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Proc. nº 566/94
1ª Secção
Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. No decurso de uma das sessões de julgamento em 1ª
instância de A., a que se procedeu no então 1º Juízo Criminal da Comarca de
Lisboa, o mandatário da arguida ditou para a acta requerimento através do qual
pretendia, para além do mais, que o tribunal declarasse 'a inconstitucionalidade
material do disposto no art. 177º, nº 2, do CPP, na parte em que autoriza a
efectivação de buscas domiciliárias apenas por órgãos de polícia criminal por o
mesmo dispositivo legal contrariar o disposto no art. 26º, nº 1, 27º, nºs 2 e 4
e 32º, nºs 1 e 5, todos da CRP'.
O conhecimento da questão suscitada veio a ser relegado
para o Acórdão no qual o tribunal considerou como provado que 'a busca posta em
crise não foi realizada nos termos do art. 177º, nº 2, do CPP, mas sim nos
termos do nº 1 do mesmo artigo, ou seja, foi autorizada pelo juiz de instrução
(cfr. despacho de fls. 61 e mandado de fls. 113)'. Por esta razão não teria
interesse apreciar a questão da constitucionalidade do nº 2 do artigo 177º.
2. Desse acórdão recorreu a arguida para o Supremo
Tribunal de Justiça sem que, na motivação junta, fizesse qualquer referência à
validade da busca realizada, a qual tinha originado o requerimento a que se
aludiu. Assim, a questão não foi abordada no Acórdão que veio a ser proferido
pelo Supremo Tribunal de Justiça que negou provimento ao recurso interposto pela
arguida e confirmou a decisão recorrida.
3. Deste último acórdão interpôs a arguida recurso para
o Tribunal Constitucional, nos termos do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo
70º da Lei nº 28/82, pretendendo que fosse apreciada a questão da
constitucionalidade material da norma do artigo 177º, nº 2, do Código de
Processo Penal. Tal recurso não foi admitido pelo relator uma vez que 'não foi
interposto qualquer recurso autónomo, nem, no recurso da decisão final, foi
invocada a inconstitucionalidade da aludida norma, motivo pelo qual nem sequer o
problema foi apreciado na decisão de que agora se pretende recorrer'. Esta
decisão veio a ser confirmada em conferência.
4. É nesta sequência que surge a presente reclamação, na
qual a reclamante, para além de dizer que o recurso deveria ter sido admitido
por estarem preenchidos todos os seus pressupostos, precisou que a questão da
inconstitucionalidade invocada se referia à norma que permite aos órgãos de
polícia criminal efectivar busca domiciliária sem a presença do respectivo
proprietário ou de algum dos seus residentes.
No Tribunal Constitucional, o Ministério Público
pronunciou-se no sentido de a reclamação ser manifestamente improcedente uma vez
que 'a decisão recorrida - o acórdão proferido pelo S.T.J. - não aplicou a norma
questionada ... pela singela razão de que tendo embora o ora reclamante
suscitado a questão da inconstitucionalidade dessa norma perante o tribunal de
1ª instância, vendo-a rejeitada (fl. 36), não impugnou tal decisão no recurso
ordinário intentado perante aquele tribunal ... abandonando ou 'deixando cair' a
questão da pretensa inconstitucionalidade do nº 2 do art. 177º do CPP'.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
II
5. Tendo o presente recurso sido interposto ao abrigo da
alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, o seu
conhecimento depende de a norma cuja constitucionalidade se questiona ter sido
aplicada pela decisão recorrida.
Ora, da análise do acórdão recorrido decorre que o
Supremo Tribunal de Justiça não apreciou a questão da validade da ou das buscas
efectuadas em casa da arguida (ora recorrente), não tendo, assim, aplicado o
artigo 177º, nº 2, do Código de Processo Penal.
6. Poder-se-ia, no entanto, pretender que o Supremo
Tribunal de Justiça, ao não questionar, em geral, a validade dos meios de prova
indicados na fundamentação do acórdão da 1ª instância, teria, implicitamente,
considerado válidas as buscas domiciliárias efectuadas. Deste modo, se tais
buscas tivessem sido empreendidas em termos de poderem ser referidas ao artigo
177º, nº 2 do Código de Processo Penal, o Supremo Tribunal de Justiça teria,
implicitamente, aplicado esta norma.
Acontece, porém, que não se pode chegar a tal conclusão.
Em primeiro lugar, o tribunal de 1ª instância - o 1º Juízo Criminal da Comarca
de Lisboa - considerou provado que a busca não foi realizada ao abrigo do nº 2
do artigo 177º do Código de Processo Penal (justamente a norma cuja
inconstitucionalidade se arguiu). Em segundo lugar, a recorrente, no âmbito da
motivação do seu recurso para o Supremo Tribunal de Justiça e das respectivas
conclusões, limitou o objecto de recurso, restringindo-o ao problema da validade
de alguma da prova documental produzida na audiência de julgamento na 1ª
instância e à matéria de facto que, com base nela, ficou assente.
Deste modo, não integrando a questão da validade das
buscas efectuadas o objecto do recurso interposto para o Supremo Tribunal de
Justiça, que foi delimitado nos termos do artigo 403º, nº 1, do Código de
Processo Penal, não se pode pretender que a norma questionada, o nº 2 do artigo
177º do CPP, foi, ainda que implicitamente, aplicada por este no Acórdão
proferido.
III
7. Pelo exposto, indefere-se a presente reclamação.
Custas pela reclamante, com taxa de justiça que se fixa
em 5 UC’s (artigo 84º, nº 3, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro e artigos 17º e
18º do Decreto-Lei nº 149-A/83, de 5 de Abril, na redacção que lhes deu o
Decreto-Lei nº 72-A/90, de 3 de Março).
Lisboa, 17 de Outubro de 1995
Maria Fernanda Palma
Maria da Assunção Esteves
Alberto Tavares da Costa
Vítor Nunes de Almeida
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Dinis
José Manuel Cardoso da Costa