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Processos: n.º 407/88 e n.º 134/89.
Plenário
Relatora: Conselheira Assunção Esteves.
Acordam no Tribunal Constitucional:
I —
1 — Um grupo de deputados do Partido Comunista Português requereu ao Tribunal
Constitucional, nos termos do artigo 281.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da
República [redacção de 1982] e do artigo 51.º, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro, a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de
todas as normas da Lei n.º 107/88, de 17 de Setembro, que autoriza o Governo a
rever o regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e do
contrato de trabalho a termo e o regime processual da suspensão e redução da
prestação do trabalho.
O pedido é assim delimitado e fundamentado:
I
A lei de autorização legislativa — que é uma nova lei — é procedimentalmente
inconstitucional tal como o era, reconhecidamente, a primeira lei de
autorização, porque não participaram na sua elaboração as organizações
representantivas dos trabalhadores.
Esta participação tem de ser feita no processo legislativo na Assembleia da
República, perante o órgão com competência legislativa, que não pode delegar,
nem considerar-se subrogável no exercício da função necessária da audição
cognoscitiva e participativa das organizações representativas dos trabalhadores.
Violaram-se, assim, os artigos 55.º, alínea d), e 57.º, n.º 2, alínea a), da
Constituição.
II
1 — O artigo 2.º, alínea a), da Lei n.º 107/88, ao prever formas de cessação de
contrato com base em causas objectivas não imputáveis a culpa do trabalhador
abre caminho à admissão de despedimentos que não sejam com «justa causa»
violando o artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa, ou seja, o
direito à segurança no emprego.
2 — O artigo 2.º, alínea f), em articulação com o artigo 1.º, n.º 1, alínea f),
é materialmente inconstitucional, porque ao determinar a uniformização do
processo de despedimento impõe a supressão das garantias processuais cautelares
e prévias com a consequente revogação da Lei n.º 64/79, violando a liberdade
sindical e o direito à segurança no emprego (CRP, artigos 53.º, 54.º, n.º 4, e
56.º, n.º 6).
Com efeito, a exigência de uma protecção anterior à decisão do despedimento é um
elemento constitutivo da posição jurídico-material dos trabalhadores, enquanto
trabalhadores e representantes dos trabalhadores.
3 — O artigo 2.º, alínea c), ao autorizar a emanação de um regime de menor
protecção contra despedimentos em empresas com menos de 21 trabalhadores, viola
o princípio da igualdade (artigo 13.º) e põe em causa o princípio da segurança
no emprego (artigo 53.º).
4 — O artigo 2.º, alínea m), ao viabilizar a criação de um regime de
despedimento automático e sem justa causa dos trabalhadores que atinjam os
setenta anos (ficando a continuação da relação jurídica do emprego —
obrigatoriamente a termo certo! — dependente da vontade unilateral da entidade
patronal), viola o disposto nos artigos 13.º e 53.º
III
Embora seja um facto que a Lei n.º 107/88, no seu extenso clausulado, não
autorizou a alteração do elenco das causas subjectivas de despedimento
(carecendo, pois, de habilitação legal prévia, nesse ponto, os projectos de
diploma anunciados, em diversas ocasiões pelo Governo), ocorre que na parte em
que dispõe concedendo autorizações, a lei em referência, ao não definir
claramente o sentido e a extensão de certas das autorizações que contém, permite
soluções inconstitucionais (já divulgadas publicamente) e, ao que ora importa,
viola o disposto no artigo 168.º, n.º 2, da Constituição, ao dispor como dispõe
nas alíneas seguintes do n.º 2:
e) criação da indefinida figura do abandono do trabalho;
h) alteração de regras dos despedimentos colectivos e dos regimes
de redução e suspensão da prestação de trabalho;
j) aludindo embora à «delimitação clara» das situações que
legitimam a contratação a termo, a autorização omite qualquer indicação do
respectivo sentido, sabendo-se que, por exemplo, o Governo entende que a
qualidade de jovem ou de desempregado de longa duração devem constituir situação
justificativa de contratação a termo;
n) «clarificação» (indefinida) da posição contratual dos
trabalhadores cuja entidade empregadora morra ou extinga ou cesse a actividade
por falência ou insolvência;
p) sistematização e «clarificação» (sem fixação de sentido) das
fases do processo de despedimento por comportamento culposo do trabalhador;
q) estabelecimento de um regime punitivo «adequado» relativamente
a infracções patronais.
Integram, pois, o objecto deste pedido:
a) As normas da Lei n.º 107/88, de 17 de Setembro — todas as
normas —, por violação do artigo 55.º, alínea d), e do artigo 57.º, n.º 2,
alínea a), da Constituição da República, na redacção de 1982 [direito de as
comissões de trabalhadores e as associações sindicais participarem na elaboração
da legislação do trabalho].
b) As seguintes normas da mesma Lei n.º 107/88, de 17 de
Setembro:
— do artigo 2.º, alínea a), por violação do artigo 53.º da Constituição
[garantia de segurança no emprego];
— do artigo 2.º, alínea f), em conjugação com o artigo 1.º, n.º 1, alínea f),
por violação dos artigos 53.º, 54.º, n.º 4, e 56.º, n.º 6, da Constituição
[garantia de segurança no emprego e garantia de protecção dos membros das
comissões de trabalhadores e dos representantes eleitos dos trabalhadores];
— do artigo 2.º, alíneas c) e m), por violação dos artigos 13.º e 53.º da
Constituição [princípio da igualdade e garantia de segurança no emprego].
c) As normas do artigo 2.º, alíneas e), h), j), n), p) e q), por
violação do artigo 168.º, n.º 2, da Constituição [dever de as leis de
autorização legislativa definirem o sentido e a extensão da autorização].
[As normas constitucionais invocadas têm a redacção que resulta da primeira
revisão da Constituição].
Notificado nos termos e para os efeitos do artigo 54.º da Lei do Tribunal
Constitucional, o Presidente da Assembleia da República ofereceu o merecimento
dos autos.
2 — Mais tarde, um grupo de deputados, também do Partido Comunista Português,
requereu ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade, com
força obrigatória geral, de todas as normas do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de
Fevereiro, e do diploma a ele anexo, sobre o regime jurídico da cessação do
contrato individual de trabalho, incluindo as condições de celebração e
caducidade do contrato de trabalho a termo, e elaborado no uso da autorização
concedida pela Lei n.º 107/88, de 17 de Setembro.
Este pedido, que abriu o processo n.º 134/89, é assim delimitado e fundamentado:
I
O Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, provém de uma autorização
legislativa — a Lei n.º 107/88, de 17 de Setembro, que é procedimentalmente
inconstitucional, porque não participaram na sua elaboração as organizações
representativas dos trabalhadores.
Não tendo havido essa participação no processo legislativo na Assembleia da
República, o Decreto-Lei delegado padece do vício de inconstitucionalidade por
flagrante violação dos artigos 55.º, alínea d), e 57.º, n.º 2, alínea a), da
Constituição.
II
Os artigos 26.º a 33.º do diploma anexo ao Decreto-Lei preambular violam o
artigo 53.º da Constituição da República.
Na verdade, quando se prevê a cessação do contrato de trabalho por extinção de
postos de trabalho com base em causas objectivas não imputáveis a culpa do
trabalhador o diploma abre caminho à admissão de despedimentos que não sejam com
justa causa violando o artigo 53.º da Constituição da República, ou seja, o
direito à segurança no emprego.
III
A revogação da Lei n.º 68/79, operada pelo artigo 2.º do Decreto-Lei preambular,
viola os artigos 53.º, 54.º, n.º 4, e 56.º, n.º 6, da Constituição da República.
E isto porque tal revogação não é acompanhada de garantias substantivas,
cautelares e prévias que constituam protecção adequada aos representantes dos
trabalhadores. Com efeito, a exigência de uma protecção anterior à decisão do
despedimento é um elemento constitutivo da posição jurídico-material dos
trabalhadores, enquanto trabalhadores e representantes dos trabalhadores.
Assim também se viola a liberdade sindical e o direito à segurança no emprego.
IV
O artigo 15.º do diploma anexo ao prever um regime de menor protecção nas
empresas com um número de trabalhadores não superior a 20, viola o princípio da
igualdade (artigo 13.º) e o direito à segurança no emprego (artigo 53.º).
V
O n.º 2 do artigo 5.º do diploma anexo cria um regime de despedimento automático
e sem justa causa dos trabalhadores que atinjam os 70 anos, passando tais
trabalhadores por mera imposição legal, à situação de contratados a prazo.
Viola assim o disposto nos artigos 13.º e 53.º da Constituição da República.
O n.º 1 do artigo 5.º, também pelos mesmos motivos, viola o disposto nos artigos
13.º e 53.º da Constituição da República.
VI
A alínea h) do artigo 2.º da Lei n.º 107/88, de 17 de Setembro, previa a
alteração das regras processuais de índole administrativa aplicáveis nos casos
de despedimento colectivo.
Ora, o Decreto-Lei revogou os artigos 13.º a 23.º do Decreto-Lei n.º 372-A/75 —
vide artigo 2.º — e em substituição estabeleceu, quanto ao Ministério do Emprego
e Segurança Social, novas formas de intervenção (?) — artigos 19.º e 20.º do
Decreto-Lei n.º 64-A/89.
Só que o Ministério tem agora um papel puramente passivo, ao contrário do que
acontecia no regime do Decreto-Lei n.º 372-A/75.
Assim, alteraram-se também regras substantivas e não meramente processuais, uma
vez que o Ministério do Emprego podia mesmo proibir os despedimentos.
Logo, com a revogação dos artigos do Decreto-Lei n.º 372-A/75, operada pelo
artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, e com os artigos 19.º e 20.º deste
diploma desrespeitou-se a autorização legislativa.
Pelo que, estes artigos violam o artigo 168.º, n.º 2, da Constituição.
VII
A alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º é manifestamente inconstitucional por violar
o artigo 53.º — Segurança no emprego — e o artigo 13.º (Princípio da igualdade)
da Constituição da República.
Com efeito, mesmo que não haja qualquer outra justificação para tal, admite-se a
contratação a prazo para:
a) Trabalhadores à procura do primeiro emprego;
b) Desempregados de longa duração;
c) Trabalhadores noutras situações previstas em legislação
especial de política de emprego.
Também são inconstitucionais, por violarem o mesmo artigo, as alíneas e) e f) do
n.º 1 do artigo 41.º, uma vez que consentem o contrato de trabalho a prazo sem
que se verifique o carácter temporário da necessidade de mão-de-obra.
Para além disso, a situação prevista na parte final da alínea h) —
trabalhadores noutras situações previstas em legislação especial de política de
emprego —, ultrapassa o que consta da autorização legislativa — alínea j) do
artigo 2.º da Lei n.º 107/88, de 17 de Setembro —, pelo que também aqui é
violado o artigo 168.º, n.º 2, da Constituição. Também viola o mesmo artigo a
parte final da alínea f) do n.º 1 do artigo 41.º e parte do n.º 2 do artigo 44.º
(quando se refere ao prazo de 3 anos) pois não respeitam a alínea f) do artigo
2.º da lei de autorização legislativa. Não há, quanto à alínea f), parte final,
delimitação clara das situações que legitimam o contrato de trabalho a termo, e
não há, quanto à parte do n.º 2 do artigo 44.º redução da duração máxima que já
é de três anos.
VIII
O artigo 2.º do diploma anexo ao Decreto-Lei preambular prevê a natureza
imperativa do regime estabelecido, violando-se desta forma o artigo 57.º da
Constituição da República — Direito à contratação colectiva.
Mas, para além disso, verifica-se da leitura da Lei n.º 107/88, de 17 de
Setembro, que o Governo não tinha autorização para tal, pelo que também se
mostra violado o artigo 168.º, n.º 2, da Constituição.
IX
O Governo também não dispunha de autorização legislativa para elaborar o artigo
3.º do Decreto-Lei preambular — sucessão de regimes — pelo que este artigo
também viola o artigo 168.º, n.º 2, da Constituição.
X
O artigo 40.º do diploma anexo ao Decreto-Lei preambular — Abandono do
trabalho — na medida em que fixa uma presunção contra o trabalhador, viola o
artigo 53.º da Constituição da República.
XI
O disposto no n.º 4 do artigo 8.º do diploma anexo ao Decreto-Lei preambular
viola o direito ao salário previsto no artigo 60.º da Constituição da República.
O direito ao salário, entendendo-se por salário todas as prestações regulares e
constantes, é, como o configura a Constituição, irrenunciável.
XII
O artigo 59.º do diploma anexo ao Decreto-Lei preambular — em correlação com o
artigo 2.º do mesmo diploma —, não corresponde à alínea l) do artigo 2.º da Lei
n.º 107/88.
Com efeito, o único entendimento conforme à Constituição, da referida alínea é o
seguinte: a possibilidade de afastamento do regime do diploma é a regra, e a
excepção são os aspectos insusceptíveis de alteração por via dos instrumentos de
regulamentação colectiva.
Ora, no artigo 59.º procede-se ao invés pelo que se viola o artigo 168.º, n.º 2,
da Constituição.
XIII
O n.º 5 do artigo 60.º do diploma anexo ao Decreto-Lei preambular na medida em
que prevê a aplicação das multas previstas no artigo, nas acções cíveis, viola o
artigo 32.º da Constituição da República — Garantias do Processo Criminal.
XIV
O n.º 1 do artigo 25.º do diploma anexo ao Decreto-Lei preambular na medida em
que proíbe aos trabalhadores que aceitarem o despedimento — mesmo que o tivessem
aceite por falta de esclarecimento ou mesmo através de coacção — o uso da
suspensão judicial do despedimento, viola o artigo 20.º da Constituição — Acesso
ao Direito e aos Tribunais.
Integram, então, o objecto deste segundo pedido:
a) As normas do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, e as do
diploma a ele anexo — todas as normas —, pois que, argumenta-se, derivam de uma
lei de autorização — a Lei n.º 107/88, de 17 de Setembro — formalmente
inconstitucional, elaborada sem a participação das comissões de trabalhadores e
das associações sindicais, em violação dos artigos 55.º, alínea d), e 57.º, n.º
2, alínea a), da Constituição.
b) As seguintes normas do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro:
— do artigo 2.º, na parte em que revoga a Lei n.º 68/79, de 9 de Outubro, por
violação dos artigos 53.º, 54.º, n.º 4, e 56.º, n.º 6, da Constituição [garantia
de segurança no emprego e garantia de protecção dos membros das comissões de
trabalhadores e dos representantes eleitos dos trabalhadores];
— do artigo 2.º, na parte em que revoga o Decreto-Lei n.º 372-A/75, de 16 de
Julho, e em conjugação com os artigos 19.º e 20.º do diploma anexo, por violação
do artigo 168.º, n.º 2, da Constituição [dever de o Governo, no uso de
autorização legislativa, respeitar os limites dessa autorização];
— do artigo 3.º [sucessão de regimes], por violação do artigo 168.º, n.º 2, da
Constituição [dever de o Governo, no uso de autorização legislativa, respeitar
os limites dessa autorização].
c) As seguintes normas do diploma anexo ao Decreto-Lei n.º 64-A/89, de
27 de Fevereiro:
— do artigo 2.º [natureza imperativa do regime estabelecido], por violação dos
artigos 57.º e 168.º, n.º 2, da Constituição [direito à contratação colectiva e
dever de o Governo respeitar os limites da autorização legislativa];
— do artigo 5.º, n.os 1 e 2 [reforma por velhice], por violação dos artigos 13.º
e 53.º, da Constituição [princípio da igualdade e garantia de segurança no
emprego];
— do artigo 8.º, n.º 4 [forma escrita da revogação por acordo das partes], por
violação do artigo 60.º da Constituição [direito ao salário];
— do artigo 15.º [despedimentos nas pequenas empresas], por violação dos artigos
13.º e 53.º da Constituição [princípio da igualdade e garantia de segurança no
emprego];
— dos artigos 19.º e 20.º [intervenção do Ministério do Emprego e da Segurança
Social], em conjugação com o artigo 2.º do Decreto-Lei preambular, na parte em
que revoga o Decreto-Lei n.º 372-A/75, de 16 de Julho, por violação do artigo
168.º, n.º 2, da Constituição [dever de o Governo respeitar os limites da
autorização legislativa];
— do artigo 25.º, n.º 1 [suspensão judicial do despedimento], por violação do
artigo 20.º da Constituição [acesso ao direito e aos tribunais];
— dos artigos 26.º a 33.º [cessação do contrato de trabalho, por extinção de
postos de trabalho, não abrangida por despedimento colectivo], por violação do
artigo 53.º da Constituição [garantia de segurança no emprego];
— do artigo 40.º [abandono do trabalho], por violação do artigo 53.º [garantia
de segurança no emprego];
— do artigo 41.º, n.º 1, alíneas e), f) e h) [admissibilidade do contrato a
termo], por violação dos artigos 13.º e 53.º da Constituição, sendo as alíneas
h) e f) inconstitucionais também por violação do artigo 168.º, n.º 2, da
Constituição;
— do artigo 44.º, n.º 2 [renovação do contrato a termo certo], por violação do
artigo 168.º, n.º 2, da Constituição [dever de o Governo respeitar os limites da
autorização legislativa];
— do artigo 59.º [negociação colectiva], em conjugação com o artigo 2.º, por
violação do artigo 168.º, n.º 2 [dever de o Governo respeitar os limites da
autorização legislativa];
— do artigo 60.º, n.º 5 [multas], por violação do artigo 32.º da Constituição
[garantias do processo criminal].
[As normas constitucionais invocadas têm aqui também a redacção que resulta da
primeira revisão da Constituição].
Notificado nos termos e para os efeitos do artigo 54.º da Lei do Tribunal
Constitucional, o Primeiro-Ministro sustentou, em resposta, a tese da não
inconstitucionalidade das normas — todas as normas — do Decreto-Lei n.º 64-A/89,
de 27 de Fevereiro. E juntou parecer nesse sentido do Professor Doutor Marcelo
Rebelo de Sousa.
Este processo, que tem o n.º 134/89, foi incorporado no anterior, o que tem o
n.º 407/88. Assim o determinou o Ex.mo Presidente do Tribunal Constitucional,
em despacho de 6 de Novembro de 1989, com o seguinte teor:
Embora o objecto do presente pedido de declaração de inconstitucionalidade não
seja formalmente coincidente com o do processo n.º 407/88, a verdade é que
respeitam ambos à mesma ou às mesmas questões fundamentais, não fazendo sentido
que o Tribunal emita acórdão em cada um desses processos, e que estes sejam
tratados separadamente. Há-de entender-se, pois, que se está perante processos
com «objecto idêntico», no sentido do artigo 64.º, n.º 1, da Lei do Tribunal
Constitucional — entendido este preceito, como cumpre, não em termos puramente
literais ou formais.
Assim, e de harmonia com o disposto no dito artigo 64.º, n.º 1, determino a
incorporação dos presentes autos no dito processo n.º 407/88.
II — O direito de participação das organizações de trabalhadores na legislação
do trabalho. O problema da sua incidência no momento da elaboração da lei de
autorização legislativa: a questão de constitucionalidade [formal] da Lei n.º
107/88, de 17 de Setembro [Lei de autorização legislativa] e do Decreto-Lei n.º
64-A/89, de 27 de Fevereiro
1 — A arguição de inconstitucionalidade formal é fundada na inexistência, ao
nível da produção da lei de autorização legislativa, de participação das
comissões de trabalhadores e das associações sindicais. Afirma-se no pedido que
isso afronta as normas dos artigos 55.º, alínea d), e 57.º, n.º 2, alínea a), da
Constituição [redacção de 1982], e que, por isso, serão inconstitucionais todas
as normas da Lei n.º 107/88, de 17 de Setembro [Lei de autorização legislativa]
e, em consequência, todas as normas do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de
Fevereiro, que foi elaborado no uso daquela autorização.
2 — Lembremos, agora, os momentos essenciais do procedimento que conduziu à Lei
n.º 107/88, de 17 de Setembro: 1.º — Proposta de lei n.º 35/V [aprovada no
Parlamento em reunião plenária de 15 de Abril de 1988, e dando origem ao Decreto
n.º 81/V da Assembleia da República (Diário da Assembleia da República, I Série,
n.º 74, pp. 2859 e segs.)]. 2.º — Envio ao Presidente da República deste
Decreto para promulgação. 3.º — Requerimento ao Tribunal Constitucional da
fiscalização preventiva de constitucionalidade. 4.º — Acórdão n.º 107/88
[Diário da República, I Série, de 21 de Junho de 1988, que se pronuncia pela
inconstitucionalidade de várias normas do Decreto n.º 81/V, com referência,
entre outras, às normas dos artigos 55.º, alínea d), e 57.º, n.º 2, alínea a),
da Constituição (redacção de 1982). O controlo de constitucionalidade era neste
acórdão incidente tão-só sobre as normas questionadas pelo Presidente da
República (princípio do pedido) e, em razão disso, só a estas normas se estendeu
o juízo de inconstitucionalidade formal]. 5.º — Devolução do Decreto n.º 81/V à
Assembleia da República e apreciação e votação na especialidade das propostas de
alteração (Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 115, de 13 de Julho
de 1988).
3 — As normas em apreço, da Lei n.º 107/88, de 17 de Setembro, e do Decreto-Lei
n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, apresentam-se com evidente carácter de
«legislação do trabalho». Pelo próprio conteúdo material, elas subentram
naquele conjunto de regras que regulam «as relações individuais e colectivas de
trabalho, bem como os direitos dos trabalhadores enquanto tais e suas
organizações», que, enfim, tratam «os direitos fundamentais dos trabalhadores
reconhecidos na Constituição», para lembrar as formulações da jurisprudência
constitucional (cfr., entre outros, os Acórdãos n.os 31/84, 451/87, 15/88,
107/88 e 64/91, Diário da República, I Série, de 17 de Abril de 1984, 14 de
Dezembro de 1987, 3 de Fevereiro de 1988, 21 de Junho de 1988 e 11 de Abril de
1991).
4 — No preâmbulo da Lei n.º 107/88, de 17 de Setembro, que agora se analisa, não
existe uma qualquer referência a prévia audição das organizações representativas
dos trabalhadores.
O Presidente da Assembleia da República, uma vez notificado para se pronunciar
sobre o pedido de apreciação de constitucionalidade da mesma Lei, apenas
ofereceu o merecimento dos autos.
Assim, não fica ilidida a presunção de não exercício do direito de participação,
que se retira da ausência, no preâmbulo da lei de autorização, de uma referência
à audição pública das organizações representativas dos trabalhadores [sobre esta
presunção, cfr., entre outros, os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os
451/87, 15/88, 61/91, 24/92, 93/92, Diário da República, I Série, de 14 de
Dezembro de 1987, de 3 de Fevereiro de 1988, I Série-A, de 1 de Abril de 1991,
II Série, de 11 de Junho de 1992, e I Série-A, de 28 de Maio de 1992].
É, pois, aqui, necessário perguntar pela participação das comissões de
trabalhadores e das associações sindicais na produção legislativa. Essa
participação configura-se como um direito institucional e orgânico, garantido
nos artigos 54.º, n.º 5, alínea d), e 56.º, n.º 2, alínea a), da Constituição
àquelas organizações e tem que ver com o asseguramento da representação de
interesses, associando uma dimensão atinente a opções de organização de poder
político democrático [dimensão participativa] a uma dimensão de defesa dos
trabalhadores [dimensão de garantia de direitos fundamentais].
Porque na funcionalidade que detém vai envolvido um desiderato de conformação
das opções legislativas — as que se dirigem à vida do trabalho e aos direitos
dos trabalhadores — sobre este direito de participação se suscitou uma ampla
controvérsia àcerca da oportunidade do seu exercício no momento da elaboração
das leis de autorização legislativa. Destas leis, dizem uns, que são apenas
relevantes no plano do direito constitucional, que são leis formais sobre a
produção jurídica, apenas se efectivando com a emissão do decreto-lei
autorizado. E, assim, as normas que contêm não serão mais do que normas de
(re)distribuição de competência do Parlamento ao Governo. Limitadas, pois, a uma
lógica de delimitação de poderes, constituindo mais uma injunção ao
Governo-legislador do que à vida, na mesma tese, as normas da lei de autorização
não apresentariam aquela densidade própria de «normas acabadas» do decreto-lei
autorizado, de modo a constituírem o momento adequado para o exercício de
influência em que afinal se traduz aquela funcionalidade do direito de
participação das organizações de trabalhadores.
É, no essencial, sobre este pressuposto que as declarações de voto de vencido
nos Acórdãos n.os 107/88 e 64/91 (cits.) assentam uma ideia de desnecessidade do
exercício desse direito de participação no momento da autorização legislativa
para referirem a suficiência, em face da Constituição, de uma participação ao
nível do decreto-lei autorizado.
Ao contrário, numa segunda tese, afirma-se a eficácia externa imediata das leis
de autorização legislativa. A ideia, expressa no Acórdão n.º 107/88 e, depois,
no Acórdão n.º 64/91 do Tribunal Constitucional (cits.) é a de que as suas
normas condicionam a acção legislativa do Governo, que só pode ser desencadeada
pela ocorrência daquela autorização e nos termos e limites dos ditados por ela
estabelecidos. Daí que os enunciados essenciais do decreto-lei do Governo se
achem já pré-definidos na lei de autorização. Esta tese — que obteve vencimento
na jurisprudência constitucional — reconheceu nas leis de autorização
legislativa um lugar adequado ao exercício do direito de participação das
comissões de trabalhadores e associações sindicais. Tratando, é claro, matéria
essencial do trabalho, relativa aos direitos fundamentais dos trabalhadores, as
leis de autorização apresentariam suficiente densidade para tornar útil aquela
participação. Constituiriam, assim, «legislação do trabalho» no sentido do
programa das normas dos artigos 54.º, n.º 5, alínea d), e 56.º, n.º 2, alínea
a), da Constituição.
Este entendimento da existência de um desiderato constitucional de participação
das organizações de trabalhadores nas leis de autorização legislativa, levando
ao enfoque do modo dessa participação, teve desenvolvimentos distintos no
Acórdão n.º 107/88 e no Acórdão n.º 64/91:
a) No procedimento que conduziu à Lei n.º 107/88, de 17 de Setembro, o
Presidente da República fez submeter a fiscalização preventiva de
constitucionalidade o Decreto da Assembleia da República n.º 81/V, que
autorizava o Governo a rever «o regime jurídico da cessação do contrato
individual de trabalho, do contrato de trabalho a termo e o regime processual da
suspensão e redução da prestação do trabalho». O Tribunal Constitucional
proferiu então o Acórdão n.º 107/88 (cit.) e, entre o mais, pronunciou-se pela
inconstitucionalidade formal das normas do Decreto n.º 81/V que ali constituiam
o objecto do pedido. Afirmou, a propósito:
Como se pode extrair do ofício do Presidente da Assembleia da República de fls.
29 e também do Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 73, de 15 de
Abril de 1988, e II Série, n.º 66, de 20 de Abril de 1988, não só à Assembleia
da República «não foram fornecidas as opiniões das organizações de trabalhadores
colhidas pelo Governo durante a apreciação pública a que se alude na ‘exposição
de motivos’ da Proposta de lei n.º 35/V, ou seja, sobre o projecto de diploma
publicado em separata no Boletim do Trabalho e Emprego, de 17 de Dezembro de
1987», como também nela não se procedeu «autonomamente à audição das
organizações representativas dos trabalhadores» sobre a matéria daquela proposta
de lei.
Cabe então averiguar se desta ocorrência não resultou afectado, de modo
constitucionalmente irremissível, o procedimento legislativo que produziu o
decreto agora submetido à fiscalização deste Tribunal.
E depois de uma incursão na temática da natureza das leis de autorização
legislativa e de fazer subentrar aquele Decreto n.º 81/V no que a Constituição
designa de «legislação do trabalho» concluiu:
Adquirido este apuramento conceitual, e tendo presente que a única participação
das organizações dos trabalhadores de que nos autos se dá notícia — aquela a que
se alude na exposição de motivos da proposta de lei — se situou numa fase
preliminar, de «pré-procedimento legislativo», aquando da preparação pelo
Governo do texto da sua proposta, e cujo resultado, como se viu, não foi levado
ao conhecimento da Assembleia da República, cabe perguntar se o quadro assim
traçado importará a violação das normas constitucionais que dispõem sobre a
audição dos trabalhadores.
À luz desta realidade deveria, desde logo, colocar-se a questão de saber se o
direito de participação dos trabalhadores exigia, no caso concreto, que a
respectiva audição fosse desencadeada directamente pela própria Assembleia da
República, ou se bastava que a este órgão de soberania fossem fornecidas as
opiniões emitidas durante a consulta efectuada pelo Governo antes ainda da
apresentação da proposta de lei. Todavia, não se torna necessário decidir aqui
estas questões — que se deixam em aberto — visto que, como já se referiu, não
só não teve lugar qualquer consulta levada a efeito pela própria Assembleia da
República, como também a esta não foi dado conhecimento pelo Governo das
opiniões e outros elementos eventualmente por ele recolhidos aquando da audição
das organizações dos trabalhadores, na fase preparatória da proposta de lei.
Ora, isto basta para se dever concluir no sentido de que as normas questionadas
pelo Presidente da República, enquanto normas da legislação do trabalho, violam
o disposto nos artigos 55.º, alínea b), e 57.º, n.º 2, alínea a), da
Constituição.
Não se decidiu, pois, sobre a suficiência ou não, em ordem ao exercício do
direito constitucional de participação das organizações de trabalhadores na lei
de autorização legislativa, de uma informação do Governo ao Parlamento sobre a
intervenção e o debate daquelas organizações no momento da produção da proposta
de lei correspondente. Ficou em aberto a resposta à pergunta de se essa
informação constitui uma alternativa válida à consulta directa e autónoma pelo
Parlamento das organizações de trabalhadores.
b) Haveria de ser mais tarde o Acórdão n.º 64/91, no controlo de um
outro diploma, a afirmar o segundo termo daquela alternativa, ou seja, a afirmar
que deveria ser a Assembleia da República ela própria a proceder à audição das
organizações de trabalhadores.
5 — Na emergência, agora, de uma resposta ao problema de constitucionalidade
formal da Lei n.º 107/88 [Lei de autorização legislativa] e, também, em
consequência, do Decreto-Lei n.º 64-A/89, que foi emitido no uso daquela
autorização, há-de ver-se que:
1) — Desde logo, não há inconstitucionalidade para quem empreende uma
interpretação segundo a qual as leis de autorização legislativa são meras leis
formais sobre a produção jurídica, não se fazendo a esse nível sentir o
desiderato constitucional do exercício do direito de participação das
organizações de trabalhadores.
2) — Também não há inconstitucionalidade para quem, assentando no pressuposto
contrário de que sobre as leis de autorização legislativa deve incidir aquele
direito de participação, afirma que este direito se realiza com suficiência pela
comunicação ao Parlamento dos debates e críticas efectuadas aquando da
elaboração da proposta de lei correspondente. É que, está bem de ver, esta
interpretação implica perguntar se, no caso, depois da pronúncia de
inconstitucionalidade do Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 107/88, houve ou
não lugar a uma tal comunicação ao Parlamento. Ora, que assim foi, demonstra-o
o debate parlamentar que ocorreu no momento da alteração do Decreto n.º 81/V.
Esse debate não é um debate em torno da questão da existência de uma comunicação
ao Parlamento da participação dos trabalhadores mas em torno da sua suficiência
constitucional [cfr. as intervenções dos deputados Joaquim Marques, Herculano
Pombo e Miguel Galvão Teles (Diário da Assembleia da República, I Série, n.º
115, de 13 de Julho de 1988, pp. 4645-4646 e 4654; Diário da Assembleia da
República, I Série, n.º 119, de 21 de Julho de 1988, pp. 4759-4760)].
3) — E ainda, numa outra interpretação, como aquela que obteve vencimento no
Acórdão n.º 64/91, segundo a qual a consulta das organizações de trabalhadores
deve ser realizada directa e autonomamente pela Assembleia da República, há-de
ver-se que não há por que ter como ilegítimo o procedimento de elaboração da Lei
n.º 107/88 em face dos artigos 55.º, alínea d), e 57.º, n.º 2, alínea a), da
Constituição [redacção de 1982]. É que, neste caso, a Assembleia da República
cumpriu a exigência mínima que o Acórdão n.º 107/88 do Tribunal Constitucional
havia formulado em termo de alternativa. A legiferação tinha então como ponto
de referência a jurisprudência desse mesmo acórdão, pelo que as regras de boa fé
não permitem aqui um julgamento de inconstitucionalidade.
4) — Finalmente, numa outra interpretação, e para quem as razões antes
expendidas ainda não sejam decisivas, sublinha-se que, com esse fundamento, a
inconstitucionalidade formal da Lei n.º 107/88 não deve ter-se hoje já por
relevante, pois que o Decreto-Lei n.º 64-A/89, posteriormente emitido no uso
dessa autorização, foi ele mesmo objecto de audição das organizações
representativas de trabalhadores. Ora, como se afirmou no Acórdão n.º 285/92
[Diário da República, I Série-A, de 17 de Agosto de 1992], «assim sendo, e sem
prejuízo do que o Tribunal tem afirmado quanto à audição pública referente a
normas contidas em autorizações legislativas, tendo o diploma autorizado sido
submetido a apreciação prévia pelas organizações sindicais, será de concluir que
o desiderato substantivo do disposto nos artigos 54.º, n.º 5, alínea d), e 56.º,
n.º 2, alínea a), da Constituição, no que à matéria em causa se refere, se
encontra plenamente consumido pela audição promovida pelo Governo».
Não se concluindo, assim, pela inconstitucionalidade formal da Lei n.º 107/88,
de 17 de Setembro, nem, em consequência, pela inconstitucionalidade orgânica do
Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, proceder-se-á por uma ordem que é,
em traços gerais, a dos pedidos, ao confronto das normas impugnadas com outros
lugares da Constituição.
III — A garantia constitucional da segurança no emprego: as normas do artigo
2.º, alínea a), da Lei n.º 107/88 e dos artigos 26.º, 27.º, 28.º, 29.º, 30.º,
31.º, 32.º e 33.º do diploma anexo ao Decreto-Lei n.º 64-A/89
1 — A Constituição, no artigo 53.º, garante aos trabalhadores «a segurança no
emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos
políticos ou ideológicos». Esta garantia constitui uma manifestação essencial
da fundamentalidade do direito ao trabalho e da ideia conformadora de dignidade
que lhe vai ligada. Por via dela se afirma em modo paradigmático a influência
jus-fundamental nas relações entre privados, que não é aí apenas uma influência
de irradiação objectiva, mas uma influência de ordenação directa das relações
contratuais do trabalho.
E é também o valor da autonomia que se realiza no programa da norma
constitucional do artigo 53.º A Constituição deixa claro o reconhecimento de
que as relações do trabalho subordinado não se configuram como verdadeiras
relações entre iguais, ao jeito das que se estabelecem no sistema civilístico
dos contratos. A relevância constitucional do «direito ao lugar» do trabalhador
envolve um desvio claro da autonomia contratual clássica e do «equilíbrio de
liberdades» que a caracteriza. É que as normas sobre direitos fundamentais
detêm, no plano das relações de trabalho, uma eficácia de protecção da autonomia
dos menos autónomos. Aqui é evidente o desiderato constitucional de ligação da
liberdade fáctica e da liberdade jurídica. A Constituição faz depender a
validade dos contratos não apenas do consentimento das partes no caso
particular, mas também do facto de que esse consentimento «se haja dado dentro
de um marco jurídico-normativo que assegure que a autonomia de um dos indivíduos
não está subordinada à do outro» (C. S. Nino, Ética y Derechos Humanos, Buenos
Aires, 1984, p. 178).
A segurança no emprego implica, pois, a construção legislativa de um conjunto de
meios orientados à sua realização. Desde logo, estão entre esses meios a
excepcionalidade dos regimes da suspensão e da caducidade do contrato de
trabalho e da sua celebração a termo. Mas a proibição dos despedimentos sem
justa causa apresenta-se como elemento central da segurança no emprego, como a
«garantia da garantia».
Enquanto pauta de valoração, que carece de preenchimento, a «justa causa»
implica uma abertura hermenêutica à estrutura geral da Constituição e à ordem de
valores que entranha essa estrutura. Se bem que a «justa causa» se subtraia a
uma definição conceptual, excluindo assim um método subsuntivo para lhe conferir
operatividade, ela não pode ter-se como «fórmula vazia pseudonormativa»
compatível «com todas ou quase todas as formas concretas de comportamento e
regras de comportamento (…). Ao invés, contém uma ideia jurídica específica»
[Karl Larenz, referindo-se às pautas de regulação que carecem de preenchimento
valorativo e exemplificando precisamente com a «justa causa» (Metodologia da
Ciência do Direito, trad. portuguesa, 2.ª ed., a partir da 5.ª ed. alemã de
1983, Lisboa, 1989, pp. 263-264).
A interpretação tem pois que fazer apelo aos valores da dignidade e da autonomia
e aos paradigmas do Estado social de direito. O critério de medida da
legislação haverá de ter em conta que para a ordem constitucional o trabalho
constitui um importante meio de auto-realização do indivíduo, que o trabalhador
é «um fim em si», não é um simples meio para os planos de vida do empregador, e
também que — como afirma Forsthoff — para a ordem da Constituição Social, «a
realidade da concreta existência individual deixou de se desenvolver num espaço
vital dominado e passou a desenvolver-se num espaço vital efectivo» (Ernest
Forsthoff, «Problemas constitucionales del Estado Social», in Wolfgang
Abendroth/Ernest Forsthoff/Karl Doehring, El Estado Social, trad. castelhana,
Madrid, 1986, pp. 43 e segs.).
Essa ideia tem expressão exemplar no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º
107/88 (cit.): «(…) A garantia de segurança do emprego (…) postula, desde logo,
a garantia da estabilidade da posição do trabalhador na relação de trabalho e de
emprego e a sua não funcionalização aos interesses da entidade patronal. E esta
verificação não pode deixar de interpenetrar o verdadeiro sentido da justa causa
para despedimento e a avaliação constitucional que sobre ela se empreenda»
(sublinhado agora).
2 — Da justa causa retira-se, no essencial, que o trabalhador não pode ser
privado do trabalho por mero arbítrio do empregador. A garantia constitucional
da segurança no emprego significa, num certo sentido, como afirmam Gomes
Canotilho e Vital Moreira, uma «alteração qualitativa do estatuto do titular da
empresa» que, assim, «não goza de liberdade de disposição sobre as relações de
trabalho» (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., Coimbra, 1993,
p. 287).
Na teleologia da norma do artigo 53.º da Constituição está pois a ideia de que a
estabilidade do emprego envolve uma «resistência» aos desígnios do empregador,
que ela não pode ser posta em causa por mero exercício da vontade deste.
Este sentido nuclear assinalou-o a jurisprudência constitucional ao conceito de
justa causa e à garantia que funda, da segurança no emprego. Em vários momentos
deixa claro que em nenhuma circunstância estão justificados os despedimentos
arbitrários ou discricionários.
O Acórdão n.º 107/88 (cit.) perguntava se a garantia constitucional da segurança
no emprego admitia apenas a justa causa disciplinar como fundamento de
despedimento (existência de culpa grave do trabalhador) ou se admitia também
«despedimentos fundados em causas objectivas não imputáveis a culpa do
empregador e que, em cada caso concreto, tornem praticamente impossível a
subsistência da relação de trabalho». E se bem que se não houvesse aí
concretizado uma resposta definitiva para o problema, advertiu-se logo para que
a eventual admissibilidade de despedimentos fundados em causas objectivas
haveria de pressupor um particular sistema (legal) de garantias substantivas e
de procedimento.
Este acórdão — que empreendera um longo excurso pela legislação laboral anterior
aos trabalhos preparatórios da Constituição — afirmou ainda que não cabia na
«intenção jurídico-normativa» da norma constitucional do artigo 53.º o
ressurgimento da figura do motivo atendível que o Decreto-Lei n.º 372-A/75
erigira em causa de despedimento e definira como «o facto, situação ou
circunstância objectiva, ligado à pessoa do trabalhador ou à empresa, que dentro
dos condicionalismos da economia da empresa, torne contrária aos interesses
desta e aos interesses globais da economia a manutenção da relação de trabalho».
Mesmo para quem não empreenda esta aproximação «originalista» da norma
constitucional, é clara a ideia — aliás, expressamente assumida no mesmo acórdão
— de que a essencialidade da justa causa está na não funcionalização do trabalho
aos interesses do empregador ou à mera conveniência da empresa. Ideia que vem
também estruturar a argumentação do Acórdão n.º 64/91 (cit.): Aqui, é retomado
o problema que se deixara em aberto no primeiro acórdão, da determinação dos
fundamentos de cessação do contrato de trabalho constitucionalmente admissíveis.
Diz-se: «(…) ao lado da ‘justa causa’ disciplinar, a Constituição não vedou em
absoluto ao legislador ordinário a consagração de certas causas de rescisão
unilateral do contrato de trabalho pela entidade patronal com base em motivos
objectivos, desde que as mesmas não derivem de culpa do empregador ou do
trabalhador e que tornem praticamente impossível a subsistência do vínculo
laboral». O acórdão adverte para que, neste caso dos despedimentos por causa
objectiva, se impõe a instituição de garantias substantivas e de procedimento.
Entre essas garantias estão a de determinação das causas [com suficiente
concretização dos conceitos da lei], da controlabilidade das situações de
impossibilidade objectiva, e do asseguramento ao trabalhador de uma
indemnização.
3 — Manifestamente, a Constituição não quis afastar as hipóteses de
desvinculação do trabalhador naquelas situações em que a relação de trabalho não
tem viabilidade de subsistência e que não são imputáveis à livre vontade do
empregador. A cessação do contrato de trabalho tem aqui um fundamento que
radica na mesma lógica de legitimação dos despedimentos colectivos. Para usar a
formulação do Acórdão n.º 64/91 (cit.), «a verdadeira impossibilidade objectiva
de subsistência da relação laboral e que justifica a legitimidade constitucional
dos despedimentos colectivos (…). Ora, é uma impossibilidade análoga que há-de
justificar também [aqui] os despedimentos individuais (…)».
Nos despedimentos por causa objectiva não existe o pressuposto da culpa, com a
censura ético-jurídica que lhe vai ligada. A emergência da cessação do vínculo
laboral não deriva de qualquer facto que o trabalhador houvesse que ter
prevenido com a sua própria vontade. E também não é imputável ao empregador.
«A inviabilidade [do contrato] respeita a todos, é uma impossibilidade
objectiva» (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. ii, 5.ª ed., Coimbra,
1992, pp. 66-67).
Ao decidir sobre a validade dos despedimentos concretamente declarados, o
tribunal abstrai dos pontos de vista relativos à culpa para erigir em critério
de decisão as causas e circunstâncias que a lei ligou àquela impossibilidade. A
garantia constitucional da segurança no emprego exige aqui que o «direito do
sistema» seja já, na maior medida possível, «direito do problema», direito
operativo que não regulação aberta capaz de potenciar despedimentos arbitrários,
judicialmente incontroláveis.
Esta ordem de considerações deve ser convocada para o julgamento de
constitucionalidade das normas em apreço, do artigo 2.º, alínea a), da Lei n.º
107/88 e dos artigos 26.º, 27.º, 28.º, 29.º, 30.º, 31.º, 32.º e 33.º do diploma
anexo ao Decreto-Lei n.º 64-A/89. Também essas normas tratam formas de cessação
do contrato individual de trabalho fora do âmbito da justa causa disciplinar.
Dispõem assim:
Lei n.º 107/88:
Artigo 2.º
A legislação a estabelecer pelo Governo […] assentará nos seguintes princípios
fundamentais:
a) Previsão de formas de cessação do contrato de trabalho com
base em causas objectivas não imputáveis a culpa do empregador ou do
trabalhador, fundadas em motivos económicos, tecnológicos, estruturais ou de
mercado, relativos à empresa, estabelecimento ou serviço que, em cada caso
concreto, tornem praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho,
estabelecendo-se, para o efeito, uma adequada regulamentação substantiva e
processual, rodeada de um particular quadro de garantias substantivas dos
direitos dos trabalhadores.
A este artigo 2.º, alínea a), da Lei n.º 107/88 corresponde, no diploma anexo ao
Decreto-Lei n.º 64-A/89, a Secção II [«Cessação do contrato de trabalho, por
extinção de postos de trabalho, não abrangida por despedimento colectivo»] do
Capítulo V [«Cessação de contratos de trabalho, por causas objectivas de ordem
estrutural, tecnológica ou conjuntural relativas à empresa»], integrada pelas
normas dos artigos 26.º a 33.º
Decreto-Lei n.º 64-A/89:
Artigo 26.º
(Motivos de extinção de posto de trabalho)
1 — A extinção de posto de trabalho justificada por motivos económicos ou de
mercado, tecnológicos ou estruturais, relativos à empresa, determina a cessação
do contrato de trabalho, desde que se verifiquem as condições previstas no
artigo seguinte.
2 — Para efeitos do número anterior, consideram-se:
a) Motivos económicos ou de mercado — comprovada redução da
actividade da empresa provocada pela diminuição da procura de bens ou serviços
ou a impossibilidade superveniente, prática ou legal, de colocar esses bens ou
serviços no mercado;
b) Motivos tecnológicos — alterações nas técnicas ou processos de
fabrico ou automatização dos equipamentos de produção, de controlo ou de
movimentação de cargas, bem como informatização de serviços ou automatização de
meios de comunicação;
c) Motivos estruturais — encerramento definitivo da empresa, bem
como encerramento de uma ou várias secções, ou estrutura equivalente, provocado
por desequilíbrio económico-financeiro, por mudança de actividade ou por
substituição de produtos dominantes.
Artigo 27.º
(Condições de cessação do contrato de trabalho)
1 — A cessação do contrato de trabalho prevista no artigo anterior só pode ter
lugar desde que, cumulativamente, se verifiquem os seguintes requisitos:
a) Os motivos invocados não sejam imputáveis a culpa do
empregador ou do trabalhador;
b) Seja praticamente impossível a subsistência da relação de
trabalho;
c) Não se verifique existência de contratos a termo para as
tarefas correspondentes às do posto de trabalho extinto;
d) Não se aplique o regime previsto no artigo 16.º [despedimento
colectivo];
e) Seja posta à disposição do trabalhador a compensação devida.
2 — Havendo na secção ou estrutura equivalente uma pluralidade de postos de
trabalho de conteúdo funcional idêntico, a entidade empregadora, na
concretização de postos de trabalho a extinguir, observará, por referência aos
respectivos titulares, os critérios a seguir indicados, pela ordem estabelecida:
1.º Menor antiguidade no posto de trabalho;
2.º Menor antiguidade na categoria profissional;
3.º Categoria profissional de classe inferior;
4.º Menor antiguidade na empresa.
3 — A subsistência da relação de trabalho torna-se praticamente impossível desde
que, extinto o posto de trabalho, a entidade empregadora não disponha de outro
que seja compatível com a categoria do trabalhador ou, existindo o mesmo, aquele
não aceite a alteração do objecto do contrato de trabalho.
4 — Os trabalhadores que nos três meses anteriores à data da comunicação
referida no n.º 1 do artigo seguinte tenham sido transferidos para determinado
posto de trabalho que vier a ser extinto têm direito a reocupar o posto de
trabalho anterior, com garantia da mesma remuneração de base, salvo se este
também tiver sido extinto.
Artigo 28.º
(Comunicações)
1 — Para os efeitos previstos nos artigos anteriores, a entidade empregadora
deve comunicar, por escrito, à comissão de trabalhadores ou, na sua falta, à
comissão intersindical ou comissão sindical respectiva a necessidade de
extinguir o posto de trabalho e a consequente cessação do contrato do trabalhor
que o ocupe.
2 — A comunicação a que se refere o número anterior deve igualmente ser feita a
cada um dos trabalhadores envolvidos e enviada ao sindicato representativo dos
mesmos, quando sejam representantes sindicais.
3 — A comunicação a que se referem os números anteriores deve ser acompanhada
de:
a) Indicação dos motivos invocados para a extinção do posto de
trabalho, com identificação da secção ou unidade equivalente a que respeitam;
b) Indicação das categorias profissionais e dos trabalhadores
abrangidos.
Artigo 29.º
(Processo)
1 — Dentro do prazo e nos termos previstos no artigo 24.º da Lei n.º 46/79, de
12 de Setembro, a estrutura representativa dos trabalhadores deve, em caso de
oposição à cessação, emitir parecer fundamentado do qual constem as respectivas
razões, nomeadamente quanto aos motivos invocados, quanto à não verificação dos
requisitos previstos nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 27.º ou quanto à
violação das prioridades a que se refere o n.º 2 do mesmo artigo, bem como as
alternativas que permitam atenuar os seus efeitos.
2 — Dentro do mesmo prazo podem os trabalhadores abrangidos pronunciar-se nos
termos do número anterior.
3 — A estrutura representativa dos trabalhadores e cada um dos trabalhadores
abrangidos podem, nos três dias úteis posteriores à comunicação referida nos
n.os 1 e 2 do artigo 28.º, solicitar a intervenção da Inspecção-Geral do
Trabalho para fiscalizar a verificação dos requisitos previstos nas alíneas c) e
d) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 27.º
4 — A Inspecção-Geral do Trabalho, no prazo de sete dias contados da data de
recepção do requerimento referido no número anterior, elaborará relatório sobre
a matéria sujeita à sua fiscalização, o qual será enviado à entidade requerente
e à entidade empregadora.
Artigo 30.º
(Cessação do contrato de trabalho)
1 — Decorridos cinco dias sobre o prazo previsto nos n.os 1 e 2 do artigo
anterior, em caso de cessação do contrato de trabalho, a entidade empregadora
proferirá, por escrito, decisão fundamentada de que conste:
a) Motivo da extinção do posto de trabalho;
b) Confirmação dos requisitos previstos nas alíneas a) a d) do
artigo 27.º, com justificação de inexistência de alternativas à cessação do
contrato do ocupante do posto de trabalho extinto ou menção da recusa de
aceitação das alternativas propostas;
c) Indicação do montante da compensação, bem como o lugar e forma
do seu pagamento;
d) Prova do critério de prioridades, caso se tenha verificado
oposição quanto a este;
e) Data da cessação do contrato.
2 — A decisão será comunicada, por cópia ou transcrição, à entidade referida no
n.º 1 do artigo 28.º e, sendo o caso, à mencionada no n.º 2 do mesmo artigo e,
bem assim, aos serviços regionais da Inspecção-Geral do Trabalho.
Artigo 31.º
(Direitos dos trabalhadores)
Aos trabalhadores cujo contrato de trabalho cesse nos termos da presente secção
aplica-se, com as devidas adaptações, o disposto nos artigos 21.º e 22.º e nos
n.os 1, 2 e 3 do artigo 23.º
Artigo 32.º
(Nulidade da cessação do contrato)
1 — A cessação do contrato de trabalho é nula se se verificar algum dos
seguintes vícios:
a) A inexistência do fundamento invocado;
b) Falta dos requisitos previstos no n.º 1 do artigo 27.º;
c) Violação dos critérios enunciados no n.º 2 do artigo 27.º;
d) Falta das comunicações prevista no artigo 28.º;
e) Falta de pagamento da compensação devida nos termos do artigo
anterior.
2 — A nulidade só pode ser declarada em tribunal, em acção intentada pelo
trabalhador com essa finalidade.
3 — As consequências da nulidade são as previstas no artigo 13.º para o
despedimento declarado ilícito.
Artigo 33.º
(Providência cautelar de suspensão da cessação do contrato)
1 — O trabalhador pode requerer a suspensão judicial da cessação do contrato no
prazo de cinco dias úteis contados da recepção da comunicação a que se refere o
n.º 2 do artigo 30.º
2 — A providência cautelar de suspensão da cessação do contrato é regulada nos
termos previstos no Código de Processo do Trabalho para o despedimento com justa
causa, com as devidas adaptações.
Estas normas são aqui analisadas na sua inter-relação de sistema, e isso sem pôr
em causa a autonomia da norma do artigo 2.º, alínea a), da Lei n.º 107/88. É
importante reter os traços essenciais do regime concreto que constroem: a
caracterização das causas de despedimento, as suas condições substantivas e
processuais e as garantias asseguradas ao trabalhador.
Desde logo, a norma do artigo 2.º, alínea a), da Lei n.º 107/88 não afronta a
garantia constitucional da segurança no emprego. Ali, as causas objectivas de
cessação do contrato de trabalho são ordenadas a uma circunstância de
impossibilidade prática, de inexigibilidade da permanência do contrato. Segundo
o programa da norma, essas causas devem revelar «a inexistência ou inadequação
prática de medida alternativa à extinção do vínculo» (Monteiro Fernandes).
Depois, não devem ser em qualquer caso imputáveis a culpa do empregador.
Finalmente, está o Governo-legislador incumbido de instituir, quanto a essas
formas de cessação, um sistema adequado de garantias substantivas e de
procedimento.
A norma vem, por este modo, ao encontro dos pressupostos que o Acórdão n.º
107/88, ao analisar o Decreto n.º 81/V, já ensejava para a admissibilidade — que
então não discutiu — dos despedimentos por causa objectiva.
Ora, é justamente o desiderato estabelecido na norma do artigo 2.º, alínea a),
da Lei n.º 107/88, que se realiza nas normas dos artigos 26.º a 33.º do
Decreto-Lei n.º 64-A/89. Aqui, o Governo exerce uma competência normativa que
tem os limites e se ordena aos fins ditados na lei de autorização.
Nas normas dos artigos 26.º a 33.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, o legislador
exige, no sentido da Constituição, uma motivação justa, processualmente
adequada, judicialmente controlável e com pagamento de uma indemnização para os
despedimentos por causa objectiva. Para isso, explicita as causas [motivos
económicos ou de mercado, motivos tecnológicos, motivos estruturais (artigo
26.º, n.os 1 e 2), impõe a verificação cumulativa de certas condições [artigo
27.º, n.º 1, alíneas a), b), c), d) e e)] e também critérios para a
«concretização dos postos de trabalho a extinguir» (artigo 27.º, n.º 2)].
Dentre as condições a que se subordina a cessação do contrato de trabalho
relevam, em especial, a de não imputabilidade dos motivos invocados a culpa do
empregador, [artigo 26.º, n.º 1, alínea a)] a de impossibilidade prática da
subsistência do vínculo [artigo 26.º, n.º 1, alínea a)] e a não existência de
contratos a termo para as tarefas correspondentes às do posto de trabalho
extinto [artigo 26.º, n.º 1, alínea a)], para além da garantia — que mais se
afirma como garantia a posteriori — de uma indemnização. E relevam porque aí se
revêem os traços essenciais da justificação que a garantia constitucional de
segurança no emprego exige aos despedimentos por causa objectiva: a não
disponibilidade do empregador sobre a relação de trabalho, a emergência da
resolução do contrato como «imperativo prático» (Monteiro Fernandes), a
inexistência de formas contratuais a termo para as tarefas correspondentes ao
posto de trabalho a extinguir, aqui se consubstanciando um «controlo de
prognoses» (Gomes Canotilho e Vital Moreira) sobre a permanência no futuro das
causas de extinção do vínculo.
A condição de impossibilidade prática de subsistência do contrato (artigo 26.º,
n.º 3) é mesmo especialmente concretizada por forma a poder-se constituir um
critério de valoração para o controlo do despedimento. Esse critério — que é,
de novo, explicitado na norma do artigo 30.º, n.º 1, alínea b) —é o da
inexistência de uma alternativa razoável à cessação do vínculo.
Mas no sistema das normas em análise relevam ainda garantias adequadas de
procedimento: a entidade empregadora deve comunicar às estruturas
representativas dos trabalhadores a intenção de extinguir os postos de trabalho
em causa (artigo 28.º). Essas estruturas e o trabalhador podem «em caso de
oposição à cessação, emitir parecer fundamentado» e «solicitar a intervenção da
Inspecção-Geral do Trabalho» (artigo 29.º).
A decisão de despedimento deve ser fundamentada, entre o mais, com a indicação
dos motivos e «justificação de inexistência de alternativas à cessação do
contrato do ocupante do posto de trabalho extinto» (artigo 30.º) e comunicada ao
trabalhador e seus representantes e também à Inspecção-Geral do Trabalho.
O Decreto-Lei n.º 64-A/89 define ainda as causas de nulidade do despedimento
cujo controlo é cometido ao tribunal (artigo 32.º) e institui a providência
cautelar da suspensão de cessação do contrato (artigo 33.º). Finalmente,
garante ao trabalhador os direitos a aviso prévio, crédito de horas e
compensação pecuniária por despedimento (artigo 31.º, remetendo para os artigos
21.º, 22.º, n.os 1, 2 e 3, e 23.º).
A cessação do contrato de trabalho por causas objectivas, prevista nas normas
dos artigos 26.º a 33.º do diploma anexo ao Decreto-Lei n.º 64-A/89, não afronta
a garantia constitucional da segurança no emprego. Aí estão suficientemente
determinadas as causas objectivas e a sua ligação à circunstância da
impossibilidade prática de subsistência do vínculo laboral, aí se afasta
expressamente a liberdade de «disposição» do empregador, aí se estabelecem
garantias adequadas de procedimento. Estas normas radicam a cessação do
contrato de trabalho na ideia de que a manutenção do trabalho deixou de ser
possível ou proporcionada em certas situações. E têm a determinabilidade
exigível para oferecer ao juiz critérios de controlo dos despedimentos
concretamente declarados.
IV — As garantias dos representantes eleitos dos trabalhadores: as normas do
artigo 2.º, alínea f), da Lei n.º 107/88 e do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º
64-A/89 [na parte em que revoga a Lei n.º 68/79, de 9 de Outubro]
Dispõem assim:
Lei n.º 107/88:
Artigo 2.º
A legislação a estabelecer pelo Governo […] assentará nos seguintes princípios
fundamentais:
..............................................................
f) Uniformização do processo de despedimento dos representantes
dos trabalhadores, ainda que rodeado de um particular quadro de garantias
substantivas, com recondução da competência para a decisão do despedimento à
entidade empregadora como detentora do poder disciplinar na empresa.
Esta norma deve ser lida em articulação com a do artigo 1.º, n.º 1, alínea f),
da mesma lei, que autoriza o Governo a revogar a Lei n.º 68/79, de 9 de Outubro.
Decreto-Lei n.º 64-A/89:
Artigo 2.º
(Norma revogatória)
São revogados o […] e a Lei n.º 68/79, de 9 de Outubro.
1 — Estas normas são, no pedido, confrontadas com a garantia constitucional da
segurança no emprego (CRP, artigo 53.º), na relação de sentido que tem com a
garantia constitucional de protecção dos representantes dos trabalhadores (CRP,
artigos 54.º, n.º 4, e 56.º, n.º 6, na redacção de 1982). Argumenta-se, ali,
que a revogação da Lei n.º 68/79 [que instituiu um regime de protecção
específica no emprego dos representantes dos trabalhadores, aí relevando a
imposição da via judicial para a concretização dos despedimentos] «não é
acompanhada de garantias substantivas, cautelares e prévias» que realizem uma
protecção adequada daqueles trabalhadores.
2 — A garantia de uma protecção específica dos representantes dos trabalhadores
— que a Constituição não define, mas remete para a competência do legislador —
funda-se na necessidade de obviar ao risco «acrescido» de despedimento que sobre
os mesmos recai pelo exercício da sua actividade sindical ou de defesa dos
trabalhadores no sector da empresa: a segurança no emprego está, com efeito,
mais vulnerabilizada ali onde o trabalhador protagoniza ele mesmo a organização,
a força e a reivindicação que na bipolaridade da relação de trabalho se opõe à
entidade patronal.
A protecção da lei intervém a corrigir o desequilíbrio real que se verifica
entre a situação dos membros das comissões de trabalhadores e delegados
sindicais e a dos demais trabalhadores. A funcionalidade que desenvolve
orienta-se imediatamente à garantia subjectiva da segurança no emprego dos seus
destinatários (CRP, artigo 53.º). Mas é também meio de protecção objectiva da
própria auto-organização dos trabalhadores e da liberdade sindical (CRP, artigo
54.º e artigos 56.º e 55.º, nas redacções de 1982 e 1989, respectivamente).
Esta liberdade — que para o ser exige condições de transparência e de
não-constrangimento — seria sempre limitada se os trabalhadores associassem o
exercício das funções sindicais ao risco de insegurança no emprego [cfr. os
Acórdãos n.os 122/86, Diário da República, II Série, de 6 de Agosto de 1986, e
576/94, inédito].
A concretização de uma «protecção adequada» dos representantes dos trabalhadores
comete-a a Constituição ao legislador. Dos enunciados da norma do artigo 56.º,
n.º 6 [agora, artigo 55.º, n.º 6] — «a lei assegura protecção adequada aos
representantes dos trabalhadores…» — e da norma do artigo 54.º, n.º 4 — «os
membros das comissões gozam da protecção legal reconhecida aos delegados
sindicais» — resulta, com evidência, uma reserva de conformação legislativa
(Ausgestaltungsvorbehalt).
A protecção dos representantes dos trabalhadores apresenta-se ali como garantia
da liberdade sindical e da segurança no emprego. Essa garantia só existe na
modulação que o legislador lhe confere. Como lembra Vieira de Andrade, é quando
se trata de efectivar direitos em que predomina o aspecto institucional que se
afirma com particular notoriedade a competência constitutiva do legislador [cfr.
Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Coimbra, 1983, p.
227].
Ora, aí onde o legislador detém uma competência constitutiva detém um inequívoco
espaço de revisibilidade. O legislador não pode anular a determinação
constitucional de existência de uma protecção adequada dos representantes dos
trabalhadores [e das suas funções] mas é livre para modular essa protecção,
modificá-la, construí-la em «novidade permanente».
À partida, pois, não é possível afirmar a ilegitimidade da medida revogatória
ditada na Lei n.º 107/88 [Lei de autorização] e depois concretizada no artigo
2.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89. O que importa é perguntar se a revogação da Lei
n.º 68/79, de 9 de Outubro — que instituiu um certo sistema de garantias
processuais no despedimento dos representantes eleitos e, entre elas, a da
reserva da via judicial — é agora substituída por um sistema de garantias também
adequadas, por forma a que a alteração legislativa não venha «defraudar» a
Constituição.
Mas, sendo assim, a muito pouco haverá de reconduzir-se a tarefa de controlo da
Lei n.º 107/88, a lei de autorização legislativa neste plano do artigo 2.º,
alínea f) [e do artigo 1.º que com ele se articula]. Do conteúdo material dessa
norma resulta não apenas um ditado de «uniformização do processo de despedimento
dos representantes dos trabalhadores» mas também um ditado de que esse processo
seja «rodeado de um particular quadro de garantias substantivas». Norma aberta,
de atribuição de competência ao Governo-legislador, do artigo 2.º da Lei n.º
107/88 não pode à partida afirmar-se que afronta o desiderato constitucional de
uma protecção específica dos representantes eleitos dos trabalhadores. O
controlo de constitucionalidade ganha, quanto a esta temática, um especial
sentido e eficácia no momento do decreto-lei autorizado, o Decreto-Lei n.º
64-A/89.
A ideia de que aqui existe uma abertura estrutural das determinantes da lei de
autorização, com consequências metódicas, constitui mesmo a base sobre que o
Acórdão n.º 107/88 analisou a norma do artigo 2.º, alínea f), do Decreto n.º
81/V da Assembleia da República. Essa norma — que se articulava também com uma
norma de competência revogatória da Lei n.º 68/79, de 9 de Outubro — tinha
precisamente o mesmo conteúdo destoutra, do artigo 2.º, alínea f), da Lei n.º
107/88. Afirmou, então, o Tribunal:
A Lei n.º 68/79, de 9 de Outubro, cuja revogação é autorizada pela norma do
artigo 1.º, n.º 1, define na actualidade um regime processual de protecção em
casos de despedimento de trabalhadores membros das respectivas organizações
representativas, consagrando uma «reserva de decisão judicial» como garantia da
segurança no emprego e da liberdade sindical desses trabalhadores. O
despedimento só pode ter lugar por meio de acção judicial se contra ele se tiver
pronunciado o trabalhador interessado e a comissão de trabalhadores ou
associação sindical, consoante os casos (…).
Mas será que a Constituição exige e impõe necessariamente esta reserva de acção
e decisão judicial?
A norma do artigo 2.º, alínea f), autoriza a uniformização do processo de
despedimento dos representantes dos trabalhadores, com recondução da competência
para o despedimento à entidade empregadora, se bem que aquele venha a ser
rodeado de um particular quadro de «garantias substantivas» (…).
Se é certo que a Lei n.º 68/79 contém um determinado sistema de garantias
processuais cuja supressão é autorizada, não pode agora dizer-se, em termos
absolutos, que tais garantias não possam vir a ser substituídas por outras
igualmente adequadas e eficazes, mesmo na ausência da reserva judicial.
A Constituição não exige uma certa e determinada forma especial de protecção,
apenas impõe um conteúdo protectivo adequado cuja concretização, ao menos no
plano abstracto, pode ser assumida de diversas maneiras (…). Nas garantias
substantivas que a lei delegada há-de discriminar, pode conter-se o conjunto de
garantias mínimo exigível em termos de preenchimento da protecção adequada
constitucionalmente imposta. Tudo depende de saber se as «garantias
substantivas» que venham a ser estabelecidas em substituição do regime
actualmente contemplado na Lei n.º 68/79 constituirão ainda protecção adequada
em termos de ser dada satisfação às exigências constitucionais (…).
Esta argumentação transpõe-se com oportunidade para o julgamento da norma do
artigo 2.º, alínea f), da Lei n.º 107/88. O controlo de constitucionalidade
remete-se, agora, para os vários momentos que no Decreto-Lei n.º 64-A/89
concorrem para um sistema concreto de garantias dos representantes eleitos dos
trabalhadores, a indagar se aí se concretiza uma «protecção adequada» dos mesmos
trabalhadores.
3 — A locução «protecção adequada», como a locução «justa causa», carece de um
preenchimento valorativo. Também aqui é necessário um recurso às directivas
materiais que fundam a imposição constitucional em causa. Isso devolve-nos à
pergunta pela «ratio» dos artigos 54.º, n.º 4, e 55.º, n.º 6 [agora, artigo
56.º, n.º 6], da Constituição.
A ideia rectora é aí a de garantir uma liberdade sindical efectiva pela
prevenção dos riscos que o seu exercício pode induzir. O legislador
interpretou-a também assim no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 64-A/89, ao dizer:
«Quanto aos representantes sindicais e membros das comissões de trabalhadores,
prevê-se um regime especial de protecção e garantia, tornando inviável o recurso
ao processo de despedimento que, sob outro rótulo, pretenda atingir a função de
representação dos trabalhadores».
É essa mesma ideia que haverá de orientar o controlo de constitucionalidade das
normas que, no Decreto-Lei n.º 64-A/89, intentam a concretização da «protecção
adequada» constitucionalmente imposta.
No sistema do Decreto-Lei n.º 64-A/89, «as acções de impugnação do despedimento
de representantes sindicais ou de membros de comissão de trabalhadores têm
natureza urgente» (artigo 12.º, n.º 6); a suspensão preventiva que possa ocorrer
com a notificação da nota de culpa não lhes veda o acesso aos locais e
actividades que compreendam o exercício normal daquelas funções (artigo 11.º,
n.º 2); e se os mesmos trabalhadores requererem, acima de tudo e como regra, a
suspensão judicial do despedimento, essa providência só não deve ser decretada
«se o tribunal concluir pela existência de probabilidade séria de verificação de
justa causa de despedimento» (artigo 14.º, n.º 3) [regra especial que se desvia
do artigo 43.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, que determina que «a
suspensão do despedimento só é decretada (…) se o tribunal, ponderadas todas as
circunstâncias relevantes, concluir pela probabilidade séria de inexistência de
justa causa». O «non liquet» probatório funciona, no Decreto-Lei n.º 64-A/89, a
favor dos representantes eleitos dos trabalhadores].
Estão ainda as garantias de preferência na conservação do emprego, em caso de
despedimento colectivo (artigo 23.º, n.º 4); de não aplicação do processo
disciplinar próprio das pequenas empresas (artigo 15.º, n.º 4); e de um
procedimento que conta com o dever de a entidade patronal comunicar a nota de
culpa e a decisão de despedimento à associação sindical (artigo 10.º, n.os 3 e
10). Depois, os limites das sanções que o Decreto-Lei n.º 64-A/89 determina
para a entidade empregadora no artigo 60.º, n.º 1, são agravados para o dobro,
quando os trabalhadores em causa detenham a qualidade de representantes
sindicais ou membros das comissões de trabalhadores (artigo 60.º, n.º 2).
A imposição constitucional de uma «protecção adequada» no sentido que se lhe
assinalou, de garantia contra os despedimentos ordenada a protecção da liberdade
sindical e da auto-organização dos trabalhadores, têm pois nas opções do
Decreto-Lei n.º 64-A/89 um suficiente grau de concretização. Ali se inscrevem
garantias substantivas e de processo capazes de obviar a um maior risco de
despedimento. Ali se reconhece, afinal, a intenção reguladora. Já anunciada no
preâmbulo.
V — Despedimento nas pequenas empresas: as normas do artigo 2.º, alínea c), da
Lei n.º 107/88 e do artigo 15.º do diploma anexo ao Decreto-Lei n.º 64-A/89
Dispõem assim:
Lei n.º 107/88:
Artigo 2.º
A legislação a estabelecer pelo Governo […] assentará nos seguintes princípios
fundamentais:
..............................................................
c) Simplificação do processo de despedimento nas empresas com
menos de 21 trabalhadores, garantindo sempre ao trabalhador o direito de defesa
e a exigência de fundamentação escrita que delimite a apreciação judicial da
licitude do despedimento; (…).
Decreto-Lei n.º 64-A/89:
Artigo 15.º
(Pequenas empresas)
1 — Nas empresas com um número de trabalhadores não superior a vinte, no
processo de despedimento são dispensadas as formalidades previstas nos n.os 2 a
5 e 7 a 10 do artigo 10.º
2 — É garantida a audição do trabalhador, que a poderá substituir, no prazo de
cinco dias úteis contados da notificação da nota de culpa, por alegação escrita
dos elementos que considere relevantes para o esclarecimento dos factos e da sua
participação nos mesmos, podendo requerer a audição de testemunhas.
3 — A decisão do despedimento deve ser fundamentada com discriminação dos factos
imputados ao trabalhador, sendo-lhe comunicada por escrito.
4 — No caso de o trabalhador arguido ser membro de comissão de trabalhadores ou
representante sindical, o processo disciplinar segue os termos do artigo 10.º
O artigo 15.º é parte da regulação do «Despedimento promovido pela entidade
empregadora» (despedimento disciplinar) que integra o Capítulo IV.
Ambos os preceitos — o artigo 2.º, alínea c), da Lei n.º 107/88, e o artigo 15.º
do Decreto-Lei n.º 64-A/89 — são, respectivamente no primeiro e no segundo
pedidos, confrontados com a garantia constitucional de segurança no emprego
(CRP, artigo 53.º) e o princípio da igualdade (CRP, artigo 13.º). O fundamento
é o de que a simplificação que nelas se determina, do processo de despedimento
nas empresas com um número de trabalhadores não superior a vinte, implica uma
«menor protecção» no emprego dos trabalhadores dessas empresas, relativamente
aos demais trabalhadores.
O julgamento de constitucionalidade vale a um tempo para o preceito da Lei de
autorização e para o preceito do Decreto-Lei n.º 64-A/89. É verdade que, aqui,
existe um maior grau de concretização normativa, abrindo espaço a valorações
suplementares. Mas a Lei de autorização tem já os traços essenciais da ideia
regulativa que depois se revê no conteúdo material do artigo 15.º do Decreto-Lei
n.º 64-A/89.
Essa ideia é a de simplificação do processo disciplinar nas pequenas empresas
com a preservação das garantias irremissíveis de defesa e de fundamentação
escrita da decisão da entidade empregadora. O Decreto-Lei n.º 64-A/89
concretiza-a, reafirmando essas garantias (artigo 15.º, n.os 2 e 3) e
dispensando certas formalidades do processo (artigo 15.º, n.º 1), a saber: (1) a
intervenção da comissão de trabalhadores da empresa [não é notificada da
intenção de despedimento nem recebe a nota de culpa (artigo 10.º, n.º 2), não
emite parecer (artigo 10.º, n.º 7), não influencia, por isso, a ponderação da
decisão de despedimento (artigo 10.º, n.º 9), e não é, depois, notificada dessa
decisão (artigo 10.º, n.º 10)]; (2) as diligências probatórias no exercício do
direito de defesa [sendo que, aqui, opera uma substituição da norma do artigo
10.º, n.º 4, pela norma do artigo 15.º, n.º 2]; (3) o prazo de trinta dias para
a tomada de decisão pela entidade empregadora [que agora não existe (artigo
15.º, n.º 1, e artigo 10.º, n.º 8)].
A simplificação do processo de despedimento nas pequenas empresas reconduz-se
praticamente à dispensa das formalidades relativas à intervenção da comissão de
trabalhadores. Essa dispensa, aliás, não existe no processo de despedimento dos
representantes eleitos dos trabalhadores, que «segue os termos do artigo 10.º»
[daí que o intérprete haja de fazer uma «redução» da norma do artigo 15.º, n.º
1: de acordo com a teleologia imanente à lei, esta norma não pode querer
dispensar a formalidade prevista no artigo 10.º, n.º 3].
Há, então, que analisar se o processo de despedimento nas pequenas empresas
daquele modo configurado — com supressão de certas formalidades referidas no
artigo 10.º e preservação das demais garantias do regime-regra — é ou não
conforme à garantia constitucional da segurança no emprego (CRP, artigo 53.º) e
ao princípio da igualdade (CRP, artigo 13.º).
A análise não é relacional [no sentido da comparação do processo nas grandes e
pequenas empresas] quando se trata de orientar o controlo de constitucionalidade
à garantia de segurança no emprego. Aqui, pergunta-se se a simplificação ditada
no artigo 2.º, alínea c), da Lei de autorização legislativa e depois
concretizada no artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89 é de tal modo intensa que
venha «defraudar» a afirmação directa daquela garantia neste plano das empresas
com um número de trabalhadores não superior a vinte.
Esta metódica é imposta uma vez mais pela liberdade de conformação legislativa.
À partida, o legislador não está vinculado a manter os mesmos níveis de
procedimento para os trabalhadores das grandes e pequenas empresas, mas em ambos
os casos tem que realizar o programa da norma constitucional sobre a segurança
no emprego.
Um outro momento da análise é o da limitação «externa» ou proibição do arbítrio.
Aqui temos o problema da igualdade e do apelo a um método relacional. É
necessário perguntar se a diferenciação legal estabelecida para os processos de
despedimento dos trabalhadores das grandes e das pequenas empresas é uma
diferenciação não arbitrária.
Que as normas do artigo 2.º, alínea c), da Lei n.º 107/88 e do artigo 15.º do
Decreto-Lei n.º 64-A/89 ainda realizam a garantia constitucional da segurança no
emprego está bem de ver desde os momentos preliminares da fundamentação: as
formalidades que para os processos de despedimento nas pequenas empresas se
retiram do regime-regra não eliminam as garantias essenciais que neste regime
tornam efectiva a estabilidade contratual. [Essas formalidades centram-se no
quadro de intervenção das comissões de trabalhadores. Embora como ponto de
apoio não decisivo, lembremos que, nas pequenas empresas, as comissões de
trabalhadores ou as associações sindicais têm a própria composição limitada por
lei (cfr. artigo 14.º da Lei n.º 46/79, de 12 de Dezembro; artigo 33.º do
Decreto-Lei n.º 215-B/75, de 30 de Abril)].
Seguramente, pois, o processo simplificado do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º
64-A/89 não está em colisão com a garantia constitucional da segurança no
emprego. Mas, porque constitui em si um desvio ao regime-regra dos
despedimentos dos demais trabalhadores [os das outras empresas], suprimindo
momentos de defesa que aqui permanecem, é necessário perguntar pela sua
justificação em ordem ao princípio da igualdade.
Essa justificação reside nas diferenças estruturais e de funcionamento das
pequenas empresas, na imediação das relações que nelas se estabelecem e na
projecção dessa realidade sobre a espécie de despedimento em causa [despedimento
disciplinar].
As diferenças estruturais e de funcionamento das pequenas empresas com relação
às demais empresas era já considerada no Acórdão n.º 64/91 do Tribunal
Constitucional (cit.), se bem que no enquadramento distinto de uma discussão
sobre o período experimental do contrato de trabalho. Curiosamente, advertia-se
já ali para que o tema então em debate não era «caso único de relevância
daquelas diferenças […]. Outro caso, porventura mais nítido, é o da dispensa de
certas formalidades no processo disciplinar em empresas com um número de
trabalhadores não superior a 20, prevista no artigo 15.º, n.º 1, da Lei dos
despedimentos de 1989» [é precisamente a norma que aqui se analisa]. E se bem
que então se não haja ensejado um qualquer «julgamento» sobre a
constitucionalidade deste preceito, ele já se entrevê, ao menos no voto
particular do relator do mesmo acórdão, o Ex.mo Conselheiro Ribeiro Mendes, que
considerava injustificada a instituição de um diferente período experimental nas
pequenas empresas, mas afirmava que «tão pouco se pode argumentar com o
aligeiramento previsto na lei das formalidades do processo disciplinar para as
pequenas empresas, visto que tal aligeiramento corresponde a uma menor
sofisticação que existe, em regra, nas pequenas empresas de recursos mais
reduzidos […] sendo, assim, materialmente fundado […]».
A estrutura das pequenas empresas não é, como a das grandes empresas, uma
estrutura impessoal, burocrática e racionalizada. É uma estrutura pessoal, em
que se afirma ainda a «autoridade carismática» da entidade empregadora [cfr. Max
Weber, Economy and Society — An outline of interpretive sociology, in Guenther
Roth e Claus Wittich, eds., vol. ii, reimp., Berkeley, 1978, pp. 957, 987-989],
com uma gestão de recursos humanos e financeiros menos desenvolvida e
sofisticada.
Esta realidade projecta-se na «espécie» de despedimento cujo processo está a ser
regulado no artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89. Trata-se, já vimos, de
despedimento promovido pela entidade empregadora [Capítulo IV], com justa causa
disciplinar. Numa estrutura empresarial em que as relações se caracterizam pela
imediação e a pessoalização, o despedimento é mais dramatizado do que nas
estruturas das grandes empresas. Ali não existe o «aparato» de uma organização
pré-dada, que conta com meios jurídicos, formação desenvolvida de grupos de
representantes de trabalhadores, regras internas e cadeias de autoridade,
capazes de diluir o conflito. Se uma relação de trabalho está a «chegar ao fim»
numa pequena empresa ela tem concerteza uma intensidade mais dramática para o
conjunto da empresa do que a que existe nas proporções mais vastas de uma grande
empresa.
As normas em apreço têm pois uma justificação razoável e objectiva que legitima
um processo desigual. Não violam a garantia da segurança no emprego nem o
princípio da igualdade, constitucionalmente consagrados!
VI — Trabalhadores em idade de reforma: as normas do artigo 2.º, alínea m), da
Lei n.º 107/88 e do artigo 5.º do diploma anexo ao Decreto-Lei n.º 64-A/89
Dispõem assim:
Lei n.º 107/88:
Artigo 2.º
A legislação a estabelecer pelo Governo […] assentará nos seguintes princípios
fundamentais:
..............................................................
m) Criação de um regime que garanta aos trabalhadores reformados
por velhice ou de idade superior a 70 anos que, por acordo, continuem ao serviço
uma estabilidade condicionada de emprego com aplicação dos princípios
enformadores de contratação a termo certo, salvo os relativos à forma, aos
limites temporais da renovação do contrato e ao prazo de aviso de não renovação.
Decreto-Lei n.º 64-A/89:
Artigo 5.º
(Reforma por velhice)
1 — Sem prejuízo do disposto na alínea c) do artigo anterior [caducidade do
contrato com a reforma por velhice], a permanência do trabalhador ao serviço
decorridos 30 dias sobre o conhecimento, por ambas as partes, da sua reforma por
velhice fica sujeita, com as necessárias adaptações, ao regime definido no
capítulo VII [contrato a termo], ressalvadas as seguintes especificidades:
a) É dispensada a redução do contrato a escrito;
b) O contrato vigora pelo prazo de seis meses, sendo renovável
por períodos iguais e sucessivos, sem sujeição aos limites máximos estabelecidos
no n.º 2 do artigo 44.º;
c) A caducidade do contrato fica sujeita a aviso prévio de 60
dias, se for da iniciativa da entidade empregadora, ou de 15 dias, se a
iniciativa pertencer ao trabalhador.
2 — Logo que o trabalhador atinja os 70 anos de idade sem que o seu contrato
caduque nos termos da alínea c) do artigo 4.º, este fica sujeito ao regime
constante do capítulo VII, com as especificidades constantes das alíneas do
número anterior.
1 — Os dois preceitos são confrontados, respectivamente, no primeiro e no
segundo pedido, com a garantia constitucional da segurança no emprego (CRP,
artigo 53.º) e o princípio da igualdade (CRP, artigo 13.º). O argumento é o de
que ali se cria para os trabalhadores de um nível etário acima da idade da
reforma «um regime de despedimento automático e sem justa causa». Também aqui a
identidade de conteúdo material de ambos os preceitos possibilita um controlo
simultâneo da sua constitucionalidade.
As normas do artigo 5.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 64-A/89 operam ambas uma
transmutação do contrato de trabalho originário — por tempo indeterminado — num
contrato de trabalho a termo. A primeira norma liga essa consequência à
hipótese em que o trabalhador atinge a idade da reforma por velhice, requer e
obtém efectivamente essa reforma. A segunda norma liga-a à hipótese em que o
trabalhador atinge a idade da reforma, não requer nem, por isso, obtém essa
reforma, e atinge os setenta anos.
É esse o modo por que o Governo-legislador concretiza a ideia expressa no artigo
2.º, alínea m), da Lei n.º 107/88 de uma «estabilidade condicionada de emprego»
a garantir aos trabalhadores reformados por velhice ou de idade superior a 70
anos, «com aplicação dos princípios enformadores da contratação a termo certo».
Esta limitação da estabilidade do emprego haverá de ser justificada perante a
Constituição. De um lado, em ordem à garantia fundamental do artigo 53.º e à
sua articulação com as directivas metodológicas do artigo 18.º De outro lado,
em ordem à pergunta por um fundamento para o distinto regime a que a lei
subordina os contratos dos trabalhadores que atingem a idade da reforma e o dos
demais trabalhadores.
É verdade que existe uma diferença específica entre as normas do artigo 5.º, n.º
1 e do n.º 2. A primeira norma devolve à vontade do trabalhador a criação dos
pressupostos de facto que o fazem incorrer no novo contrato a termo. Se ele não
requer a reforma, não a obtém, não provoca a activação da caducidade prevista no
artigo 4.º, alínea c) [«o contrato de trabalho caduca (…) com a reforma do
trabalhador por velhice»]. A caducidade, com efeito, não é automática, e que o
não é comprova-o a própria existência das normas em análise.
A norma do artigo 5.º, n.º 1, tem pois um programa dirigido aos casos em que o
trabalhador atingiu os 65 anos, quis obter a reforma e acordou com a entidade
empregadora a continuação da relação de trabalho.
Já não é assim com a norma do artigo 5.º, n.º 2: aqui, independentemente da
vontade do trabalhador, o contrato originário dá lugar a um contrato a termo.
Não há de permeio o facto «reforma» embora tenha decorrido [e sido mesmo
ultrapassado] o tempo que constitui o direito de o trabalhador optar por essa
via.
Seja como for, a análise da questão de constitucionalidade deve centrar-se na
pergunta por uma justificação central, a ter em conta os pressupostos reais da
reforma por velhice, como dado relevante para a verificação das novas formas
contratuais previstas no artigo 5.º, n.os 1 e 2.
Aqui, não deve convocar-se uma concepção «utilitarista» dos direitos
fundamentais no sentido de encontrar, sem mais, justificação para uma
estabilidade condicionada do emprego «particular» dos mais velhos em ordem à
satisfação de um «bem geral» a que se ordenem as políticas de pleno emprego.
Como direitos individuais, os direitos fundamentais têm limites de
redutibilidade, não podem ser dissolvidos nos desideratos das políticas globais
do Estado. Ou, como afirma Dworkin, «da definição de um direito segue-se que
nem todos os objectivos sociais podem anulá-lo» (Taking Rights Seriously,
reimp., Londres, 1994, p. 92).
É sobretudo na perspectiva de uma justificação inerente à função do trabalho e
ao equilíbrio do contrato que haverá de indagar-se da razoabilidade da opção do
legislador. Ou seja: a lógica não é aqui a de uma «justiça de distribuição» que
tenha em vista uma «osmose» entre a empresa e o mercado de trabalho, mas uma
lógica que, em nome da dignidade e da solidariedade, atende às alternativas que
se apresentam ao trabalhador e, num certo sentido, à relação comutativa das
prestações no contrato.
2 — A reforma por velhice — como as demais vertentes da segurança social —
funda-se nos princípios da dignidade humana e da solidariedade. A ideia é a de
«reintegração do status da pessoa» enquanto valor individual e componente da
comunidade, de organização dos meios materiais e jurídicos para «remoção das
causas» que lhe limitam a capacidade física ou a suficiência económica (cfr.
Giuseppe Chiarelli, «La Sicurezza Sociale», in Scritti di Diritto Pubblico,
Milão, 1977, pp. 635-636).
É assim que a Constituição, no artigo 63.º, garante a todos o direito à
segurança social (n.º 1) e a criação de um sistema de protecção dos cidadãos «na
doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em
todas as outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou da
capacidade para o trabalho» (n.º 4). E a lei, no que a reforma por velhice
respeita, determina que «integra a eventualidade velhice a situação em que o
beneficiário tenha atingido a idade mínima legalmente presumida como adequada
para a cessação do exercício da actividade profissional», idade que é, em regra,
de 65 anos [cfr. os artigos 3.º e 22.º do Decreto-Lei n.º 329/93, de 25 de
Setembro].
Ora, a pergunta por uma justificação razoável da opção que o legislador
concretizou nas normas em análise exige também um recurso à «memória do
sistema». E o sistema é esse que garante ao trabalhador, em chegando à idade da
reforma, a alternativa de repouso com garantia de um «sucedâneo» da retribuição
antes percebida pela prestação de trabalho.
Não se trata de assentar a argumentação numa ideia de «incapacidade presumida».
Trata-se de, em consonância com as ponderações que subjazem ao próprio instituto
da reforma, afirmar que a idade avançada leva em si a eventualidade do cansaço e
da diminuição de capacidade e que isso dá ao trabalhador o direito de ir
descansar, com garantia de subsistência.
Esta recuperação do status da pessoa por via da segurança social em nome da
dignidade, que se constitui no sistema como direito, combina-se, aqui, no
controlo de constitucionalidade, com a análise da «perspectiva comutativa» do
contrato de trabalho [e isso sem prejuízo da especial feição do equilíbrio das
liberdades neste tipo de contrato].
É que se ao trabalhador foi criada uma alternativa digna ao contrato de
trabalho, não seria razoável que a partir da criação do pressuposto de facto que
justifica aquela alternativa — a idade da reforma — a entidade empregadora fosse
obrigada a manter ao seu serviço, por tempo indeterminado, trabalhadores com
mais de 65 anos.
Por mais que o contrato de trabalho se constitua em terreno adequado de «formas
de paternalismo legítimo» (C. S. Nino) existe aqui uma lógica de
proporcionalidade que aponta para a relevância, em certos termos, dos valores da
«equivalência» de prestações do contrato.
As normas em análise vêm exigir um acordo [que é também, num certo sentido, a
reverificação das velhas condições do contrato] entre a entidade empregadora e o
trabalhador para a manutenção da relação de trabalho. E a transmutação do
contrato originário em contrato a termo não é mais do que a lógica de retorno
aos mecanismos do acordo e àqueles seus fundamentos.
Temos assim uma regulação que se substitui ao silêncio da anterior ordem legal
do trabalho. Também esta ordem estabelecia a caducidade do contrato como
consequência da idade de reforma, mas nada dizia sobre os efeitos de um eventual
acordo de vontades para a «sua prorrogação» [cfr., em sentido diferente, o
regime jurídico do funcionalismo público, onde se determina a aposentação
obrigatória do funcionário que atinge os setenta anos].
Mas, assim, haverá de concluir-se que a «estabilidade condicionada de emprego»
para que apontou a Lei n.º 107/88 — e que o Decreto-Lei n.º 64-A/89 concretizou
— tem aquela justificação necessária para que se limite a pretensão de
optimização que, como em todas as garantias fundamentais, vai envolvida na norma
constitucional do artigo 53.º O trabalho como meio de realização, a retribuição
como condição de dignidade, e a equivalência das prestações do contrato estão
numa relação de equilíbrio aqui onde o trabalhador atinge a idade da reforma,
pode obtê-la e se abre um espaço de «renegociação do trabalho».
Assim, as normas em apreço ordenam-se também às directivas metódicas do artigo
18.º da Constituição e, porque justificadas, não afrontam o princípio da
igualdade.
VII — «Abandono do trabalho»: as normas do artigo 40.º do diploma anexo ao
Decreto-Lei n.º 64-A/89
Artigo 40.º
(Abandono do trabalho)
1 — Considera-se abandono do trabalho a ausência do trabalhador ao serviço
acompanhada de factos que com toda a probabilidade revelem a intenção de o não
retomar.
2 — Presume-se abandono do trabalho a ausência do trabalhador ao serviço
durante, pelo menos, quinze dias úteis seguidos, sem que a entidade empregadora
tenha recebido comunicação do motivo da ausência.
3 — A presunção estabelecida no número anterior pode ser ilidida pelo
trabalhador mediante prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da
comunicação da ausência.
4 — O abandono do trabalho vale como rescisão do contrato e constitui o
trabalhador na obrigação de indemnizar a entidade empregadora de acordo com o
estabelecido no artigo anterior.
5 — A cessação do contrato só é invocável pela entidade empregadora após
comunicação registada, com aviso de recepção, para a última morada conhecida do
trabalhador.
1 — O pedido incidente sobre o Decreto-Lei n.º 64-A/89 impugna todo o preceito
transcrito, se bem que com a afirmação de que o mesmo preceito viola a garantia
constitucional da segurança no emprego «na medida em que fixa uma presunção
contra o trabalhador». Esta presunção é estabelecida nas normas dos n.os 2 e 3,
o que, à partida, conduziria a uma redução do pedido a estas duas normas. Mas a
«presunção de abandono» tem uma especial interacção com as demais normas do
artigo 40.º, justificando o controlo global do preceito.
1.2 — O «abandono do trabalho» configura uma situação clara de incumprimento
imputável ao trabalhador: incumprimento do dever de realizar a prestação de
trabalho, dos deveres de assiduidade, urbanidade e mútua colaboração com a
empresa [Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969, artigos 18.º e 20.º,
n.º 1]. O trabalhador ausenta-se, não deixa representante, não dá notícias,
cria ele mesmo uma «relação negativa» com o local de trabalho.
Considerando esta realidade, o artigo 40.º atribui-lhe o efeito de rescisão do
contrato com obrigação de indemnizar (n.º 4). O silêncio do trabalhador
ausente, durante mais de 15 dias úteis consecutivos vale como declaração
extintiva de uma relação que de facto já não existe e que o «comportamento
concludente» do trabalhador indica não voltar a existir.
O legislador estabeleceu com isso uma presunção «juris tantum» de abandono do
trabalho (n.º 2) que «pode ser ilidida pelo trabalhador mediante prova da
ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação da ausência» (n.º
3). Neste caso, o problema devolve-se para o quadro de valorações do regime das
faltas e sua justificação [Decreto-Lei n.º 874/76, de 28 de Dezembro, capítulo
V].
À pergunta por uma legitimidade constitucional das normas do artigo 40.º não
pode adscrever-se um método que tenha em conta o recurso simples ao direito das
obrigações. Não pode aqui argumentar-se, sem mais, como faz certa doutrina, que
o contrato de trabalho se constitui em modo consensual e que isso permitirá a
dispensa de forma escrita para a sua cessação [dispensa de aviso prévio]. É que
a garantia constitucional da segurança no emprego implica precisamente um maior
peso do sistema de protecção do trabalhador no momento da desvinculação do
contrato.
E contudo, na perspectiva da Constituição, há-de dizer-se também que a solução
criada pelas normas do artigo 40.º, aqui em análise, não afronta aquela
garantia.
O artigo 40.º estabelece uma presunção ilidível de abandono, liga-lhe o efeito
de cessação do contrato, e estabelece um procedimento adequado para a invocação
dessa cessação (n.º 5). A ausência do trabalhador sem notícias é valorada como
facto mais grave do que o mero cometimento de faltas, pois que ali não há lugar
a um procedimento disciplinar. Aos «quinze dias úteis seguidos» de um «virar de
costas» do trabalhador o legislador ligou uma presunção que, a não ser afastada,
vale como rescisão. Daí, porventura, a razão de o pedido se concentrar no
problema da presunção: a presunção, porque afastando o procedimento disciplinar,
seria inconstitucional.
O «valor rescisório» do abandono é inegável e radica-se, afinal, no mesmo
fundamento do «valor rescisório» das faltas injustificadas. Trata-se de
incumprimento imputável ao trabalhador nos momentos essenciais do contrato, aí
que é a própria prestação de trabalho a deixar de ser realizada. Mas o abandono
do trabalho constitui uma realidade peculiar. Ele cria uma perspectiva de não
retorno que pode fazer emergir a necessidade de a empresa saber definitivamente
com o que conta e providenciar sobre a sua própria reorganização. Os destinos
do contrato atingiram aí um grau de incerteza que o legislador teve por bem
transformar de imediato numa clara situação jurídica (sobre esta
«transformação», mas no instituto civilístico da ausência, cfr. Karl Larenz,
Derecho Civil — Parte General, trad. castelhana, Madrid, 1978, p. 116). O
abandono pelo trabalhador sem notícias — e, depois, sem apresentar motivo sério
— ultrapassa já o quadro de normalidade das vicissitudes do contrato. Já não
existe, em princípio, boa fé, já não existe nenhuma espécie de relação com a
empresa: a situação é em si, como diz Bernardo Xavier, uma «situação extintiva»
do contrato (Bernardo Xavier, «Notas sobre o abandono do lugar nas relações de
trabalho privadas», Revista de Direito e de Estudos Sociais, 1979, p. 150).
A natureza da situação leva a concluir que as determinações do artigo 40.º não
são materialmente inadequadas. O legislador empreendeu aí uma valoração
diferente da que incide sobre a realidade das faltas, dispensando o processo
disciplinar para a cessação do contrato. Veio, porventura, reconhecer as
dificuldades que se experimentavam na organização desses processos, perante a
impossibilidade de contacto directo com os arguidos [dando conta dessas
dificuldades, cfr. Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, tomo i, 8.ª ed.,
Coimbra, 1993, p. 520]. Mas haverá ponderado também outros níveis de
justificação que se reconhecem na regulação do artigo 40.º: o abandono, aquele
«complexo factual constituído pela ausência do trabalhador e por factos
concludentes no sentido da existência da intenção de o não retomar» (Monteiro
Fernandes), mostra que o trabalhador já se demitiu da sua «cidadania
empresarial», que se distanciou inexoravelmente do programa do contrato e que
diluiu ele próprio o nexo de pertença a uma determinada organização produtiva e
à sua dimensão social e humana.
As normas do artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89 estão, assim, justificadas
perante a garantia constitucional de segurança no emprego.
2 — Ainda no âmbito desta temática do «abandono do trabalho», no primeiro pedido
— o que incide sobre a Lei n.º 107/88 — afirma-se a inconstitucionalidade da
norma do artigo 2.º, alínea e), da mesma lei, que autoriza a «criação da figura
de abandono do trabalho como causa autónoma da cessação do contrato de trabalho,
equiparada nas suas consequências à revogação por iniciativa do trabalhador, sem
justa causa e sem aviso prévio».
O fundamento apontado é o de uma ausência nessa norma de determinação do sentido
e da extensão da autorização. Mas o pedido não explicita esse fundamento,
pretendendo apenas que a Lei n.º 107/88 «no seu extenso clausulado, não
autorizou a alteração do elenco das causas subjectivas de despedimento» e que,
pelo teor de normas como a do artigo 2.º, alínea e), «permite soluções
inconstitucionais».
Que da norma do artigo 2.º, alínea e), não derivou uma concretização legislativa
inconstitucional, já se concluiu ao avaliar o artigo 40.º do diploma anexo ao
Decreto-Lei n.º 64-A/89. É claro que isso não é suficiente para o controlo da
norma agora em apreço, do artigo 2.º, alínea e), da Lei de autorização
legislativa. Mas demonstra, desde logo, que esta mesma norma não apresenta uma
estrutura inelutavelmente potenciadora de escolhas arbitrárias pelo
Governo-legislador.
Decisivo porém é que, da análise dessa mesma estrutura, resulta uma
parametricidade suficiente para cumprir o desiderato da norma do artigo 168.º,
n.º 2, da Constituição [cfr., infra, capítulo XIII]. O sentido e alcance da
autorização descobrem-se claramente na própria letra do preceito. E, para essa
descoberta, não é necessário, à diferença do que se pretende no pedido, que a
lei delegante haja de formular uma autorização genérica de alargamento dos casos
de despedimento por causa subjectiva e, depois, uma autorização específica para
cada caso. Relevante é que a lei deixe claramente afirmada a autorização a
conceder ao Governo, com independência da técnica com que o faz.
Do que se conclui pela não inconstitucionalidade da norma do artigo 2.º, alínea
e), da Lei n.º 107/88, de 17 de Setembro.
VIII — Contrato a termo: as normas do artigo 41.º, n.º 1, alíneas e), f) e h),
do diploma anexo ao Decreto-Lei n.º 64-A/89
Estas normas, que integram o Capítulo VII [Contratos a termo], dispõem assim:
Artigo 41.º
(Admissibilidade do contrato a termo)
1 — Sem prejuízo do disposto no artigo 5.º [trabalhadores em idade de reforma],
a celebração de contrato a termo só é admitida nos casos seguintes:
a) ..............................................................
;
b) ..............................................................
;
c) ..............................................................
;
d) ..............................................................
;
e) Lançamento de uma nova actividade de duração incerta, bem como
o início de laboração de uma empresa ou estabelecimento;
f) Execução, direcção e fiscalização de trabalhos de construção
civil, obras públicas, montagens e reparações industriais, incluindo os
respectivos projectos e outras actividades complementares de controlo e
acompanhamento, bem como outros trabalhos de análoga natureza e temporalidade,
tanto em regime de empreitada como de administração directa;
g) ..............................................................
;
h) Contratação de trabalhadores à procura de primeiro emprego ou
de desempregados de longa duração ou noutras situações previstas em legislação
especial de política de emprego.
2 — ..............................................................
1 — No pedido incidente sobre o Decreto-Lei n.º 64-A/89, estas normas são
arguidas de inconstitucionais com fundamento em violação da garantia de
segurança no emprego (CRP, artigo 53.º) e do princípio da igualdade (CRP, artigo
13.º). O argumento é o de que nas alíneas e) e f) são admitidos contratos a
prazo «sem que se verifique o carácter temporário da necessidade de mão-de-obra»
e de que, na alínea h), não há qualquer justificação para a mesma modalidade de
contrato. As normas das alíneas f) e h) são ainda arguidas de organicamente
inconstitucionais, com fundamento em violação dos limites de competência
demarcados na lei de autorização legislativa (CRP, artigo 168.º, n.º 2).
Já a lei de autorização legislativa [Lei n.º 107/88] apontava, no artigo 2.º,
alínea j), para que o Governo viesse a concretizar uma «revisão do contrato de
trabalho a termo», tendo em conta os objectivos de «retoma da aceitação da
contratação a termo incerto ao lado da contratação a termo certo ou a prazo;
delimitação clara das situações que legitimam a contratação a termo; exigência
de forma escrita para o contrato, com indicação expressa da circunstância
justificativa da estipulação do termo; redução da duração máxima do contrato a
termo quando seja objecto de renovações; reconhecimento ao trabalhador do
direito a uma compensação pecuniária pela caducidade do contrato que seja
proporcional à sua duração; proibição de rotação dos trabalhadores admitidos a
termo na ocupação do mesmo posto de trabalho».
E, nesta linha, o Decreto-Lei n.º 64-A/89 procedeu à reforma do regime jurídico
do contrato de trabalho a termo [era o regime do Decreto-Lei n.º 781/76, de 28
de Outubro]. No preâmbulo, diz-se: «Relativamente ao contrato de trabalho a
termo, a revisão a que se procede (…) parte de uma concepção substancialmente
distinta daquela em que se funda o Decreto-Lei n.º 781/76, de 28 de Outubro (…).
A amplitude da contratação a termo passa a restringir-se a situações
rigorosamente tipificadas, das quais umas resultam de adaptação das empresas às
flutuações do mercado ou visam criar condições para absorção de maior volume de
emprego, favorecendo os grupos sociais mais vulneráveis, e outras atendem a
realidades concretas pacificamente aceites como justificativas de trabalho de
duração determinada (…)».
2 — O Decreto-Lei n.º 64-A/89 revogou então o Decreto-Lei n.º 781/76, de 28 de
Outubro, e instituiu o novo regime do contrato de trabalho a termo. O velho
sistema — cuja matriz essencial consistia na admissibilidade em geral dos
contratos a prazo, desde que esse prazo fosse superior a seis meses, e na
admissibilidade da mesma modalidade de contratos, com duração inferior a seis
meses, quando o trabalho em causa fosse de «natureza transitória» — deu lugar ao
sistema de normas do Capítulo VII do Decreto-Lei n.º 64-A/89, que abre,
justamente, com o artigo 41.º, aqui em análise.
Este preceito tipifica os casos em que é admitida a celebração do contrato de
trabalho a termo [n.º 1, alíneas a), b), c), d), e), f), g) e h)]. Fora desses
casos, a estipulação a termo é nula (n.º 2).
Este método de enumeração de casos havê-lo-á ligado o legislador à ideia de
excepcionalidade da contratação a termo, ideia que, em boa verdade, constitui um
desiderato da garantia constitucional da segurança no emprego. Se o contrato a
termo fosse admitido como regra, então a entidade empregadora optaria
sistematicamente por essa forma, contornando a estabilidade programada no artigo
53.º da Constituição. Como afirmam Gomes Canotilho e Vital Moreira, a garantia
da segurança no emprego «perderia qualquer significado prático se, por exemplo,
a relação de trabalho estivesse sujeita a prazos mais ou menos curtos, pois
nesta situação o empregador não precisaria de despedir, bastando-lhe não renovar
a relação jurídica no termo do prazo. O trabalho a prazo é por natureza
precário, o que é contrário à segurança» (Constituição da República Portuguesa
Anotada, cit., p. 289).
A garantia constitucional da segurança no emprego significa, pois, que a relação
de trabalho temporalmente indeterminada é a regra e o contrato a termo a
excepção. Esta forma contratual há-de ter uma razão de ser objectiva. Também
aqui a Constituição nos afasta dos paradigmas da liberdade contratual clássica.
3 — Mas a excepcionalidade do contrato a termo não se concretiza apenas numa
técnica legislativa de enumeração de casos, de tipificação das situações que o
admitem. Exige que essas situações tragam em si mesmas uma justificação e exige
um sistema de normas teleologicamente orientado a limitar o recurso ao contrato
a termo. Ali, o controlo de constitucionalidade leva à pergunta por um
fundamento material dos casos enunciados no artigo 41.º, aqui, a uma análise do
seu contexto significativo.
E no contexto significativo, que é dado pelos demais preceitos do Capítulo VII,
relevam os seguintes momentos essenciais: o contrato a termo é escrito (artigo
42.º, n.º 1) e deve indicar o seu «motivo justificativo» ou, sendo celebrado a
termo incerto, indicar «a actividade, tarefa ou obra cuja execução justifique a
respectiva celebração (…)» [artigo 42.º, n.º 1, alínea e)]; se o contrato a
termo certo é sujeito a renovação, «então não poderá efectuar-se para além de
duas vezes e a sua duração terá por limite três anos consecutivos» (artigo 44.º,
n.º 2); «até ao termo do contrato [a termo certo como a termo incerto], o
trabalhador tem, em igualdade de condições, preferência na passagem ao quadro
permanente, sempre que a entidade empregadora proceda a recrutamento externo
para o exercício, com carácter permanente, de funções idênticas àquelas para que
foi contratado» (artigo 54.º, n.º 1).
E há ainda outros momentos normativos que concorrem para demover a entidade
empregadora do recurso sistemático ao contrato a termo. Funcionam como
garantias «a posteriori» ou garantias «periféricas» a favor da estabilidade do
emprego. São elas: o direito do trabalhador a uma compensação por caducidade do
contrato a termo certo (artigo 46.º, n.º 3) e a termo incerto (artigo 50.º, n.º
4) e a proibição de contratar a termo, para o mesmo posto de trabalho, um novo
trabalhador, nos três meses que decorrem sobre a cessação do trabalho a termo
com outro trabalhador, quando a cessação a este não é imputável (artigo 46.º,
n.º 4). Finalmente, o Decreto-Lei n.º 64-A/89 existe em articulação com o
Decreto-Lei n.º 64-C/89, também de 27 de Fevereiro. Aqui se determina a
concessão à entidade empregadora de apoio financeiro e dispensa de contribuições
para a Segurança Social (artigo 9.º), benefícios que se circunscrevem tão-só às
situações de contrato sem termo e às situações em que o contrato a termo se
transformou em contrato por tempo indeterminado (artigo 8.º). O legislador
chamara à atenção para esta articulação dos dois diplomas, ao propor-se,
justamente no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 64-A/89, «salvaguardar a
simultaneidade das respectivas vigências».
Este complexo de regulação limita assim as possibilidades de recurso ao contrato
a termo. E limita-as em especial no momento em que exige que a forma escrita
inclua a justificação dos motivos — assim criando o material necessário a um
controlo jurisdicional efectivo dos pressupostos — e no momento em que determina
a nulidade da estipulação a termo fora da verificação desses pressupostos —
assim criando uma consequência jurídica que não é a nulidade do contrato, mas a
conversão desse contrato em contrato por tempo indeterminado.
Às normas do artigo 41.º não pode pois reconhecer-se um «défice de
constitucionalidade» que porventura lhe adviesse de uma falta de apoio no
sistema. É agora necessário perguntar se os casos enunciados nas suas normas —
aqui relevando tão-só as das alíneas e), f) e h) — trazem em si uma justificação
para o contrato a termo.
4 — A norma do artigo 41.º, n.º 1, alínea e), determina que o contrato de
trabalho a termo é admitido nos casos de «lançamento de uma nova actividade de
duração incerta bem como o início de laboração de uma empresa ou
estabelecimento». Esta norma está em relação próxima com a norma do artigo
48.º, que então afasta a admissibilidade do termo incerto, e com a norma do
artigo 44.º, n.º 3, que determina que, nos mesmos casos, «a duração do contrato,
haja ou não renovação, não pode exceder dois anos».
Na norma da alínea e), o legislador atendeu a que as situações de «lançamento de
uma nova actividade de duração incerta» e «início de laboração de uma empresa ou
estabelecimento» justificavam a admissibilidade do contrato a termo. Essas
situações são, como diz Bernardo Xavier, relativas a «segmentos da actividade do
empregador não consolidados» (Curso de Direito do Trabalho, Lisboa, 1992, p.
468). Ora, não pode afirmar-se a ilegitimidade de uma norma como aquela. O
legislador teve ali em conta a «natureza das coisas» e adequou a essa natureza o
sentido da lei: a entidade empregadora que se propõe uma actividade por tempo
incerto ou que abre a empresa, pela primeira vez, aos riscos do mercado, não tem
base segura de calculabilidade quanto aos recursos humanos. Por isso que lhe
não é exigível — e não é assim exigível ao legislador que determine — a adopção
da modalidade regra do contrato de trabalho por tempo indeterminado.
Esta ordenação do sentido da lei à natureza das situações da vida é aliás
denotada pelo recurso ao «método tipológico» de descrição de grupos de casos,
empreendido pelo legislador no artigo 41.º Como diz Larenz, «a ‘natureza das
coisas’ remete para a forma de pensamento do tipo, pois que o tipo é algo de
relativamente concreto, um universale in re. Ao invés do conceito geral
abstracto, não é definível mas tão-só explicitável, não fechado, mas aberto,
interliga, torna conscientes conexões de sentido» (ob. cit., p. 158).
Por outro lado, diz o mesmo autor, «a natureza das coisas é de grande
importância em conexão com a exigência de justiça de tratar igualmente aquilo
que é igual, desigualmente, aquilo que é desigual […] ela exige ao legislador
que diferencie adequadamente» (ob. cit., p. 507).
Ora, é isso que se passa na norma do artigo 41.º, alínea e), aqui em apreço: a
diferenciação que estabelece está justificada na peculiar configuração da
realidade que regula. O desvio ao regime-regra dos contratos por tempo
indeterminado não afronta, pois, nem a garantia da segurança no emprego nem o
princípio constitucional da igualdade.
Essa mesma argumentação é válida no plano de análise da norma do artigo 41.º,
n.º 1, alínea f), pois que, do mesmo modo, tem aí centralidade o fundamento da
natureza das situações. Na doutrina, Bernardo Xavier classifica este grupo de
casos como «de carácter objectivo» para significar um âmbito de realidade
portador de um sentido peculiar que leva em si os traços fundamentais da
ordenação normativa: «a precariedade dos próprios postos de trabalho,
excepcional ou temporariamente abertos, ou não firmes, por falta de consolidação
de um conjunto de actividades do empregador» (ob. cit., p. 468); Monteiro
Fernandes fala de «sectores de actividade económica que, por sua natureza,
postulam grande flexibilidade no recurso à força de trabalho», e dá exemplos:
construção civil, espectáculos, actividades sazonais (ob. cit., p. 277); Menezes
Cordeiro afirma mesmo expressamente «a ligação do contrato à natureza das
coisas» para tratar dogmaticamente o problema da duração dos contratos a termo
(Manual de Direito do Trabalho, Coimbra, 1991, p. 640).
A norma do artigo 41.º, n.º 1, alínea f), ao indicar como casos de
admissibilidade do contrato de trabalho a termo, os de «execução, direcção e
fiscalização de trabalhos de construção civil, obras públicas, montagens e
reparações industriais, incluindo os respectivos projectos e outras actividades
complementares de controlo e armazenamento, bem como outros trabalhos de análoga
natureza e temporalidade (…)» não está, do mesmo modo que a anterior, a afrontar
nem a garantia constitucional da segurança no emprego (CRP, artigo 53.º) nem o
princípio constitucional da igualdade (CRP, artigo 13.º).
A ideia rectora é aí a da limitação no tempo das actividades em causa. A
aparente indeterminabilidade que numa primeira análise poderia derivar-se do
inciso «bem como outros trabalhos de análoga natureza e temporalidade» resulta
justamente, como antes se deixou afirmado, de que, «ao contrário do
conceito-geral abstracto, o tipo não é fechado, mas aberto» (Larenz, loc. cit.).
Isso porém não implica que esses casos fiquem fora de controlo pelo juiz. Como
lembra ainda Larenz, o «pensamento tipológico» apoia-se sempre num «ponto de
vista valorativo rector», ponto de vista que, aqui, é dado pela característica
exigida de precariedade dos trabalhos em causa. No sistema da lei, este ponto
de vista ganha apoio na norma do artigo 49.º [duração do contrato até à
conclusão da actividade] e, já antes, na norma do artigo 42.º, n.º 1, alínea e)
[que para os trabalhos da alínea f) não isenta do dever de identificação no
contrato escrito do motivo que o justifica].
Isso vale também para afastar uma pretensa legitimação dos contratos a termo, a
que se refere a alínea f), num critério assente no «objecto social das
empresas». Foi pela natureza das situações e não pelo objecto social das
empresas que o legislador ali tomou a decisão de admitir o contrato a termo.
O artigo 41.º, n.º 1, alínea h), determina a admissibilidade de celebração de
contratos a termo com «trabalhadores desempregados de longa duração ou noutras
situações previstas em legislação especial de política de emprego». É assim que
o Governo-legislador concretiza o programa anunciado no preâmbulo, de «absorção
de maior volume de emprego, favorecendo os grupos socialmente mais vulneráveis».
Quando no pedido se afirma que aquela norma contraria a Constituição porque
«admite a contratação a termo mesmo que não haja outra justificação para tal (…)
sem que se verifique o carácter temporário da mão-de-obra» querer-se-á
significar que, aqui, ao invés dos casos anteriores enunciados no artigo 41.º,
não está em causa a natureza do trabalho a prestar, mas, na expressão de
Bernardo Xavier, uma «causa subjectiva» do contrato a termo.
É verdade que a norma do artigo 41.º, n.º 1, alinea h), tem uma lógica própria,
no sentido de que ela se radica numa ratio que tem em conta a qualidade dos
trabalhadores-destinatários. O que se pretende, está bem de ver, é estimular a
celebração de contratos de trabalho pela convicção de inexistência de riscos
para a entidade empregadora. Essa convicção de inexistência de riscos é
induzida pela não adstrição a um vínculo de tempo indeterminado.
Dir-se-á, desde logo, que a emergência de um motivo constitucionalmente válido
de justificação do contrato a termo não se faz sentir apenas a partir de um
quadro em que releva a «natureza das coisas». Também aqui é necessário um apelo
à ordem de valores da Constituição, sem perder de vista, é claro, a
irredutibilidade dos direitos fundamentais.
Em momento anterior, rejeitou-se uma argumentação capaz de funcionalizar os
direitos fundamentais — e, neste caso, a garantia constitucional da segurança no
emprego — às políticas globais do Estado. Com efeito, não é possível, sem mais,
legitimar a conformação restritiva das posições jurídicas fundamentais em nome
de uma concepção «utilitarista» de «prevalência» do «bem-estar geral». Daí que
se haja afastado — no capítulo VI sobre a norma do artigo 5.º [trabalhadores
reformados] — um fundamento que pretensamente justificasse o termo do contrato
para os mais velhos em nome de um contrato para os mais novos. Não valiam,
pois, nesse plano, decisivamente, as razões de política de emprego.
Já não é assim no caso em apreço da norma do artigo 41.º, n.º 1, alínea h).
Aqui, não é possível afirmar, sem mais, que as posições subjectivas fundamentais
dos trabalhadores destinatários da norma estão a ser «funcionalizadas», porque
aqui não nos confrontamos com os limites da inviolabilidade. Ou seja, os
direitos de uns não estão a dar lugar aos direitos de outros em nome de uma
política geral. O que se passa antes é que o legislador modela o contrato de
trabalho sobre uma ponderação que sopesa a alternativa de limitá-lo no tempo
[criando na entidade empregadora a convicção de inexistência de riscos] ou de o
não proporcionar aos próprios interessados [mantendo aquela convicção do risco e
as consequências da liberdade de não contratar].
Mas se a garantia de segurança no emprego está em relação com a efectividade do
direito ao trabalho (CRP, artigo 58.º) e se a Constituição comete ao Estado a
incumbência de realização de políticas de pleno emprego, em nome também da
efectividade desse direito [CRP, artigo 58.º, n.º 3, alínea a)], então não se
pode dizer que é ilegítima aquela ponderação nem que são ultrapassados os
limites de conformação que aí são postos ao legislador. Conformação que é
restritiva, sem dúvida, se atendermos aos mandados de optimização das normas
sobre direitos fundamentais. Mas que empreende uma ponderação justificada. Na
verdade, o que está em análise é a justificação de uma norma que, assentando
numa pressuposta «menos-valia» da experiência profissional daqueles candidatos
ao emprego, consagra uma opção de alargamento dos casos de contratação a termo.
E não cabe ao Tribunal Constitucional sindicar o âmbito mais vasto das prognoses
legislativas que com esta política porventura se entrecruzem. Por isso que não
são violados nem a garantia constitucional da segurança no emprego (CRP, artigo
53.º) nem o princípio da igualdade (CRP, artigo 13.º).
5 — Sobre as normas relativas ao contrato a termo em ambos os pedidos são
suscitadas outras questões de constitucionalidade. No primeiro pedido — o que
incide sobre a Lei n.º 107/88 — afirma-se que o artigo 2.º, alínea j) [que
autoriza a revisão do regime do contrato a termo, e que se deixou transcrito
neste capítulo da fundamentação] «aludindo embora à ‘delimitação clara’ das
situações que legitimam a contratação a termo, omite qualquer indicação do
respectivo sentido». Mas em nada se desenvolve este fundamento!
Ora, a norma surge, pelo próprio teor, suficientemente concretizada e
densificada, não carecendo daquela parametricidade conformadora que lhe é
exigida pelo artigo 168.º, n.º 2, da Constituição [cfr., infra, capítulo XIII].
No segundo pedido — o que incide sobre o Decreto-Lei n.º 64-A/89 — as normas do
artigo 41.º, n.º 1, alíneas h) e f), do diploma anexo, são arguidas de
organicamente inconstitucionais com o fundamento de que não respeitam a
autorização legislativa conferida pelo artigo 2.º, alínea j), da Lei n.º 107/88.
Aqui regista-se um «cruzamento» dilemático dos dois pedidos: a norma da Lei de
autorização é impugnada por ausência de parâmetros de conformação (1.º pedido)
e, depois, as normas do artigo 41.º, alíneas h) e f), do decreto-lei de uso da
autorização são impugnadas por não irem ao encontro daqueles parâmetros (2.º
pedido)!
Mas reconhecida que está aqui a determinabilidade do sentido e extensão da
autorização legislativa conferida ao Governo por via do artigo 2.º, alínea j),
da Lei n.º 107/88, há-de dizer-se que, também numa perspectiva
constitucional-orgânica, as normas do artigo 41.º, alíneas f) e h), do diploma
anexo ao Decreto-Lei n.º 64-A/89 não violam os limites de competência por aquela
primeira norma demarcados.
Desde logo, em vários momentos do controlo que se vem de fazer, da
constitucionalidade material daquelas normas, se assinalou uma relação de
correspondência entre Lei de autorização e Decreto-Lei autorizado. No segundo
pedido existe uma alusão não explicitada a que a norma do artigo 41.º, alínea
f), parte final, «não oferece uma delimitação clara das situações que legitimam
o contrato de trabalho a termo» e a que a norma do artigo 41.º, alínea h), ao
referir «os trabalhadores noutras situações previstas em legislação especial
ultrapassa o que consta da autorização legislativa». Quanto à primeira norma,
não é líquido o que se pretende significar com a indicação «parte final». O
pedido querer-se-á referir à locução «bem como outros trabalhos de análoga
natureza e temporalidade». Mas aqui remetemo-nos de novo para os momentos do
controlo da constitucionalidade material: já aí se ponderou a aparente
indeterminabilidade daquela locução e o modo como, afinal, com ela o legislador
dá a «ideia rectora» necessária para o controlo dos casos de admissibilidade de
contrato de trabalho a termo.
Não é pois inconstitucional esta norma do artigo 41.º, n.º 1, alínea f), como o
não é a norma do artigo 41.º, n.º 1, alínea h), que também é referida às
estruturas do artigo 168.º, n.º 2, da Constituição. O pedido parece
«reconhecer» uma abertura não consentida ali onde se referem os trabalhadores
«noutras situações previstas em legislação especial de política de emprego».
Não é assim se intentarmos uma interpretação razoável da lei.
Ali, a norma tem uma função meramente declarativa de reconhecimento da
eventualidade de uma legislação especial sobre política de emprego. Não
determina ela mesma as escolhas que essa legislação há-de fazer de casos de
admissibilidade de celebração de contrato de trabalho a termo. Ou seja, aqui, a
norma não tem consequências.
IX — A norma do artigo 8.º, n.º 4, do diploma anexo ao Decreto-Lei n.º
64-A/89: acordo de cessação e créditos vencidos
Esta norma, que integra o Capítulo III [Revogação por acordo das partes], dispõe
assim:
1 — ..............................................................
2 — ..............................................................
3 — ..............................................................
4 — Se no acordo de cessação, ou conjuntamente com este, as partes estabelecerem
uma compensação pecuniária de natureza global para o trabalhador, entende-se, na
falta de estipulação em contrário, que naquela foram pelas partes incluídos e
liquidados os créditos já vencidos à data da cessação do contrato ou exigíveis
em virtude dessa cessação.
No pedido, afirma-se a inconstitucionalidade desta norma com o argumento de que
nela se põe em causa o direito ao salário [CRP, artigo 60.º, agora artigo 59.º,
n.º 1, alínea a)] e que esse direito é irrenunciável.
Não se vê em que é que a norma em apreço, do artigo 8.º, n.º 4, possa envolver
uma qualquer renúncia ao salário.
Desde logo, pode reconhecer-se no teor literal da norma uma qualidade de norma
supletiva, a fixar o sentido do silêncio das partes. Nesta leitura,
assentar-se-ia em que, na falta de acordo das partes, a compensação pecuniária
ali referida inclui os «créditos já vencidos à data da cessação do contrato ou
exigíveis em virtude dessa cessação».
Numa outra leitura, tratar-se-á, antes, do estabelecimento de uma presunção:
sendo o arbitramento de direitos e deveres realizado através de um acordo das
partes [lembremos que o Capítulo III nos devolve, pela sua própria temática,
para uma lógica de liberdade contratual] deveria então a indagação da vontade
ser o elemento fundamental a que o intérprete se deve ater. Essa presunção
estaria a operar uma estabilização de procedimentos para a revogação do contrato
por acordo, mas não arredando a possibilidade de prova daquilo que foi realmente
intencionado. Por razões de certeza jurídica e de estabilidade de
procedimentos, inverter-se-ia tão-somente o ónus da prova no caso de outros
créditos não haverem sido incluídos na liquidação da compensação pecuniária.
Tratar-se-ia, pois, de uma presunção iuris tantum.
Seja como for, não cabe a este Tribunal fixar uma qualificação — de norma
supletiva ou de presunção iuris tantum — para o enunciado que aqui se analisa.
Na verdade, não se vê por que modo qualquer dos termos da alternativa possa ter
implicações com o problema da renunciabilidade dos salários.
Mesmo para quem entenda que a irrenunciabilidade dos salários tem valor
constitucional, a verdade é que o âmbito de previsão da norma do artigo 8.º, n.º
4, se esgota no facto dos salários já vencidos, que, por vencidos, se convolaram
em créditos pecuniários, à semelhança, de resto, com o que se passa em outros
institutos [cfr., por exemplo, o artigo 2008.º do Código Civil sobre a
«indisponibilidade do direito a alimentos»].
Não é, pois, inconstitucional a norma do artigo 8.º, n.º 4, do diploma anexo ao
Decreto-Lei n.º 64-A/89.
X — A norma do artigo 25.º, n.º 1, do diploma anexo ao Decreto-Lei n.º
64-A/89: aceitação do despedimento e suspensão judicial
Esta norma, que se inclui na Secção I do Capítulo V [Despedimento colectivo],
dispõe assim:
Artigo 25.º
(Recurso ao tribunal)
Os trabalhadores que não aceitarem o despedimento podem requerer a suspensão
judicial do mesmo, com fundamento em qualquer das situações previstas nas
alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo anterior [são as situações de despedimento
ilícito], no prazo de cinco dias úteis contados da data da cessação do contrato
de trabalho constante da comunicação a que se refere o n.º 1 do artigo 20.º
No pedido, afirma-se que esta norma, na medida em que veda aos trabalhadores que
aceitaram o despedimento — mesmo que por «falta de esclarecimento» ou «através
de coacção» — o recurso à providência cautelar de suspensão judicial, é
contrária ao artigo 20.º da Constituição da República [acesso ao Direito e aos
tribunais].
Mas a norma do artigo 25.º, n.º 1, ao limitar o recurso à providência cautelar
de suspensão do despedimento aos trabalhadores que não aceitaram o despedimento
— excluindo, assim, os que o aceitaram — está a concretizar um princípio geral
de boa fé das relações contratuais.
A impugnação do despedimento pelos trabalhadores que antes o aceitaram
constituiria um venire contra factum proprium. Com efeito, nos termos do artigo
23.º, n.º 3, «o recebimento pelo trabalhador da compensação vale como aceitação
do despedimento». Se a aceitação é devida a erro, dolo ou coacção não será
válida, nos termos dos artigos 252.º e seguintes do Código Civil. E a
invalidade da aceitação confere ao trabalhador o poder de requerer a suspensão
do despedimento (artigo 25.º, n.º 1).
Não é, pois, inconstitucional a norma do artigo 25.º, n.º 1, que se vem de
analisar.
XI — A norma do artigo 2.º do diploma anexo ao Decreto-Lei n.º 64-A/89: normas
imperativas e contratação colectiva
Esta norma, que se inclui no Capítulo I [Princípios gerais], dispõe:
Artigo 2.º
(Natureza imperativa)
1 — Salvo disposição em contrário, não pode o presente regime ser afastado ou
modificado por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou por
contrato individual de trabalho.
2 — São revogadas as disposições dos actuais instrumentos de regulamentação
colectiva de trabalho que contrariem o disposto no presente diploma.
1 — «Disposição em contrário» é, desde logo, a do artigo 59.º, n.º 1, também do
diploma anexo ao Decreto-Lei n.º 64-A/89, que abre às competências privadas de
contratação colectiva a regulação dos «valores e critérios de definição de
indemnizações consagrados neste regime, os prazos do processo disciplinar, do
período experimental e de aviso prévio, bem como os critérios de preferência na
manutenção de emprego nos casos de despedimento colectivo».
No pedido, a norma do artigo 2.º é confrontada com o artigo 57.º, n.º 3, da
Constituição [agora, artigo 56.º, n.º 3], sobre o direito das associações
sindicais à contratação colectiva. Diz-se, ali, que a atribuição de carácter
imperativo ao regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89 põe em causa esse
direito.
Mas não é assim. A norma do artigo 2.º não atinge o espaço irredutível
necessário à afirmação de uma competência de negociação colectiva das
associações sindicais constitucionalmente afirmada. Lembremos, a propósito
desta temática da «convivência» de normas legais imperativas com a competência
colectiva de conformação autónoma das relações de trabalho, a fundamentação do
Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 94/92 [Diário da República, II Série, de
18 de Agosto de 1992]:
A Constituição atribui às associações sindicais a competência para o exercício
do direito de contratação colectiva, mas devolve ao legislador a tarefa de
delimitação do mesmo direito, aqui lhe reconhecendo uma ampla liberdade
constitutiva. A interpretação do alcance desta devolução para a Lei (CRP,
artigo 56.º, n.º 3, in fine, e n.º 4) não pode contudo deixar de entrever na
norma atributiva de uma competência às organizações sindicais de exercerem o
direito de contratação colectiva (CRP, artigo 56.º, n.º 3), a própria afirmação
constitucional deste direito e a garantia da sua realização.
(…)
Não está em causa a admissibilidade, em Direito do Trabalho, de normas legais
imperativas, maxime de normas imperativas de condições fixas, ou seja «aquelas
que exprimem uma ingerência absoluta e inelutável da lei na conformação da
relação jurídica de trabalho, por forma tal que nem os sujeitos do contrato
podem substituir-lhes a sua vontade, nem os instrumentos regulamentares
hierarquicamente inferiores aos que as contêm podem fazer prevalecer preceitos
opostos ou conflituantes com elas» (Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 6.ª
ed., Coimbra, 1987, p. 233).
Na verdade, «há no direito do trabalho normas imperativas cujo comando é
totalmente imodificável em qualquer sentido» (Barros Moura, A Convenção
Colectiva entre as Fontes de Direito do Trabalho, p. 152). «São normas
inderrogáveis, quer no sentido do mais, quer no sentido do menos» (José Acácio
Lourenço, «O princípio do tratamento mais favorável», in Estudos Sobre Temas de
Direito do Trabalho, p. 29), normas com uma «assumida intenção de aplicação
absoluta» (Menezes Cordeiro, «O princípio do tratamento mais favorável no
Direito do Trabalho actual», Direito e Justiça, vol. iii, 1987-1988, pp.
110-139).
(…)
O que, aliás, não significa que a imperatividade das normas laborais não seja
instituída quantas vezes (senão mesmo a maior parte das vezes) no interesse do
próprio trabalhador. Como afirma Carlos Santiago Nino, «há medidas
aparentemente paternalistas que, no entanto, estão dirigidas a tornar efectiva a
vontade dos indivíduos. É este o caso da regulação legal dos contratos de
trabalho» (…) (Etica y Derechos Humanos, Buenos Aires, 1984, p. 178) (…).
No mesmo sentido, afirmam Messias de Carvalho e Vítor Nunes de Almeida: «o
direito do trabalho é, como se sabe e por nós vem sendo afirmado, um domínio do
direito em que a autonomia privada aparece como extremamente comprimida e, por
vezes mesmo eliminada. Em tais hipóteses a paridade de tratamento foi já
recuperada pelo próprio legislador que, perante um grave desequilíbrio das
partes limita a autonomia contratual pondo os sujeitos em situação de igualdade
real» (Direito do Trabalho e Nulidade do Despedimento, Almedina, Coimbra, 1984,
p. 85).
É por isso que a abertura à contratação a que se refere o artigo 56.º da
Constituição se apresenta, pela própria letra do preceito, como uma abertura
legislativamente conformada.
Além disso, no âmbito do Direito do Trabalho, a protecção do trabalhador não é o
único interesse digno de ser tutelado. A inderrogabilidade de certos regimes
legais surge também associada a razões de ordem pública que ultrapassam os
interesses particulares do trabalhador.
Como refere Bernardo Xavier: «o direito do trabalho está agora mais aberto aos
interesses gerais, à economia, e particularmente ao emprego. Ele não presta
atenção apenas à justiça e equilíbrio das possíveis relações entre os sujeitos
individuais do contrato de trabalho, nem se preocupa tão-somente com o sistema
conflitual dos protagonistas dos interesses de classe» («A crise e alguns
institutos de direito do trabalho», Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano
xxviii, n.º 4, 1986, p. 561). E Barros Moura: «Os princípios fundamentais que
formam a ordem pública podem adquirir expressão positiva: na Constituição e nas
normas legais imperativas. A inderrogabilidade destas últimas só pode derivar
do facto de constituírem uma concretização ou explicitação da ordem pública.
Contra essa ‘barreira intransponível’ erguida pelo Estado não podem prevalecer
os interesses individuais ou os interesses particularizados de certas classes
através da auto-regulamentação privada, individual ou colectiva» (ob. cit., pp.
170-171).
A imbricação entre a inderrogabilidade da norma legal e o princípio da ordem
pública é também sustentada por Aldo Aranguren: «como princípio geral, pode
afirmar-se que a inderrogabilidade vem atribuída ao legislador sempre que a
norma prossiga um fim de tutela de um interesse geral ou de ordem pública» (Aldo
Aranguren, «La tutela dei diritti dei lavoratori», in Enciclopedia Giuridica del
Lavoro, vol. 7, 1981, p. 21) (…).
Lembremos a formulação contida no artigo 56.º, n.º 3, da Constituição: «Compete
às associações sindicais exercer o direito de contratação colectiva, o qual é
garantido nos termos da lei».
Não se trata aí de uma ingerência autorizada do legislador, configurando uma
limitação do direito de contratação colectiva. O que se estabelece é uma
reserva de conformação (Ausgestaltungsvorbehalt): o legislador não intervém para
impor limites ao direito, mas o direito só tem existência completa na modulação
que o legislador lhe confere.
Este âmbito de conformação do legislador é particularmente relevante, como
explana Alexy (Theorie der Grundrechte, Suhrkamp Taschenbuch Wissenschaft, p.
300) em matéria de competências privadas. E é este o caso. A dogmática
jurídico-constitucional distingue a noção de conformação em sentido verdadeiro e
próprio da noção de restrição, precisamente em relação às normas de competência.
Na doutrina portuguesa, Vieira de Andrade dá conta de que «essa necessidade
prática [de introduzir e acomodar os direitos na vida jurídica] é
particularmente notória quando se trata de efectivar direitos em que predomina o
aspecto institucional…» (Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de
1976, Almedina, Coimbra, 1983, p. 227).
É, pois, evidente que, neste domínio, a lei adquire uma função constitutiva do
próprio Tatbestand do direito. Então, criada que está pelo próprio figurino
constitucional a abertura para uma ampla liberdade constitutiva do legislador,
cabe perguntar se a norma do artigo 2.º, ao retirar à regulamentação colectiva
certas matérias do regime jurídico do Decreto-Lei n.º 64-A/89 — aquelas que aí
são determinadas pela exclusão das matérias do artigo 59.º — vem reduzir de tal
modo aquele espaço de auto-regulação constitucionalmente garantido que põe em
causa a possibilidade de realização do direito de contratação colectiva.
Também aqui o método de controlo faz apelo ao critério da proporcionalidade.
Interesses públicos relevantes como os da segurança jurídica e da igualdade —
postulando uniformização de procedimentos — podem ditar que as normas sejam
imperativas e não dispositivas. Além disso, o «espaço virtual» da contratação
colectiva não se esgota no âmbito de realidade sobre que incide o Decreto-Lei
n.º 64-A/89: o regime jurídico deste decreto-lei [que, aliás, se abre em
momentos relevantes à autonomia colectiva (artigo 59.º)] tem incidência apenas
num sector da vida das relações de trabalho e o papel central da regulamentação
colectiva está por via de regra na «contratualização» de prestações, que não é
posta em causa.
Não é pois constitucionalmente ilegítima a determinação que se contém na norma
do artigo 9.º do diploma anexo ao Decreto-Lei n.º 64-A/89, visto que por ela o
legislador concretiza uma ampla competência de conformação sem negar a
existência de um «objecto possível» da contratação colectiva.
2 — O pedido confronta a mesma norma também com o artigo 168.º, n.º 2, da
Constituição. Considera que da Lei n.º 107/88 não resultava uma qualquer
directiva para a instituição de um regime imperativo.
Ora, a escolha das determinantes do decreto-lei a produzir pelo Governo não tem
que ser quanto a esta temática da força jurídica, desde logo prefigurada na lei
de autorização. Essa escolha surge neste plano tão-só materialmente vinculada
às normas constitucionais sobre a contratação colectiva. Do que, atenta a
anterior ordem de considerações, se deriva uma conclusão de não
inconstitucionalidade daquela norma.
XII — A norma do artigo 2.º, alínea q), da Lei n.º 107/88 e a norma do artigo
60.º, n.º 5, do diploma anexo ao Decreto-Lei n.º 64-A/89: sanções e garantias de
processo
1 — Na Lei n.º 107/88, o Parlamento autorizava o Governo, por via do artigo 2.º,
alínea q), a estabelecer «um regime punitivo adequado relativamente a infracções
ao regime praticadas pela entidade empregadora que tenha em conta a importância
social da regra violada, a qualidade do trabalhador relativamente ao qual se
verifica a infracção e a dimensão da empresa».
No 1.º pedido afirma-se que esta norma está em colisão com a norma
constitucional do artigo 168.º, n.º 2, por não definir claramente o sentido e a
extensão da autorização.
Nenhum fundamento é avançado, mas confrontando o teor da norma do artigo 2.º,
alínea q), tem de reconhecer-se a sua insuficiência de sentido. Esta norma é
inconstitucional justamente porque, atenta a matéria sobre que confere ao
Governo competência legislativa — é matéria de direito sancionatório público, a
situar-se, pois, no quadro da reserva relativa do Parlamento —, não tem a carga
de sentido constitucionalmente exigível (cfr. artigo 168.º, n.º 2, da
Constituição).
Aqui, convocam-se as considerações do capítulo seguinte (capítulo XIII) sobre a
temática das leis de autorização legislativa e lembram-se também, por oportunas,
as afirmações que a propósito da exigência de sentido das leis de autorização
legislativa se deixaram no Acórdão n.º 311/93, Diário da República, II Série, de
22 de Julho de 1993: «(…) as leis devem indicar … os princípios base, as
directrizes ou orientações que hão-de presidir à elaboração do decreto-lei a
editar (é o sentido da autorização). (…) Essencial é, pois, que na autorização
legislativa possam colher-se os princípios rectores que hão-de servir ao Governo
de critério ou de linhas de orientação na produção da respectiva disciplina
jurídica».
Esta necessidade de explicitação de sentido evidencia-se sobremaneira aqui nesta
matéria, onde o alcance da reserva parlamentar de competência tem, na verdade,
um nível particularmente exigente (sobre os diferentes níveis desse alcance,
cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa
Anotada, 3.ª ed. revista, p. 670).
2 — O artigo 60.º, na parte que aqui releva, dispõe:
Artigo 60.º
(Sanções)
1 — A entidade empregadora que violar o disposto no presente diploma fica
sujeita, por cada infracção, às seguintes multas:
a) ..............................................................
b) ..............................................................
c) ..............................................................
d) ..............................................................
2 — ..............................................................
3 — ..............................................................
4 — ..............................................................
5 — Sem prejuízo do disposto nos artigos 181.º e seguintes do Código de Processo
do Trabalho, as multas previstas neste artigo serão aplicadas na sentença
proferida nas acções cíveis em que se prove a violação das disposições a que
respeitam, tendo a propositura da acção o efeito interruptivo previsto no n.º 2
do artigo 184.º do mesmo Código.
O julgamento a que se procedeu de inconstitucionalidade da norma do artigo 2.º,
alínea q), da lei de autorização legislativa, não terá que nos remeter
necessariamente para uma conclusão imediata de inconstitucionalidade consequente
da norma aqui em apreço, do artigo 60.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 64-A/89. É
que, eventualmente, esta norma poderia tão-só constituir o resultado do
exercício de uma competência própria do Governo que, sendo própria, não teria, é
evidente, como ser afectada por uma maior ou menor densidade da lei de
autorização.
Mas, indagando do conteúdo material da norma, desde logo se pode afirmar que aí
se não trata do estabelecimento de contra-ordenações, pois que estas são
definidas segundo um critério formal: são contra-ordenações aquelas a que
corresponde uma coima.
Para a solução do problema de constitucionalidade, no entanto, não importa
decidir se aqui se está em presença de contravenções — como o sugerem os
enunciados do preceito ao cominar as sanções de multa — ou em presença de um
qualquer ilícito atípico. E não importa decidir porque, de um lado, numa
interpretação segundo a qual o legislador só pode criar crimes,
contra-ordenações ou ilícitos disciplinares em matéria de direito sancionatório
público, a norma do artigo 65.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 64-A/89 sempre
afrontaria o programa constitucional, pois que aquelas formas são formas não
consentidas pelo artigo 168.º, n.º 1, alíneas c) e d), da Constituição. E, de
outro lado, mesmo numa interpretação capaz de reconhecer que ao legislador não é
vedada a criação de ilícitos atípicos, ou até de contravenções, sempre haverá de
concluir-se pela inconstitucionalidade da norma do artigo 60.º, n.º 5, visto
que, determinando a aplicação das sanções de multa em acção cível e sem prévia
audição do infractor, por ela não são asseguradas as garantias de audiência e
defesa que a Constituição consagra no artigo 32.º e que na sua ideia essencial
valem para todo o direito sancionatório público.
XIII — As normas do artigo 2.º, alíneas e), h), j), n) e p), da Lei n.º
107/88, de 17 de Setembro: a autorização legislativa e o artigo 168.º, n.º 2, da
Constituição
A autorização legislativa provoca uma «vicissitude de competência» (Jorge
Miranda) pela qual a Assembleia da República deixa que o Governo intervenha na
regulação de matérias que a Constituição delimita na esfera da sua competência
(CRP, artigo 168.º). O estabelecimento de um vínculo de subordinação dos
decretos-leis de uso de autorização legislativa aos princípios e critérios
estabelecidos pelo Parlamento (CRP, artigo 115.º) destina-se precisamente a
garantir a ordem de competências constitucionalmente estabelecida. A
determinação contida na norma do artigo 168.º, n.º 2, da Constituição, de que
«as leis de autorização legislativa devem definir o objecto, o sentido, a
extensão e a duração da autorização» concretiza a exigência de uma
parametricidade conformadora da lei de autorização.
No pedido incidente sobre a Lei n.º 107/88 [1.º pedido] afirma-se que essa
parametricidade não existe nas normas do artigo 2.º, alíneas e), h), j) e p),
com violação do artigo 168.º, n.º 2, da Constituição da República.
Sobre as normas das alíneas e) e j), concluiu-se já, em outros momentos do
controlo de constitucionalidade, que elas não afrontavam o artigo 168.º, n.º 2,
da Constituição (cfr. os capítulos VII, VIII e XII). As outras normas, das
alíneas h), n) e p), dispõem assim:
Artigo 2.º
A legislação a estabelecer pelo Governo (…) assentará nos seguintes princípios
fundamentais:
h) Alteração das regras processuais de índole administrativa aplicáveis aos
casos de despedimento colectivo e no regime de redução e suspensão da prestação
de trabalho, com consagração expressa, num e noutro caso, da participação
intensiva e com efeitos substantivos dos representantes dos trabalhadores;
(…)
n) Clarificação da posição contratual dos trabalhadores cuja entidade
empregadora morre, se extingue ou cessa a actividade por falência ou
insolvência;
(…)
p) Sistematização e clarificação das fases do processo de despedimento por
comportamento culposo do trabalhador.
A lei de autorização legislativa, como todas as leis, está sujeita a um processo
de interpretação conforme à Constituição, pois que «o princípio de que, entre
várias interpretações possíveis, perfere a que é conforme com a Constituição,
não pode vigorar só quando exista a suspeita de que uma lei ou uma disposição
legal é inconstitucional, mas vigora em geral. Isto decorre do postulado da
unidade interna da ordem jurídica em conjugação com o nível hierárquico do
direito constitucional» [Karl Larenz, ob. cit., p. 411; cfr., ainda o Acórdão do
Tribunal Constitucional n.º 349/93, Diário da República, II Série, de 3 de
Agosto de 1993].
As directivas que por via da autorização a Assembleia da República dirige ao
Governo-legislador podem apontar para momentos de maior vinculação como para
momentos de maior liberdade de concretização legislativa. Relevante é a
possibilidade de descoberta do sentido e extensão dessa autorização.
Se as normas em apreço permitem, com recurso aos elementos interpretativos, a
descoberta do programa de legislação estabelecido pelo Parlamento», então não há
inconstitucionalidade em razão do artigo 168.º, n.º 2, da Constituição. E é
esse o caso. De tais normas pode dizer-se que contêm os traços essenciais de
delimitação da competência do Governo-legislador. A isso não obstam formulações
«abertas» como «alteração das regras processuais de índole administrativa»
[alínea h)], «clarificação da posição contratual dos trabalhadores» [alínea n)],
ou «sistematização e clarificação das fases do processo de despedimento» [alínea
p)].
Não são, assim, inconstitucionais, as normas do artigo 2.º, alíneas h), n) e p),
da Lei n.º 107/88, a Lei de autorização legislativa.
XIV — As normas do artigo 2.º e 3.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89 e dos artigos
2.º, 19.º e 20.º, 41.º, alíneas h) e f), 44.º, n.º 2, e 59.º do diploma anexo ao
mesmo Decreto-Lei: o uso da autorização legislativa e seus limites
1 — Sobre estas normas afirma-se no 2.º pedido — o que incide sobre o
Decreto-Lei n.º 64-A/89 — que elas foram produzidas em desrespeito pelos
princípios e directivas estabelecidos pelo Parlamento na lei de autorização
legislativa [Lei n.º 107/88].
Já antes se analisaram as normas do artigos 2.º do diploma anexo e do artigo
41.º, n.º 1, alíneas h) e f), do mesmo diploma, havendo-se concluído pela não
inconstitucionalidade das mesmas normas [cfr. capítulos XI e VIII].
2 — Consideremos, então, as normas dos artigos 2.º e 3.º do Decreto-Lei n.º
64-A/89 e dos artigos 19.º e 20.º, 44.º, n.º 2, e 59.º do diploma anexo ao mesmo
Decreto-Lei.
Artigo 2.º
(Norma revogatória)
São revogados o Decreto-Lei n.º 372-A/75, de 16 de Julho (…).
Artigos 19.º e 20.º
[integram o Capítulo V, Secção I, do diploma anexo, sobre o despedimento
colectivo]
Artigo 19.º
(Intervenção do Ministério do Emprego e da Segurança Social)
1 — Os serviços do Ministério do Emprego e da Segurança Social com competência
na área das relações colectivas de trabalho participarão no processo de
negociação previsto no artigo anterior, com vista a assegurar a regularidade da
sua instrução substantiva e processual e a promover a conciliação dos interesses
das partes.
2 — A pedido de qualquer das partes ou por iniciativa dos serviços referidos no
número anterior, os serviços regionais do emprego e da formação profissional e o
centro regional de segurança social definirão as medidas de emprego, formação
profissional e de segurança social aplicáveis de acordo com o enquadramento
previsto na lei para as soluções que vierem a ser adoptadas.
Artigo 20.º
(Decisão da entidade empregadora)
1 — Celebrado o acordo ou, na falta deste, decorridos 30 dias sobre a data da
comunicação referida nos n.os 1 ou 5 do artigo 17.º, a entidade empregadora
comunicará, por escrito, a cada trabalhador a despedir a decisão de
despedimento, com menção expressa do motivo e da data de cessação do respectivo
contrato.
2 — Na data em que forem expedidas as comunicações referidas no número anterior,
a entidade empregadora deve remeter aos serviços do Ministério do Emprego e da
Segurança Social com competência na área das relações colectivas de trabalho a
acta a que se refere o n.º 4 do artigo 18.º, bem como um mapa mencionando, em
relação a cada trabalhador, o nome, a morada, datas de nascimento e de admissão
na empresa, situação perante a Segurança Social, profissão, categoria e
retribuição e ainda a medida individualmente aplicada e a data prevista para a
sua execução.
3 — Na mesma data será enviada cópia do referido mapa à estrutura representativa
dos trabalhadores.
4 — Na falta da acta a que se refere o n.º 4 do artigo 18.º, a entidade
empregadora, para os efeitos do referido no n.º 2 deste artigo, enviará
documento em que justifique aquela falta, descrevendo as razões que obstaram ao
acordo, bem como as posições finais das partes.
No pedido afirma-se que o Governo, ao revogar o Decreto-Lei n.º 372-A/75 (artigo
2.º), e ao produzir «em substituição» as normas transcritas dos artigos 19.º e
20.º não está a respeitar os princípios ditados pela Lei de autorização
legislativa, que no artigo 2.º, alínea h), determinava que «a legislação a
estabelecer (…) assentará» na «alteração das regras processuais de índole
administrativa aplicáveis nos casos de despedimento colectivo (…) com
consagração expressa (…) da participação intensiva e com efeitos substantivos
dos representantes dos trabalhadores».
O argumento é o de que existem agora «novas formas de intervenção» do Ministério
do Emprego e da Segurança Social que levam implicadas alterações de natureza
substantiva, que não apenas da natureza processual, visto que aquele Ministério
podia, antes, e já não pode agora, proibir, em certos termos, o despedimento
colectivo, remetendo-se para «um papel passivo». E aponta-se expressamente para
o lugar das normas dos artigos 13.º a 23.º do Decreto-Lei n.º 372-A/75, de 16 de
Julho. [Não serão essas normas, mas a do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 84/76,
de 28 de Janeiro, que operou uma substituição do Capítulo V do Decreto-Lei n.º
372-A/75: lapso evidente, muito embora também aquele Decreto-Lei n.º 84/76 haja
sido revogado pelo novo sistema].
A lógica interna ao sistema de normas em que se incluem os artigos 19.º e 20.º
aqui em apreço e a própria funcionalidade da intervenção administrativa no
processo de despedimento colectivo não permitem concluir por uma natureza «não
procedimental», caracterizadamente substantiva, dessa intervenção.
Depois, a coerência exigida ao legislador e ao intérprete implica que a análise
do vínculo de subordinação do Decreto-Lei autorizado aos ditados do Parlamento
não possa confinar-se ao texto de cada norma, mas deva debruçar-se sobre o
contexto de regulação em que cada norma se integra.
Há-de ver-se, assim, que no «facto complexo» em que se traduz o despedimento
colectivo, as formas de intervenção do Ministerio do Emprego têm uma clara
feição procedimental que é corroborada pelo contexto de regulação em que se
integram.
Finalmente, e não menos decisivo para o controlo de constitucionalidade, é o
sentido que se deriva da interacção do artigo 1.º, n.º 1, da Lei de autorização
legislativa com o programa do artigo 2.º, alínea h), da mesma Lei: o sentido
imanente a esta norma não tem por que fazer um corte sistemático com a
autorização de revogar o Decreto-Lei n.º 372-A/75, de 16 de Julho, e o
Decreto-Lei n.º 84/76, de 28 de Janeiro, expressamente concedida no artigo 1.º
da Lei n.º 107/88.
2.1 —
Artigo 3.º
(Sucessão de regimes)
1 — O regime ora estabelecido para o processo de despedimento aplica-se aos
processos em curso à data da sua entrada em vigor, sendo válidos os actos
praticados de harmonia com o regime legal revogado.
2 — O presente regime jurídico não se aplica aos processos de despedimento
colectivo iniciados antes da sua entrada em vigor.
3 — Os contratos de trabalho a prazo celebrados de acordo com o disposto no
Decreto-Lei n.º 781/76, de 28 de Outubro, ficam sujeitos ao seguinte regime:
a) Podem ser convertidos em contratos a termo por acordo escrito
adicional ao contrato existente aqueles cuja justificação seja contemplada nas
alíneas a), c), f) e g) do n.º 1 do artigo 41.º;
b) Os contratos que respeitem a situações não previstas naquelas
alíneas ou que, nelas se enquadrando, não sejam convertidos em contratos a termo
incerto podem ainda ser objecto de uma única renovação se já tiverem excedido,
ou a partir do momento em que excedam, o prazo de dois anos e desde que, em
qualquer dos casos, com a renovação, não ultrapassem três anos de duração
efectiva.
No pedido, afirma-se que o Governo não tinha autorização legislativa para a
produção do preceito transcrito, sobre a «sucessão de regimes».
Ora, não é constitucionalmente exigível à lei de autorização legislativa —
e, por isso, é nesse plano «livre» o decreto-lei autorizado — que venha ela
mesma a ditar as regras de aplicação no tempo da legislação a produzir pelo
Governo. O poder de escolha das determinantes da «aplicação da lei no tempo»
vai implícito na própria competência de legislar transferida pelo Parlamento ao
Governo.
Esse poder tem os evidentes limites de uma defraudação do sentido da
autorização. O Governo não poderia, por exemplo, estabelecer regras de
retroactividade que entrassem em colisão com os princípios e as directivas
fixados pelo Parlamento. Mas não é aqui o caso. Não pode, pois, afirmar-se a
inconstitucionalidade do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, na perspectiva
dos artigos 168.º, n.º 2, e 115.º, n.º 2, da Constituição.
2.2 — O artigo 44.º integra-se no Capítulo VII, sobre os contratos a termo.
Artigo 44.º
(Estipulação do prazo e renovação do contrato)
1 — ..............................................................
2 — Caso se trate de contrato a prazo sujeito a renovação, esta não poderá
efectuar-se para além de duas vezes e a duração do contrato terá por limite, em
tal situação, três anos consecutivos.
3 — ..............................................................
4 — ..............................................................
No pedido, afirma-se que esta norma não respeita o sentido da autorização
legislativa que é dada pelo artigo 2.º, alínea j) [indica-se, por lapso
manifesto, a alínea f) da Lei n.º 107/88]. O fundamento é o de que o limite de
três anos estabelecido no artigo 44.º, n.º 2, do diploma anexo ao Decreto-Lei
n.º 64-A/89 para o contrato de trabalho a termo certo não implica uma «redução
da duração máxima que já é de três anos».
A Lei de autorização legislativa, ao atribuir ao Governo competência para a
«revisão do regime do contrato de trabalho a termo» [artigo 2.º, alínea j)]
apontava, com efeito, para uma meta de «redução da duração máxima do contrato a
termo quando seja objecto de renovações». Existe aqui uma lógica de constrição
da durabilidade do contrato a termo que se radica em fundamentos já analisados
em outros momentos do controlo de constitucionalidade. Ora pelo próprio
enunciado da Lei de autorização, há-de ver-se que essa lógica é uma lógica
global que «apanha» o contrato e o processo da sua renovação. Não é uma lógica
unilinear, apenas dirigida à marcação do tempo do contrato com independência
daquele processo.
Não valem aqui argumentos que vejam no contrato a termo uma realidade «de fora»
do sistema dos despedimentos, capaz de escapar ao âmbito da norma do artigo 53.º
da Constituição, e logo afastando a competência necessária da Assembleia da
República [CRP, artigo 168.º, n.º 1, alínea b)]. Já vimos antes que estamos
ainda aqui no domínio da protecção de direitos, liberdades e garantias. Não é
possível, pois, afirmar que o Governo é, nesta matéria, «livre de autorização».
O artigo 44.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89 — que, na perspectiva de um confronto
com a norma constitucional do artigo 168.º, n.º 2, deve ler-se na globalidade e
não apenas no momento do n.º 2, o que se não faz no pedido — vem limitar a duas
as renovações possíveis do contrato de trabalho a termo [ao contrário da
anterior legislação (Decreto-Lei n.º 781/76, de 28 de Outubro)] e a dois anos a
duração do contrato nos casos referidos no artigo 41.º, n.º 1, alínea e), do
Decreto-Lei n.º 64-A/89 [actividade de duração incerta, início de laboração de
uma empresa ou estabelecimento].
Ao limitar a duas as renovações admissíveis do contrato a termo, o legislador
abriu-se agora à possibilidade de estreitar a duração daqueles contratos. Se o
contrato tem uma duração escassa (por exemplo, seis meses), o limite de duas
renovações fará que se não atinja aquele limite global obrigatório de 3 anos.
Ao que acresce que o Governo, ao realizar os ditados da autorização legislativa
expressos, nos termos do artigo 2.º, alínea j), para o contrato a termo, não tem
que operar aquela redução em todos os casos. Se assim fôra, a lei havê-lo-ia
clarificado. Temos pois que a nova ordem instituída pelo Decreto-Lei n.º
64-A/89, no artigo 44.º, n.º 2 [e na sua relação de sistema], não colide com o
sentido que se descobre na Lei n.º 107/88.
2.3 — As normas do artigo 59.º do diploma anexo ao Decreto-Lei n.º 64-A/89.
Dispõem assim:
Artigo 59.º
(Negociação colectiva)
1 — Os valores e critérios de definição de indemnizações consagrados neste
regime, os prazos do processo disciplinar, do período experimental e de aviso
prévio, bem como os critérios de preferência na manutenção de emprego nos casos
de despedimento colectivo, podem ser regulados por instrumento de regulamentação
colectiva de natureza convencional.
2 — Sempre que este regime admita a prevalência de disposições convencionais,
esta apenas terá lugar relativamente a convenções colectivas de trabalho
celebradas após a sua entrada em vigor.
No pedido, afirma-se que também aqui o Governo não acatou o sentido e os limites
da autorização legislativa. Nos seguintes termos: «O artigo 59.º do diploma
anexo ao Decreto-Lei preambular — em correlação com o artigo 2.º do mesmo
diploma, não corresponde à alínea l) do artigo 2.º da Lei n.º 107/88. Com
efeito, o único entendimento conforme à Constituição da referida alínea é o
seguinte: a possibilidade de afastamento do regime do diploma é a regra, e a
excepção são os aspectos insusceptíveis de alteração por via dos instrumentos de
regulamentação colectiva».
A autorização conferida ao Governo pela Lei n.º 107/88, artigo 2.º, alínea l),
exprime-se em termos de uma «possibilidade de flexibilização do regime através
da previsão de matérias susceptíveis de negociação colectiva, funcionando em
relação a elas o regime legal em termos de supletividade, mas acautelando o
respeito pelos aspectos de interesse e ordem pública».
O programa regulativo desta norma é o da abertura a um espaço de regulação pela
contratação colectiva e a um espaço de regulação por lei, com o sublinhar da
função integrativa-supletiva desta e com a advertência para que interesses de
ordem pública devem ser acautelados.
E é essa ideia que afinal se vem concretizar no Decreto-Lei n.º 64-A/89, em
particular nas normas do artigo 59.º O Governo-legislador deixou abertos à
contratação colectiva domínios de regulação que a não esvaziam de sentido e
conteúdo, ao mesmo tempo que não anulou a funcionalidade do regime ali onde
existam razões para a imperatividade. Aqui, convoca-se também a ordem de
considerações que subentrou no controlo de constitucionalidade da norma do
artigo 2.º do diploma anexo ao Decreto-Lei n.º 64-A/89 [natureza imperativa do
regime], que, é claro, está em relação com as normas do artigo 59.º, agora em
apreço.
E conclui-se, assim, pela não inconstitucionalidade destas normas.
XV — A decisão
Nestes termos, decide-se:
a) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das
seguintes normas:
1 — da norma do artigo 2.º, alínea q), da Lei n.º 107/88, de 17 de Setembro, por
violação do artigo 168.º, n.º 2, da Constituição;
2 — da norma do artigo 60.º, n.º 5, do diploma anexo ao Decreto-Lei n.º 64-A/89,
de 27 de Fevereiro, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição.
b) Não declarar a inconstitucionalidade das restantes normas da Lei n.º
107/88, de 17 de Setembro, nem das restantes normas do Decreto-Lei n.º 64-A/89,
de 27 de Fevereiro.
Lisboa, 31 de Outubro de 1995. — Maria da Assunção Esteves — Alberto Tavares da
Costa — Vítor Nunes de Almeida — Fernando Alves Correia — Bravo Serra —
Messias Bento — Guilherme da Fonseca (vencido, em parte, conforme declaração de
voto junta) — Armindo Ribeiro Mendes (vencido, em parte, conforme declaração de
voto junta) — José de Sousa e Brito (vencido, em parte, conforme declaração de
voto junta) — Maria Fernanda Palma (vencida, em parte, conforme declaração de
voto junta) — José Manuel Cardoso da Costa.
DECLARAÇÃO DE VOTO
Acompanhando, na sua maioria, as soluções a que chegou o presente acórdão,
nomeadamente no que toca à alínea a) da parte decisória, votei, no entanto,
vencido parcialmente quanto à alínea b) da mesma parte decisória, relativamente
a algumas normas da Lei n.º 107/88, de 17 de Setembro, e do Decreto-Lei n.º
64-A/89, de 27 de Fevereiro (e regime legal a ele anexo, o «Regime Jurídico da
Cessação do Contrato de Trabalho a Termo»), nos termos e fundamentos a seguir
sintetizados:
1 — Votei vencido quanto ao ponto III do acórdão: «A garantia constitucional da
segurança no emprego: as normas do artigo 2.º, alínea a), da Lei n.º 107/88 e
dos artigos 26.º, 27.º, 28.º, 29.º, 30.º, 31.º, 32.º e 33.º do diploma anexo ao
Decreto-Lei n.º 64-A/89», respeitando ao «regime concreto que constroem» («a
caracterização das causas de despedimento, as suas condições substantivas e
processuais e as garantias asseguradas ao trabalhador»), fundamentalmente porque
adiro às razões expendidas no Acórdão deste Tribunal Constitucional n.º 107/88,
assim como às razões expostas no voto de vencido do Ex.mo Conselheiro Mário de
Brito junto ao Acórdão deste Tribunal Constitucional n.º 64/91, arestos que,
aliás, vêm citados e transcritos no presente acórdão.
Na verdade, tal como se entendeu nesses locais, se é certo que existe «uma
determinada margem de liberdade de configuração legislativa concreta de justa
causa», o que o legislador «não pode, porém, é transfigurar o conceito, de modo
a fazer com que ele cubra dimensões essenciais e qualitativamente distintas
daquelas que caracterizam a sua intenção jurídico-normativa», devendo
«afirmar-se que o seu alargamento a factos, situações ou circunstâncias
objectivas de todo alheias a qualquer comportamento culposo do trabalhador não
deixará de envolver a sua transmutação substancial» (e no citado voto de
vencido, entendeu-se «que a Constituição ao proibir os despedimentos sem justa
causa (artigo 53.º), quer significar que só são permitidos os despedimentos com
justa causa e que a justa causa tem de ser um ‘comportamento culposo,
censurável, do próprio trabalhador’ (J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira,
Constituição da República Portuguesa Anotada, 2.ª ed. revista e ampliada, 1.º
vol., 1984, nota vi ao citado artigo), que o mesmo é dizer que ‘a justa causa
constitucional do despedimento […] só pode ser, em termos de justiça a justa
causa disciplinar, ou seja, a infracção disciplinar de tal modo grave que torne
inevitável, no caso concreto, o despedimento’»).
Entendimento que perfilho e não vejo que tenha sido contrariado no acórdão,
quando «abstrai dos pontos de vista relativos à culpa», e, in casu, conduziria a
um juízo de inconstitucionalidade material das normas em causa, pois a simples
invocação de motivos económicos ou de mercado, tecnológicos ou estruturais,
relativos à empresa, como forma de fazer cessar o contrato de trabalho, acaba
por se traduzir numa adulteração do conceito de justa causa, violando, em
consequência, o disposto no artigo 53.º da Constituição.
Transpondo para aqui o discurso do Acórdão n.º 107/88, ainda perfeitamente
actual, pode aí ler-se:
O conceito de justa causa para despedimento individual é alargado a factos,
situações ou circunstâncias objectivas que inviabilizam a relação de trabalho e
estejam ligados à aptidão do trabalhador ou sejam fundados em motivos
económicos, tecnológicos, estruturais ou de mercado, relativos à empresa,
estabelecimento ou serviço.
Pese embora o diferente plano em que se colocam estas duas situações — os
motivos ligados à aptidão do trabalhador, ao contrário dos motivos ligados à
empresa, estabelecimento ou serviço, contêm uma determinada referência pessoal
—, deve dizer-se que em ambas a causa de despedimento não é justa, por se fundar
em razões objectivas relacionadas com a diminuição da aptidão profissional
adequada do trabalhador ou com motivos económicos, tecnológicos, estruturais ou
de mercado.
2 — Votei vencido quanto ao ponto IV do acórdão: «As garantias dos
representantes eleitos dos trabalhadores: as normas do artigo 2.º, alínea f), da
Lei n.º 107/88 e do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89 [na parte em que
revoga a Lei n.º 68/79, de 9 de Outubro]», essencialmente pelas razões que, em
tal matéria das garantias dos representantes eleitos dos trabalhadores,
acompanham os votos de vencido juntos ao citado Acórdão deste Tribunal
Constitucional n.º 107/88.
Na verdade, como aí se pode ler (voto de vencido do Ex.mo Conselheiro Vital
Moreira):
Ora, a protecção da segurança no emprego dos representantes dos trabalhadores —
que é também protecção do direito de formar comissões de trabalhadores e da
liberdade sindical — exige que, cautelarmente, se garanta que o representante
dos trabalhadores não possa ser afastado sem ser por justa causa devidamente
apurada e controlada por forma adequada. Se a entidade patronal puder consumar o
despedimento de um representante dos trabalhadores com base em qualquer
aparência de justa causa (que permitisse a suspensão do despedimento), de tal
modo que o trabalhador se visse efectivamente afastado do lugar enquanto não
obtivesse judicialmente a anulação do despedimento (o que pode levar um, dois,
três ou mesmo cinco anos!), então é seguro que os representantes dos
trabalhadores não teriam protecção adequada para o exercício das suas funções de
forma livre e isenta de receio de represálias da entidade patronal.
Sucede que a norma em apreço, ao prever a uniformização do processo de
despedimento dos representantes dos trabalhadores, combinada com a prevista
revogação da Lei n.º 68/79, de 10 de Outubro (que exige uma decisão judicial de
controle da licitude do despedimento dos representantes dos trabalhadores, sem a
qual este não tem lugar), elimina as garantias actualmente existentes sem as
substituir por outras que dêem satisfação à exigência constitucional de
protecção específica dos representantes dos trabalhadores. Com efeito, a norma
não define o que devam ser as garantias substantivas específicas de que hão-de
gozar os representantes dos trabalhadores, e, de qualquer modo, as que estão
enunciadas no projecto de diploma governamental de modo nenhum podem
considerar-se satisfatórias (leia-se agora as garantias que constam do
Decreto-Lei n.º 64-A/89).
Transpondo também para aqui o discurso desses votos de vencido, ainda
perfeitamente actual, e perfilho-o na íntegra, seria conduzido a um juízo de
inconstitucionalidade material das normas em causa, por violação do disposto no
artigo 53.º da Constituição, na relação de sentido que tem com a garantia
constitucional de protecção dos representantes dos trabalhadores (artigos 54.º,
n.º 4, e 56.º, n.º 6, na redacção de 1982).
Não se diga, aliás, como faz o acórdão, que o legislador «é livre para modular
essa protecção (a protecção adequada dos representantes dos trabalhadores),
modificá-la, construí-la em ‘novidade permanente’», pois é sabido que as normas
constitucionais que impõem uma obrigação ao legislador impedem que, uma vez essa
obrigação cumprida, ela seja, de novo, «descumprida» (princípio da proibição do
retrocesso social). E é esse fenómeno do «descumprimento» que perpassa nas
normas em causa, pese, embora, o relevo que o acórdão pretende dar aos «vários
momentos que no Decreto-Lei n.º 64-A/89 concorrem para um sistema concreto de
garantias dos representantes eleitos dos trabalhadores» (basta pensar que, em
termos processuais, a iniciativa desloca-se da entidade empregadora para o
representante do trabalhador, para ver aí uma adulteração do sistema).
3 — Votei vencido quanto ao ponto VIII do acórdão: «Contrato a termo: as normas
do artigo 41.º, n.º 1, alíneas e), f) e h), do diploma anexo ao Decreto-Lei n.º
64-A/89», no que toca à citada alínea h), fundamentalmente pelas razões
enunciadas na declaração de voto do Ex.mo Conselheiro Ribeiro Mendes, a que
adiro, a partir da ideia de que «para ser constitucionalmente lícita a norma que
prevê uma situação em que é possível a contratação a termo há-de tal situação
corresponder a um motivo justificado» carecendo a solução legal de motivo
constitucionalmente justificado.
Para além dessa perspectiva de inconstitucionalidade material, perfilho ainda,
no seguimento do pedido, o entendimento de uma inconstitucionalidade orgânica
dessa alínea h) e também da alínea f), da mesma norma, quando ambas se reportam
a «outros trabalhos de análoga natureza e temporalidade» [alínea f)] ou a outras
«situações previstas em legislação especial de política de emprego» [alínea h)],
na medida em que se não respeita a autorização legislativa conferida pelo artigo
2.º, alínea j), da Lei n.º 107/88, violando-se os limites de competência
demarcados por esta norma.
Contrariamente à conclusão a que chegou o acórdão, e utilizando a sua linguagem,
entendo, pois, ser inconstitucional a norma do artigo 41.º, n.º 1, alínea f),
assim como a norma do artigo 41.º, n.º 1, alínea h), por referência «às
estruturas do artigo 168.º, n.º 2, da Constituição», porquanto se trata de uma
abertura não consentida que nelas se prevê. Afirmar, como se faz no acórdão, de
forma simplista que «a norma não tem consequências», é desconhecer, por um lado,
as facilidades postas à disposição da entidade empregadora para celebrar
contratos de trabalho a termo, e, por outro lado, as dificuldades do controlo
dos casos de admissibilidade desses contratos.
4 — Votei vencido quanto ao ponto XIII do acórdão: «As normas do artigo 2.º,
alíneas e), h), j), n) e p), da Lei n.º 107/88, de 17 de Setembro: a autorização
legislativa e o artigo 168.º, n.º 2, da Constituição», no que toca às citadas
alíneas h), n) e p), essencialmente pelas razões enunciadas na declaração de
voto do Ex.mo Conselheiro Ribeiro Mendes, a que adiro, valendo para todas
aquelas alíneas e apontando para a violação do n.º 2 do artigo 168.º da
Constituição, «por delas não constar o sentido da própria autorização
legislativa».
O próprio acórdão reconhece que aí, nessas alíneas, se detectam «formulações
‘abertas’», mas entende-se que isso não é nenhum obstáculo, quando é mesmo,
exactamente por faltar aquele sentido da autorização legislativa.
5 — Votei vencido quanto ao ponto XIV do acórdão: «As normas do artigo 2.º e 3.º
do Decreto-Lei n.º 64-A/89 e dos artigos 2.º, 19.º e 20.º, 41.º, alíneas h) e
f), 44.º, n.º 2, e 59.º do diploma anexo ao mesmo Decreto-Lei: o uso da
autorização legislativa e seus limites», no que respeita às normas do artigo 2.º
do Decreto-Lei n.º 64-A/89 e dos artigos 2.º, 19.º, 20.º e 41.º, alíneas h) e
f), do diploma anexo ao mesmo Decreto-Lei.
Dando aqui como transcrito o que deixei dito no ponto 3, a propósito daquelas
alíneas h) e f) do artigo 41.º, importa apenas debruçar-me sobre as demais
normas acima identificadas, todas elas reportando-se à matéria do despedimento
colectivo.
Para além de uma inconstitucionalidade consequencial, derivada da posição que
assumi relativamente à norma do artigo 2.º, alínea h), da Lei n.º 107/88 (ponto
4), projectando-se a falta de sentido da autorização legislativa nas normas em
causa do diploma autorizado, acompanho as razões invocadas na declaração de voto
do Ex.mo Conselheiro Ribeiro Mendes, ao entender que as normas dos citados
artigos 19.º e 20.º «sofrem de inconstitucionalidade orgânica, em virtude de
conterem soluções não constantes da Lei de autorização legislativa».
Registe-se que com o novo regime instituído para os despedimentos colectivos,
passaram estes a ficar facilitados, quando se extingue a fiscalização dos mesmos
pelo Ministério da tutela e a obrigatória intervenção dele na autorização ou
proibição dos mesmos (com abertura da via de recurso contencioso — cfr. o
acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal
Administrativo, de 11 de Fevereiro de 1993, Processo n.º 23 359). Só para dar
um exemplo recente, basta pensar no caminho desobstruído para o encerramento da
Fábrica Renault, em Setúbal. — Guilherme da Fonseca.
DECLARAÇÃO DE VOTO
1 — Acompanhando embora a grande maioria das soluções a que chegou o presente
acórdão, relativamente às questões de constitucionalidade suscitadas pelos
Deputados requerentes nos dois processos apensos — respeitantes, um à lei de
autorização legislativa, Lei n.º 107/88, de 17 de Setembro, e outro ao diploma
autorizado, Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, e Regime Legal a ele
anexo («Regime Jurídico da Cessação do Contrato de Trabalho a Termo») —
afastei-me da tese vencedora quanto à solução encontrada para quatro diferentes
questões de constitucionalidade.
Indicarei seguidamente essas questões — em que fiquei vencido —, bem como a
fundamentação da minha discordância.
2 — A) Norma da alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do «Regime Jurídico» anexo ao
Decreto-Lei n.º 64-A/89
O artigo 41.º deste «Regime Jurídico» enuncia taxativamente os casos em que é
legalmente admissível a celebração de contratos a termo (para além do disposto
no artigo 5.º do mesmo «Regime Jurídico», norma aqui ressalvada).
Os requerentes impugnaram a constitucionalidade das alíneas e), f) e h) desse
n.º 1 do artigo 41.º, considerando violado o artigo 53.º da Constituição e o
artigo 13.º do mesmo diploma constitucional.
Sem deixar de reconhecer que as alíneas e) e f) do n.º 1 abrangem situações
relativamente diversificadas, sendo constitucionalmente duvidosa a equiparação
feita entre todas elas, não me pareceu, em todo a caso que as mesmas violassem a
Lei Fundamental.
Já quanto à alínea h) do n.º 1 do citado artigo 41.º, adoptei entendimento
diverso do perfilhado no acórdão, considerando que a norma era materialmente
inconstitucional.
De facto, admite-se agora a celebração de contratos a prazo relativamente a
«trabalhadores à procura do primeiro emprego ou de desemprego de longa duração
ou noutras situações previstas em legislação especial de política de emprego».
Deixando de lado a parte final da alínea, que é puramente remissiva para outra
legislação laboral que se não indica, afigura-se-me que não há razões materiais
que justifiquem a solução legal de precarização do vínculo laboral relativamente
a duas categorias de trabalhadores que não têm qualquer especificidade
intrínseca: os trabalhadores que entram no mercado de trabalho pela primeira vez
(«à procura do primeiro emprego») e os desempregados de longa duração.
O direito constitucional à segurança de emprego previsto no artigo 53.º da
Constituição abrange, no seu âmbito de protecção, «todas as situações que se
traduzam em precaridade da relação de trabalho» (Gomes Canotilho e Vital
Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2.ª ed., Coimbra, 1993 p.
289).
Ora, para ser constitucionalmente lícita a norma que prevê uma situação em que é
possível a contratação a termo, há-de tal situação corresponder a um motivo
justificado, «nomeadamente quando houver razões que o exijam, designadamente
para ocorrer a necessidades de trabalho ou a aumentos anormais e
conjunturalmente determinados das necessidades da empresa» (mesmos comentadores,
ob. cit., p. 289).
No caso dos trabalhadores à procura do primeiro emprego, a existência de um
período experimental, na lei, tutela suficientemente os interesses da entidade
patronal, para o caso de se verificar desinteresse, inadaptação ou falta de
qualidade profissional desses trabalhadores. O mesmo se diga, de resto, quanto
à contratação de desempregados de longa duração.
A solução legal carece de motivo constitucionalmente justificado nestes dois
casos, não se vislumbrando qual a razão por que há-de ter carácter temporário a
prestação de trabalho por quem procura o seu primeiro emprego ou esteve longo
tempo desempregado. Cria-se uma capitis deminutio sobre estes trabalhadores,
face ao conjunto dos trabalhadores que já estão no mercado de emprego e nunca
estiveram em situação de desemprego de longa duração. Não se vê como pode ter
razão a tese maioritária que fala, numa postura nominalista inaceitável, de uma
ratio que tem «em conta a qualidade dos trabalhadores destinatários»! Só se for
uma «razão de Estado» … de política económica, contrária às opções
constitucionais em matéria de segurança de emprego.
3 — B) Norma do n.º 1 do artigo 25.º do «Regime Jurídico» anexo ao Decreto-Lei
n.º 64-A/89
Diferentemente do que ocorria na lei anterior (artigo 11.º, n.º 5, do
Decreto-Lei n.º 372-A/75, de 16 de Julho, redacção introduzida pela Lei n.º
48/77, de 11 de Julho), o n.º 1 do artigo 25.º vem limitar a possibilidade de se
requerer a suspensão do despedimento aos trabalhadores que não tiverem aceite
esse despedimento.
Os requerentes sustentam que essa exigência restritiva («não ter aceite o
despedimento») configura uma limitação processual contrária ao artigo 20.º da
Constituição.
No acórdão, a tese maioritária, com alguma candura, defende a solução
legislativa, afirmando que o legislador se limitou a concretizar um princípio
geral de boa fé.
Discordo frontalmente de tal entendimento.
Sendo, na relação laboral, a entidade patronal, por regra, a parte mais forte —
do ponto de vista económico e também do ponto de vista psicológico — o Direito
do Trabalho tutela, em diferentes matérias, a parte mais fraca, o trabalhador,
aceitando o princípio tradicional do «favor laboratoris» e conferindo protecção
jurídica ao trabalhador, por vezes mesmo sem uma tomada de posição deste. Pode
mesmo dizer-se que a ideia de protecção da parte mais fraca na relação
contratual veio a influenciar o Direito Civil, sendo proveniente do Direito de
Trabalho (cfr. A. Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, Coimbra,
1991, p. 101; A. Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, i, Coimbra, 8.ª ed.,
1993, pp. 85 e segs.).
Ora, parece inaceitável que se impeça o recurso à suspensão de um despedimento
ilícito só porque o trabalhador, por falta de esclarecimento ou numa situação de
perturbação, de coacção ou de temor reverencial, não haja discutido a justeza de
sanção ou venha mesmo a aceitá-la, para evitar uma situação desagradável de
constrangimento pessoal.
Não há que falar em venire contra factum proprium, nem tão-pouco é realista — no
prazo curto de cinco dias úteis — exigir que o trabalhador proponha uma acção de
anulação do acto de aceitação do despedimento, a par do requerimento da
suspensão cautelar (de facto, não parece que, num meio cautelar, se possa
discutir um vício de vontade de um acto unilateral).
Considero, por isso, que a solução impugnada contraria os artigos 18.º, n.º 2, e
20.º, n.º 1, da Constituição.
4 — C) Normas dos artigos 19.º e 20.º do «Regime Jurídico» anexo ao Decreto-Lei
n.º 64-A/89
Entendi que as normas destes artigos sofrem de inconstitucionalidade orgânica,
em virtude de conterem soluções não constantes da Lei de Autorização
Legislativa.
Diferentemente da conclusão a que chegou o acórdão, considero que, por força da
alínea b) do artigo 2.º da Lei n.º 107/88, o Governo só estava habilitado a
alterar as «regras processuais de índole administrativa aplicáveis nos casos de
despedimento colectivo». Ora, parece-me indiscutível o bem fundado da tese dos
requerentes, no sentido de que o legislador do «Regime Jurídico», ao eliminar a
possibilidade de o Ministério do Emprego determinar a proibição de cessação dos
contratos de trabalho, por falta ou insuficiência de fundamentos (artigo 17.º,
n.º 1, da Lei dos Despedimentos de 1975), em casos de despedimento colectivo,
foi para além do que constava da lei anterior, sem a necessária credencial
parlamentar, visto tratar de alteração material ou substantiva.
Mostra-se, assim, violada, em minha opinião, a norma da alínea b) do n.º 1 do
artigo 168.º da Constituição.
5 — D) Normas das alíneas n) e p) do artigo 2.º da Lei n.º 107/88
Diferentemente da tese que fez vencimento, considero que as normas em causa
violam o n.º 2 do artigo 168.º da Constituição, por delas não constar o sentido
da própria autorização legislativa.
Em minha opinião, «clarificar» a posição contratual dos trabalhadores cuja
entidade empregadora haja morrido, se tenha extinguido ou cesse a actividade por
falência ou insolvência carece de qualquer sentido útil, deixando ao legislador
governamental a opção básica entre a manutenção, a suspensão ou a cessação do
vínculo contratual [cfr. alínea n) do artigo 2.º da Lei n.º 107/88].
Igualmente carece de sentido a norma que habilita o Governo a «sistematizar a
clarificar» as fases do processo de despedimento por comportamento culposo do
trabalhador, visto que não é fornecida qualquer directiva material sobre as
tarefas de sistematização a clarificação (veja-se, sobre este ponto, a minha
declaração de voto de vencido no Acórdão n.º 311/93, publicada no Diário da
República, II Série, n.º 170, de 22 de Junho de 1993).
6 — Estas são, pois, as razões da minha discordância quanto à tese
maioritária, nos pontos indicados. — Armindo Ribeiro Mendes.
DECLARAÇÃO DE VOTO
1 — Votei pela inconstitucionalidade do artigo 41.º, n.º 1, alínea h), do
diploma anexo ao Decreto-Lei n.º 64-A/89 na parte em que admite contrato a termo
de trabalhadores «noutras situações previstas em legislação especial de política
de emprego», por violação da garantia de segurança no emprego (artigo 53.º da
Constituição). Trata-se de uma norma remissiva para outra legislação sem
qualquer delimitação do âmbito da restrição, que assim autoriza, do direito à
segurança no emprego. A mesma alínea é nesta parte igualmente inconstitucional
por violação dos limites de competência definidos na lei da autorização
legislativa (artigo 168.º, n.º 2, da Constituição). Com efeito, a previsão em
legislação especial, não individualizada, de política de emprego não pode
considerar-se uma «delimitação clara das situações que legitimam a contratação a
termo», exigida pela alínea j) do artigo 2.º da Lei n.º 107/88.
2 — Votei igualmente pela inconstitucionalidade da alínea n) do artigo 2.º da
Lei n.º 107/88, por violação do n.º 2 do artigo 168.º, ao autorizar a
«clarificação da posição contratual dos trabalhadores cuja entidade empregadora
morre, se extingue ou cessa a actividade por falência ou insolvência», sem
definir minimamente o sentido da autorização, nomeadamente quanto às
alternativas essenciais da manutenção, da suspensão, ou da cessação do vínculo
contratual. — José de Sousa e Brito.
DECLARAÇÃO DE VOTO
1 — Votei, em parte, contra o presente acórdão, concordando, no essencial, com
as razões aduzidas pelo Conselheiro Ribeiro Mendes, quanto às alíneas em que,
igualmente, votou vencido.
2 — Todavia, considero ainda que a norma do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º
64-A/89 enferma de inconstitucionalidade por violar o princípio da igualdade,
consagrado no artigo 13.º da Constituição.
Na realidade, a tese vencedora pressupõe que vigora no nosso ordenamento
jurídico um princípio geral de não acumulação do direito à pensão de reforma com
um contrato de trabalho sem prazo. Um tal princípio, porém, só existiria,
legitimamente, se não atingisse apenas os reformados com mais de 65 ou de 70
anos de idade, mas todos os cidadãos, impedindo acumulação de qualquer pensão de
reforma com um contrato de trabalho sem prazo.
Daqui decorre que é inaceitável ponderar tal princípio apelando à «memória do
sistema», concentrando-a, particularmente, os reformados por velhice. A
«memória do sistema» tem de registar todas as valorações, na sua plena
coerência.
Por outro lado, a tutela do interesse da entidade patronal através do sistema da
conversão do contrato de trabalho sem prazo em contrato a prazo não é
necessária, adequada ou proporcionada, num sistema que já contempla a cessação
do contrato de trabalho por impossibilidade objectiva superveniente (artigo 4.º
do Decreto-Lei n.º 64-A/89).
Em suma, o direito à reforma dos maiores de 65 ou de 70 anos só poderia
justificar um enfraquecimento dos direitos laborais onde existisse aquele
princípio geral de não acumulação. De outro modo, fazer funcionar,
estrategicamente, um direito como contrapartida de um favorecimento da entidade
patronal é permitir a instrumentalização de trabalhadores idosos, mas com
capacidade de trabalho, à satisfação dos interesses das empresas.
Será equivocado estabelecer uma analogia entre este regime e o que consagra um
limite de idade para o exercício de cargos ou funções públicas. A fixação de
tal limite só se pode entender à luz de uma presunção inilidível de
incapacidade, em razão da idade, para o exercício de determinados cargos ou
funções. Trata-se, assim, de uma discriminação que apela a um fundamento
racional (embora seja, evidentemente, discutível). Diferentemente, uma
discriminação remuneratória, funcional ou de segurança no trabalho dos mais
velhos (mas habilitados legalmente à prestação de trabalho subordinado) carece
de fundamento racional e viola o artigo 13.º da Constituição.
3 — Finalmente, entendo que a norma do artigo 60.º, n.º 5, não é materialmente
inconstitucional, embora seja organicamente inconstitucional como se concluiu no
acórdão. A norma não prevê uma pena mas sim uma sanção pública «atípica» e
pressupõe uma prova efectiva da culpa do infractor (contida na prova da violação
das disposições em causa). Consequentemente, contempla o exercício do direito
de defesa e do contraditório quanto a essa prova.
Não se trata, por conseguinte, de uma situação de responsabilidade objectiva e,
estando em causa um ilícito não penal, que visa assegurar o correcto
funcionamento das empresas, assegura-se o exercício do direito de defesa e do
contraditório, tal como se exige no ilícito de mera ordenação social — também
ele não penal, mas integrado no âmbito do direito sancionatório público (cfr. o
artigo 32.º, n.º 8, da Constituição).
Sustentar que a sanção prevista no artigo 60.º, n.º 5, possui natureza
estritamente penal corresponderá a um puro nominalismo, que sacrifica
considerações sobre a natureza da conduta proibida, as finalidades da sanção e a
competência para a sua aplicação à utilização, pelo legislador, da expressão
«multa». Não há fundamento para dar importância decisiva a este elemento
literal, em detrimento de todos os restantes elementos da interpretação. — Maria
Fernanda Palma
(1) Acórdão publicado no Diário da República, I Série-A, de 22 de Janeiro de
1996.