Imprimir acórdão
Processo nº 367/95
2ª Secção
Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de
Lisboa, em que figuram como recorrente A. e como recorrido o Ministério
Público, pelo essencial dos fundamentos da EXPOSIÇÃO do Relator, a fls. 139 e
seguintes, que aqui se dão por inteiramente reproduzidos, remetendo para a
fundamentação do Acórdão nº 377/94, publicado na II Série do Diário da
República, nº 255 de 4 de Novembro de 1994, os quais mereceram a 'inteira
concordância' do Ministério Público recorrido, e postando-se em silêncio o
recorrente, decide-se não tomar conhecimento do presente recurso de
constitucionalidade e condenando-se o recorrente nas custas, com a taxa de
justiça fixada em cinco unidades de conta.
Lisboa,7.11.95
Guilherme da Fonseca
Bravo Serra
Fernando Alves Correia
Messias Bento
José Sousa e Brito
Luís Nunes de Almeida
Processo nº 367/95
2ª Secção
Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
EXPOSIÇÃO
1. A., com os sinais identificadores dos autos, veio
interpor recurso para este Tribunal Constitucional do acórdão do Tribunal da
Relação de Lisboa, de 31 de Maio de 1995, que decidiu 'julgar procedente a
questão prévia da falta de interesse em agir, por parte do recorrente' e, em
consequência, não tomou conhecimento do recurso por ele interposto da decisão do
Mmº Juiz de Instrução Criminal de Lisboa, que, depois de constatar que 'todos os
arguidos vieram requerer atempadamente a abertura de instrução', entendeu 'não
conhecer da alegada inconstitucionalidade da norma do nº 1 do artº 387º do CPP'
(deve querer dizer-se artigo 287º do CPP).
Depois de no acórdão se ter descrito cuidadosamente a
tramitação prevista na lei processual criminal, escreveu-se, a propósito do
recurso interposto pelo recorrente, o seguinte:
'Com efeito, o arguido A. apresentou, em tempo, um requerimento para a abertura
da instrução, de 61 folhas, dividido em VII (sete) Capítulos - Breve Introdução;
os factos; a acusação e os seus crimes; o crime de prevaricação; o crime de
peculato; o crime de participação económica em negócios; Finalmente o crime de
falsificação. Responde aos artigos da acusação, articulando 113 artigos em que
se rebate de facto e de direito a matéria da acusação.
Este requerimento não mereceu qualquer reparo ou objecção, com excepção da
questão de constitucionalidade suscitada, da qual, por inútil, não se conheceu,
uma vez que 'o arguido exerceu, conforme pode verificar-se, o direito que o
prazo, cuja constitucionalidade ele impugna, condiciona' e a abertura da
instrução apenas ficou dependente do depósito da taxa de justiça fixada (fls. 95
v.).
Assim, bem vistas as coisas, a procedência do recurso apenas levaria a concluir
que o recorrente poderia ter beneficiado de um prazo superior ao fixado na lei
- cinco dias - para o exercício de um direito que afinal já havia praticado, sem
que tal alargamento de prazo pudesse conduzir à anulação ou reforma do acto já
exercido, e isto porque o direito de requerer a instrução foi validamente
exercido dentro do quadro legal preestabelecido. E, sendo assim, o seu
conhecimento revelar-se-ia de todo inútil, por insusceptível de influenciar a
decisão da causa (Acórdão do TC, supra mencionado).
Resta acrescentar que a nossa Lei Penal (e Civil) Adjectiva não prevê a prática
de actos processuais, sob condição, à cautela ou por mera cautela.
O acto processual deve ser praticado, pura e simplesmente, dentro do prazo
estabelecido na lei, sendo que o decurso de prazo peremptório extingue o direito
de o praticar (ARTº 107º nº 2 do Proc. Penal e 145º nº 2 do Cód. Proc. Civil).
O acto processual só pode ser praticado fora do prazo fixado na lei, por
despacho da autoridade judiciária competente e ouvidos os sujeitos processuais
interessados, desde que se prove justo impedimento (ARTº 107º nº 2 citado).
Alegando-se impossibilidade de praticar o acto, dentro do prazo legalmente
estabelecido, uma vez que a sua exiguidade é tão insuportável que implica a
inconstitucionalidade da norma que o estipula, por violar, v.g. o direito de
defesa do arguido, deve proceder-se nos termos referidos, aplicáveis por
analogia (ARTº 4º do Cód. Proc. Penal) e praticar-se o acto em prazo razoável e
não a bel-prazer daquele que invoca a impossibilidade de o praticar.
E a razoabilidade do prazo há-de partir da sistemática do Código relativa aos
prazos, nunca esquecendo que todo o prazo visa a celeridade da justiça penal,
pois que, por imperativo constitucional e no próprio interesse do arguido, este
deve ser julgado no mais curto prazo, compatível, é certo, com as garantias de
defesa (ARTº 32º nº 2 da CRP).
Respigando alguns dos prazos estabelecidos no Cód. Proc. Penal, além dos já
referidos, constata-se que, exceptuando o prazo previsto no artº 434º nº 2 (15
dias, para alegações escritas no STJ), nunca é adoptado um prazo superior a 10
(dez) dias para a prática de um acto processual, por mais complexo que seja:
A contestação (e o rol de testemunhas) é apresentada no prazo de 7 dias (ARTº
315º);
A sentença, nos casos de especial (complexidade da causa), é elaborada e lida,
dentro dos 7 (sete) dias seguintes ao encerramento da discussão, deliberação e
votação (ARTº 373º nº 1);
O recurso é interposto e motivado, no prazo de 10 (dez) dias (ARTº 411º);
O exame preliminar e o projecto de acórdão em recurso que deva ser julgado em
conferência, é efectuado e elaborado no prazo de 10 dias (ARTº 417º nº 3).
Apesar de tudo o que o recorrente invoca, verifica-se que requereu a instrução
dentro do prazo fixado no ARTº 287º nº 1 do Cód. Proc. Penal (cinco dias), só no
respectivo requerimento invocando a inconstitucionalidade daquela norma e
pedindo a prorrogação do prazo para a prática de um acto que já tinha
validamente praticado (pedido de prorrogação em contravenção dos procedimentos
previstos no artº 107º, nºs 2 e segs. do Cód. Proc. Penal).
Assim, se conclui que o arguido A. não tem interesse em agir para interpor o
presente recurso, o que impede o seu conhecimento (ARTº 401º nº 2 do Cód. Proc.
Penal, a que pertencem as disposições mencionadas sem indicação da fonte).'
2. No requerimento de interposição do recurso para este
Tribunal Constitucional invoca o recorrente, com interesse, o seguinte:
'1. O acórdão notificado ao recorrente não admite recurso ordinário para o
Supremo Tribunal de Justiça, dado que os casos de recurso para o Supremo
Tribunal de Justiça, em matéria penal, vêm taxativamente indicados no artigo 432
do Código de Processo Penal, pelo que se encontra preenchido o requisito do nº 2
do artigo 70 da Lei nº 28/82 de 15 de Novembro;
2. O presente recurso para o Tribunal Constitucional é intentado nos termos das
alíneas b) e f) do nº 1 do artigo 70 da Lei nº 28/82 de 15 de Novembro;
3. O recorrente, no seu requerimento de instrução, no artigo 114 e seguintes,
suscitou a questão da inconstitucionalidade da norma prevista no artigo 287 do
Código de Processo Penal, por entender que o prazo de cinco dias para
apresentar o requerimento de instrução era manifestamente insuficiente e
impossível de ser cumprido, denegando, assim, ao então requerente à sua defesa.
Igualmente, pediu a concessão de mais prazo para apresentar o seu requerimento
de instrução
4. O artigo 287 do Código de Processo Penal foi atacado, por se entender que
viola e ofende em termos impúdicos os seguintes artigos da Constituição da
República: 13 nº 1, 32 nº 1.
(...)
6. Antes da apresentação do requerimento de instrução, requerimento sujeito a
prazo peremptório inconstitucional, o recorrente pediu a prorrogação do mesmo
prazo, prorrogação que lhe foi negada.
7. No seu requerimento de instrução, o então requerente, agora recorrente
escreveu o que se passa a transcrever.
'O presente requerimento, à cautela, é apresentado no prazo legal de cinco
dias, porém reitera-se o requerimento já apresentado nos autos, no qual se
escreveu o seguinte':
.........'
3. Acontece que este Tribunal Constitucional teve já
oportunidade de (em hipótese em tudo idêntica à destes autos, em que o arguido
também requereu ao juiz de instrução criminal competente a abertura da
instrução, à luz da mesma norma do artigo 287º do Código de Processo Penal, e em
simultâneo arguiu a exiguidade do prazo legal aí previsto, requerendo a
prorrogação dele) questionar a utilidade do conhecimento do recurso de
constitucionalidade do mesmo tipo do presente recurso.
Fê-lo no Acórdão nº 377/94, publicado na II Série do
Diário da República, nº 255, de 4 de Novembro de 1994, e foi esta a resposta
acolhida:
'Com efeito, o requerente para além de invocar o justo impedimento e pedir a
prorrogação do prazo para proceder 'à defesa criteriosa do arguido', requereu a
abertura da instrução, requerimento esse que terá sido deferido e deve ter tido
o seu processamento normal, nada existindo nos autos que permita concluir o
contrário.
Ora, a instrução visa, de acordo com o preceituado no nº 1 do artigo 286º do
CPP, 'a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o
inquérito, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento', tendo carácter
facultativo. Para alcançar este efeito, o juiz investiga autonomamente o caso
submetido à instrução, realizando todos os actos que entenda dever levar a
cabo, admitindo todas as provas e interrogando o arguido sempre que este o
desejar, podendo juntar‑se aos autos os requerimentos e documentos
relevantes, quer pela defesa quer pela acusação (cfr. artigos 288º, 289º e
296º do CPP).
No actual Código de Processo Penal a instrução corresponde a uma fase judicial
de investigação dos factos constantes da acusação, não sendo legitimo ao juiz
limitar‑se a apreciar os elementos probatórios apresentados pela acusação, mas
antes, deve instruir por forma autónoma a factualidade acusatória, conferindo,
se assim o entender necessário, a órgãos de policia criminal o encargo de
procederem a quaisquer diligências e investigações relativas à instrução
(artigo 290º, nº 2, do CPP).
Compreende‑se, assim, que o requerimento para a abertura da instrução não esteja
sujeito a formalidades especiais, bastando-se com 'uma súmula das razões de
facto e de direito de discordância da acusação'.
É, aliás, jurisprudência uniforme das instâncias que 'declarada aberta a
instrução poderá ainda o arguido fazer requerimentos, pedir para ser
interrogado, apresentar quaisquer provas que não forem proibidas por lei,
requerer a produção de provas suplementares, tudo com vista à comprovação
judicial da existência de indícios bastantes e suficientes para a pronúncia,
pelos factos da acusação' (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 7 de
Abril de 1992, publicado na 'Colectânea de Jurisprudência', Ano XVII ‑1992,
T.II, pág. 175).
Aí se escreve ainda que 'é, pois, seguro que o regime legal da instrução, onde
se inclui o requerimento facultativo para a sua abertura, e todo o conjunto de
actos, visando a comprovação judicial dos factos acusados, sob o domínio do
contraditório, assegura o direito de defesa do recorrente. O prazo de 5 dias
para fazer o requerimento para abertura da instrução com a possibilidade de vir
a ser completado com novos elementos e apresentação de provas é bastante para
o exercício do direito de defesa que vai ser desenvolvido e concretizado sob a
actividade do juiz de instrução , que não está limitado ao material probatório
apresentado pela acusação ou defesa.'
Sendo este o entendimento generalizado na doutrina e na jurisprudência sobre a
forma como se desenrola a fase de instrução no processo penal em vigor, parece
manifesto que a questão prévia da falta de interesse no conhecimento da questão
de constitucionalidade levantada pelo Ministério Público tem de proceder.
Efectivamente, tendo o recorrente deduzido atempadamente e fundamentadamente o
pedido de abertura da instrução e tendo nesse requerimento pedido a realização
das diligências que entendeu pertinentes e tendo também arrolado testemunhas
não ficou, contudo, esgotado com tal requerimento o poder de o arguido requerer
que, no processo, se produzissem novos elementos de prova indiciária
relevantes, na sua perspectiva, para a plena realização das garantias de defesa
e que o juiz entenda dever levar a cabo, desde que tais actos sejam necessários
à realização das finalidades da instrução.
Esta perspectiva da instrução permite concluir que a natureza imperativa do
prazo de cinco dias para requerer a abertura da instrução não constitui qualquer
obstáculo ao pleno exercício do direito de defesa.
Assim sendo, qualquer que porventura viesse a ser a decisão a proferir sobre a
questão de constitucionalidade que vem suscitada nos autos relativa à norma do
artigo 287º, nº 1, do Código de Processo Penal, no entendimento de que o prazo
ali referido não admite qualquer prorrogação, tal decisão não deixaria de ter
de ser considerada inútil e sem qualquer interesse prático.
Efectivamente, a concessão de um prazo mais alargado e melhor adequado ao
circunstancialismo do processo para poder requerer as diligências probatórias
que entendesse melhor adaptadas à defesa do arguido e que pudessem ser
realizadas na instrução ‑ benefício que para o recorrente decorreria de uma
eventual procedência da questão de constitucionalidade ‑ é algo que está desde
logo garantido pela natureza própria da instrução penal tal como ficou atrás
definida, doutrinal e jurisprudencialmente.
Com efeito, e segundo Figueiredo Dias (in 'Para uma nova Justiça Penal', o
artigo 'Para uma reforma global do Processo Penal Português', pg. 225 e ss),
'deve tratar‑se na instrução é de uma fase, dotada de rápida e informal
audiência ‑ portanto oral e contraditória ‑, que visa a comprovação judicial da
decisão do ministério público de acusar ou de não acusar e que, assim, haverá
de terminar por um despacho de pronúncia ou de não-pronúncia. É óbvio, por outro
lado, que, tratando‑se já aqui de uma fase judicial, a sua estrutura
eminentemente acusatória deverá apresentar‑se integrada pelo princípio da
investigação; não terá por isso o juiz de instrução de limitar‑se, em vista da
pronúncia, ao material probatório que lhe seja apresentado pela acusação e pela
defesa, mas deve antes ‑ se para tanto achar razão ‑ instruir autonomamente o
facto em apreciação, com a colaboração dos órgãos de polícia judiciária.'
Garantida, assim, a possibilidade de o arguido indicar novas diligências
probatórias a realizar na instrução mesmo depois de esta aberta, desde que se
situem no seu âmbito e visem realizar as finalidades assinaladas a tal fase
processual, a decisão que viesse a ser proferida quanto à questão de
constitucionalidade perde qualquer relevo, tornando‑se inútil na perspectiva
da decisão a proferir quanto à questão de fundo a que respeita a acção ou
processo.
Ora, segundo a jurisprudência uniforme e sem discrepâncias deste Tribunal, o
julgamento da questão de constitucionalidade desempenha sempre uma função
instrumental, só se justificando que a ele se proceda se o mesmo tiver
utilidade para a decisão da questão de mérito, isto é, o julgamento da questão
de constitucionalidade há‑de ser susceptível de influir na decisão daquela
questão de mérito, sob pena de, se assim não for, se estar a decidir uma mera
questão académica.
Consequentemente, a admitir‑se que estão verificados todos os restantes
requisitos de admissibilidade do recurso, e tendo‑se concluído que, qualquer
que fosse o sentido da decisão a proferir pelo Tribunal Constitucional, esta
seria irrelevante para o julgamento da causa principal, não deve tomar‑se
conhecimento do recurso, concedendo‑se assim provimento à questão prévia
suscitada pelo Ministério Público nas suas alegações.
4. Aderindo ao entendimento desse acórdão nº 377/ /94,
perfeitamente transponível para a hipótese sub judicio, sendo ainda de registar
que o acórdão recorrido se bastou com uma solução meramente de ordem processual,
assente num pressuposto processual, o desfecho tem de ser o não conhecimento do
presente recurso de constitucionalidade, talqualmente se decidiu nesse acórdão.
5. Ouçam-se as partes, por cinco dias, nos termos e para
os efeitos do disposto no artigo 78º-A, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro,
aditado pelo artigo 2º, da Lei nº 85/89, de 7 de Setembro.
Guilherme da Fonseca