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Proc.Nº 287/93
Sec. 1ª
Rel. Cons.
Vítor Nunes de
Almeida
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - RELATÓRIO
1. - A. veio propor contra a B., uma acção emergente de
contrato individual de trabalho pedindo a anulação de uma sanção disciplinar que
lhe fora aplicada, e a condenação de empresa demandada no pagamento de uma
indemnização por despedimento da iniciativa da autora com justa causa e outras
quantas resultantes do referido contrato de trabalho.
Esta acção veio a ser julgada totalmente provada e
procedente, e a Ré condenada, por decisão de 12 de Abril de 1991, do Tribunal de
Trabalho de Torres Vedras.
2. - Interposto recurso para o Tribunal da Relação de
Lisboa pela entidade patronal, nas respectivas alegações pretende que se proceda
a novo julgamento da causa por deficiência, obscuridade ou contraditoriedade das
respostas aos quesitos e pedindo a nulidade da sentença com base no
disposto nas alíneas b) e d) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil.
Por acórdão de 8 de Abril de 1992, a Secção Social da
Relação de Lisboa decidiu negar provimento ao recurso, confirmando a decisão
recorrida.
3. - Inconformada com esta decisão, a entidade patronal
interpôs novo recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) pedindo a
revogação do acórdão recorrido e da decisão da 1ª instância, por entender que a
decisão recorrida ao considerar que, estando o contrato de trabalho suspenso,
por doença ou em cumprimento de sanção disciplinar, não pode correr nesse
período o prazo de 15 dias para exercício do direito de despedimento da autora
por sua iniciativa, com fundamento em justa causa, interpretou incorrectamente
os preceitos legais invocados (artigo 3º, nº 1, do Decreto‑Lei nº 398/83, de
2.XI e o artigo 34º, nº 2, do Decreto‑Lei nº 64‑A/89, de 23.02).
O STJ, por acórdão de 14 de Abril de 1993, decidiu
conceder provimento ao recurso da entidade patronal por considerar que se
verificava, no caso, a excepção de caducidade do direito de rescisão do contrato
de trabalho 'concedendo a revista e absolvendo a recorrente dos pedidos'.
4. - Notificada esta decisão à trabalhadora, veio ela
interpor recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b), do nº 1,
do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional - LTC (Lei nº 28/82, de 15.XI,
alterada pela Lei nº 83/89, de 7 de Setembro), pretendendo que se aprecie a
conformidade constitucional do nº 2 do artigo 34º do Decreto‑Lei nº 64‑A/89, de
27.02, por entender que tal norma viola o princípio da igualdade constante do
artigo 13º da Constituição da República Portuguesa.
5. - Neste Tribunal, a recorrente apresentou as suas
alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:
'...a) A rescisão do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador
fundamentada na transferência de local de trabalho por alegar prejuízos sérios
nos termos do artº 24º da C.C.T. não está sujeita ao prazo de 15 dias previsto
no nº 2 do artº 34º do Dec‑Lei nº 64‑A/89.
b) Na verdade o nº 2 do artº 34º do Dec‑Lei nº 64‑A/89 apenas se aplica aos
comportamentos culposos da entidade empregadora previstos no artº 35º do mesmo,
cabendo ao trabalhador o ónus da prova.
c) Enquanto que no caso específico do artº 24º, ou seja, na alegação de
prejuízos sérios o ónus da prova é da responsabilidade da entidade empregadora,
tratando‑se de uma norma excepcional que não comporta aplicação analógica.
d) Daí a ilegalidade do douto Acórdão recorrido.
e) Ainda que assim se não entenda, o nº 2 do artº 34º do Dec‑Lei nº 64‑A/89 é
inconstitucional porquanto:
f) Em igualdade de circunstâncias, ou seja, em sede de rescisão do contrato
de trabalho com justa causa, a entidade patronal dispõe de um prazo de 30 dias
após conhecimento dos factos para iniciar o inquérito os quais se podem alongar
a 60 dias para exercer o procedimento disciplinar, e de 30 dias para dar a
decisão final (nºs 8, 11 e 12 do artº 10º do Dec‑Lei nº 64‑A/89 e nº 1 do artº
31º da L.C.T.);
g) Enquanto que, o trabalhador apenas dispõe do prazo de 15 dias após
conhecimento dos factos para rescindir o contrato com justa causa;
h) O que o coloca numa situação de inferioridade em relação à entidade
empregadora;
i) Já que, o trabalhador para fazer cessar o contrato necessita de prazo igual
ao concedido às entidades empregadoras;
j) A norma do nº 2 do citado artº 34º contém preceitos discriminatórios, não
tendo sido elaborada de harmonia com os artºs 12º e 13º da Constituição;
l) Pelo que, é inconstitucional;
m) Tal norma é ainda ilegal por ofensa aos artºs 18º a 21º da L.C.T.'
Também a empresa recorrida veio alegar quanto à matéria
dos autos concluindo nas alegações pela forma seguinte:
' 1 - Aplicando‑se também ao caso previsto no artº 24º da L.C.T., o prazo dos
15 dias previsto no nº 2 do artº 34º do DL nº 64‑A/89, por aquela causa de
rescisão do contrato de trabalho constituir fundamento para alegação de justa
causa (violação das garantias legais ou convencionais do trabalhador ‑ artº 35º
nº 1 al. b) do DL nº 64‑A/89), bem decidiu o douto Acórdão recorrido do Supremo
Tribunal de Justiça, porquanto de nenhuma ilegalidade ele enferma:
2 - Não reflectindo a diferença entre os prazos estabelecidos para, quer a
entidade patronal quer o trabalhador rescindir o respectivo contrato de trabalho
alegando justa causa, um benefício conferido à entidade patronal, o prazo menor
concedido ao trabalhador ‑ 15 dias ‑ constante no nº 2 do artº 34º do DL nº
64‑A/89, não constitui violação do princípio constitucional da igualdade de
direitos entre os cidadãos ‑ artºs 12º e 13º da C.R.P., sendo, por isso, tal
norma constitucional.
Assim, deve negar‑se provimento ao recurso, declarando‑se legal o douto
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça e constitucional a norma do nº 2 do artº
34º do DL nº 64‑A/89, por não constituir qualquer violação dos artºs 12º e 13º
da Constituição da República e, em consequência, farão Vossas Excelências
Justiça'.
Corridos que foram os vistos legais, nada obsta ao
conhecimento da questão de constitucionalidade suscitada nos autos.
II - FUNDAMENTOS
6. - Embora a recorrente, no seu requerimento de
interposição de recurso, apenas se tenha referido à inconstitucionalidade da
norma do artigo 34º, nº2, do Decreto‑Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro, o certo
é que nas alegações apresentadas neste Tribunal se refere também à ilegalidade
da mesma norma, por violação dos artigos nºs 18º a 21º da Lei do Contrato de
Trabalho.
O Tribunal não pode conhecer deste vício, pois apenas
tem competência para controlo das decisões dos tribunais que recusem a aplicação
de normas com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei de valor
reforçado, por violação de estatuto de Região Autónoma, caso de trate de diploma
regional ou emanada de órgão de soberania e por violação de lei geral da
República, no caso de diploma regional.
No caso, não se está perante qualquer destas hipóteses
previstas no artigo 280º, nº 2, alíneas a) a d), da Constituição da República
(CRP) e no artigo 70º, nº 1, alíneas c) a f), da Lei do Tribunal Constitucional
(LTC), pelo que falece competência a este Tribunal para conhecer do vício
invocado pela recorrente nas suas alegações.
7. - A questão de constitucionalidade que a recorrente
suscita nos autos consiste no diferente tratamento legal da entidade patronal e
do trabalhador relativamente ao prazo de rescisão do contrato de trabalho com
justa causa.
Com efeito, segundo alega a recorrente, 'verifica-se que
a entidade empregadora na questão da rescisão do contrato de trabalho por
comportamento culposo do seu colaborador, goza de privilégio em relação ao
trabalhador que, de igual modo, pretende rescindir o contrato com justa causa,
por culpa imputável à entidade patronal, o qual se vê privado de exercer o seu
direito em igualdade de circunstâncias e oportunidade'. Na verdade, enquanto que
o período mínimo para a entidade patronal instaurar o inquérito preliminar é de
30 dias após o conhecimento dos factos, não podendo medear mais de 30 dias entre
a conclusão do inquérito e a notificação da nota de culpa, dispondo ainda de 30
dias para proferir a decisão, podendo exercer a acção disciplinar, no caso de
não se mostrar necessário o inquérito preliminar, dentro de um prazo de 60 dias,
após o conhecimento dos factos.
Pelo seu lado o trabalhador, nos termos do nº 2 do
artigo 34º do Decreto-Lei nº 64-A/89, dispõe apenas de um prazo de 15 dias, após
o conhecimento dos factos, para comunicar a rescisão do contrato de trabalho com
justa causa, por sua iniciativa. Gera-se, assim, uma situação de inferioridade
quanto aos prazos de rescisão, que é discriminatória da posição do trabalhador
relativamente à entidade empregadora que, no entender da recorrente viola os
artigos 12º e 13º da Constituição.
Vejamos, porém, se é assim na realidade.
8. - O artigo 13º da Constituição, depois de
estabelecer que 'todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais
perante a lei' (nº 1), determina no nº 2 que 'ninguém pode ser privilegiado,
beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer
dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem,
religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou
condição social'.
O âmbito de protecção do princípio da igualdade ínsito
neste preceito abrange diferentes dimensões: a proibição do arbítrio, que torna
inadmissível não só a diferenciação de tratamento sem qualquer justificação
razoável apreciada esta de acordo com critérios objectivos de relevo
constitucional, mas também o tratamento idêntico de situações manifestamente
desiguais; a proibição de discriminação que não permite quaisquer diferenciações
entre cidadãos baseadas em categorias meramente subjectivas e, por último, a
obrigação de diferenciação como forma de compensar a desigualdade de
oportunidades, o que pressupõe a eliminação pelos poderes públicos de
desigualdades fácticas de natureza social, económica e cultural (cf. Gomes
Canotilho e Vital Moreira, 'Constituição da República Portuguesa Anotada',1º
vol., 2ª ed., Coimbra, 1984,pp.149 e segs.).
A igualdade consiste, assim, em tratar por igual o que é
essencialmente igual e tratar diferentemente o que essencialmente for diferente.
A igualdade não proíbe, pois, o estabelecimento de distinções, o que com ela se
proíbe são as distinções arbitrárias ou sem fundamento material bastante. Tais
distinções são materialmente infundadas sempre que assentam em motivos que não
oferecem um carácter objectivo e razoável, ou seja, quando a norma em causa não
apresenta qualquer fundamento material razoável.
Na perspectiva da proibição do arbítrio, o princípio da
igualdade identifica-se com uma proibição de medidas manifestamente
desproporcionadas ou inadequadas, por um lado, à ordem constitucional de valores
e, por outro, à situação fáctica que se pretende regulamentar ou ao problema
que se deseja decidir.
Assim, e de um modo esquemático pode dizer-se (como
Pieroth/Schlink, 'Grundrechte - Staatsrecht II', pg.115, nº 506) que, para se
poder reconhecer um fundamento material ao desigual tratamento normativo de
situações essencialmente iguais, deve aquele prosseguir um fim legitimo, ser
adequado e necessário para realizar tal fim e manter uma relação de equitativa
adequação com o valor que subjaz ao fim visado.
Importa, por isso, apurar se no caso dos autos, o
princípio da igualdade foi ou não violado pela norma do nº 2 do artigo 34º do
Decreto-Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro, na medida em que nele se estabelece
um prazo de 15 dias para o trabalhador rescindir com justa causa e por sua
iniciativa o contrato de trabalho, sendo idêntico prazo da entidade empregadora
muito mais dilatado.
9. - Pode, desde já, adiantar-se que a recorrente não
tem razão.
Na verdade, embora pareça estar-se perante normas e
situações similares - trata-se em ambos os casos de situações de rescisão do
contrato de trabalho mediante invocação de justa causa - mas cuja finalidade e
natureza essencial são bem diversas e justificam um diferente tratamento e, não
só quanto ao específico aspecto do respectivo prazo de comunicação.
Para procurar demonstrar esta afirmação torna-se
necessário fazer um análise perfunctória dos regimes de rescisão do contrato de
trabalho com invocação de justa causa quer pelo trabalhador quer pela entidade
empregadora, o que se passa a fazer.
9.1. - A norma cuja conformidade constitucional vem
questionada estabelece que:
'Artigo 34º
(Regras Gerais)
1. Ocorrendo justa causa, pode o trabalhador fazer cessar imediatamente o
contrato.
2. A rescisão deve ser feita por escrito, com indicação sucinta dos factos que
a justificam, dentro dos 15 dias subsequentes ao conhecimento desses factos.
3. Apenas são atendíveis para justificar judicialmente a rescisão os factos
indicados na comunicação referida no número anterior.'
Este preceito está inserido no Capítulo VI sobre a
'Cessação do contrato iniciativa do trabalhador', Secção I, relativa à 'Rescisão
com Justa Causa', que inclui os artigos 35º a 37º, constando do primeiro, a
indicação dos comportamentos da entidade patronal que constituem fundamento de
justa causa, do artigo 36º, a indicação dos casos em que a rescisão do contrato
dá lugar a uma indemnização a favor do trabalhador e do artigo 37º, o
estabelecimento da obrigação do trabalhador indemnizar a entidade patronal no
caso de vir a ser considerada inexistente a justa causa invocada como fundamento
de rescisão.
Em termos de contrato de trabalho de duração
indeterminada, o trabalhador pode desvincular-se unilateralmente, quer invocando
a ocorrência de justa causa, quer concedendo ao empregador um aviso prévio de
dois meses (ou um mês se tiver menos de dois anos de antiguidade). A invocação
de justa causa recobre determinadas situações graves, a concretizar de acordo
com um critério similar do utilizado para a justa causa subjectiva patronal,
permitindo que o trabalhador ponha termo ao contrato, sem aviso prévio e sem
indemnização, existindo mesmo certas situações em que a comprovação da justa
causa invocada (acto culposo do empregador) confere ao trabalhador direito a ser
indemnizado.
A faculdade de pôr termo ao contrato unilateralmente,
mesmo sem justa causa, mediante simples aviso prévio ou pelo mero pagamento de
uma indemnização de valor igual ao do aviso prévio, no caso de se mostrar
inexistente a justa causa invocada, não pode deixar de decorrer dos princípios
da liberdade pessoal e da liberdade de emprego.
Aqui e ao invés da rescisão por iniciativa da entidade
empregadora - em que vigora o princípio constitucional da segurança no emprego -
com a consequente proibição de despedimentos, a não ser com justa causa
(subjectiva ou objectiva) e no caso de despedimentos colectivos, inexiste
qualquer procedimento disciplinar, bastando a comunicação à entidade patronal,
dentro de um certo prazo, da vontade de rescindir por parte do trabalhador e dos
factos que fundamentam tal intenção ou apenas de que rescinde com o pertinente
aviso prévio.
No caso de a rescisão se fundamentar em justa causa, a
respectiva comunicação deve ser feita ao empregador dentro do prazo de 15 dias a
contar do conhecimento dos factos que a integram.
E é este prazo que a recorrente refere como
discriminatório e insuficiente, considerando que o 'trabalhador para fazer
cessar o contrato necessita de prazo igual ao concedido às entidades
empregadoras'.
9.2. - Parece, todavia, claro que assim não sucede.
De facto, o despedimento do trabalhador por iniciativa
da entidade patronal, recte, a rescisão do contrato de trabalho de duração
indeterminada por iniciativa do empregador, não está, em termos constitucionais,
referida ao princípio da liberdade pessoal ou da liberdade de emprego que
inspiram a rescisão por iniciativa do trabalhador.
Pelo contrário, nesta matéria, vigora o princípio da
estabilidade da relação laboral que obteve consagração constitucional através da
garantia constante do artigo 53º da Constituição da segurança no emprego,
proibindo-se os despedimentos sem justa causa ou por motivos ideológicos.
No sentido de dar concretização a tal garantia
constitucional, a lei ordinária procurou não só delimitar o conceito de justa
causa laboral como concretizar os fundamentos factuais que podem integrar tal
conceito, tendo sempre em atenção que a rescisão imediata da relação laboral com
base em justa causa, sem direito a indemnização é uma solução extrema e «ultima
ratio» da resolução contratual em questão.
E, no sentido de limitar ainda mais a possibilidade de o
empregador exercer tal faculdade rescisória, sem estar baseada numa situação de
verdadeira impossibilidade de manutenção da relação laboral, a lei instituiu um
procedimento disciplinar rigoroso e detalhado, destinado a possibilitar a defesa
plena dos direitos dos trabalhadores, mas sem inviabilizar a prova pelo
empregador dos factos que invoca como constituindo justa causa.
Dadas as consequências para o trabalhador da actuação da
rescisão por parte da entidade patronal, o legislador rodeou de todas as
garantias processuais o exercício do despedimento (in)justificado, estabelecendo
nulidades para o incumprimento de várias regras procedimentais do «iter
processualis» que pode levar à rescisão do contrato de trabalho.
9.3. - Importa referir que este processo garantístico
regulado na Lei do Contrato Individual de Trabalho (Decreto-Lei nº 49 408, de 24
de Novembro de 1969) e no diploma regulador do 'Regime Jurídico da Cessação do
Contrato Individual de Trabalho e da celebração e caducidade do Contrato de
Trabalho a Termo' (aprovado pelo Decreto-Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro),
apresenta os seguintes traços mais característicos: averiguações prévias, caso
não se conheçam os factos ou se não conheça o seu autor, não podendo demorar
mais de 30 dias entre a suspeita da existência de comportamentos irregulares e o
início do processo de inquérito; entre a conclusão do inquérito e a notificação
da nota de culpa não pode medear mais de 30 dias; a nota de culpa deve conter
para além do relacionamento dos factos que integram a infracção, a comunicação
da intenção de proceder ao despedimento; o trabalhador dispõe de 5 dias para
responder, por escrito, à nota de culpa, aí deduzindo toda a sua defesa, sob
pena de caducidade, o procedimento disciplinar deve exercer-se dentro do prazo
de 60 dias, a contar da data em que a entidade disciplinarmente competente tiver
conhecimento da infracção, suspendendo-se porém este prazo com a notificação da
nota de culpa; produzidas as diligências de prova, o processo deve ser
apresentado ou à comissão de trabalhadores ou à associação sindical para parecer
por 5 dias; decorrido este prazo, o empregador dispõe de 30 dias para proferir a
decisão escrita segundo parâmetros legalmente discriminados (artigo 10º do
Decreto-Lei nº 64-A/89).
10. - Face a esta materialidade, parece desde logo claro
que as duas situações que a recorrente põe em confronto, não são verdadeiramente
comparáveis; de facto, a rescisão do contrato de trabalho por iniciativa do
trabalhador por estar informada pelos princípios da liberdade pessoal e da
liberdade de escolha do emprego apenas exige a fixação de um prazo único para
que o trabalhador possa invocar perante a sua entidade patronal, com fundamento
bastante, os factos que considera serem justificativos da rescisão e que serão
sempre factos de que o trabalhador tem, de imediato, um conhecimento claro e
unívoco, dado que ou se passaram directamente com ele ou lhe foram pessoalmente
comunicados.
Ao invés, no despedimento por iniciativa da entidade
patronal, como se viu, a esta não só está retirada a possibilidade de livre
rescisão, face ao princípio constitucional da segurança no emprego e da
consequente estabilidade da relação laboral, como também, a lei, para assegurar
tal estabilidade, impôs a este tipo de despedimento a necessidade de o mesmo ser
precedido de todo um procedimento formal, em que a decisão final de rescisão só
fosse tomada quando, pelas provas produzidas em tal procedimento, fosse
manifesto que a relação laboral não poderia manter-se - isto é, o despedimento
com justa causa sendo simultaneamente uma forma de rescisão do contrato e uma
sanção disciplinar com efeitos definitivos sobre a relação laboral, deverá
constituir a «ultima ratio» da cessação do contrato de trabalho contra a vontade
do trabalhador.
Estas mesmas razões impõem que os prazos legais para
comunicação da decisão de rescisão não possam ser iguais, sob pena de se estar a
tratar igualmente situações que, na realidade das coisas, são efectivamente
desiguais, o que é também uma forma de discriminação não admitida pelo princípio
constitucional da igualdade.
Por outro lado, parece evidente que dados os efeitos
gravosos que para qualquer trabalhador tem o despedimento por iniciativa do
empregador, com invocação de justa causa ‑ cessação do contrato de trabalho sem
direito a qualquer indemnização ‑ justifica-se que o prazo final do processo de
despedimento, isto é, o prazo concedido ao empregador para comunicar o
despedimento, depois do parecer da comissão de trabalhadores ou da associação
sindical, se for caso disso, que a lei fixa em trinta dias, seja mais alargado
do que o prazo de 15 dias concedido ao trabalhador. Com efeito, por ser uma
decisão de graves consequências para o trabalhador a lei exige que tal decisão
seja fundamentada e conste de documento escrito, impondo ainda ao empregador
que, em tal decisão, pondere uma série de circunstâncias que, se não forem
tomadas em consideração, podem afectar a consistência da decisão (cfr. os nºs 8
e 9 do artigo 10º e o nºs 4 e 5 do artigo 12º, ambos do Decreto-Lei nº 64-A/89,
de 27 de Fevereiro), podendo mesmo levar o tribunal a considerar o despedimento
ilícito, com todas as consequências que isso acarreta, agora para a entidade
patronal.
Pelo seu lado, o prazo da comunicação a fazer pelo
trabalhador no caso de auto-despedimento está fixado pela lei em 15 dias pela
simples razão de que, como se referiu supra, apenas se lhe exige que informe o
empregador dos factos que ele próprio considera justificadores da justa causa
que invoca, pelo que se tem de reconhecer que tal prazo não é demasiado exíguo
para tal finalidade, antes é suficiente e adequado para o fim a que se destina.
Acresce ainda que, no caso de o trabalhador pretender
despedir-se sem invocar qualquer fundamento de justa causa ou mesmo sem conceder
o aviso prévio de lei, também o pode fazer, sendo tal rescisão válida e tendo
apenas como consequência o empregador no direito de lhe exigir uma indemnização
no valor do prazo de aviso prévio em falta ‑ em geral, 30 ou 60 dias de
remuneração, podendo ir, em casos especiais, até um máximo de seis meses.
O princípio constitucional da igualdade impõe, como se
referiu, não só que situações iguais sejam tratadas igualmente mas também que
situações desiguais sejam tratadas desigualmente, não proibindo tratamentos
diferenciados desde que se não trate de diferenciações de tratamento puramente
arbitrárias, impondo mesmo uma obrigação de diferenciação como forma de
compensar desigualdade de oportunidades.
No caso, como se mostrou, não só existem situações
fácticas diferentes que exigem por isso tratamento também diferente, como
também, o diverso tratamento das referidas situações tem um fundamento material
bastante, sendo razoável que o legislador imponha diferentes prazos para as duas
situações em referência, não sendo o prazo de 15 dias do trabalhador
excessivamente curto para o fim visado, nem o de 30 dias do empregador
excessivamente alargado, pelo que se pode afirmar não serem tais prazos
arbitrários ou discriminatórios.
Tem, assim, de se concluir que não se verifica, no caso
em apreço, qualquer violação do princípio constitucional da igualdade, pelo que
o presente recurso não merece provimento.
III - DECISÃO:
Nos termos de tudo quanto fica exposto, decide-se negar
provimento ao recurso e, em consequência, confirmar a decisão recorrida, na
parte impugnada.
Lisboa,1995.09.28
Vítor Nunes de Almeida
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Dinis
Maria Fernanda Palma
Maria da Assunção Esteves
Alberto Tavares da Costa
Luís Nunes de Almeida