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Processo: nº 139/93.
Plenário
Relator: Conselheiro Ribeiro Mendes.
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:
I
1 — O Ministro da República para a Região Autónoma da Madeira veio requerer, em
2 de Março de 1993, a apreciação da legalidade, em processo de fiscalização
abstracta ao abrigo da alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição, das
normas constantes dos quatro artigos do Decreto Legislativo Regional n.º 1/93/M,
de 5 de Fevereiro, face ao disposto no artigo 28.º do Estatuto Político
Administrativo da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei n.º 13/91, de 5
de Junho.
Esse pedido apoia-se numa fundamentação contida nos cento e vinte e dois artigos
do respectivo requerimento, onde se analisam detalhadamente os regimes
remuneratórios dos Deputados à Assembleia da República e dos deputados
regionais.
Transcreve-se apenas a síntese conclusiva do pedido:
a) O artigo 1.º do Decreto Legislativo Regional n.º 1/93/M não
corresponde a uma adaptação, prevista no artigo 28.º do EPA [Estatuto
Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira], do regime legal do
estatuto remuneratório dos Deputados à Assembleia da República — nomeadamente do
disposto no artigo 16.º da Lei n.º 4/85, de 9 de Abril — mas cria um estatuto
remuneratório próprio dos deputados regionais, incorrendo, assim, em vício de
ilegalidade, por violação do mencionado normativo do EPA.
b) O artigo 2.º ao criar, para os vice-presidentes da Assembleia
Legislativa Regional da Madeira, um vencimento mensal próprio, sem
correspondência no estatuto remuneratório dos Deputados à Assembleia da
República, não procede à adaptação deste estatuto, e, por conseguinte, também
viola o disposto no artigo 28.º do EPA.
c) O n.º 1 do artigo 3.º, inobservando o enquadramento legislativo que
devia respeitar (nomeadamente o disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 15.º da Lei
n.º 3/85, de 13 de Março, na redacção dada pela Lei n.º 94/89, de 29 de
Novembro), não fixa nem estabelece qualquer conexão com as disposições legais
que determinam os subsídios dos Deputados à Assembleia da República, violando,
por isso, para além do normativo referenciado, ainda o artigo 28.º do EPA.
d) O n.º 2 do mesmo artigo 3.º, ao estatuir que os princípios gerais a
que obedece a atribuição dos subsídios aos deputados são fixados por deliberação
da Mesa da Assembleia Legislativa Regional, inobserva o quadro normativo atrás
citado, violando, da mesma forma, o artigo 28.º do EPA.
e) O artigo 4.º, ao atribuir o direito à remuneração, para o exercício
das funções de deputado na nova Assembleia Legislativa Regional, em relação a um
período em que ainda não se tinha dado início a tais funções, ofende o princípio
geral do direito à remuneração, consagrado no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º
353-A/89, de 16 de Outubro, que, inevitavelmente, integra o estatuto
remuneratório dos Deputados à Assembleia da República, e, assim, viola o
estatuído no artigo 28.º do EPA.
f) E ainda que se defendesse que a adaptação a fazer não é a do
estatuto remuneratório dos Deputados à Assembleia da República, no sentido
exposto, mas antes uma mera adaptação de resultado — quantidade remuneratória —,
também nessa óptica se afigura que, para além dos vícios já apontados, o
disposto nos artigos 1.º, 2.º e 3.º do Decreto Legislativo Regional n.º 1/93/M,
na forma como foram ali determinadas as componentes retributivas dos deputados
regionais, desrespeitou os princípios gerais da proporcionalidade, da equidade e
da harmonia remuneratória, integrantes daquele estatuto, violando, com isso, o
estatuído no artigo 28.º do EPA.
g) Aliás, mesmo a entender-se — o que parece de excluir — que o
disposto nos artigos 1.º e 2.º do Decreto Legislativo Regional n.º 1/93/M, pelo
seu teor, integra-se num campo legítimo de actuação, na medida em que
consubstancia uma definição do estatuto remuneratório dos deputados e dos
vice-presidentes da Assembleia Legislativa Regional da Madeira, feita com base
na analogia ao regime legal vigente para a generalidade dos titulares de cargos
políticos, tal, porém, não caberia no âmbito da competência legislativa da
Assembleia Legislativa Regional, mas sim no do exercício do seu poder de
iniciativa estatutária, consagrado nos artigos 228.º, n.º 1, e 229.º, n.º 1,
alínea e), da Lei Fundamental. Consequentemente, a inclusão daquelas normas no
diploma legislativo regional, em ultrapassagem ao limite traçado pelo artigo
28.º do EPA da Região, ainda estaria a infringir o disposto na alínea l) do
artigo 167.º e no n.º 5 do artigo 233.º, ambos da Constituição, e, com isso, a
ofender a reserva absoluta de competência da Assembleia da República.
Depois de concluir pedindo a declaração de ilegalidade, com força obrigatória
geral, do Decreto Legislativo Regional n.º 1/93/M, de 5 de Fevereiro, na
totalidade das suas normas, com fundamento na violação do artigo 28.º do
Estatuto Político-Administrativo desta Região, solicita a entidade peticionária
que seja ponderada a conveniência da utilização da faculdade prevista no n.º 4
do artigo 65.º da Lei do Tribunal Constitucional (determinação pelo Presidente
do Tribunal Constitucional do encurtamento até metade dos prazos para elaboração
do memorando pelo relator, para inscrição na ordem do dia e para elaboração do
acórdão definitivo do Tribunal), «tendo em atenção os graves reflexos de ordem
financeira que uma eventual declaração de ilegalidade necessariamente
acarretará».
2 — A Assembleia Legislativa Regional da Madeira, através do seu Presidente,
respondeu, nos termos do artigo 54.º da Lei do Tribunal Constitucional, ao
pedido de declaração de ilegalidade acima transcrito, indicando as razões por
que entendia que o diploma em apreciação não sofria de ilegalidade.
São, em síntese, os seguintes os fundamentos da posição do presidente do órgão
autor do diploma em apreciação:
— A questão posta ao Tribunal Constitucional anda à volta da definição do
minimus e do maximus em que o legislador regional se deve mover ou colocar ao
aprovar um diploma que tenda a dar cumprimento ao artigo 28.º do EPA, tendo a
ver com a definição de dois conceitos de contornos de há muito discutidos e
debatidos, o de «adaptação legislativa» e o de «interesse específico regional»;
— O legislador regional, face ao disposto no artigo 28.º do EPA, não está
impedido de reproduzir parcialmente o estatuto remuneratório dos Deputados à
Assembleia da República quando as normas reproduzidas sejam aplicáveis aos
deputados regionais, sem ofensa dos princípios diferenciadores dos dois órgãos e
sem que haja um interesse específico que justifique ou exija uma alteração
adaptadora do normativo;
— O artigo 233.º, n.º 5, da Constituição refere que o estatuto dos titulares dos
órgãos de governo próprio das regiões autónomas é definido nos respectivos
estatutos político-administrativos, mas não resulta claro da Constituição
[artigos 120.º, 167.º, alínea l), 168.º, n.º 1, alínea g), e 233.º, n.º 5] ou da
lei qual o conteúdo exacto e a rigorosa extensão desse estatuto. Acontece com
frequência, ao nível da legislação ordinária, que o estatuto dos titulares de um
cargo se não confunde com o estatuto remuneratório desses titulares (tal sucede,
no EPA, com o disposto nos artigos 18.º e seguintes, de um lado, e com o artigo
28.º, este último versando apenas o estatuto remuneratório dos deputados
regionais);
— Acontece que, na versão da Constituição resultante da primeira revisão
constitucional, a então alínea g) do artigo 167.º considerava da exclusiva
competência da Assembleia da República o estatuto dos titulares dos órgãos de
soberania e do poder local, do Conselho de Estado e do Provedor de Justiça,
incluindo o regime das respectivas remunerações, ao passo que o artigo 233.º,
n.º 5, da Lei Fundamental não fazia qualquer referência ao regime remuneratório
dos titulares dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas. A ser assim,
o artigo 28.º do EPA seria, em termos constitucionais, um «mais» perfeitamente
dispensável;
— A partir da segunda revisão constitucional, a alínea l) do artigo 167.º deixou
de fazer qualquer referência ao estatuto remuneratório dos titulares dos órgãos
de soberania e do poder local, bem como dos restantes órgãos constitucionais ou
eleitos por sufrágio directo e universal. Seja qual for o sentido dessa
eliminação — não sendo o mesmo claro, quer ao nível dos trabalhos preparatórios
da segunda revisão, quer no plano dos comentários doutrinais — a discussão sobre
a questão é irrelevante para o caso sub judicio, pois que nunca será exigível
incluir na definição do estatuto de certo titular de cargo político mais do que
o regime ou critério geral das remunerações, obedecendo o artigo 28.º do EPA a
tal exigência;
— O interesse específico a ter presente na adaptação do estatuto remuneratório
dos Deputados à Assembleia da República quanto aos deputados regionais pode e
deve ser visto em termos duma especialidade global que distingue a natureza
regional e de órgão não soberano da Assembleia Legislativa Regional face à
Assembleia da República, órgão de soberania. Mas, a par disso, deve o mesmo
interesse específico ser visto em sentido restrito, em função de factos com
incidência e relevância próprias do funcionamento da Assembleia Legislativa
Regional e da Região em que ela se insere;
— O artigo 1.º do diploma regional em apreciação não constitui a reprodução da
Lei n.º 4/85 e, designadamente, do seu artigo 16.º, n.º 1, não se percebendo a
crítica feita ao diploma regional por envolver, eventualmente, a adopção de
critérios estabelecidos para a generalidade dos titulares de cargos políticos.
De facto, esse artigo 1.º referencia o vencimento dos deputados regionais ao
vencimento do Presidente da República, estabelecendo uma percentagem (48,75%)
inferior à estabelecida para os Deputados à Assembleia da República (50%), o que
se justifica em função do interesse específico global que diferencia o órgão
regional de um órgão de soberania, evitando as dificuldades resultantes da
solução anterior (estabelecimento de uma diferença entre duas letras do regime
remuneratório da Função Pública, regime que veio a ser completamente alterado,
deixando de vigorar o sistema de letras correspondentes a vencimentos
diversificados);
— O artigo 2.º do diploma regional não reproduziu a norma do artigo 16.º, n.º 2,
da Lei n.º 4/85, criando uma remuneração diversificada para os vice-presidentes
da Assembleia Legislativa Regional, solução que decorrerá da maior proximidade,
de facto e de direito, desses vice-presidentes em relação ao presidente do
referido órgão — por comparação com o que sucede com a Assembleia da República —
o que constitui uma especificidade diferenciadora. Acresce que, na Assembleia
da República, há quatro vice-presidentes, ao passo que no parlamento regional há
só dois (daí resultando uma maior frequência nas substituições do presidente).
Tais vice-presidentes integram um conselho consultivo existente na Assembleia
Legislativa Regional, desempenhando um deles as funções de presidente daquele
conselho, com voto de qualidade (Decreto Legislativo Regional n.º 24/89/M,
alterado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 2/93/M);
— As diferenças indicadas determinam um interesse específico da Região que
justifica plenamente a diferenciação de vencimentos agora consagrada;
— A matéria do artigo 3.º do diploma em apreciação não respeita ao estatuto
remuneratório, no sentido restrito e adequado da expressão, sendo certo que a
mesma matéria consta da Lei n.º 3/85 e não da Lei n.º 4/85. Seja como for,
mesmo para os que defendem a inclusão da vertente remuneratória no núcleo do
estatuto do titular de certos cargos, tal matéria sempre extravasaria da
definição do regime geral ou dos critérios básicos de remuneração. A Assembleia
Legislativa Regional é, por isso, livre de legislar nos termos que melhor
entender, inspirada ou não em leis da República, mas sem uma vinculação às
mesmas ou subordinação às suas soluções;
— Em termos de rigor formal poder-se-ia ter por correcto o entendimento de que,
numa tarefa de adaptação dum estatuto remuneratório, não deveria o legislador
regional inserir, neste diploma, normas que saíssem do âmbito daquela adaptação.
Porém, não repugna que o órgão legislativo regional pudesse aproveitar o
diploma em apreciação para nele incluir matéria que, embora estranha a tal
adaptação, não deixasse de ter com ela conexão;
— Não tem sentido interpretar a noção de subsídios no artigo 3.º de forma mais
ampla do que a constante do artigo 15.º da Lei n.º 3/85 — preceito que se refere
exclusivamente a subsídios de transporte — pois que resulta do n.º 3 desse
artigo 3.º que se manterão transitoriamente em vigor disposições que apenas
respeitam ao subsídio de transporte, às ajudas de custo e ao direito ao
transporte (que constitui uma modalidade adicional de subsídio específico devido
à sua justificação regional, tendo sido consagrado no Decreto Regional n.º
9/81/M, de 2 de Março). Quer dizer, o n.º 3 do artigo 3.º só é compreensível na
medida em que o âmbito dos n.os 1 e 2 do mesmo artigo coincida com o daquele;
— Tão-pouco parece ser ilegal o n.º 2 do artigo 3.º, visto o plenário da
Assembleia Legislativa Regional reunir com menos frequência do que o plenário da
Assembleia da República, pelo que solução de eficiência e celeridade sempre
justificaria e atribuição de competência à mesa para fixação dos subsídios.
Seja como for, tal matéria não integra o estatuto remuneratório dos deputados
regionais, constituindo antes uma franja menor que lhe é exterior e que não está
subordinada aos critérios e formas constantes de uma qualquer lei adaptanda,
acontecendo que sempre as especificidades já referidas constituiriam interesse
específico bastante para justificar as alterações operadas;
— Como o direito à remuneração se constitui, de acordo com os princípios gerais,
com o início de funções dos deputados regionais, a atribuição de eficácia
retroactiva às disposições sobre matéria remuneratória, constante do artigo 4.º
do Decreto Legislativo Regional n.º 1/93/M, não sofre de nenhuma ilegalidade,
pois nem a retroactividade vai até um momento anterior à vigência do EPA de
1991, nem existe impedimento jurídico a que se abranjam os anteriores titulares
do órgão;
— Ao pretender a entidade peticionária que o diploma em apreciação viola
princípios de equidade e de proporcionalidade constantes do Decreto-Lei n.º
184/89, de 2 de Junho, revela a mesma o erro de base de que enferma todo o seu
requerimento, ou seja, o de considerar a Assembleia Legislativa Regional um mero
órgão comum da Administração Pública, sujeito às leis administrativas sobre
funcionalismo público, sem atender a que se está perante titulares de um órgão
político regional;
— No caso concreto dos autos e tendo em conta os resultados do labor
jurisprudencial e doutrinal sobre a noção de interesse específico regional,
sempre a existência de tal interesse se afigura indiscutível — para além do
disposto no artigo 28.º do EPA — por se estar perante uma matéria de interesse
exclusivo da região (só há deputados regionais nas Regiões Autónomas da Madeira
e dos Açores);
— Por último, as tarefas de adaptação envolvem, necessariamente, alterações, tal
como acontece com o desenvolvimento de leis de bases, segundo o entendimento da
doutrina constitucionalista.
3 — Não foi exercida pelo Presidente do Tribunal Constitucional a faculdade
prevista no n.º 4 do artigo 65.º da Lei do Tribunal Constitucional, não obstante
a sugestão feita pela entidade requerente.
4 — Entretanto, na pendência deste processo e antes ainda de ter sido elaborado
e apresentado memorando pelo relator, deu entrada, em 26 de Novembro de 1993, na
secretaria do Tribunal Constitucional um pedido, formulado pelo Procurador-Geral
da República, de apreciação e declaração, com força obrigatória geral, da
inconstitucionalidade da norma constante do artigo 28.º do Estatuto
Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei n.º
13/91, de 5 de Junho, bem como de todas as normas constantes do Decreto
Legislativo Regional n.º 1/93/M, de 5 de Fevereiro (Processo n.º 720/93).
Atendendo a que, neste segundo processo, o seu objecto era parcialmente idêntico
ao do primeiro processo — em ambos se acham impugnadas as normas do Decreto
Legislativo Regional n.º 1/93/M, de 5 de Fevereiro — no despacho de admissão do
pedido o Presidente do Tribunal Constitucional determinou o seguinte:
[…] Recebidas as respostas [do Presidente da Assembleia da República e do
Presidente da Assembleia Legislativa Regional da Madeira], incorporem-se os
presentes autos [Processo n.º 720/93] no Processo n.º 139/93, ao abrigo do
disposto no artigo 64.º, n.º 1, daquela Lei [do Tribunal Constitucional] — do
que se advertirá, desde já, o Ex.mo Conselheiro Relator desse processo.
(Despacho de fls. 12, proferido em 2 de Dezembro de 1993).
5 — O pedido do Procurador-Geral da República, incorporado nos presentes autos,
apresenta a seguinte fundamentação:
— O regime do artigo 28.º do EPA, aprovado pela Lei n.º 13/91, de 5 de Junho —
ao dispor que a Assembleia Legislativa Regional adaptará, em função do interesse
específico da Região, o estatuto remuneratório dos Deputados à Assembleia da
República aos deputados àquela assembleia — infringe o disposto no artigo 233.º,
n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, visto que nesta última norma se
impõe que a definição do estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio
das regiões autónomas conste dos respectivos estatutos político-administrativos,
não sendo, desse modo, constitucionalmente legítima a devolução que,
relativamente à definição do estatuto remuneratório dos deputados, o preceito
questionado efectiva para a competência da Assembleia Legislativa Regional;
— No sistema constitucional vigente, a definição (ou as alterações) do estatuto
dos titulares dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas é matéria que
faz parte da reserva de lei estatutária (reserva de estatuto), como se julgou no
Acórdão n.º 92/92 do Tribunal Constitucional, proferido em sede de fiscalização
preventiva do diploma legislativo regional referente a «Alteração ao Estatuto do
Deputado». Nesse arresto pode ler-se o seguinte: «[a] revisão constitucional de
1989, operada pela Lei Constitucional n.º 1/89, de 8 de Julho, continuou a
incluir na competência indelegável da Assembleia da República a aprovação dos
estatutos político-administrativos das Regiões Autónomas e, bem assim, a
alteração dos mesmos [cfr. artigos 164.º, alínea b), e 228.º, n.os 1 a 4].
Continuou também a cometer às assembleias legislativas regionais (antes
designadas por assembleias regionais) a elaboração dos respectivos projectos de
estatutos e das suas alterações [cfr. artigos 228.º, n.os 1 a 4, e 229.º, n.º 1,
alínea e) — alínea esta que foi acrescentada pela revisão de 1989]. E manteve a
exigência de que o estatuto dos titulares dos órgãos do governo regional seja
definido nos respectivos estatutos político-administrativos (cfr. artigo 233.º,
n.º 5)»;
— No mesmo acórdão afirmou-se não restarem dúvidas de que «só a Assembleia da
República pode legislar sobre o estatuto (e suas alterações) dos titulares dos
órgãos de governo regional — maxime sobre o estatuto dos deputados regionais»,
devendo a mesma matéria estatutária dos titulares de órgãos de governo regional
constar do respectivo Estatuto Político-Administrativo. O estatuto desses
órgãos de governo regional «há-de versar ‘sobre os deveres, responsabilidades e
incompatibilidades’ dos titulares daqueles órgãos e, bem assim, ‘sobre os
respectivos direitos, regalias e imunidades’ (cfr. artigo 120.º, n.º 2)»;
— Cumpre salientar que, no Acórdão n.º 92/92, foram julgados, por maioria,
inconstitucionais os próprios preceitos do diploma questionado pelo Ministro da
República que se reportavam ao estatuto remuneratório dos deputados à Assembleia
Legislativa Regional da Madeira, maxime os artigos 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 22.º,
e 24.º, n.º 2: o que bem revela que o Tribunal Constitucional entendeu ser
constitucionalmente inadmissível uma intervenção legislativa complementar da
Assembleia Legislativa Regional da Madeira, baseada precisamente no ora
impugnado artigo 28.º do Estatuto Político-Administrativo;
— Do exposto, resulta serem também consequencialmente inconstitucionais todas as
normas constantes do Decreto Legislativo Regional n.º 1/93/M — diploma que, como
resulta do respectivo preâmbulo, traduziu precisamente a actuação de «faculdade»
concedida à Assembleia Legislativa Regional da Madeira pelo citado artigo 28.º
do EPA: como se decidiu no Acórdão n.º 92/92 do Tribunal Constitucional, este
órgão legislativo regional não pode promover a definição ou alteração do
estatuto dos deputados regionais, incluindo a matéria respeitante ao respectivo
estatuto remuneratório, fazendo uso da sua competência legislativa «normal», já
que o preceito legal que serve de suporte ou de fundamento ao exercício de tal
faculdade está, ele próprio, viciado por inconstitucionalidade;
— Mostram-se, assim, violadas as normas constantes dos artigos 164.º, alínea b),
228.º, n.os 1 a 4, 233.º, n.º 5, e 229.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da
República Portuguesa.
5 — O Presidente da Assembleia da República limitou-se a oferecer o merecimento
dos autos, quanto à matéria do pedido do processo ora incorporado, respeitante
ao artigo 28.º do EPA, juntando os números dos Diários da Assembleia da
República relativos à discussão e aprovação da Lei n.º 13/91, de 5 de Junho.
6 — O Presidente da Assembleia Legislativa Regional da Madeira veio, por seu
turno, responder, em 18 de Fevereiro de 1994, ao pedido de apreciação e
declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas
constantes dos artigos 1.º a 4.º do Decreto Legislativo Regional n.º 1/93/M, de
5 de Fevereiro, reeditando, de um modo geral, a argumentação anteriormente
apresentada no processo de fiscalização de legalidade em que é requerente o
Ministro da República para a Região Autónoma da Madeira. Assim, reafirma-se
neste articulado e especificamente quanto à questão de constitucionalidade que o
ditame constitucional ínsito no n.º 5 do artigo 233.º da Constituição não pode,
de forma alguma, significar que o Estatuto Político-Administrativo da Região
tenha, ele próprio, de regular, por forma directa e total, a matéria atinente ao
estatuto remuneratório dos titulares do primeiro órgão de governo próprio desta
Região Autónoma, como foi posto em relevo em voto de vencido formulado pelo
Conselheiro António Vitorino relativamente à doutrina contida no Acórdão n.º
92/92 do Tribunal Constitucional.
A partir do artigo 8.º da resposta do Presidente da Assembleia Legislativa
Regional, reproduz-se no essencial a argumentação anteriormente apresentada no
processo de fiscalização da legalidade, concluindo-se «pela inexistência dos
vícios de inconstitucionalidade que o Senhor Procurador-Geral da República no
seu requerimento imputa quer ao artigo 28.º do Estatuto Político-Administrativo
da Região Autónoma da Madeira quer ao Decreto Legislativo Regional n.º 1/93/M,
não ocorrendo igualmente qualquer vício de ilegalidade relativamente às
disposições deste último diploma, entendendo assim a Assembleia Legislativa
Regional da Madeira que o Venerando Tribunal Constitucional deverá proferir
Acórdão que não se pronuncie pela inconstitucionalidade das disposições antes
citadas, atenta a sua adequação aos normativos constitucionais e legais
vigentes» (a fls. 213 dos autos).
7 — Cumpre, pois, apreciar as normas que constituem objecto de ambos os
processos, por não haver razões que a tal obstem.
II
8 — Integram o objecto do pedido de apreciação e declaração, com força
obrigatória geral, de inconstitucionalidade formulado pelo Procurador-Geral da
República a norma do artigo 28.º do Estatuto Político-Administrativo da Região
Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei n.º 13/91, de 5 de Junho, e as constantes
de todos os artigos do Decreto Legislativo Regional n.º 1/93/M, de 5 de
Fevereiro.
O artigo 28.º daquele Estatuto Político Administrativo estatui o seguinte:
A Assembleia Legislativa Regional adaptará, em função do interesse específico da
Região, o estatuto remuneratório dos deputados à Assembleia da República aos
deputados àquela Assembleia.
Por seu turno, o Decreto Legislativo Regional n.º 1/93/M, de 5 de Fevereiro,
elaborado nos termos do transcrito artigo 28.º daquele Estatuto, contém um
preâmbulo explicativo da disciplina constante dos seus quatro artigos. Aí se
pode ler o seguinte:
Prescreve o artigo 28.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma
da Madeira, aprovado pela Lei n.º 13/91, de 5 de Junho, que «a Assembleia
Legislativa Regional adaptará, em função do interesse específico da Região, o
estatuto remuneratório dos deputados à Assembleia da República aos deputados
àquela Assembleia».
Na sequência dessa faculdade, e num sentido de maior harmonização, por um lado,
e clarificação da situação, por outro, é de todo o interesse e actualidade
rever, em matérias colaterais, alguns aspectos do estatuto remuneratório vigente
para os deputados desta Assembleia Legislativa.
Os quatro artigos que compõem este diploma legislativo regional dispõem do
seguinte modo:
Artigo 1.º
Os deputados à Assembleia Legislativa Regional percebem mensalmente um
vencimento correspondente a 48,75% do vencimento do Presidente da República.
Artigo 2.º
Os Vice-Presidentes da Assembleia Legislativa Regional percebem mensalmente um
vencimento correspondente a 62,5% do vencimento do Presidente da República.
Artigo 3.º
1 — No exercício das suas funções, ou por causa delas, os deputados têm direito
a subsídios e ajudas de custo correspondentes.
2 — Os princípios gerais a que obedecem os subsídios e ajudas de custo são
fixados por deliberação de Mesa da Assembleia, ouvida a conferência dos
presidentes dos grupos parlamentares e dos representantes dos partidos.
3 — O disposto nos artigos 4.º do Decreto Legislativo Regional n.º 144/85/M, de
28 de Junho, e 12.º do Decreto Regional n.º 9/81/M, de 2 de Maio, mantem-se em
vigor até que a Assembleia delibere nos termos do número anterior.
Artigo 4.º
O presente diploma entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação e produz
efeitos a partir do dia 1 de Novembro de 1992.
9 — Impõe-se, de um ponto de vista lógico-jurídico, começar por abordar a
questão de constitucionalidade respeitante à norma do artigo 28.º do EPA.
Na verdade, como este artigo 28.º é invocado pelo legislador regional como
fundamento do poder legislativo cujo exercício se traduziu na elaboração do
Decreto Legislativo Regional n.º 1/93/M, a eventual declaração de
inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, daquela norma terá como
resultado a privação do fundamento invocado pelo legislador regional para a
edição deste último diploma. Nessa eventualidade, caberá então apreciar a
questão da invocada inconstitucionalidade consequencial das normas dos
diferentes artigos do Decreto Legislativo Regional n.º 1/93/M.
Pelo contrário, se o Tribunal Constitucional vier a perfilhar um juízo de
conformidade constitucional relativamente ao artigo 28.º do EPA, pode
adiantar-se que a questão da eventual inconstitucionalidade dos quatro artigos
do Decreto Legislativo Regional perderá, em princípio, todo o interesse prático,
ainda que não se ignore a faculdade atribuída ao Tribunal Constitucional pelo
artigo 51.º, n.º 5, da Lei do Tribunal Constitucional. De facto, o Decreto
Legislativo Regional pretende confessadamente adaptar o estatuto remuneratório
dos Deputados à Assembleia da República aos deputados à Assembleia Legislativa
Regional, «em função do interesse específico da Região». Nessa medida, não
sendo inconstitucional o artigo 28.º do EPA, não se vê facilmente como poderiam
ser inconstitucionais os artigos do diploma regional, emanados do órgão
parlamentar regional, a menos que algumas soluções materiais possam ofender
princípios e normas constitucionais, nomeadamente os princípios da igualdade e
da proporcionalidade. Por isso, haverá então que abordar a questão da eventual
ilegalidade destes artigos, questão que terá de ser apreciada à luz do parâmetro
contido na norma do artigo 28.º do EPA. Neste caso, por não subsistir um vício
de inconstitucionalidade quanto às disposições do diploma regional, há que
apreciar os vícios de ilegalidade, determinando o grau de gravidade dos vícios
em presença a ordem de apreciação dos mesmos, como tem sido posto em relevo pela
jurisprudência do Tribunal Constitucional (vejam-se os Acórdãos n.os 268/88 e
170/90, o primeiro publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 12.º Vol.,
pp. 452 e segs., e o segundo no Diário da República, I Série, n.º 146, de 27 de
Junho de 1990).
A — A questão de constitucionalidade do artigo 28.º do EPA
10 — No Estatuto Provisório da Região Autónoma do Arquipélago da Madeira,
aprovado pelo Decreto-Lei n.º 318-D/76, de 30 de Abril, modificado pelo
Decreto-Lei n.º 427-F/76, de 1 de Junho, não se encontrava norma idêntica à
constante do artigo 28.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma
da Madeira, aprovado pela Lei n.º 13/91, de 5 de Junho.
Nesse Estatuto Provisório não estava, pois, regulamentada a matéria do estatuto
remuneratório dos deputados à Assembleia Regional, encontrando-se apenas uma
referência no sentido de que os mesmos tinham direito «aos subsídios a
determinar em decreto regional» (artigo 18.º, n.º 3, in fine). Daí que tivesse
sido editada legislação regional na matéria (Decreto Regional n.º 3/76, de 29 de
Outubro).
Este Estatuto Provisório iria ver prolongada a sua vigência até 1991 (cfr.
artigo 297.º da versão actual da Constituição), por se terem frustrado algumas
tentativas de aprovação de um Estatuto definitivo (sobre este ponto, veja-se
Carlos Blanco de Morais, A Autonomia Legislativa Regional, Lisboa, 1993, pp. 224
e segs.).
11 — No Estatuto de 1991, o artigo 22.º estabelece que os deputados à Assembleia
Legislativa Regional da Madeira gozam, entre vários direitos e regalias, do de
percepção de «subsídios» que a lei prescreva [artigo 22.º, alínea d)]. Por seu
turno, o artigo 28.º do EPA estabelece a competência para a Assembleia
Legislativa Regional adaptar, em função do interesse específico da Região, o
estatuto remuneratório dos Deputados à Assembleia da República aos deputados
àquela assembleia.
Esta norma teve a sua origem no artigo 32.º da proposta de lei apresentada à
Assembleia da República pela Assembleia Legislativa Regional da Madeira sobre o
Estatuto Político-Administrativo da Região (Resolução n.º 3/90/M, de 22 de
Fevereiro, publicada no Diário da República, I Série, n.º 85, de 11 de Abril de
1990, e no Diário da Assembleia da República, II Série-A, n.º 24, de 10 de Março
de 1990), com redacção praticamente idêntica. Por seu turno, a norma deste
artigo 32.º da Proposta foi manifestamente inspirada pelo artigo 31.º do
Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, aprovado pela
Lei n.º 9/87, de 26 de Março, dele constituindo «reprodução fiel» (cfr. o
Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos Liberdades e Garantias
sobre a Proposta de lei n.º 134/V, apresentada pela Assembleia Legislativa
Regional da Madeira, in Diário da Assembleia da República, II Série-A, n.º 43,
de 23 de Maio de 1990, p. 1347).
No decurso dos trabalhos parlamentares em plenário não suscitou a mesma
disposição a intervenção de qualquer deputado (cfr. Diários da Assembleia da
República, I Série, n.º 8, de 1 de Junho de 1990, pp. 2663 e segs.; n.º 18, de
29 de Novembro de 1990, pp. 610 e segs.; n.º 42, de 15 de Fevereiro de 1991, pp.
1365 e segs.; n.º 68, de 26 de Abril de 1991, pp. 2297 e segs.).
12 — Para avaliar a questão de constitucionalidade, importa atentar na evolução
da própria regulamentação constitucional, desde o texto primitivo da
Constituição de 1976.
Na sua versão originária, a Constituição de 1976 não regulava em termos gerais o
estatuto dos titulares de cargos políticos. No seu artigo 167.º, alínea u),
considerava matéria da exclusiva competência da Assembleia da República legislar
sobre a «remuneração do Presidente da República, dos Deputados, dos membros do
Governo e dos juízes dos tribunais superiores». Nos termos do artigo 168.º da
mesma versão, a Assembleia da República podia conceder autorização ao Governo
para legislar sobre as matérias contempladas no artigo 167.º Não existia, pois,
uma reserva absoluta e indelegável de competências legislativas da mesma
Assembleia, nem havia qualquer previsão para os titulares de cargos políticos
regionais.
No comentário feito a esta disposição, os constitucionalistas Gomes Canotilho e
Vital Moreira limitavam-se a suscitar a esse propósito «a questão de saber se as
remunerações têm de ser fixadas por lei da AR ou se basta que esta defina as
regras de fixação das remunerações». (Constituição da República Portuguesa
Anotada, 1.ª ed., Coimbra, 1978, p. 335).
13 — A partir de 1982, a primeira revisão constitucional (Lei Constitucional n.º
1/82, de 30 de Setembro) consagrou uma previsão detalhada sobre o conteúdo do
estatuto dos titulares de cargos políticos [cfr. Diário da Assembleia da
República, II Série, n.º 19 — Suplemento, pp. 432-(37) e 432(38)].
O n.º 2 do artigo 120.º da Constituição, preceito aditado pela referida Lei
Constitucional n.º 1/82, passou a ter a seguinte redacção:
A lei dispõe sobre os deveres, responsabilidades e incompatibilidades a que
estão sujeitos os titulares dos cargos políticos, bem como sobre os respectivos
direitos, regalias e imunidades.
Reconhecendo ser complexa a densificação do conceito de «cargos políticos»,
Gomes Canotilho e Vital Moreira sustentaram, em comentário a este novo preceito,
que tal conceito não podia reconduzir-se ao de «órgãos de soberania»: por um
lado, os titulares destes últimos «abrangem os titulares da função
jurisdicional, que parece não devem considerar-se titulares de cargos políticos;
por outro lado, os cargos políticos não se resumem aos órgãos de soberania,
visto que do artigo 121.º decorre que os cargos políticos não têm de ser
estaduais, podendo ser cargos das regiões autónomas ou do poder local».
(Constituição da República Portuguesa Anotada, 2.ª ed., 2.º vol., Coimbra, 1985,
p. 83). Os mesmos constitucionalistas alertavam para o facto de que os
titulares de cargos políticos não eram «só aqueles que têm um estatuto
constitucionalmente definido de imunidades e prerrogativas; estas só vêm
definidas quanto aos titulares de alguns órgãos de soberania, sendo inequívoco
que nem só eles são titulares de cargos políticos. A noção que melhor parece
corresponder à razão de ser deste preceito constitucional é aquela que considera
cargos políticos todos aqueles aos quais estão constitucionalmente confiadas
funções políticas (sobretudo as de direcção política)» (ob. cit., ibidem).
Passou a ser, pois, isento de dúvidas que o Presidente da República, os
Deputados à Assembleia da República, os membros do Governo, os conselheiros de
Estado, os membros dos governos e das assembleias regionais, os Ministros da
República para as Regiões Autónomas e os membros de órgãos de poder local eram
qualificados como titulares de cargos políticos. Não havia, assim, que fazer
apelo a normas de direito infraconstitucional para preencher esse conceito
(veja-se, por exemplo, a Lei n.º 4/83, de 2 de Abril, sobre o controlo da
riqueza dos titulares dos cargos políticos).
Este n.º 2 do artigo 120.º da Constituição consagrou, assim, uma «imposição
legiferante» (Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., 2.º vol., p. 85), no
sentido de os órgãos legislativos competentes concretizarem o estatuto dos
titulares de cargos políticos, relativamente aos aspectos indicados (deveres,
responsabilidades e incompatibilidades, direitos, regalias e imunidades).
14 — A partir ainda da primeira revisão constitucional, a Constituição passou a
distinguir entre a competência exclusiva e indelegável da Assembleia da
República (reserva absoluta de competência legislativa) e a competência
exclusiva daquele órgão, mas delegável a favor do Governo, (reserva relativa de
competência legislativa). O elenco dos casos de cada uma das reservas passou a
constar de artigos diferentes da Constituição (artigos 167.º e 168.º).
No texto saído da primeira revisão constitucional, estabeleceu-se que integrava
a reserva absoluta de competência legislativa do órgão parlamentar da República
a edição de legislação sobre «estatuto dos titulares dos órgãos de soberania e
do poder local, do Conselho de Estado e do Provedor da Justiça, incluindo o
regime das respectivas remunerações» [artigo 167.º, alínea g)].
Comentando este preceito, escreviam Gomes Canotilho e Vital Moreira:
O âmbito da matéria da alínea g) surge claramente delimitado por referência aos
artigos 113.º e 120.º Trata-se de definir o regime de responsabilidade dos
titulares dos cargos aí mencionados (nomeadamente da responsabilidade criminal),
bem como os deveres, responsabilidades e incompatibilidades e, reciprocamente,
os direitos, regalias e imunidades, incluindo o regime das remunerações (mas não
necessariamente a fixação do seu montante). Curioso é notar a omissão da menção
dos titulares dos órgãos das regiões autónomas; todavia, o estatuto deles há-de
constar do respectivo estatuto regional (artigo 233.º, n.º 5), cuja aprovação
também pertence em exclusivo à AR [cfr. artigos 164.º, alínea b), e 228.º]. Ob.
cit. (2.ª ed., 2.º vol., p. 193, nota X ao artigo 167.º).
Dos trabalhos preparatórios da primeira revisão constitucional pode retirar-se
que os constituintes não pretenderam incluir, na norma que iria passar a constar
da alínea g) do artigo 167.º da Constituição, os titulares dos órgãos das
Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, por entenderem que tal matéria
deveria antes constar dos estatutos políticos-administrativos dessas regiões,
também eles aprovados pela Assembleia da República, sendo embora a iniciativa
desses estatutos exclusivamente do órgão parlamentar regional [vejam-se as
intervenções dos Deputados Amândio de Azevedo e Nunes de Almeida na Comissão
Eventual de Revisão Constitucional, in Diário da Assembleia da República, II
Série, n.º 39, de 15 de Janeiro de 1982, p. 852-(65). Passou a figurar no n.º 5
do artigo 233.º da Constituição, a partir de 1982 — cfr. Gomes Canotilho e Vital
Moreira, ob. cit., 2.º vol., pp. 353-354 e 375-376].
A parte final da nova alínea g), relativa à inclusão na lei do «regime das
respectivas remunerações», provocou igualmente debate no seio da mesma Comissão
Eventual. Na verdade, a proposta apresentada a esta Comissão referia a
expressão «incluindo as respectivas remunerações». Suscitaram-se dúvidas entre
os Deputados sobre se a Assembleia da República tinha ou não de estar a fixar os
ordenados dos titulares de cargos políticos [confrontem-se as intervenções dos
Deputados Sousa Tavares, Jorge Miranda, Vital Moreira e Amândio de Azevedo
naquele número do Diário, pp. 852-(65) e 852-(66)]. Daí que viesse a ser
acolhida a proposta do Deputado Jorge Miranda de inclusão da palavra «regime» a
propósito das remunerações, o qual justificou a mesma, afirmando: «no estatuto
dos titulares compreende-se também o estatuto pecuniário, financeiro ou
económico. Talvez desta forma se pudessem vencer as dificuldades. Não se trata
de a Assembleia da República estar a fixar o quantitativo A, B ou C. O que
interessa é que ela trace o quadro das remunerações. Trace critério, enfim»
[mesmo Diário, p. 852-(65)].
Após a primeira revisão constitucional foi publicada a Lei n.º 4/85, de 9 de
Abril, sobre o Estatuto Remuneratório dos Titulares de Cargos Políticos (quanto
à Madeira, veja-se o Decreto Legislativo Regional n.º 14/85/M, de 28 de Junho).
15 — Na versão em vigor da Constituição, no texto resultante da segunda revisão
constitucional aprovada pela Lei Constitucional n.º 1/89, de 8 de Julho, o
artigo 120.º, n.º 2, manteve praticamente inalterada a anterior redacção, se se
descontar uma modificação de redacção num sentido simplificador (em vez de se
fazer referência aos deveres, responsabilidades e incompatibilidades a que estão
sujeitos os titulares de cargos políticos, indica-se agora os deveres,
responsabilidades e incompatibilidades dos titulares de cargos políticos).
No que toca à alínea g) do artigo 167.º da versão de 1982, a norma dessa alínea
passou para a alínea l) do mesmo artigo, havendo-se suprimido a referência à
matéria do regime remuneratório e aditado uma nova parte final:
É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as
seguintes matérias:
..............................................................
l) Estatuto dos titulares dos órgãos de soberania e do poder local, bem como
dos restantes órgãos constitucionais ou eleitos por sufrágio directo e
universal.
Dos trabalhos preparatórios desta segunda revisão constitucional não se retira
que os constituintes hajam visado qualquer finalidade específica de corte com a
anterior solução através da supressão da referência ao regime remuneratório dos
titulares de cargos políticos. Segundo a explicação do Deputado António
Vitorino, a redacção proposta pelo seu Partido pretendia encontrar uma
formulação abrangente e de ordem genérica para os titulares de cargos políticos,
evitando a anterior referência exemplificativa aos membros do Conselho de Estado
e ao Provedor de Justiça. O mesmo Deputado reafirmou que esta alínea não
abrangia os titulares dos órgãos do governo das Regiões Autónomas, visto
competir a estas a elaboração da proposta do seu próprio estatuto (veja-se o
Diário da Assembleia da República, II Série, n.º 98-RC, de 8 de Maio de 1989, p.
2820; e o mesmo Diário, II Série, n.º 108-RC, de 22 de Março do mesmo ano, com
intervenções dos Deputados António Vitorino, Pedro Roseta, Rui Machete e José
Magalhães, este último chamando a atenção para o n.º 5 do artigo 233.º). A
eliminação da frase «incluindo o regime das respectivas remunerações» não
parece, pois, revestir-se de qualquer relevância interpretativa, pois é
manifesto que o regime remuneratório se reconduz aos «direitos e regalias»
contemplados no n.º 2 do artigo 120.º [cfr. igualmente artigo 168.º, n.º 1,
alínea q), da Constituição].
É por isso que Gomes Canotilho e Vital Moreira, ao comentarem esta alínea l) do
artigo 167.º da versão em vigor da Constituição, continuam a afirmar que a mesma
tem um âmbito «claramente delimitado por referência aos artigos 113.º e 120.º
Trata-se de definir o regime de responsabilidade dos titulares dos cargos aí
mencionados (nomeadamente da responsabilidade criminal), bem como os deveres,
responsabilidades e incompatibilidades e, reciprocamente, os direitos, regalias
e imunidades, incluindo o regime das remunerações (mas não necessariamente a
fixação do seu montante)». (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª
ed., Coimbra, 1993, p. 666).
16 — Relativamente aos titulares de cargos políticos do governo próprio das
Regiões Autónomas, é pacífico que a competência para a fixação do seu regime
estatutário não se acha prevista no artigo 167.º da Constituição, não obstante a
formulação extremamente abrangente da parte final de nova alínea l) («bem como
dos restantes órgãos constitucionais ou eleitos por sufrágio directo e
universal»). A evolução do texto constitucional e a análise dos trabalhos
preparatórios das duas revisões constitucionais de 1982 e de 1989 fundamentam
esta afirmação.
Tal competência cabe à Assembleia da República, é certo, mas a iniciativa
legislativa está atribuída em exclusivo às assembleias legislativas regionais —
é o que resulta dos artigos 164.º, alínea b), 228.º e 233.º, n.º 5, da Lei
Fundamental, como acima se referiu.
Na verdade, o artigo 233.º da Constituição regula a matéria atinente aos órgãos
de governo próprio das duas regiões autónomas, esclarecendo que tais órgãos são
a assembleia legislativa regional e o governo regional (n.º 1). O n.º 5 deste
artigo, por seu turno, estabelece que «o estatuto dos titulares dos órgãos de
governo próprio das regiões autónomas é definido nos respectivos estatutos
político-administrativos».
Anotando este n.º 5 do artigo 233.º, escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira:
O estatuto dos titulares dos órgãos de governo regional (membros da assembleia e
membros do governo) deve ser definido, naturalmente, pelo estatuto regional (n.º
5), respeitando os princípios constitucionais pertinentes (artigo 120.º), bem
como, com as devidas adaptações, os princípios deduzíveis do regime
constitucional dos deputados da AR e dos membros do Governo da República. Ao
reservar explicitamente para o estatuto regional a definição do estatuto dos
titulares dos órgãos regionais, a Constituição não deixa por isso margem para
dúvidas de que tal matéria não cabe nem na competência legislativa reservada
comum da AR [v. artigo 167.º, alínea l], nem na competência legislativa
regional, através de decreto legislativo regional […]. Mas nada parece impedir
que os estatutos — que não podem «delegar» essa matéria para decreto regional —
sejam «regulamentados» por diploma regional. (Constituição, 3.ª ed., pp.
873-874; vejam-se o 2.º vol. da 2.ª ed. desta obra, pp. 375-376, e Jorge
Miranda, Funções, Órgãos e Actos do Estado, Lisboa, 1990, pp. 84-85).
17 — Resta, pois, inquirir se a norma do artigo 28.º do EPA é conforme ao
disposto no n.º 5 do artigo 233.º da Constituição, entendida esta última norma
em conexão com n.º 2 do artigo 120.º da Lei Fundamental.
Para responder a tal interrogação, importa determinar se a fixação do regime
remuneratório dos titulares dos órgãos de governo próprio pode ser delegada pelo
próprio estatuto político-administrativo na assembleia legislativa regional,
através de decreto legislativo regional, sem consagração dos critérios
substanciais da futura fixação, limitando-se o estatuto a fazer uma referência
genérica ao estatuto remuneratório dos Deputados à Assembleia da República, a
adaptar em função do interesse específico da Região. A adaptação há-de ser
entendida aqui como a adequação ou o ajustamento de um certo modelo, aplicável a
certos titulares de cargos políticos, a outros titulares.
Desde já afirma o Tribunal Constitucional que o artigo 28.º do EPA se acha
afectado de inconstitucionalidade.
Com efeito, a Constituição exige que o estatuto desses titulares de órgãos de
governo próprio regional se ache definido no estatuto político-administrativo.
Há, pois, uma reserva de lei estatutária na matéria. A definição desse estatuto
tem de abranger os deveres, as responsabilidades e incompatibilidades desses
titulares, bem como os respectivos direitos, regalias e imunidades. O estatuto
remuneratório ou regime de remuneração abrange um conjunto de direitos e
regalias. Por isso, a definição desse regime remuneratório há-de ser aprovada
pela Assembleia da República, por iniciativa do orgão legislativo regional, por
força dos artigos 164.º, alínea b), 228.º, e 233.º, n.º 5.
Ora, a norma em apreciação não chega a definir o estatuto remuneratório dos
deputados à Assembleia Legislativa Regional da Madeira.
De facto, pode desde logo entender-se que, no artigo 28.º do EPA, não procede o
legislador estatutário à indicação de um critério suficientemente preciso do
modo de determinação do quantum remuneratório a que têm direito os deputados
regionais, limitando-se a consagrar um certo modelo remuneratório concreto, a
partir do qual a legislação regional levará a cabo uma adaptação: trata-se do
modelo remuneratório dos Deputados à Assembleia da República, o que implica que
os deputados regionais terão direito a um vencimento mensal, a abonos para
despesas de representação, a ajudas de custo e aos demais abonos complementares
ou extraordinários estabelecidos no estatuto remuneratório dos titulares de
cargos políticos, hoje previsto na Lei n.º 4/85, de 9 de Abril, alterada pelas
Leis n.os 16/87, de 1 de Junho, 102/88, de 25 de Agosto, e 26/95, de 18 de
Agosto (vejam-se os artigos 2.º, n.os 1 e 2, 3.º, n.os 1 e 4, 16.º e 17.º desta
lei).
Mas ainda que se leia a norma impugnada como uma remissão para o concreto
estatuto remuneratório dos Deputados à Assembleia da República, apontando para
uma equiparação tendencial dos dois estatutos, embora susceptível de adaptações
à realidade regional a levar a cabo pelo órgão legislativo regional, nem assim
se pode salvar a constitucionalidade dessa norma.
É que, ao estabelecer que a adaptação do modelo ou estatuto remuneratório dos
Deputados à Assembleia da República há-de ser feito em função do interesse
específico da região, a norma estatutária viola a Constituição, porque não pode
haver, nessa fixação do estatuto remuneratório, a consideração de um interesse
específico da Região, avaliado e definido pelo próprio órgão legislativo
regional. Tal fixação há-de necessariamente ser estabelecida tendo em conta
globalmente o estatuto ou regime remuneratório dos titulares de cargos políticos
da República, fixado pela Assembleia da República por força da alínea l) do
artigo 167.º da Constituição, através de um juízo de adequação da Assembleia da
República, sob iniciativa da assembleia legislativa regional. De outro modo,
poder-se-ia chegar a uma solução aberrante: sendo o estatuto remuneratório do
Ministro da República fixado pela Assembleia da República [artigos 120.º, n.º 2,
e 167.º, alínea l), da Constituição; artigos 1.º, n.º 2, alínea d), e 21.º da
Lei n.º 4/85, de 9 de Abril], a Assembleia Legislativa Regional da Madeira
poderia entender que a adaptação do estatuto remuneratório dos Deputados à
Assembleia da República relativamente aos deputados daquela assembleia, em
função do interesse específico regional, implicava que o vencimento dos
deputados regionais fosse fixado em montante superior ao dos Deputados da
República, em função de percentagem a determinar atendendo aos custos de
insularidade, ou da necessidade de serem tais remunerações superiores à do
Ministro da República na Região…
Daqui se há-de concluir que, por um lado, a norma do artigo 28.º do EPA viola a
reserva de lei estatutária estabelecida no artigo 233.º, n.º 5, da Constituição,
ao delegar a competência para fixação desse estatuto remuneratório na Assembleia
Legislativa Regional, abstendo-se de definir suficientemente o respectivo regime
jurídico, e que, por outro lado, a mesma norma do artigo 28.º do EPA declina, a
favor da Assembleia Legislativa Regional, uma competência que, mesmo a ser
constitucionalmente válida tal delegação em certos limites, se tornaria inválida
na medida em que o exercício da mesma ficava sujeito a um critério, o do
interesse específico regional avaliado pelo órgão legislativo regional, para
adaptação do estatuto remuneratório, parâmetro que se revelava in casu
constitucionalmente ilegítimo, dado o órgão de onde proviria a determinação
desse interesse.
Na verdade, e contrariamente ao afirmado nas duas respostas do Presidente da
Assembleia Legislativa Regional da Madeira, embora só haja deputados regionais
nas duas Regiões Autónomas, nem por isso se pode daí concluir que a matéria do
estatuto remuneratório desses deputados — ou a variação entre o minimus e o
maximus, para se utilizar uma expressão sugestiva — só diga respeito a cada uma
dessas regiões, de forma exclusiva. Sendo Portugal um Estado unitário (artigo
6.º da Constituição), considera-se que a Constituição impõe que a fixação do
estatuto dos diferentes titulares de cargos políticos, da República e das
Regiões, deva obedecer a um mínimo de unidade, assegurada precisamente pela
intervenção da Assembleia da República na fixação dos diferenciados estatutos
[artigos 120.º, n.º 2, 167.º, alínea l), e 233.º, n.º 5]. Ora, a delegação
operada pelo artigo 28.º do EPA não se reveste do mínimo de densificação que
permita falar da fixação do núcleo essencial, que possibilitasse uma intervenção
legislativa complementar através de decreto legislativo regional, atenta a
autonomia político-administrativa, patrimonial, orçamental e financeira de que
gozam as regiões autónomas.
20 — Este Tribunal teve, de resto, ocasião de se pronunciar, em processo de
fiscalização preventiva, pela inconstitucionalidade de normas de um diploma
enviado para assinatura ao Ministro da República da Região Autónoma da Madeira,
que contemplavam matéria do estatuto remuneratório dos deputados regionais
[artigos 13.º, n.º 1, alínea f), 14.º a 17.º, 22.º e 24.º, n.º 2, do diploma
aprovado em sessão plenária da Assembleia Legislativa Regional da Madeira, em 11
de Fevereiro de 1992, sob o título «Alterações ao Estatuto de Deputado»].
Pode ler-se no Acórdão n.º 92/92 deste Tribunal:
Significa isto que as assembleias legislativas regionais, quando editarem
legislação ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 229.º da Constituição, se
hão-se mover dentro dos limites seguintes:
a)... As matérias a tratar hão-de ser de interesse específico para a Região
(limite positivo);
b)... Tais matérias não podem estar reservadas à competência própria dos órgãos
de soberania (limite negativo);
c) Ao tratar legislativamente essas matérias, as assembleias
legislativas regionais — para além de haverem de obedecer à Constituição — não
podem estabelecer disciplina que contrarie «leis gerais da República» […].
Sendo isto assim, o que então importa saber é se a matéria — que constitui
objecto do diploma sub iudicio, relativa ao estatuto do deputado regional — está
(ou não) reservada à competência própria dos órgãos de soberania, maxime, à
competência legislativa da Assembleia da República, pois que ali «onde esteja
uma matéria reservada à «competência própria dos órgãos de soberania», […] não
há «interesse específico para as Regiões» que legitime o poder legislativo das
Regiões Autónomas» (cfr. Acórdão n.º 160/86, publicado no Diário da República,
II Série, de 1 de Agosto de 1986) […].
Parece, pois, não restarem dúvidas de que:
a) Só a Assembleia da República pode legislar sobre o
estatuto (e suas alterações) dos titulares dos órgãos de governo regional —
maxime sobre o estatuto dos deputados regionais (cfr. os artigos 228.º, n.º 1, e
233.º, n.º 5, da Constituição);
b) Esse estatuto — ou seja, o estatuto dos órgãos de
governo regional — tem de constar do estatuto político-administrativo da
respectiva Região Autónoma (cfr. artigo 233.º, n.º 5);
c) O mesmo estatuto há-de versar «sobre os deveres,
responsabilidades e incompatibilidades» dos titulares daqueles órgãos e, bem
assim, «sobre os respectivos direitos, regalias e imunidades» (cfr. artigo
120.º, n.º 2).
O estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas —
que deve ser moldado com respeito pelo que preceitua o artigo 120.º da
Constituição — é, pois, matéria que faz parte da reserva de lei estatutária
(reserva do estatuto). E o mesmo se diga quanto às suas alterações. (In Diário
da República, I Série-A, n.º 82, de 7 de Abril de 1992).
Muito embora não fizesse obviamente parte do objecto desse processo de
fiscalização preventiva sobre diploma aprovado pela Assembleia Legislativa
Regional da Madeira o artigo 28.º do EPA, o Tribunal Constitucional afastou
implicitamente a aplicação de tal norma pelas mesmas razões por que se
pronunciou pela inconstitucionalidade das normas sobre o estatuto remuneratório
dos deputados regionais (vejam-se as declarações de voto de vencido dos
Conselheiros Alves Correia e António Vitorino). Bastará dizer que uma das
normas abrangidas pelo juízo de inconstitucionalidade estabelecia o vencimento
dos vice-presidentes da Assembleia Legislativa, equiparando esse vencimento ao
dos vice-presidentes do Governo Regional (cfr. artigo 14.º do diploma; veja-se o
artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional n.º 1/93/M), ao passo que outra das
normas inconstitucionalizadas em 1992 se acha parcialmente reproduzida no artigo
3.º, n.º 3, do Decreto Legislativo Regional n.º 1/93/M (cfr. artigo 22.º daquele
diploma).
21 — Conclui-se, pois, que o artigo 28.º do EPA é inconstitucional, por violação
das disposições conjugadas dos artigos 164.º, alínea b), 228.º, n.os 1 a 4, e
233.º, n.º 5, da Constituição.
B — Questão de constitucionalidade das normas do Decreto Legislativo Regional
n.º 1/93/M, de 5 de Fevereiro
22 — No pedido do Procurador-Geral da República, afirma-se que são «também
inconstitucionais todas as normas constantes do Decreto Legislativo Regional n.º
1/93/M — diploma que, como resulta do respectivo preâmbulo, traduziu
precisamente a actuação da «faculdade» concedida à Assembleia Legislativa
Regional da Madeira pelo citado artigo 28.º do Estatuto Político Administrativo»
(a fls. 81 dos autos).
Considera-se que é procedente o pedido também nesta parte.
De facto, como não se acha suficientemente definido o estatuto remuneratório dos
deputados regionais no Estatuto Político-Administrativo em causa, não se pode
entender que as normas dos três primeiros artigos assumem um carácter meramente
executivo ou regulamentar de normação estatutária (cfr. J. Pereira Coutinho, A
Lei Regional e o Sistema das Fontes, Lisboa, 1988, policopiado, pp. 210 e
segs.). Trata-se, pelo contrário, de normação primária, editada com violação da
reserva de estatuto, ao abrigo do artigo 229.º, n.º 1, alínea a), da
Constituição.
Bem pode dizer-se que o juízo de inconstitucionalidade do artigo 28.º do EPA se
alarga por identidade de razão a todas as normas do diploma regional, incluindo
o preceito sobre a entrada em vigor e os efeitos retroactivos (artigo 4.º).
Também aqui ocorre violação dos artigos 164.º, alínea b), 228.º, n.os 1 a 4, e
233.º, n.º 5, da Constituição e, autonomamente, do artigo 229.º, n.º 1, alínea
a), deste último diploma.
23 — Alcançado o juízo de inconstitucionalidade quanto ao artigo 28.º do EPA e
quanto a todas as normas do Decreto Legislativo Regional n.º 1/93/M, deixa de se
revestir de qualquer sentido averiguar se as normas deste último diploma são
ilegais, face ao parâmetro constituído por um artigo do Estatuto
político-administrativo agora julgado inconstitucional. A invalidade
constitucional da norma estatutária que servia de parâmetro ao juízo de
legalidade requerido priva de sentido a ulterior apreciação dessa questão de
legalidade.
C — Limitação de efeitos da inconstitucionalidade das normas do Decreto
Legislativo Regional n.º 1/93/M
24 — O n.º 4 do artigo 282.º da Constituição confere a faculdade ao Tribunal
Constitucional de fixar os efeitos da inconstitucionalidade com alcance mais
restrito do que o previsto nos n.os 1 e 2 desse artigo, quando a segurança
jurídica, razões de equidade ou interesse público de excepcional relevo, que
deverá ser fundamentado, o exigirem.
No presente processo, considera-se que a segurança jurídica exige que os efeitos
de inconstitucionalidade sejam limitados, produzindo-se apenas a partir da
publicação deste acórdão, a fim de evitar que tenha de haver reposição por
terceiros de prestações remuneratórias percebidas de boa fé.
III
25 — Deste modo e pelas razões expostas, decide o Tribunal Constitucional:
a) declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do
artigo 28.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira,
aprovado pela Lei n.º 13/91, de 5 de Junho, com fundamento na violação das
disposições conjugadas dos artigos 164.º, alínea b), 228.º, n.os 1 a 4, e 233.º,
n.º 5, da Constituição, e, ainda, de todas as normas do Decreto Legislativo
Regional n.º 1/93/M, de 5 de Fevereiro, por violação daqueles artigos e também
do artigo 229.º, n.º 1, alínea a), da Constituição.
b) limitar os efeitos da inconstitucionalidade à data da publicação do
presente Acórdão no Diário da República.
Lisboa, 15 de Novembro de 1995. — Armindo Ribeiro Mendes — Antero Alves Monteiro
Diniz — Messias Bento — Maria Fernanda Palma — José de Sousa e Brito — Maria da
Assunção Esteves — Alberto Tavares da Costa — Vítor Nunes de Almeida — Guilherme
da Fonseca — Bravo Serra (vencido de harmonia com a declaração de voto junta) —
Luís Nunes de Almeida.
DECLARAÇÃO DE VOTO
Na esteira da posição que assumi quanto à matéria tratada no Acórdão n.º 92/92
(publicado na I Série-A do Diário da República, de 7 de Abril de 1992), entendo
que, muito embora aquilo que diga respeito ao estatuto remuneratório seja
matéria integrante do estatuto remuneratório dos titulares de cargos políticos
nos termos e para os efeitos do artigo 120.º da Constituição, nem por isso
decorre do n.º 5 do artigo 233.º da mesma Lei Fundamental que os estatutos das
Regiões Autónomas tenham de regular directa e esgotantemente aquele estatuto
remuneratório.
Bastará, no meu modo de ver as coisas, que em tais estatutos se definam as
grandes linhas base ou os critérios de fixação das remunerações a que o estatuto
remuneratório haja de obedecer, quer definindo-os expressamente, quer por
intermédio de remissão para outros vigentes estatutos, podendo, por isso e em
nome da autonomia política, administrativa, orçamental e financeira das Regiões,
intervir as respectivas assembleias legislativas no sentido de complementarem as
ditas linhas ou critérios, respeitado que seja o núcleo essencial que nelas ou
neles se contêm.
Sendo esta a minha perspectiva, e porque leio o artigo 29.º do Estatuto
Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira no sentido de o critério
que aí se visou ser o de haver uma equiparação ou, se se quiser, uma
correspondência entre as remunerações dos deputados à Assembleia Legislativa
daquela Região e as remunerações dos deputados à Assembleia da República, com as
adaptações que se tornem necessárias impostas pela especificidade regional, o
que vale por dizer que unicamente se deixou por concretizar os valores dessas
remunerações — concretização que seria levada a efeito por diploma emanado da
Assembleia Legislativa Regional —, então sou levado a concluir que o falado
artigo 28.º não ofende qualquer norma ou princípio constitucional.
Não havendo, na minha óptica, uma tal ofensa, não pude, como é óbvio, acompanhar
o acórdão a que a presente declaração se apendicula, tanto na vertente da
declaração de inconstitucionalidade da mencionada norma, como na vertente de o
Decreto Legislativo Regional n.º 1/93/M, de 5 de Fevereiro, sofrer, por si e
também consequencialmente, de idêntico vício.
Tenho para mim que, não padecendo o artigo 28.º do E.P.A.R.A.M. de
desconformidade com o Diploma Básico, nem por isso daí se segue que as normas do
Decreto Legislativo Regional em causa e por aquele preceito credenciado estejam
imunes ao vício de inconstitucionalidade. Efectivamente, mister é que se saiba,
numa primeira linha, se tal corte normativa é, por si, contrária às normas e
princípios constitucionais e, numa segunda, se, alcançada que seja resposta
negativa a essa questão, se ela enferma de ilegalidade.
Dado o modo, que acima indiquei, como interpreto o aludido artigo 28.º,
visionando agora os preceitos constantes do Decreto Legislativo Regional n.º
1/93/M, sou do entendimento de que o estatuído nos artigos 1.º, 3.º e 4.º mais
não reflecte do que uma correspondência, com a consequente concretização, entre
as remunerações a atribuir aos deputados à Assembleia Legislativa Regional da
Madeira e aqueloutras referentes aos deputados à Assembleia da República, não se
me afigurando que, atenta a especificidade referente à situação dos deputados
regionais a que o legislador regional se haveria de ater, ainda de acordo com o
comando constante do citado artigo, haja de efectuar qualquer censura ao que se
contém nos indicados artigos 1.º, 3.º e 4.º
De outra banda, não descortino nestas disposições o que quer que seja que me
conduzisse a considerá-las como sofrendo de vício de ilegalidade, não me
convencendo, por isso, as razões adrede aduzidas pelo requerente.
Todavia, não posso deixar de assinalar que, perante o desiderato que, no meu
entendimento, presidiu à edição da norma ínsita no artigo 28.º do E.P.A.R.A.M.,
e que, como disse, não é para mim constitucionalmente censurável, uma
norma, das constantes do Decreto Legislativo Regional n.º 1/93/M, se desenha
como não representando uma mera adequação ao padrão referência utilizado naquele
artigo 28.º
Trata-se, como é bom de ver, do artigo 2.º daquele Decreto Legislativo.
Tal disposição intentou, bem vistas as coisas, estabelecer uma remuneração
mensal específica para os vice-presidentes da Assembleia Legislativa Regional da
Madeira, os quais, desta arte, em razão das suas funções, não ficam limitados a
perceber quantitativo remuneratório principal igual ao dos restantes deputados
acrescido unicamente de um abono mensal para despesas de representação,
talqualmente sucede em relação aos vice-presidentes da Assembleia da República.
Ora, se a intenção que presidiu ao artigo 28.º do E.P.A.R.A.M. foi aquela que já
deixei expressa — a de haver uma equiparação ou correspondência do estatuto
remuneratório dos deputados à Assembleia Legislativa Regional da Madeira com o
estatuto remuneratório dos deputados à Assembleia da República, deixando ao
órgão legislativo parlamentar regional a feitura da concretização valorativa
decorrente de meras adaptações atenta a especificidade regional —, então não é
para mim entendível que, em relação aos vice-presidentes da Assembleia
Legislativa Regional, atentos os limites que defluem da credencial estatutária,
se viesse a consagrar um estatuto remuneratório que difere do consagrado para a
Assembleia da República (cfr. artigo 16.º, n.º 2, da Lei n.º 4/85, de 9 de
Abril) e que, de todo em todo, não representa, a meu ver, uma mera concretização
de quantitativo ou uma mera adaptação do critério utilizado, quanto ao ponto,
para o órgão de soberania parlamentar.
Significa isto que, para mim, ao prescrever o que prescreve, o artigo 2.º do
Decreto Legislativo Regional n.º 1/93/M desbordou a credencial estatutária e,
por isso, estatuiu em matéria que lhe não era consentida, pelo que incorreu em
ofensa do que se consagra nos artigos 164.º, alínea b), 228.º, n.os 1 a 4,
229.º, n.º 1, alínea a), e 233.º, n.º 5, todos da Constituição, sendo, pois,
aquela a única norma que, do meu ponto de vista deveria ter sido declarada
inconstitucional com força obrigatória geral. — Bravo Serra.
(1) Acórdão publicado no Diário da República, I Série-A, de 26 de Dezembro de
1995.