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Procº. nº. 155/90
2ª. Secção
Rel. Cons.: Sousa e Brito
Acordam na 2ª. Secção do Tribunal Constitucional:
I
A CAUSA
1. A., intentou no Tribunal de Trabalho de Barcelos, acção sumária
emergente de contrato de trabalho, contra B., pedindo:
- fossem declarados nulos 'e de nenhum efeito' três períodos de suspensão
com perda de vencimento, de 3, 5 e 12 dias respectivamente, sanções que cumpriu
por determinação da entidade patronal;
- fosse, ainda, a mesma entidade patronal condenada a satisfazer-lhe a
quantia de 77.265$20, respeitante ao salário dos dias de suspensão, retribuição
por trabalho extraordinário não pago e equivalente a retribuição em espécie não
prestada.
Contestou a ré confessando-se devedora da quantia de
12.214$00, mas credora do autor em 10.000$00, cuja compensação com aquela
solicita, pugnando, assim, pela parcial improcedência da acção.
Realizado julgamento, foi proferida decisão que
julgando procedente a acção (e improcedente a compensação pedida pela ré),
'tendo ... em mente o disposto no artigo 69º., do Código de Processo de
Trabalho', declarou:
- nulas e de nenhum efeito as sanções disciplinares de três e cinco dias
de suspensão com perda de vencimento;
- e, 'abusiva, nula e de nenhum efeito' a sanção disciplinar de doze dias
de suspensão com perda de vencimento, condenando a ré a satisfazer ao autor:
- 4.150$00 e 6.916$50, a título de retribuição relativa às suspensões
declaradas nulas de três e cinco dias;
- 182.000$00, a título de indemnização, pela sanção de doze dias declarada
abusiva;
- 1.147$50, 15.152$50, 30.209$00 e 1.490$00 correspondentes,
respectivamente, a reposição de um desconto indevido, equivalente a prestação
em espécie não entregue, retribuição por trabalho extraordinário e retribuição
de um dia não pago, foi ainda a ré condenada como litigante de má fé em multa e
indemnização, consignando-se enfermar a conduta desta de 'elevado grau de dolo
substancial'.
2. Desta sentença interpôs a ré recurso para o Tribunal
Constitucional, por entender inconstitucionais as normas constantes do nº. 3 do
artigo 33º., do DL 49.408 de 24 de Novembro de 1969 (LCT) e do artigo 69º., do
Código de Processo de Trabalho (CPT), consignando no final do requerimento de
interposição:
' ... suscitada que está a inconstitucionalidade das normas que se vêm de
referir, sendo certo que, em fase processual anterior o não poderia ter feito,
uma vez que tal questão emerge directamente dos termos em que é proferida a
douta sentença em análise'.
Admitido o recurso pelo Tribunal a quo, alegaram neste
Tribunal, autor (recorrido) e ré (recorrente), rematando esta as suas alegações
com as seguintes conclusões:
'1. As normas constantes do nº 3, do artigo 33º, do Decreto-Lei nº
49408, de 24.11.1969 e o disposto no artigo 69º do Cód. Proc. Trabalho, são
inconstitucionais;
2. Na verdade a primeira daquelas normas viola o artigo 13º da
Constituição, na medida em que, face à verificação de uma concreta situação,
beneficia uma das partes intervenientes -- o trabalhador -- atenta a situação
económica de uma parte, sem que, a não verificação da mesma situação, beneficie
por sua vez, a outra parte -- a entidade patronal --;
3. De qualquer modo a indemnização prevista naquela norma, não
corresponde à retribuição de qualquer tipo de trabalho por parte do trabalhador,
ultrapassando, assim, à evidência, o consagrado na al. a), do nº 1, do artº 59º
da Constituição;
4. Acresce que, também a previsão do artigo 69º do Cód. Proc.
Trabalho, em confronto com o consagrado no artigo 13º da Constituição, revela
uma evidente desigualdade, estabelecendo um benefício em favor do trabalhador,
que pode vir a receber mais do que pediu, como foi o caso, prejudicando, assim,
consequentemente a entidade patronal, para quem não se prevê, em contrapartida,
uma situação correspondente de benefício;
5. Acrescentar-se-á, ainda, que, a previsão daquele artigo 69º,
significa que o Tribunal poderá 'dirimir um conflito inexistente', na medida em
que as partes não o submetem à sua apreciação, e daí a sua inconstitucionalidade
face ao consagrado no nº 2 do artigo 205º da Constituição, que, entende-se,
apenas permite 'dirimir conflitos' que lhe são apresentados.'
Corridos os pertinentes vistos, cumpre decidir.
II
FUNDAMENTAÇÃO
3. Está em causa recurso recondutível à alínea b), do nº 1, do artº.
70º., da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, entendida esta como abrangendo
situações em que a parte não dispõe de possibilidade processual de suscitar a
questão de inconstitucionalidade processual de suscitar a questão de
inconstitucionalidade, anteriormente à decisão da qual pretende recorrer.
A eventualidade desta dispensa de suscitação prévia (à
decisão) de uma inconstitucionalidade, associa-a este Tribunal ao carácter
imprevisto da aplicação de uma norma ou de certa dimensão interpretativa dessa
norma (cfr., por exemplo, os Acórdãos nºs. 166/92 e 370/94, nos DR-II, de
18.9.92 e 7.9.94).
As normas cuja inconstitucionalidade (agora) se invoca
são as constantes do nº. 3, do artº. 33º, da LCT e do artº. 69º., do CPT e foram
ambas aplicadas pela decisão recorrida: o artº. 33º, nº. 3, com a condenação da
recorrente na indemnização nele estabelecida, em consequência da qualificação
como abusiva de uma das sanções discutidas no processo; a disposição do CPT
foi, por sua vez, expressamente, aplicada ao ultrapassar-se na condenação o
montante global peticionado pelo Autor, e através do estabelecimento de
indemnização por aplicação de sanção abusiva, quando, em rigor, o Autor a não
pediu (veja-se os artºs. 26º., 32º. e 50º., da petição inicial), tal opção foi
tomada - e importa sublinhar este ponto - sem que à ora recorrente (ré na acção)
fosse conferida possibilidade processual prévia de sobre ela se pronunciar.
Qualquer das disposições citadas tem que ver com
aspectos fulcrais do património jus-laboral, designadamente quando se discute,
na jurisdição do trabalho, a aplicação de uma sanção disciplinar como a
suspensão.
Porém, não crê o Tribunal que em circunstâncias como as
presentes seja correcto exigir à parte um invocar prévio da
inconstitucionalidade das normas em causa.
Com efeito, se a condenação para além do pedido,
decorrente do artº. 69º., do CPT, constitui sempre uma possibilidade para quem
litiga no processo laboral, não pode esta eventualidade ser considerada, à
partida, como normalmente previsível. Da mesma forma, na ausência por parte do
Autor de um pedido fundado no artº.33º., nº. 3, da LCT, também não se pode
considerar previsível (em termos de previsibilidade normal) a aplicação dessa
norma na decisão final.
A isto acresce a indesejável consequência, quanto ao
exercício do patrocínio judiciário, que um entendimento diverso implicaria: o de
tornar exigível ao mandatário a suscitação de problemas que em última análise
podem ser desfavoráveis à parte que representa.
Assim, há que ter por relevantemente suscitada a questão
de constitucionalidade, com a consequente legitimação do Tribunal, ao abrigo da
alínea b), do artº. 70º., nº. 1, da Lei nº. 28/82, para apreciar a conformidade
constitucional das normas referidas pela recorrente.
É o que importa fazer.
4. Reporta-se o recurso, como se disse, à legitimidade
constitucional dos artºs. 69º., do CPT (condenação «extra vel ultra petitum» e
33º., nº. 3, da LCT (indemnização por sanção abusiva consistente em multa ou
suspensão), sendo que a aplicação deste último se mostra conexionada com a
aplicação do primeiro, já que, não tendo o Autor formulado um pedido de
indemnização baseado nesse nº. 3, só por se entender legitimada a condenar em
quantidade superior e objecto diverso do pedido, a decisão recorrida calculou
nestes termos parte da indemnização fixada.
4.1. Comecemos, então, por apreciar a norma do CPT,
partindo do seu texto:
ARTIGO 69º
(Condenação «extra vel ultra petitum»)
O juiz deve condenar em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso
dele quando isso resulte de aplicação à matéria provada, ou aos factos de que
possa servir-se, nos termos do artº. 514º., do Código de Processo Civil, de
preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação colectiva de
trabalho.
Estabelece-se, assim, no domínio do direito adjectivo
laboral, o princípio contrário ao que vigora no processo civil comum (cfr. artº.
661º., nº. 1, do CPC), restringindo-o, porém, a situações de aplicação de
preceitos inderrogáveis da lei ou decorrentes de instrumentos de regulamentação
colectiva, à matéria provada ou àquela que ao tribunal seja lícito conhecer
independentemente de alegação ou prova.
Trata-se de disposição com larga tradição no nosso
ordenamento adjectivo jus-laboral que já constava, com uma formulação
semelhante à actual, do CPT de 1963 e que se prende com esse aspecto específico
do direito do trabalho, consistente numa presença quantitativa e
qualitativamente importante de «regras injuntivas» [«preceitos inderrogáveis
...» na letra da lei; fala-se também em «direitos irrenunciáveis», retirando-se
esse carácter de uma opção legal expressa (v. por exemplo, o artº. 2º., nº. 4,
do DL 874/76, de 28 de Dezembro, quanto ao direito a férias) ou 'dos valores
gerais do Direito do Trabalho' (Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho,
Coimbra 1991, pág. 734, caracterizando a irrenunciabilidade da remuneração)].
A possibilidade de ultrapassagem do pedido na
condenação, decorrente da disposição questionada, transpõe, assim, para o
domínio do processo o carácter irrenunciável de determinadas normas relativas à
situação jurídica laboral, colocando a intencionalidade que preside a essas
normas a coberto - preenchidas determinadas condições da própria actuação
processual do interessado.
Este o sentido que a jurisprudência e a doutrina vêm
atribuindo ao artº. 69º., do CPT (cfr., por exemplo, as referências
jurisprudenciais constantes de L.P. Moitinho de Almeida, Código de Processo do
Trabalho Anotado, 3ª. ed., Coimbra 1994, pág. 108 e segs; na doutrina, cfr. Raul
Ventura e Castro Mendes, curso de Direito Processual do Trabalho, Revista da
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Suplemento, Lisboa 1964,
respectivamente, págs. 48 e 132/133).
Outro aspecto da condenação «extra vel ultra petitum»,
particularmente importante neste caso, tendo presente a argumentação da
recorrente, prende-se com a circunstância de não se extrair do artº. 69º., do
CPT que o beneficiário do respectivo regime só possa ser o trabalhador, e nunca
a entidade patronal. A condenação para além do pedido tem que ver
exclusivamente com a natureza das normas que os factos provados convocam e não
com a posição na relação laboral dos sujeitos processuais. Precisamente este
aspecto foi sublinhado recentemente na Acórdão nº. 644/94 da 1ª. Secção deste
Tribunal (DR-II, de 1.2.95) que se pronunciou pela conformidade constitucional,
face ao artº. 13º., da Lei Fundamental, da norma aqui em apreço.
Não existe, assim, essa 'evidente desigualdade', em
benefício do trabalhador, que a recorrente extrai da disposição do CPT que
questiona. Aliás, a este propósito, ocorre sublinhar que a diferenciação (onde
exista diferenciação) que o artº. 13º., da Constituição proíbe é, tão só, aquela
para a qual 'não é possível encontrar um motivo razoável decorrente da natureza
das coisas, ou que, de alguma forma, seja concretamente compreensível' (Acórdão
nº. 152/95, DR-II de 20.6.95) e, no caso dos preceitos abrangidos na previsão
do artº. 69º., do CPT, sempre poderemos ver no seu carácter irrenunciável (nos
motivos que presidem à atribuição desse carácter) um 'motivo razoável' para
alicerçar uma diferenciação de tratamento, onde essa diferenciação - e,
sublinhe-se de novo, não é esse o caso do artº. 69º., do CPT - exista.
4.1.1. - Da mesma forma, não colhe o argumento da
recorrente de que, condenando além do pedido, o tribunal está a 'dirimir um
conflito inexistente', representando isso uma violação do disposto no artº.
205º., nº. 2, da Constituição.
Para além da evidente improcedência deste
argumento como questão de constitucionalidade (veja-se a caracterização do
citado nº. 2 em Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República
Portuguesa Anotada, 3ª. ed. Coimbra 1993, pág. 792/793), não oferece igualmente
qualquer dúvida que a simples existência de um processo, paralelamente à
restrição à 'matéria provada' neste, da possibilidade de ultrapassagem do pedido
na condenação, torna totalmente 'existente' para o tribunal o conflito que a
condenação (para além do pedido) pretende solucionar.
4.2. Tendo em vista a argumentação da recorrente,
importa agora apreciar a imputação de desconformidade constitucional ao artº.
33º., nº. 3, da LCT, ao fixar num mínimo de dez vezes o valor da retribuição
perdida, a indemnização por sanção abusiva consistente, no que aqui interessa,
em suspensão.
A inconstitucionalidade resultaria neste
caso, na óptica da recorrente, de violação do princípio da igualdade e da
circunstância de não corresponder essa indemnização 'à retribuição de qualquer
tipo de trabalho por parte do trabalhador', significando isto o ultrapassar do
'consagrado na alínea a), do nº. 1, do artº. 59º., da Constituição'.
Prende-se, o estabelecimento de indemnização
por sanção abusiva, com uma das principais especificidades da situação jurídica
laboral: o poder disciplinar.
Traduz este, com efeito, 'um instituto
autónomo do direito do Trabalho', cuja formação ocorre 'na base de várias
transposições técnicas e culturais', que 'não comporta reduções unitárias a
institutos pré-existentes', que se explica 'pelas necessidades técnicas e de
fundo do processo de produção assente em trabalho subordinado mas devidamente
controlado pelo Direito', que se baseia 'na lei', que se aplica 'mercê da
celebração dum contrato de trabalho', que visa 'sancionar o acatamento dos
deveres laborais', que tem a sua adjectivação no 'processo disciplinar',
sujeito este ao 'princípio da boa-fé' (Menezes Cordeiro, ob.cit. pág. 755 e
763).
Também aqui se não vê qualquer tratamento desigual de
quem se encontra na mesma situação, quando o certo é que a simples existência do
poder disciplinar torna substancialmente diferente a posição da entidade
patronal, que pode impor sanções, e a posição do trabalhador, que pode ser
objecto delas. Na especificidade desta situação (destas diferentes situações)
reside o sentido e o 'motivo razoável', do aparecimento de uma norma que, como o
artº. 33º., nº. 3, pretende reagir a um sancionamento disciplinar, tão grave
quanto a multa e a suspensão, abusivamente exercido.
4.2.1. Vejamos agora a referência da recorrente ao
artº. 59º., nº. 1, alínea a), da Constituição. Importa consignar não conter
esta disposição a obrigação que nela lê a recorrente de que qualquer quantia
prestada pela entidade patronal ao trabalhador, na vigência ou por causa do
contrato de trabalho, tenha de corresponder 'à retribuição de qualquer tipo de
trabalho', e não possa designadamente assumir a forma de uma
'indemnização/sanção' fixada com base em critérios não reportados à retribuição
ou que, como aqui sucede, a ultrapassem.
O direito fundamental à retribuição do
trabalho, garantido na disposição em causa, não tem seguramente o significado
que a recorrente lhe pretende atribuir na conclusão 3. das suas alegações.
4.3. Assim se mostram esgotados os argumentos de
inconstitucionalidade apresentados pela recorrente, concluindo-se pela sua
improcedência. Porém, estando este Tribunal vinculado à apreciação das normas
concretas aplicadas (depois de arguidas de inconstitucionais) ou recusadas, não
está já vinculado aos fundamentos quanto à violação de normas ou princípios
constitucionais invocados, como aqui sucede, pela parte recorrente (v. artigo
79º. C, da LTC).
Ora, o artigo 69º do CPT carece, no
entendimento do Tribunal Constitucional, de ser analisado numa prespectiva não
focada pela recorrente, qual seja a da sua compatibilidade com o artigo 20º, nº
1, da Constituição. Comentando esta disposição, no aspecto que aqui releva,
assinalam Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição ... cit, pág. 164) 'a
proibição da «indefesa» (decorrente do nº 1) que consiste na privação ou
limitação do direito de defesa do particular perante os órgãos judiciais, junto
dos quais se discutem questões que lhe dizem respeito', e acrescentam, 'A
violação do direito à tutela judicial efectiva, sob o ponto de vista da
limitação do direito de defesa, verificar-se-á sobretudo quando a não
observância de normas processuais ou de princípios gerais de processo acarreta a
impossibilidade de o particular exercer o seu direito de alegar, daí resultando
prejuízos efectivos para os seus interesses'.
Analisando a sequência processual em que no
presente processo apareceu a condenação para além do pedido, vemos que
relativamente a esta não foi garantido o exercício do contraditório à parte
directamente afectada por tal condenação. A ultrapassagem em quantidade e
objecto surgiu assim no processo como verdadeira «a decisão surpresa» não
antecedida da concessão à ré de qualquer oportunidade de 'apresentar as suas
razões e objecções à solução adoptada pelo Tribunal' (Carlos Lopes do Rego,
Acesso ao direito e aos Tribunais, in Estudos sobre a Jurisprudência do Tribunal
Constitucional, Lisboa 1993, pág. 65).
É certo que esta possibilidade de audição
prévia, em rigor, não está processualmente prevista de forma expressa na
disposição em causa do CPT, mas também não deixa de ser verdade que o
«princípio do contraditório» constitui um princípio básico de ordenamento
adjectivo civil português (v. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo
Civil, Coimbra 1979, pág. 379 e Miguel Teixeira de Sousa, Introdução ao Processo
Civil, Lisboa 1993, pág. 41/42) expressamente aflorado, por exemplo, nos artigos
3º, nº 1, in fine, e 517º, nº 1 do CPC e a garantia no processo dessa audição
prévia, quanto à eventualidade de condenação 'extra vel ultra petitum', não
seria de todo impraticável, por exemplo (e esta seria apenas uma das formas
possíveis) com a comunicação na audiência, anterior à abertura dos debates de
que fala o artigo 66º, nº 2 do CPT, dessa eventualidade.
Já este Tribunal, no Acórdão nº 222/90 (ATC,
16º. Volume, 1990, págs 635 e segs.), teve oportunidade de se pronunciar sobre a
relevância constitucional do princípio do contraditório, em processo civil. Aí,
após ponderar ser o texto constitucional omisso na enunciação de regras mais ou
menos precisas por onde deva pautar-se a regulamentação legal do processo civil,
acrescentou-se :
' Mas nem por isso deixam, quanto a ele, de poder e dever retirar-se da
Constituição - e em particular do direito de acesso aos tribunais, nela em geral
garantido - determinadas exigências, que hão-de reflectir-se em tal
regulamentação ou com que esta haverá de harmonizar-se. Isto mesmo, de resto, já
teve este Tribunal ocasião de reconhecê-lo - em jurisprudência em que justamente
se pôs em relevo ser o respeito e a salvaguarda do «princípio do contraditório»
uma exigência comum para qualquer tipo de processo, decorrente da garantia do
artigo 20º, nº 2º da Constituição, e da noção dum due process of law, ínsita na
própria ideia de Estado de direito democrático (v., além doutros, os Acórdãos
nºs. 404/87, 85/88 e 396/89, no Diário da República, II Série, de 22 de Dezembro
de 1987, 22 de Agosto de 1988 e 14 de Setembro de 1989, respectivamente).
A evidência de que o processo civil não pode
deixar de se caracterizar com um «due process», é particularmente significativa,
entendendo-se como se entende no espaço jurídico onde o conceito de «due
process» tem as suas raízes, que o contraditório ( o «right to be heard»)
integra o núcleo essencial do conceito ('The basic function of procedural due
process is to afford «an opportunity to be heard (...) at meaningful time and in
a meaningful manner», thereby promoting fairness and accuracy in the resolution
of disputes', Norman Vieira, Constitutional Civil Rights, St.Paul, Minnesota,
1990, pág.36).
Esta ideia voltou recentemente a ser
reafirmada na jurisprudência deste Tribunal, a propósito da condenação de uma
parte como litigante de má fé, prevista no artigo 456, nº 2 e 3 do CPC (cfr. o
art. 84º, nº 6 da LTC). Também aí esteve em causa saber se esse tipo de
condenação, verificados os pressupostos do artigo 456 nº 2 citado, sem audição
do interessado, era fonte de lesão do artigo 20º, nº 1 da Constituição.
Também aí (tratou-se do Acórdão nº 440/94,
publicado no DR-II, de 1.9.94) concluiu o Tribunal Constitucional - em termos
passíveis de transposição para o funcionamento nestes autos da regra do artigo
69º do CPT :
'... o regime instituído nas normas do artigo 456º, nºs 1 e 2, do Código do
Processo Civil, quando interpretadas no sentido de a condenação em multa por
litigância de má fé não pressupôr a prévia audição do interessado em termos de
este poder alegar o que tiver por conveniente sobre uma anunciada e previsível
condenação, padecerá de inconstitucionalidade por ofensa daquele princípio
constitucional («proibição de indefesa» decorrente do artigo 20º, nº 1)
------------------------------------------------
semelhante interpretação priva por completo o interessado de poder apresentar
perante o Tribunal qualquer tipo de defesa, acabando por ser confrontado com uma
decisão condenatória cujos fundamentos de facto e de direito, não teve
oportunidade de contraditar.'
E acrescenta a decisão que vimos citando :
' Mas não resulta imperativo que tais preceitos hajam necessariamente de ser
julgados inconstitucionais, já que, mostrando-se, embora incompatível com a lei
fundamental a interpretação que lhes foi dada na decisão recorrida, outra existe
que os torna constitucionalmente comportáveis'.
O entendimento do Tribunal é o de que,
naquela situação como nesta, só será constitucionalmente legítima a
interpretação da norma que condicione, ali a condenação por litigância de má fé
e aqui a condenação «extra vel ultra petitum», à prévia notificação do
interessado, concedendo-lhe a possibilidade prática para alegar o que sobre a
matéria entender conveniente à defesa dos seus interesses.
É este o sentido em que o Tribunal aceita o
funcionamento da regra do artigo 69º do CPT. Não foi este manifestamente o
entendimento subjacente á decisão recorrida.
É nesse aspecto, apenas, que a decisão
recorrida na aplicação da mencionada norma do CPT merece censura.
III
DECISÃO
5. Pelo exposto decide-se :
a) Não julgar inconstitucional a norma
constante do nº 3, do artigo 33º, do Decreto-Lei nº 49408, de 24 de Novembro de
1969 ;
b) Não julgar inconstitucional a norma do
artigo 69º do Código do Processo de Trabalho, desde que interpretada no sentido
da condenação «extra vel ultra petitum» estar condicionada pela prévia audição
dos interessados sobre tal matéria ;
c) Conceder, em função deste entendimento,
provimento ao recurso, a fim de que o Tribunal de Trabalho de Barcelos reforme a
sua decisão no que respeita a esta matéria, aplicando no processo o artigo 69º
do Código do Processo do Trabalho com a interpretação que se expôs em b).
Lisboa, 8 de Novembro de 1995
José de Sousa e Brito
Bravo Serra
Fernando Alves Correia
Messias bento
Guilherme da Fonseca (dispenso o visto)
Luís Nunes de Almeida