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Processo: n.º 782/93.
1ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Nunes de Almeida.
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I — Relatório
1 — «A., L.da», propôs, junto do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa,
acção administrativa contra o Município de Sesimbra bem como contra o presidente
e vereadores da respectiva Câmara Municipal, pedindo a condenação solidária dos
Réus no pagamento da quantia de 322 509 000$00, além de honorários, remunerações
à gerência e danos patrimoniais a liquidar em execução de sentença, tudo em
consequência de os Réus não terem emitido o alvará de licenciamento requerido
pela autora, tal como foi alegado na petição inicial.
Na contestação, na parte que interessa para a decisão a tomar neste Tribunal, os
Réus presidente da Câmara e vereadores sustentaram que lhes deveria ser
estendido o benefício de custas e preparos de que gozava a autarquia, mais
acrescentando que caso não fosse atendido esse pedido, deveria considerar-se
verificada a insuficiência económica justificativa do apoio judiciário, que
requereram na modalidade de dispensa do prévio pagamento de custas e preparos.
2 — Sobre este pedido recaiu despacho de indeferimento liminar, do qual os
referidos Réus, e agora recorrentes, agravaram para o Supremo Tribunal
Administrativo (adiante STA). Sustentaram, na parte aqui relevante, que com o
entendimento subjacente à decisão recorrida «correr-se-ia o risco de tornar
letra morta o direito de participação na vida pública, consagrado no artigo
48.º, n.º 1, da CRP, pois o mesmo ficaria fortemente condicionado pela situação
económica dos cidadãos elegíveis, sendo então de considerar a
inconstitucionalidade da norma contida no artigo 21.º da Lei n.º 29/87, de 30 de
Junho, que desde já, cautelar e subsidiariamente se invoca». Tal alegação foi
levada à conclusão B) das respectivas alegações.
Não lhes reconheceu razão o STA, em acórdão tirado em conferência na 2.ª
Subsecção da 1.ª Secção, no qual, a propósito das alegações de
inconstitucionalidade, e referindo-se genericamente às «normas legais em causa»,
se conclui o seguinte: «… não se descortina, contrariamente ao alegado pelos
recorrentes, ‘‘o comprometimento ou afectação do seu património pessoal e
familiar, por exclusivas razões decorrentes das suas funções públicas’’.
3 — É deste aresto que foi interposto o presente recurso para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º e do
n.º 2 do artigo 72.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro. Convidados os
recorrentes a indicar os elementos em falta exigidos pelo disposto no artigo
75.º-A, n.os 1 (parte final) e 2, da Lei do Tribunal Constitucional, vieram os
mesmos referir que pretendiam ver apreciada a inconstitucionalidade da norma
constante do artigo 21.º da Lei n.º 29/87, de 30 de Junho, por violar a norma
constitucional expressa no artigo 48.º, n.º 1, da CRP, feito o que, admitido o
recurso, subiu o mesmo a este Tribunal.
Tendo sido suscitada a questão prévia do não conhecimento do recurso, foram os
recorrentes ouvidos sobre a matéria, não tendo respondido.
Corridos que foram os vistos legais quanto à questão prévia e quanto ao mérito
do recurso, cumpre apreciar e decidir.
II — Fundamentos
4 — Sendo o presente recurso interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do
n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, há que apurar se a norma
cuja constitucionalidade vem questionada foi efectivamente aplicada na decisão
recorrida, ao menos numa sua dimensão normativa, em termos de constituir um dos
seus fundamentos.
Os agora recorrentes sustentaram, logo na sua primeira intervenção no processo,
que deveriam beneficiar de isenção de custas e preparos, ou porque estariam
abrangidos pelo regime de isenção aplicável às autarquias, ou porque, caso assim
não fosse entendido, lhes deveria ser concedido apoio judiciário, neste caso por
as remunerações ou senhas de presença que auferem como titulares do órgão
executivo municipal não poderem ser comprometidas no pagamento dessas despesas.
O pedido de isenção de custas e preparos veio a ser decidido em sentido
desfavorável à pretensão apresentada. Assim, em consequência do despacho do
senhor juiz que incidiu apenas sobre essa pretensão, foram notificados para
efectuarem o pagamento dos preparos, no valor de 815 273$00. Entretanto
agravaram desse despacho, com efeito suspensivo. O acórdão do STA sob recurso
confirmou o despacho agravado.
5 — Já na primeira instância, a representante do Ministério Público no Tribunal
Administrativo de Círculo de Lisboa referiu que os Réus apenas têm o direito de
se verem reembolsados pela autarquia dos montantes por eles suportados. E o
juiz não rejeitou tal posição ao afirmar que «a norma do artigo 21.º da Lei n.º
29/87, de 30 de Junho, pelos Réus invocada, não é uma norma de isenção mas uma
regra que faz recair sobre as autarquias o encargo com as despesas provenientes
de processos judiciais em que sejam parte eleitos locais, por causa do exercício
das respectivas funções, quando se não prove o seu dolo ou negligência» (fls.
105). E, no mesmo local, distingue entre isenção de custas, de que as
autarquias beneficiam sempre, e o encargo de suportarem as custas devidas pelos
seus eleitos, que não gozam nunca da isenção respectiva.
Nas conclusões das alegações que apresentaram no STA, os recorrentes
sustentaram, quanto ao primeiro fundamento da sua pretensão, que haveria que
fazer uma correcta interpretação da norma contida na alínea a) do n.º 1 do
artigo 3.º do Código das Custas Judiciais de forma a que lhes fosse considerado
extensivo o benefício da isenção aí previsto [alíneas A) e C)]. Quanto ao
segundo fundamento, e também nas alíneas das alegações acabadas de indicar,
sustentaram que os n.os 1 e 2 do artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 387-B/87, de 29
de Dezembro, deveriam ser interpretados de forma a serem, «subsidiariamente»,
dispensados do pagamento de preparos, «por se encontrarem sumariamente alegados
os factos e as razões de direito que interessam ao pedido e não ser exigível, no
caso, o cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 23.º» desse Decreto-Lei.
É na alínea B) dessas alegações que se desenha uma questão de
constitucionalidade, nos termos que se transcrevem:
B) Havia, igualmente, que ter em conta as circunstâncias específicas da
situação dos demandados, enquanto eleitos locais, aos quais não é exigível o
comprometimento ou afectação do seu património pessoal e familiar, por
exclusivas razões decorrentes do exercício das suas funções públicas, sob pena
de violação do disposto no art. 48.º, n.º 1, da CRP, comando constitucional em
conformidade com o qual deveria ser feita a interpretação das normas citadas na
precedente conclusão, ou de inconstitucionalidade do artigo 21.º da Lei n.º
29/87, de 30 de Junho.
Notar-se-á que nestas alegações os recorrentes não distinguiram as duas
situações encaradas no despacho então recorrido. Na alínea B) transcrita,
sustentam que aos eleitos locais «não é exigível o comprometimento ou afectação
do seu património pessoal e familiar, por razões decorrentes do exercício das
suas funções públicas». Inculcam, portanto, a pretensão de não serem eles a
suportar o encargo patrimonial correspondente aos preparos. Todavia, logo na
alínea seguinte, e concretizando o que pretendiam, sustentam que
«consequentemente», «a decisão recorrida (deveria) ter considerado extensivo aos
recorrentes o benefício da isenção…».
O acórdão de que foi interposto recurso para este Tribunal considerou, a
propósito da invocada aplicabilidade do regime de isenção consagrado no Código
das Custas Judiciais, que «não pode estender-se a isenção pessoal a favor das
autarquias locais em benefício dos membros componentes dos seus órgãos
executivos» após o que alinhou as considerações seguintes: «ponto é que, à luz
do estatuto dos eleitos locais estabelecido na Lei n.º 29/87, de 30 de Junho,
com as alterações que posteriormente lhe foram introduzidas, se faça recair na
autarquia local um encargo em processo judicial como é o preparo inicial,
conforme dispõe o artigo 21.º daquela Lei. E, deste modo, até se conjuga a
afirmação de não gozarem os eleitos locais, agindo como membros de órgãos da
autarquia local, de isenção pessoal, com a constatação de que não recai sobre
eles, mas sobre a autarquia, o encargo do tipo do preparo inicial…».
Quanto à segunda vertente da pretensão dos recorrentes, considerou o acórdão
que não haveria lugar à concessão de apoio judiciário por não ter sido feita
prova da insuficiência económica, só dispensável quando funcionassem as
presunções legais do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 387-B/87, o que
manifestamente não se verificava no caso. E acrescentou: «E, aliás,
compreende-se que nem sequer tenha cabimento essa pretensão, quando, como se
disse, pode e deve funcionar o referido artigo 21.º da Lei n.º 29/87, fazendo
impender sobre a autarquia local a satisfação dos encargos».
Finalmente, a propósito da questão de constitucionalidade suscitada pelos
recorrentes, «pondo, praticamente em confronto todas as citadas normas do Código
das Custas Judiciais, do Decreto-Lei n.º 387-B/87 e da Lei n.º 29/87, com a
norma do artigo 48.º, n.º 1, da Lei Fundamental», afirmou não se ver como a
exigência de preparos, «na configuração que lhe foi dada de constituir essa
exigência um encargo de autarquia local, possa constituir uma violação daquele
direito político», ou seja, o direito de participação política. Na continuação,
concluiu que não seria caso para proferir um juízo de inconstitucionalidade
material daqueles preceitos, nos termos já reproduzidos inicialmente.
6 — É indubitável que os recorrentes restringiram a questão de
constitucionalidade, no presente recurso, à norma, que a terminar as suas
alegações pedem que seja «declarada» inconstitucional, contida no artigo 21.º da
Lei n.º 29/87, de 30 de Junho, com o sentido fixado pelo acórdão do STA.
Por outro lado, nas alegações para o Tribunal Constitucional deixam de aludir a
qualquer pretensão de isenção, na medida em que se referem ao adiantamento de
preparos, que «constitui um desproporcionado sacrifício dos rendimentos pessoais
ou familiares» [na alínea B)] e sustentam que o sentido dado ao artigo 21.º da
Lei n.º 29/87 compromete os próprios rendimentos pessoais e consequentemente o
seu direito de livre participação na vida pública [alínea E)].
No quadro processual exposto, pergunta-se então se essa norma foi efectivamente
aplicada com o sentido que lhe é imputado pelos recorrentes, e se, em caso
afirmativo, na decisão recorrida tal norma constitui um seu «fundamento
normativo», pois tal circunstância é condição de admissibilidade do recurso
interposto ao abrigo da alínea b) do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro.
7 — A resposta é negativa.
Com efeito, a decisão recorrida, ao analisar o pedido nas suas duas vertentes,
nega a pretensão de isenção de custas e preparos, que os recorrentes procuravam
fundamentar no Código das Custas Judiciais, fazendo aplicação, para o efeito,
exclusivamente das normas constantes dos artigos 3.º, n.º 1, alínea a), e 100.º
desse Código, precisamente porque não ocorriam no caso os pressupostos de facto
cuja verificação constituiria condição necessária para a aplicação da estatuição
dessas normas. Nos termos do próprio acórdão, «as pessoas colectivas, não os
órgãos, é que gozam da isenção pessoal conferida pelos artigos 3.º, n.º 1,
alínea a), e 100.º do Código das Custas Judiciais…».
Quanto à segunda vertente, a pretensão de apoio judiciário na modalidade de
dispensa de preparos foi denegada porque não estavam reunidas as condições
exigidas pelas normas dos artigos 19.º e 23.º, em conjugação com o artigo 20.º,
do Decreto-Lei n.º 387-B/87 para o respectivo deferimento.
8 — É certo que o acórdão se pronuncia sobre a norma do artigo 21.º da Lei n.º
29/87.
Todavia, no contexto discursivo do acórdão, a referência ao artigo 21.º citado
surge sempre a posteriori e como mero efeito argumentativo destinado a confirmar
a não aplicação do regime que regula a isenção de custas por qualquer dos dois
títulos invocados pelos interessados. Surge a referência feita a essa norma do
artigo 21.º com intuitos puramente demonstrativos da coerência sistemática do
ordenamento, precisamente para explicitar que a solução de não reconhecimento da
procedência do pedido, obtida por aplicação dos artigos 3.º, n.º 1, alínea a), e
100.º do Código das Custas Judiciais, quanto à primeira vertente, e por
aplicação dos artigos 19.º e 23.º, em conjugação com o artigo 20.º, do
Decreto-Lei n.º 387-B/87, de 29 de Dezembro, quanto à segunda vertente, se
compaginava (e até era reforçada) com a regra contida naquele artigo 21.º da Lei
n.º 29/87, segundo a qual sobre a autarquia local recaíam os encargos
processuais. A decisão nada disse sobre o regime aplicável no domínio do
relacionamento interno entre os titulares do órgão e a pessoa colectiva,
designadamente sobre por que forma seriam suportados os encargos em causa. Esse
seria o campo próprio de aplicação do artigo 21.º da Lei n.º 29/87. Não se
pronunciando sobre esse ponto, manteve-se dentro das fronteiras do thema
decidendum e nessa medida não se lhe pode dirigir qualquer censura. O presente
recurso todo ele se desenvolve em fase anterior e prévia, tanto do ponto de
vista temporal como do ponto de vista lógico.
Tem, assim, de se concluir que uma leitura, minimamente atenta, do acórdão
recorrido, leva à conclusão de que a norma do artigo 21.º da Lei n.º 29/87, de
30 de Junho, que não é efectivamente norma de isenção de preparos nem de
concessão de apoio judiciário, não foi aplicada, tal como, também, não
constituiu fundamento normativo da decisão, a qual não pode ser configurada como
uma sua aplicação.
Não se mostrando verificados, no caso em apreço, os pressupostos de
admissibilidade do recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo do
preceituado na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal
Constitucional, dele não se deverá conhecer, tornando-se desnecessário apreciar
as demais questões prévias suscitadas nas alegações da sociedade recorrida no
sentido do não conhecimento do recurso.
III — Decisão
Nestes termos, decide-se não tomar conhecimento do presente recurso. Custas
pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s.
Lisboa, 18 de Outubro de 1995. — Vítor Nunes de Almeida — Armindo Ribeiro Mendes
— Antero Alves Monteiro Diniz — Maria Fernanda Palma — Maria da Assunção
Esteves — Alberto Tavares da Costa — José Manuel Cardoso da Costa.