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Proc. nº 247/95
1ª Secção
Rel. Cons. Monteiro Diniz
Acordam no Tribunal Constitucional:
1 - O Tribunal Colectivo da Comarca de Olhão da Restauração, por
acórdão de 25 de Novembro de 1993, julgou e condenou os arguidos A., B., C. e
D., além do mais, nas seguintes penas: (a) Os três primeiros, pela prática de um
crime previsto e punido pelos artigos 21º, nº 1 e 24º, alínea c), do Decreto-Lei
nº 15/93, de 22 de Janeiro, respectivamente, em 11 anos, 8 anos e 9 anos de
prisão; (b) A quarta arguida, pela prática de um crime previsto e punido pelo
artigo 40º, nº1, do Decreto-Lei nº 15/93, em 20 dias de multa à taxa de 1.000$00
por dia, na alternativa de 15 dias de prisão.
Os dois primeiros arguidos levaram recurso ao Supremo Tribunal de
Justiça, que, por acórdão de 6 de Outubro de 1994, na parte aqui a considerar,
lhes negou provimento e confirmou o aresto impugnado.
Trouxe então o primeiro arguido, A., os autos em recurso a este
Tribunal, sob invocação do disposto no artigo 70º, nº1, alínea b), da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro, em ordem à apreciação da constitucionalidade dos
artigos 410º e 433º do Código de Processo Penal.
E, nas alegações que depois ofereceu, no essencial, aduziu em abono
da inconstitucionalidade daquelas normas, a fundamentação seguinte:
'1 - Só o funcionamento de uma II instância de facto pode garantir a
suficiência do presente recurso tal como decorre do artº 32º da Lei Fundamental
e do artº 6º - 1 da CEDHE artº 14º - 5 do PIDCP em ordem a garantir uma justiça
eficaz e que respeite o direito ao recurso.
2 - A não realização de um julgamento de facto e de direito por
parte do STJ com a presença do recorrente e com integral reapreciação da prova
recolhida em cassettes audio no julgamento efectuado no tribunal a quo viola o
princípio do duplo grau de jurisdição de facto.
3 - O artº 433º do actual CPP - conjugado com o artº 410º do mesmo
CPP - violam os artº 32º, 1 da Constituição da República e os artº 6, 1 da
Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o artº 14º, 5 do Pacto Internacional
sobre direitos civis e políticos pelo que são inconstitucionais e impedem o
recorrente de fazer ouvir a sua voz e estar presente na audiência de recurso
destinada a apreciar a declaração de culpabilidade.'
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2 - O Tribunal Constitucional, por acórdão de 17 de Outubro de 1995
(a fls. 948 e ss) negou provimento ao recurso, não concedendo assim atendimento
às razões desenvolvidas pelo recorrente.
E, para tanto, ateve-se a uma linha jurisprudencial que, embora só
maioritariamente sustentada, tem vindo a ter um curso uniforme e reiterado.
Todavia, o recorrente, ao ser notificado daquela decisão veio,
através do requerimento de fls. 978 e s., arguir a sua nulidade, atendo-se para
tanto, no essencial, à fundamentação seguinte:
'2- Nos fundamentos do Douto Acórdão há omissão no tocante à presença do
recorrente no STJ no julgamento efectuado no Tribunal de Olhão.
3 - Não é apenas a questão da violação do duplo grau de jurisdição de facto mas
também a omissão da presença do recorrente num acto que afectou pessoal e
directamente - o julgamento no STJ ...
4 - Entender-se que o STJ pode julgar sem presença do recorrente e sem ouvir a
prova contida nas cassettes audio e o seu confronto com o texto da Decisão
recorrida constitui um atentado aos Direitos de quem recorre.
5 - Aliás como pode entender-se que há um verdadeiro recurso da Decisão
condenatória se a mesma não é confrontada num Tribunal Superior com a prova que
serviu de sustentação à mesma ?
Salvo o devido respeito - e que é muito - o Acórdão proferido nos
autos é totalmente omisso relativamente a esta questão.'
Notificado para se pronunciar sobre a arguição de nulidade, o Senhor
Procurador-Geral Adjunto, através do requerimento de fls. 983 e s., veio aos
autos sustentar o seu indeferimento pois que não se verificam no acórdão
impugnado as pretensas 'omissões' de pronúncia a que o recorrente se refere.
O relator, dada a simplicidade de que o julgamento da causa se
reveste, não teve por necessário fazer correr os vistos sobre a arguição de
nulidade.
Cabe assim apreciar e decidir.
*///*
3 - Em conformidade com o disposto na artigo 668º, nº1, alínea d) do
Código de Processo Civil, aplicável no processo constitucional por conjugação
das disposições contidas nos artigos 716º, nº 1, do mesmo Código e 69º da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional), é nula a decisão
judicial 'quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que deva apreciar
ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.'
Muito embora no requerimento de fls. 978 e s. não se haja feito
referência a qualquer normativo, há-de entender-se, face ao discurso
argumentativo que ali se contém, que o recorrente apenas pretendeu questionar,
com base na primeira parte daquele dispositivo, uma eventual omissão de
pronúncia, concretamente, na parte respeitante à 'presença do recorrente' e à
não audição da 'prova contida nas cassettes audio e o seu confronto com o texto
da Decisão recorrida'.
Mas, tem-se por segura a improcedência da arguição de nulidade assim
deduzida.
Com efeito, no acórdão impugnado, seguindo-se aliás a corrente
jurisprudencial já definida pelo Tribunal, deixou-se traçado um desenvolvido
excurso sobre a problemática do 'duplo grau de jurisdição em matéria de facto',
seu suporte constitucional e dimensão do conteúdo e das garantias que lhes estão
asseguradas.
E, depois de se haver examinado o sistema de recursos instituído no
Código de Processo Penal de 1987, bem como o respectivo regime jurídico, nos
planos material e processual, concluiu-se no sentido de o recurso de revista
ampliada se traduzir num 'sistema constitucionalmente compatível' pois que
'protege o arguido dos perigos de um erro de julgamento (designadamente, de erro
grosseiro na decisão da matéria de facto), e, em concomitância, defende-o do
risco de uma sentença injusta'.
E, por outro lado, na peugada do Acórdão nº 401/91, Diário da
República, I Série - A, de 8 de Janeiro de 1982, que declarou a
inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do artigo 665º do Código de
Processo Penal de 1929, na interpretação que lhe foi dada pelo Assento do
Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Janeiro de 1934, deixou-se bem vincado, que
a inconstitucionalização do regime existente no Código de 1929, não podia ser
entendida como 'significando que outra solução que não seja a repetição da prova
em audiência perante as relações está em conflito com a Constituição'. É que,
como logo se acrescentou, entre aquele sistema e o que ordenasse a repetição da
prova em audiência perante o Tribunal de recurso, 'outros há certamente que não
porão em causa as garantias de defesa que o processo criminal deve assegurar,
por força do citado preceito constitucional.'
E o quadro normativo que disciplina o recurso de revista ampliada
perante o Supremo Tribunal de Justiça, no qual, cumpre recordar, tem lugar uma
audiência na qual são produzidas alegações pelo Ministério Público e pelos
representantes dos recorrentes e dos recorridos, assegura que o julgamento do
tribunal colectivo possa, na sua essencialidade, ser avaliado e, eventualmente,
censurado pelo Tribunal Superior.
Não procede assim, e por isso se desatende, a arguição de nulidade
deduzida pelo recorrente.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UCs.
Lisboa, 21 de Novembro de 1995
Antero Alves Monteiro Dinis
Maria Fernanda Palma
Alberto Tavares da Costa
Vítor Nunes de Almeida
Armindo Ribeiro Mendes
José Manuel Cardoso da Costa