do DL 260/76
(8.4) quais os actos que ficam sujeitos a controlo «a priori» (autorização) e
quais os actos que ficariam sujeitos a controlo «a posteriori» (aprovação).
53. A Res. CM 163/80 pela sua natureza derivada («regulamentar») não poderia
substituir-se ao legislador estatutário que, só aí, nos Estatutos de cada
Empresa Pública, poderia e devia consagrar a modalidade de tutela mais
conveniente à sua especialidade.
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58. Bem como tal decisão [da Relação de Coimbra] é inconstitucional, nos termos
do art. 207º da CRP, pela interpretação que faz dos normativos aplicáveis e em
especial do art. 13º-2-g) ao DL 260/76, que se afigura violadora do princípio da
separação de poderes constitucionalmente previsto no art. 114º da CRP'. (a fls.
676 a 679 vº)
Com as alegações, juntou parecer do Prof. Doutor
Gomes Canotilho.
O Banco recorrido sustentou, por seu turno, que
devia improceder o recurso, porque o Tribunal da Relação de Coimbra se limitara
a aplicar a lei, considerando que o princípio da intervenção tutelar do Governo
acolhido no Decreto-Lei nº 260/76, nomeadamente no seu art. 13º, era aplicável
às empresas nacionalizadas do sector financeiro e segurador, por força do art.
49º, nº 2, deste diploma. Seria, assim, óbvio que o Tribunal não havia ferido 'o
princípio da separação de poderes, pois a determinação de que os actos
respeitantes à fixação de remunerações, nas empresas públicas, estão sujeitos às
mencionadas autorizações ou aprovações ministeriais, não cabe ao Governo, como o
recorrente pretende, mas decorre pura e simplesmente da lei, como se demonstrou'
(a fls. 727 dos autos). Com as alegações juntou pareceres de autoria dos Profs.
Doutores José Carlos Vieira de Andrade, Marcelo Rebelo de Sousa e Jorge Miranda.
3. Foram corridos os vistos legais.
Cumpre, pois, delimitar o objecto do recurso e
verificar se o Tribunal Constitucional pode conhecer do seu objecto.
II
4. De harmonia com o requerimento de interposição
do recurso de fls. 656, o ora recorrente pretende que o Tribunal Constitucional
apure a invocada inconstitucionalidade do entendimento perfilhado no acórdão da
Relação de Coimbra de 15 de Junho de 1994 relativamente à norma do art. 13º, nº
2, alínea g), do Decreto-Lei nº 260/78, de 8 de Abril, na redacção introduzida
pelo Decreto-Lei nº 353-A/77, de 29 de Agosto, entendimento esse que o
recorrente reputa ser violador do art. 114º da Constituição.
Dispõe o preceito em causa (cuja redacção
remonta, aliás, à versão primitiva do diploma, uma vez que as redacções
introduzidas pelos Decretos-Leis nºs 353-A/77, de 29 de Agosto e 25/79, de 19 de
Fevereiro não alteraram a versão primitiva dessa alínea. Acrescente-se que não
haverá que considerar a actual redacção do art. 13º do Decreto-Lei nº 260/76,
uma vez que a mesma resulta de alterações introduzidas por legislação posterior
à vigente no momento relevante para a situação dos autos, ou seja, o mês de
Janeiro de 1983 - cfr. Decreto-Lei nº 29/84, de 20 de Janeiro, e Lei nº 16/90,
de 20 de Julho):
'nº 2. Da lista de actos dependentes de autorização ou aprovação do Ministro da
Tutela, nos termos da alínea b) do número anterior, devem necessariamente
constar:
-------------------------------------------------
g) O estatuto do pessoal, em particular no que respeita à fixação de
remunerações.'
Para cabal entendimento deste preceito, importa
referir que o nº 1 do artigo 13º do Decreto-Lei nº 260/76 (na redacção vigente
nas datas de aprovação das duas deliberações do Conselho de Gestão do Banco
recorrido que estão em causa no presente processo) dispunha que a tutela das
empresas públicas, a cargo do Ministro da Tutela, compreende '[o] poder de
autorizar ou aprovar os actos expressamente indicados em lista constante do
estatuto de cada empresa que não sejam os de carácter financeiro contempladas no
nº 2 deste artigo'.
Por outro lado, importa ainda ter em conta -
porque o Banco réu era, nas datas relevantes de Janeiro de 1983, um banco
nacionalizado, que não dispunha de estatutos próprios, mas se regia pelo
diploma que estabelece o estatuto legal das instituições de crédito
nacionalizadas, Decreto-Lei nº 729-F/75, de 22 de Dezembro, com as alterações
introduzidas pelos Decretos-Leis nºs 513/77, de 14 de Dezembro, 2/78, de 9 de
Janeiro, 51/79, de 22 de Março, e 176/79, de 7 de Junho - que o art. 49º, nº 2,
do Decreto-Lei nº 260/76, de 8 de Abril (na redacção introduzida pelo
Decreto-Lei nº 353-A/77, de 29 de Agosto), dispõe que 'as empresas públicas
exceptuadas no número anterior ficam, porém, sujeitas aos princípios fixados no
presente diploma' (o nº 1 deste artigo estabelece que o Banco de Portugal, as
instituições bancárias, parabancárias e seguradoras eram as únicas empresas
públicas existentes que ficavam excluídas legalmente da obrigação de adaptarem
os respectivos estatutos aos princípios consagrados no Decreto-Lei nº 260/76, no
prazo de 120 dias a partir da sua entrada em vigor).
5. Segundo a tese do recorrente, o acórdão ora
sub judicio teria interpretado a norma que constitui objecto do recurso de forma
inconstitucional, violando o art. 114º da Constituição.
A questão de inconstitucionalidade objecto do
recurso foi suscitada nas alegações no recurso de apelação nos seguintes termos.
'14ª - A regra constante do art. 13º nº 2 al. g) do DL 260/76 de 8/4, [para ser
aplicável] às instituições de crédito, para se tornar exequível, necessita da
mediação concretizadora do legislador.
15ª - Caberia, em consequência, ao Governo, através da aprovação dos estatutos
da cada empresa, estabelecer, de entre os actos da lista constante da al. g) do
nº 2 do art. 13º do DL 260/76, de 8/4, quais os actos que ficam sujeitos a
controle «a priori» (sujeitos a autorização) e quais os que ficariam sujeitos a
controlo «a posteriori» (sujeitos a aprovação).
16ª - Não pode qualquer outra entidade, designadamente o Tribunal de Trabalho
pela voz do seu Juiz, substituir-se ao legislador e fixar de forma casuística
essa lista de actos e nem pode escolher de forma arbitrária o tipo de controlo a
que fica sujeito cada acto de uma determinada empresa.
17ª Interpretada em sentido diverso a norma constante do art. 13º nº 2 al. g)
terá de haver-se por inconstitucional, por violação do princípio da Separação de
Poderes (Art. 114º da CRP' (a fls. 478 vº e 479)
6. Importa, face ao exposto, averiguar se se
verificam no caso sub judicio os pressupostos de admissibilidade do recurso de
constitucionalidade, interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do art. 70º da
Lei do Tribunal Constitucional, de modo que este Tribunal possa conhecer do
objecto desse recurso.
Não restam dúvidas de que o recorrente suscitou
durante o processo uma questão de inconstitucionalidade normativa, imputando o
vício de inconstitucionalidade não a todas as dimensões da norma, mas a um
segmento ou dimensão, nos termos atrás transcritos.
Mas resta averiguar se se verifica um outro
pressuposto de admissibilidade do recurso: o pressuposto que consiste em a norma
identificada, com a interpretação alegadamente inconstitucional, ter sido
aplicada na decisão recorrida como verdadeira ratio decidendi ou, pelo menos,
como uma das possíveis rationes decidendi.
De facto, como decorre das conclusões 14ª a 17ª
da alegação apresentada no recurso de alegação, que agora se deixaram
transcritas, o recorrente considerou que a alínea g) do nº 2 do art. 13º do
Decreto-Lei nº 260/76 não é inconstitucional em todas as suas interpretações,
mas apenas numa certa interpretação: pressupondo que tal norma necessitaria da
mediação concretizadora do legislador governamental, através da aprovação por
decreto-lei dos estatutos da empresa pública em questão, não poderia o tribunal
substituir-se ao legislador e fixar de forma casuística uma lista de actos de
tutela, nem poderia escolher de forma arbitrária o tipo de controlo a que
ficaria sujeito cada acto de uma determinada empresa, sob pena de haver violação
do art. 114º da Constituição (o nº 1 deste artigo determina que os órgãos de
soberania devem observar a separação e a interdependência estabelecidas na
Constituição).
Da leitura do acórdão impugnado pelo recorrente
não se alcança, porém, que a norma em causa haja sido aplicada com o sentido
alegadamente inconstitucional. Pelo contrário, aí se resolveu um problema
complexo de interpretação de várias normas de direito ordinário, sobre o qual
diversos jurisconsultos não lograram pôr-se de acordo.
Por uma lado, o Tribunal da Relação de Coimbra
não tomou qualquer posição sobre o pressuposto de que seria indispensável a
mediação concretizadora do legislador governamental para determinar quais os
actos sujeitos a tutela governamental, no que se refere às instituições
bancárias nacionalizadas (note-se, aliás, que, como se refere no parecer do
Prof. Doutor Gomes Canotilho junto aos autos pelo recorrente, o Decreto-Lei nº
260/76 previa que a Constituição de empresas públicas se fizesse por decreto
referendado pelo Primeiro-Ministro e por certos membros do Governo, decreto esse
que conteria em anexo os estatutos da empresa pública, sendo duvidoso na
doutrina se a Constituição impõe neste caso a reserva de lei).
Tendo em atenção o acórdão recorrido, daí se
retira que, por interpretação do nº 2 do art. 49º do Decreto-Lei nº 260/76, o
Tribunal da Relação de Coimbra entendeu que se aplicavam ao Banco ora recorrido
os princípios desse diploma, entre os quais o de sujeição à tutela em matéria de
fixação de remunerações do seu pessoal. E, segundo o mesmo acórdão, o subsídio
de valorização teria a natureza jurídica de uma retribuição remuneratória, pelo
que a respectiva atribuição teria de ter sido autorizada ou aprovada pelos
Ministros das Finanças e do Trabalho.
Verifica-se, pois, que o Tribunal da Relação de
Coimbra considerou que, por força do disposto no nº 2 do art. 49º do Decreto-Lei
nº 260/76, as instituições de crédito nacionalizadas (caso do Banco réu) - que
não dispunham de estatutos próprios nos termos da regulamentação constante do
Decreto-Lei nº 729-F/75 - estavam sujeitas a tutela do Governo, no que toca à
fixação de remunerações a pagar ao pessoal, sendo-lhes aplicável o princípio
legal constante da alínea g) do nº 2 do art. 13º do primeiro diploma, o qual não
tinha de ser particularizado por qualquer estatuto específico. Decorreria do nº
4 do art. 13º desse decreto-lei esta última conclusão.
É, assim, seguro que a interpretação de normas de
direito ordinário pela Relação de Coimbra - interpretação cuja bondade o
Tribunal Constitucional não tem competência para apreciar - não foi feita com o
sentido inconstitucional que o recorrente lhe imputa. A Relação não se arrogou
qualquer poder de, casuisticamente, suprir uma qualquer omissão estatutária, nem
se substituiu ao legislador, violando eventual reserva de estatuto. Considerou
que da concatenação das disposições legais referidas, resultava a necessidade de
autorização ou aprovação tutelar, cuja falta acarretava a ineficácia da decisão.
7. Ora, não tendo sido aplicada pelo acórdão
recorrido a norma que constitui objecto do presente recurso com a interpretação
que o recorrente reputa de inconstitucional, falta um pressuposto de admissão
do recurso, que impede que o Tribunal Constitucional conheça do seu objecto.
Repare-se, por outro lado, que o Tribunal
Constitucional não pode controlar a eventual inconstitucionalidade da decisão
judicial, enquanto aplica normas com uma interpretação que não é contrária à
Constituição. Só através de um recurso do tipo do amparo espanhol ou da queixa
constitucional alemã é que poderia apreciar-se a inconstitucionalidade do
próprio acto de aplicação do direito. Ora, tal modalidade de recurso não é
admitida no direito constitucional português.
8. Em recurso interposto para este Tribunal de
uma decisão proferida pela Relação de Coimbra, numa acção intentada por outro
trabalhador bancário contra o Banco ora recorrido, a 2ª Secção de Tribunal
Constitucional absteve-se igualmente de conhecer do objecto desse recurso. Na
exposição do relator confirmada pelo Acórdão nº 243/95, ainda inédito, pode
ler-se:
'Não foi, assim, por apelo às directivas constantes de qualquer Resolução do
Conselho de Ministros (particularmente a Resolução nº 163/80) que o acórdão sub
specie veio a entender que a deliberação em causa, tomada pelo Conselho de
Gestão da Ré, havia de estar sujeita à fiscalização tutelar. O que vale por
dizer que não interpretou a alínea g) do nº 2 do art. 13º do D.L. nº 260/76 por
forma a daí decorrer que seria por uma intervenção resolutiva do Conselho de
Ministros que se iria saber quais os actos dos cabidos órgãos das «instituições
públicas de crédito» que seriam objecto de intervenção tutelar (de fiscalização,
enfim)'.
E daí se retirou a conclusão de que o acórdão sub
judicio não havia interpretado a norma impugnada com o sentido invocadamente
inconstitucional, pelo que não se verificaria o requisito exigido para a
abertura de via de recurso contemplada na alínea b) do nº 1 do art. 70º da Lei
do Tribunal Constitucional.
As considerações feitas nesse acórdão são
transponíveis para a presente situação.
III
9. Termos em que decide o Tribunal Constitucional
não conhecer do objecto do recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de
justiça em quatro (4) unidades de conta.
Lisboa, 21 de Novembro de 1995
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Dinis
Maria Fernanda Palma
Alberto Tavares da Costa
Vítor Nunes de Almeida
José Manuel Cardoso da Costa