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Processo n.º 417/2012
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Pela decisão sumária n.º 356/2012, decidiu o relator não conhecer do recurso interposto pelo recorrente A., ora reclamante, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, por inutilidade decorrente do facto de a norma sindicada não constituir fundamento jurídico da decisão recorrida.
O recorrente, inconformado, reclamou da decisão sumária, invocando, no essencial, que, por manifesto lapso de escrita, declarou pretender recorrer do «Acórdão do Plenário da 5.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 21 de março de 2012», isto é, daquele que rejeitou, por inadmissível, o recurso para uniformização de jurisprudência, quando o que realmente pretendia era recorrer do Acórdão da 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, que julgara improcedente o recurso de revista por si interposto, pelo que, em ordem à correção de um tal erro na declaração, evidenciado no próprio contexto da declaração e anterior processado, imposta, aliás, pelos princípios da cooperação (artigo 266.º do CPC) e da tutela judicial efetiva (artigo 20.º da CRP), de que o princípio pro actione é simples expressão, deveria o relator ter retificado o lapso, ou convidado o recorrente a fazê-lo mediante o aperfeiçoamento do requerimento de interposição do recurso.
A recorrida, notificada para o efeito, não respondeu à reclamação.
2. Cumpre apreciar e decidir.
A lei confere ao declarante o direito à retificação da declaração nos casos em que esta padece de erro de escrita, desde que o erro seja revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que esta é feita (artigo 249.º do Código Civil).
Em manifestação de um tal princípio de retificação dos erros de escrita, aplicado à instância processual cível, a lei permite a correção dos «erros materiais» da decisão judicial, entre eles o erro de escrita (artigo 667.º do Código de Processo Civil). Não é, contudo, legítimo ao julgador usar de um tal instrumento processual para reparar erros de julgamento, que é o que acontece quando se decide mal, de facto ou de direito, pois que, neste caso, o que há é um vício interno na formação do próprio juízo decisório.
Assim, se se disse coisa diferente do que se queria dizer, é possível retificar o que se disse, fazendo corresponder a vontade declarada à vontade real, desde que tal divergência, ou erro, seja evidente, por resultar do próprio contexto da declaração ou das circunstâncias em que foi feita; mas se, ao invés, se disse o que se queria dizer, mas há erro na formação dessa vontade, não é possível proceder a tal ajustamento verbal, pois que, na verdade, não há qualquer erro na declaração que importe corrigir.
Ora, sendo tais princípios também aplicáveis aos requerimentos e articulados das partes, cumpre verificar, à sua luz reguladora, se o erro que o reclamante pretende ver retificado é, na verdade, um mero erro ou lapso de escrita, como alega, ou, ao invés, traduzirá, antes, um erro de vontade (ou de opção processual), que, de acordo com o princípio de autorresponsabilidade, deve ser exclusivamente imputado à parte que nele incorreu.
O reclamante reconhece que no cabeçalho do requerimento de interposição do recurso identificou o «Acórdão do Plenário da 5.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 21 de março de 2012», como sendo a decisão recorrida. Defende, contudo, tratar-se de um mero lapso de escrita, pois que no artigo 2.º do mesmo requerimento escreveu que «as inconstitucionalidades que pretende ver apreciadas e julgadas pelo Tribunal Constitucional respeitam (…) à interpretação que se fez nos Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte e do Supremo Tribunal Administrativo [do] artigo 99.º do Estatuto da Ordem dos Advogados», interpretação que, de acordo com o que também escreveu no artigo 3º do mesmo articulado, «viola as normas, direitos ou garantias constantes dos nºs 2 e 3 do art.º 18.º, dos nºs 1 e 5 do art. 20º e do n.º 4 do art. 268.º da CRP».
Por outro lado, sustenta ainda o reclamante, os autos revelam, e a decisão sumária relatou-o, que antes da prolação do referido Acórdão do STA de 21 de março de 2012, foram proferidos acórdãos, designadamente por esta mesma instância, que, contrariamente ao que sucedeu com este último aresto, apreciaram a questão de inconstitucionalidade em causa, o que também revela o erro de escrita em que, por lapso, incorreu, ao identificar como decisão recorrida o único que não apreciou tal questão.
Não se afigura, contudo, estar evidenciado o erro, de modo a considerar-se que a identificação da decisão recorrida, nos termos em que o foi, constitui mero lapso de escrita.
Com efeito, tendo o recorrente, no introito do requerimento, procedido à identificação completa da decisão recorrida, aludindo expressamente ao «Acórdão do Plenário da 5.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo de 21 de março de 2012, sendo que o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, a que alegadamente o reclamante se pretendia referir, sendo da mesma instância, foi proferido, em sede de recurso de revista, pela 1ª Secção, em 30 de setembro de 2010, havendo, pois, em aspetos essenciais, uma relevante discrepância identificativa, não decorre do contexto global do requerimento que o recorrente, afinal, se pretendia referir a esta última decisão.
Com efeito, se é certo que o recorrente, em passagem subsequente, referindo-se às decisões que acolheram a interpretação sindicada, menciona, aliás indistintamente, os «Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte e do Supremo Tribunal de Justiça» (leia-se, aqui sim, Supremo Tribunal Administrativo), a verdade é que, a final, indica como peças processuais onde suscitou a questão de inconstitucionalidade, entre outras precedentes, não apenas as «alegações do recurso de revista interposto no Supremo Tribunal de Justiça» (leia-se novamente Supremo Tribunal Administrativo), mas também as próprias «alegações de recurso para uniformização de jurisprudência apresentado no mesmo tribunal», o que não consubstancia, de modo algum, um indicador claro, evidente, manifesto de que a referência à decisão do Plenário, como sendo a decisão recorrida, se tratou de mero lapsus calami.
Por outro lado, se é também verdade que o Supremo Tribunal Administrativo apreciou a questão de inconstitucionalidade em decisão precedente àquela de que se declarou recorrer, o que os autos patenteiam, tal circunstância também não demonstra, com o grau de inequivocidade que o direito à retificação pressupõe, que foi por mero lapso de escrita que se identificou o acórdão do plenário do STA, que não apreciou tal questão, como sendo a decisão recorrida, sendo certo que, como é sabido, é comum o erro (erro da vontade e não erro na declaração) em que os recorrentes incorrem na interpretação das normas reguladoras do processo no Tribunal Constitucional, designadamente no que respeita aos pressupostos processuais do recurso de constitucionalidade, optando, em desconformidade com a lei, por interpor recurso de constitucionalidade de decisão que, sendo a última proferida, não reúne os requisitos legais de que depende o conhecimento do recurso (Cf. Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 133/2009 e 57/2012).
Por isso que, não estando evidenciado o invocado erro, nos termos em que a lei faz depender o direito à sua retificação, não pode a reclamação ser deferida, sendo que também não assiste ao reclamante o invocado direito ao aperfeiçoamento do requerimento de interposição do recurso, nos termos do artigo 75.º-A, nºs. 5 e 6, da LTC, instrumento preordenado ao suprimento de vícios formais do requerimento, por omissão de elementos que dele devem obrigatoriamente constar, e não à correção, fora dos parâmetros legais da retificação, dos elementos que, tendo sido efetivamente indicados, não obedecem aos requisitos legais de que depende o conhecimento do recurso.
3. Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 7 de novembro de 2012.- Carlos Fernandes Cadilha – Maria José Rangel de Mesquita – Maria Lúcia Amaral.