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Procº nº 366/95
Plenário
Rel.: Consº Sousa e Brito
Acordam em sessão plenário no Tribunal
Constitucional:
I - RELATÓRIO
1 - A Câmara Municipal de -------------
interpôs para o Tribunal Constitucional nos termos do artigo 102º B nº 1 da
Lei nº 28/82 de 15 de Novembro recurso contencioso da seguinte deliberação da
Comissão Nacional de Eleições (CNE) de 5 de Setembro de 1995.
«Tendo-se apurado através do IPPAR que
'não tem existência legal' o centro histórico de ---------------- a Comissão
Nacional de Eleições delibera nos termos do artigo 7º nº1 da Lei 71/78 de 27 de
Dezembro que a Câmara Municipal de -------------- reponha a propaganda eleitoral
que indevidamente removeu em violação do disposto no artigo nº 4º da Lei 97/88
de 17 de Agosto.»
O requerimento de interposição refere por
lapso manifesto esta deliberação como 'o acto da Comissão Nacional de Eleições
de 7 de Setembro ao diante devidamente identificado' (fls.110) mas das alegações
anexas 'o acto impugnado' e 'objecto do presente recurso' é inequivocamente
identificado como a referida deliberação datada de 5 e não de 7 de Setembro
(fls.116-7).
Do processo (fls.83) consta um relatório
de transmissão de duas páginas enviadas por telecopiador no dia 6 de Setembro
das quais a primeira é uma carta do secretário da Comissão Nacional de Eleições
anunciando 'para conhecimento e os devidos efeitos' a remessa em anexo da cópia
do ofício contendo a deliberação. O relatório de transmissão produzido pelo
telecopiador informa que foi completada a transmissão do documento constante de
duas páginas às 12 horas e 15 minutos do dia 6 de Setembro tendo a transmissão
durado 1 minuto e 18 segundos (fls.83). O original do ofício foi enviado por via
postal no mesmo dia (fls.86) tendo o destinatário assinado o respectivo aviso de
recepção a 7 de Setembro (fls.87). No mesmo dia 7 de Setembro a Câmara Municipal
de ----------------- enviou por fax o requerimento de interposição e a alegação
do recurso cuja transmissão iniciada às 22 horas e 42 minutos (fls.109) foi
interrompida 'por falta de papel no aparelho de telecópia da CNE' (certidão da
CNE de fls.162) terminando no dia 8 data em foi aposto carimbo de entrada
(fls.109)
2. A deliberação da Comissão Nacional de
Eleições decidiu uma queixa apresentada pela Comissão Concelhia de
--------------- do Partido Comunista Português pelo facto de na noite de 8 para
9 de Agosto uma equipa de funcionários da Câmara ter arrancado todos os pendões
da propaganda política do PCP e da Coligação em que está integrado
(CDU)(fls.16). A esta queixa foram anexadas outras posteriores por factos
idênticos (fls.62 66). Os pendões foram retirados na sequência de dois despachos
do vereador com poderes delegados na matéria datados um de 19 e outro de 31 de
Julho de 1995. Ambos os despachos foram notificados ao representante legal da
CDU no dia 3 de Agosto (fls.4 e 16). Uma vez que o segundo despacho generaliza
integra e completa o disposto no primeiro bastará transcrever a parte relevante
daquele:
'Considerando:
- que pela minha decisão de 19 Julho 1995 ordenei a retirada de
pendões que foram colocados por força político-partidária na Praça ----------
na Av. -------------- e na Rua ---------------- com base em que
a) os referidos pendões afectam negativamente e em grande medida a
estética urbana e a qualidade urbanística paisagística e ambiental cuja defesa
está atribuída ao município;
b) também o património arquitectónico se mostra prejudicado pela
afixação daqueles pendões tanto mais quanto os locais em que eles se encontram
se enquadram em zonas
protegidas (cf. Regulamento do Núcleo Antigo para -------------- e --------- e
cf. legislação que fixou a zona especial de protecção da Igreja -------------- e
Convento de ------------- imóveis classificados como monumentos nacionais);
c) sendo os postes de iluminação (onde foram pendurados os ditos
pendões) utilizados habitualmente para a fixação de sinais de trânsito a sua
utilização para o fim em causa constitui factor de perturbação da atenção dos
condutores;
d) a imagem da cidade - e especificamente da zona histórica - de
------------- está a ser pelo modo descrito intoleravelmente degradada quer
perante os habitantes quer perante inúmeros visitantes nesta época de veraneio e
de importantes eventos públicos como a Feira Nacional de Artesanato;
- que importa assegurar a igualdade de oportunidades e de tratamento
de todas as forças político-partidárias;
- que a Comissão Nacional de Eleições não manifestou quaisquer
reservas ou discordâncias relativamente ao decidido determino que:
- que os serviços municipais independentemente de novo despacho
impeçam a colocação ou removam a propaganda político-partidária que
eventualmente venha a ser colocada por qualquer entidade em condições
semelhantes nomeadamente nas zonas protegidas do território municipal;
Nota: esta resolução não se aplica contudo durante os períodos de campanha
eleitoral (excepto quando os meios de propaganda afectem a visibilidade de
sinais de trânsito) atendendo a que o sacrifício dos valores arquitectónicos
ambientais paisagísticos e urbanísticos é justificado pelo relativamente curto
período das campanhas e pelo interesse superior de esclarecimento eleitoral que
é indispensável prosseguir;
- que todas as forças político-partidárias com intervenção no
município de ---------------- sejam notificadas deste despacho.»
4. Sobre o primeiro despacho pediu a
Câmara Municipal de ------------- um parecer à CNE no qual se veio a concluir o
seguinte:
'Carecerão porventura os argumentos
aduzidos de explicações adicionais que completem a fundamentação da decisão mas
parece-nos que no essencial a justificação dada é credível aceitável e como tal
suficiente.
Em síntese: sem prejuízo das
considerações atrás exaradas a CNE não tem de manifestar neste momento quaisquer
reservas ou discordâncias à decisão camarária já tomada ficando a aguardar
eventual queixa contra a anunciada remoção dos pendões para uma vez instruída
aquela com todos os elementos de prova possíveis se pronunciar se for caso disso
então sim através de deliberação com força vinculativa e valor de acto
administrativo
definitivo e executório para efeitos de acatamento e susceptibilidade de
impugnação contenciosa perante o tribunal competente'.
5. A Câmara Municipal de
----------------- além de divergências quanto a factos que não afectam os que
anteriormente se referiram e são essenciais à queixa e de invocar o referido
parecer da CNE apresentou na resposta à queixa quanto ao fundo os argumentos
já aduzidos nos considerandos do despacho de 31 de Julho atrás transcritos.
6. A alegação da Câmara como recorrente
neste Tribunal tem as seguintes conclusões:
«1. A C.N.E. não tinha competência em razão do tempo para a
deliberação que tomou.
2. O preceito do art. 5º nº 1 al. d) da Lei nº 71/78 de 27 de Dezembro
é bem claro: «compete à Comissão Nacional de Eleições assegurar a igualdade de
oportunidades de acção e propaganda das candidaturas durante as campanhas
eleitorais».
3. «Campanha Eleitoral» é uma expressão que tem um sentido bem
definido: é o período que se inicia «no 14º dia anterior e finda às 24 horas da
antevéspera do dia designado para as eleições» - Lei nº 14/79 de 16 de Maio na
redacção dada pela Lei nº 10/95 de 7 de Abril.
4. Dado que as eleições para a Assembleia da República se encontram
marcadas para 1 de Outubro p.f. é manifesto que nem à data dos factos em causa
nem à data da deliberação recorrida decorria a campanha eleitoral.
5. A C.N.E. agiu pelo exposto com usurpação de poder sendo
consequentemente nulo o acto sub censura (art. 133 nº 2 al. a) do Código do
Procedimento Administrativo).
6. Em ----------- a protecção do centro histórico é feita mediante o
Regulamento do Núcleo Antigo de --------------- e ----------- aprovado pela
Assembleia Municipal competente.
7. Por outro lado a zona abrangida por esse regulamento encontra-se em
vias de classificação.
8. A Lei nº 97/88 é clara no sentido de se protegerem não só zonas ou
imóveis já classificados mas também aqueles «susceptíveis de ser classificados
pelas entidades públicas» (art. 4º nº 1 al. a)).
9. Os imóveis da zona que se discute são susceptíveis de ser
classificados (nomeadamente como «conjunto»: art. 21 nº 1 da Lei nº 13/85 cit.)
comprova-o o facto de o respectivo processo se encontrar pendente no IPPAR.
10. A deliberação recorrida violou portanto o disposto no falado art.
4º nº 1 al. a) da Lei nº 97/88.
11. E violou-o não só pelo exposto mas também porque esqueceu que os
pendões haviam sido colocados em zonas de protecção de monumentos nacionais como
já consta dos autos e agora se esquematiza na planta anexa.
12. Efectivamente todos os mencionados pendões se encontravam
colocados nas zonas
de protecção da Igreja ---------- de --------------- ou da Igreja de
-------------- classificadas como monumentos nacionais por Decreto de
16.Junho.1910 com zonas de protecção definidas por diplomas publicados no Diário
do Governo 2ª Série respectivamente nº 26 de 1.Fevereiro.1960 e nº 145 de
23.Junho.1960.
13. Foi violada também a norma da al. a) do mesmo art. 4º nº 1 da Lei
97/88 uma vez que constituía também fundamentação do despacho que ordenou a
remoção dos pendões o facto de estes afectarem a estética urbana e a qualidade
ambiental com enquadramento legal no dito preceito.
14. Nesta sede há que ter em conta que se trata (como unanimemente a
nossa Jurisprudência - designadamente do Supremo Tribunal Administrativo - tem
reconhecido) de conceitos indeterminados que a Administração há-de preencher no
uso da sua discricionariedade técnica sendo portanto judicialmente insindicáveis
salvo erro grosseiro ou manifesto os actos com base neles proferidos.
15. Foram violados os comandos das als. d) e e) do mesmo art. 4º nº 1
porquanto o citado despacho era igualmente motivado pela defesa da segurança
rodoviária.
16. Noutra perspectiva a deliberação em análise não se encontra
fundamentada uma vez que a C.N.E. não explicitou devidamente os motivos por que
decidiu como decidiu.
17. Efectivamente se eram como se viu que eram múltiplos os motivos do
despacho que a C.N.E. apreciou esta só poderia tomar a resolução que tomou se
considerasse insubsistente todos os fundamentos daquele.
18. Porém ela apenas se pronunciou - e mesmo assim errada e
insuficientemente - sobre um desses fundamentos.
19. Contudo ela própria tinha aprovado um parecer (o aludido supra) em
que se defendia que o despacho do Vereador da Câmara Municipal sempre estaria
devidamente fundamentado independentemente de se tratar ou não da zona histórica
ou de protecção de monumentos nacionais.
20. Não podia ela portanto defender opinião diferente da que antes
subscrevera sem nos dar as razões dessa mudança (art. 124 nº 1 als. d) e e)
C.P.A.)
21. Por ambos os motivos está a deliberação que se discute inquinada
de falta de fundamentação geradora segundo a corrente jurisprudencial
maioritária de vício de forma ou segundo outra opinião que se acolhe de violação
de lei.»
7. No dia 7 de Setembro a Câmara
Municipal de ---------------- requereu ainda à CNE a reapreciação do caso
(fls.93) tendo a CNE deliberado em 12 de Setembro de 1995 manter a deliberação
anterior (fls.162).
II - FUNDAMENTAÇÕES
8. O recurso que note-se é restrito à
deliberação de 5 de Setembro é extemporâneo.
O art. 102º-B da Lei do Tribunal
Constitucional (Lei nº 28/82 de 15 de Novembro) na redacção da Lei nº 85/89
de 7 de Setembro dispõe que a interposição de recurso contencioso de deliberação
da Comissão Nacional de Eleições se faz por meio de requerimento apresentado
nessa Comissão contendo a alegação do recorrente e a indicação das
peças de que pretende certidão e que o prazo para a interposição do recurso é de
um dia a contar da data do conhecimento pelo recorrente da decisão impugnada.
Ora a recorrente tomou conhecimento da
deliberação impugnada às 12 horas 16 minutos 21 segundos do dia 6 de Setembro
momento em que funcionou a transmissão da telecópia do ofício com a deliberação
da CNE (cf.supra nº 1).
Com efeito às notificações das
deliberações da CNE que são actos administrativos é aplicável o disposto no
Código do Procedimento Administrativo (arts. 2º e 66º do CPA aprovado pelo
Decreto-Lei nº 442/91 de 15 de Novembro; cf. o artigo 15º do Regimento da CNE
Diário da República II Série nº 191 p. 8499 s.). Segundo o art. 70º do CPA as
notificações podem ser feitas por telegrama telefone telex ou telefax se a
urgência do caso recomendar o uso de tais meios (nº 1 alínea c)); e sempre que
assim sejam feitas serão as mesmas confirmadas por via postal ou pessoalmente
consoante os casos no dia útil imediato 'sem prejuízo de a notificação se
considerar feita na data da primeira comunicação' (nº2).
A notificação da deliberação recorrida
tem de considerar-se feita no dia 6 de Setembro pelo que o prazo de um dia para
o recurso terminou no dia seguinte ( já que o dia da notificação não se inclui
na contagem: (alínea a) do artigo 72º do CPA) ou seja no dia 7 de Setembro. Na
quinta-feira dia 7 de Setembro a CNE esteve aberta ao público através do seu
Gabinete do Eleitor em serviço de atendimento permanente no período eleitoral
das 9 horas e 30 minutos às 19 horas conforme é geralmente conhecido e veiculado
pela rádio e pela televisão. Foi portanto às 19 horas do dia 7 de Setembro que
terminou o prazo para recorrer.
Com efeito a alínea c) do artigo 72º do
CPA ao determinar que 'o termo do prazo que caia em dia em que o serviço
perante o qual deva ser praticado o acto não esteja aberto ao público ou não
funcione durante o período normal transfere-se para o primeiro dia útil
seguinte' pressupõe que o prazo é limitado pelo tempo de abertura dos serviços
ao público como de resto sempre se tem entendido quanto à prática de actos seja
perante as repartições públicas seja perante os tribunais independentemente do
eventual equipamento com meios de telerecepção.
Ora verificou-se atrás que a telecópia
com o requerimento e alegação do recurso começou a ser transmitida às 22 horas e
42 minutos do dia 7 ou seja já depois de fechados ao público os serviços da CNE
tendo a transmissão sido interrompida por esgotamento do papel no telecopiador
às 22 horas e 55 minutos (fls.123) e recomeçado e terminado só no dia 8 de
manhã.
Assim sendo o recurso foi interposto fora
de prazo.
III - DECISÃO
Pelo exposto o Tribunal decide não tomar
conhecimento do recurso.
Lisboa 14 de Setembro de 1995
José de Sousa e Brito
Bravo Serra
Guilherme da Fonseca
Maria da Assunção Esteves
Alberto Tavares da Costa
Vítor Nunes de Almeida
José Manuel Cardoso da Costa