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Processo n.º 340/12
3.ª Secção
Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro
Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, A. veio interpor recurso, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, com as alterações posteriores (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante, LTC).
2. No requerimento de interposição do recurso, a recorrente apenas identifica a questão de constitucionalidade, por remissão para as alegações apresentadas em sede de recurso da decisão da 1.ª Instância, transcrevendo as respetivas conclusões.
Do texto transcrito, ressalta a afirmação de que “a liquidação deste imposto nos termos do IMI viola a Constituição da República Portuguesa artigo 103.º n.º 3, uma vez que existe retroatividade na liquidação do imposto, deveria a administração fiscal, no mínimo, aplicar o valor da primeira inscrição na matriz (que se manteve inalterado até à escritura), ao longo dos anos, a avaliação ou pelo menos a correção monetária, e aí em 2003 teríamos um valor de aquisição justo, e por consequência o imposto a pagar seria o imposto justo.”
Acrescenta a recorrente que “os valores da aquisição terão que ser atualizados, mas deverão sê-lo de forma gradual, desde a data da primeira inscrição na matriz até à data da sua primeira transmissão, com aplicação da correção monetária ao longo dos anos em que a avaliação se manteve inalterável, sob pena de existir inconstitucionalidade da liquidação do imposto, efetuada nos termos do CIMI.”
3. No Tribunal Constitucional, foi proferida Decisão sumária de não conhecimento do recurso.
Na fundamentação de tal decisão, refere-se, nomeadamente, o seguinte:
“(…) O Tribunal Constitucional tem entendido, de modo reiterado e uniforme, serem pressupostos gerais, de todos os recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade, a existência de um objeto normativo – norma ou interpretação normativa - como alvo de apreciação; a natureza jurisdicional da decisão impugnada e o caráter instrumental do recurso.
Por outro lado, são pressupostos específicos do recurso, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, o esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC) e a suscitação prévia da questão de constitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado e tempestivo, perante o tribunal a quo (artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa (CRP); artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
(…) Vejamos, assim, se tais pressupostos se encontram presentes, relativamente ao recurso em apreciação.
Comecemos por analisar a natureza do objeto do recurso.
O recurso de constitucionalidade apenas pode incidir sobre a constitucionalidade de normas ou interpretações normativas e não de decisões, nomeadamente jurisdicionais, não compreendendo o nosso ordenamento jurídico a figura do recurso constitucional de amparo ou queixa constitucional.
Assim, recai sobre o recorrente o ónus de enunciar a concreta norma ou interpretação normativa, cuja sindicância pretende, de forma clara e inequívoca, identificando certeiramente o preceito ou conjugação de preceitos, em que tal critério normativo assenta, de forma a que seja reconhecível no mesmo um mínimo de correspondência à literalidade dos preceitos em causa. “Mais ainda: esse sentido (essa dimensão normativa) do preceito há de ser enunciado de forma que, no caso de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua decisão, em termos de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os operadores do direito, ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por, desse modo, afrontar a Constituição” (cfr. Acórdão n.º 367/94, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Ora, na presente situação, da mera leitura do requerimento de interposição do recurso resulta que a recorrente pretende, não a apreciação de um verdadeiro critério normativo – que, sintomaticamente, não enuncia - mas a sindicância da própria decisão jurisdicional, na sua dimensão casuística.
Na verdade, em nenhum momento, a recorrente autonomiza e enuncia uma interpretação normativa ou norma - entendida esta como uma regra tendencialmente abstrata potencialmente aplicável a uma generalidade de situações – que corresponda a um sentido extraível de determinado preceito legal ou conjugação de preceitos.
Ao invés, assaca o vício de inconstitucionalidade ao próprio ato de liquidação do imposto, que foi confirmado pela decisão recorrida.
Nestes termos, não correspondendo o objeto do recurso a um critério normativo – autonomizado das especificidades casuísticas da situação de facto trazida a juízo – encontra-se prejudicada a pretendida sindicância do Tribunal Constitucional.
Salienta-se, aliás, que nas alegações de recurso - peça processual em que a recorrente refere ter suscitado, previamente, a questão, perante o tribunal a quo, – igualmente não é suscitada, de forma adequada, qualquer questão de constitucionalidade normativa, o que sempre prejudicaria ulterior recurso de constitucionalidade.
De facto, impendia sobre a recorrente o ónus de suscitar a questão de constitucionalidade, que pretendesse ver apreciada, previamente, junto do tribunal a quo, de uma forma expressa, direta e clara, criando para esse tribunal um dever de pronúncia sobre tal matéria. Para o efeito, deveria a recorrente proceder a uma precisa delimitação e especificação do objeto de recurso – enunciando a norma ou interpretação normativa, cuja apreciação pretendia, e reportando-a a um concreto preceito ou conjugação de preceitos infraconstitucionais - e ainda aduzir uma fundamentação, minimamente concludente, com um suporte argumentativo que incluísse a indicação das razões justificativas do juízo de inconstitucionalidade defendido.
Ora, manifestamente, na presente situação, a recorrente não cumpre tal ónus, pelo que sempre estaria prejudicada a admissibilidade do recurso, ainda que a mesma tivesse logrado erigir, como objeto do recurso, no respetivo requerimento de interposição, um verdadeiro critério normativo, circunstância que, em todo o caso, como já vimos, não se verifica.”
É esta a Decisão sumária que é alvo da presente reclamação.
4. Fundamentando a sua discordância relativamente à decisão reclamada, refere a reclamante que, não obstante lhe parecer que o requerimento de interposição de recurso apresentado contém todos os requisitos previstos no artigo 75.º-A da LTC, deveria a Relatora ter dado cumprimento ao disposto no n.º 5 de tal preceito, caso considerasse faltar algum dos aludidos requisitos.
Nestes termos, requer que, caso o Tribunal considere faltar a indicação da norma cuja constitucionalidade se pretende ver sindicada, possa convidar a reclamante a suprir tal falta.
Acrescenta discordar ainda da asserção de que da leitura do requerimento de interposição de recurso resulta que pretende a sindicância da própria decisão jurisdicional, na sua dimensão casuística, e da conclusão pela falta de suscitação prévia de qualquer questão de constitucionalidade normativa.
Refere, em defesa da sua tese, que, nas alegações de recurso, faz menção das normas violadas, cuja constitucionalidade pretende ver apreciada: “artigo 12.º da Lei Geral Tributária e artigo 9.º do CIMSISD e artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 287/2003”.
Conclui, pedindo a revogação da decisão sumária proferida e o consequente prosseguimento do recurso.
Notificada a recorrida, nada veio dizer.
II - Fundamentos
5. Analisada a reclamação apresentada, conclui-se que a reclamante não aduziu argumentos que infirmem a correção do juízo efetuado, na decisão sumária proferida.
Na verdade, o fundamento da decisão de não conhecimento do objeto do recurso assenta na respetiva inidoneidade, referindo ainda a decisão sumária reclamada que a reclamante não suscitou previamente, de forma adequada, qualquer questão de constitucionalidade normativa, circunstância que sempre prejudicaria a admissibilidade de ulterior recurso para o Tribunal Constitucional.
Ora, nem a inidoneidade do objeto do recurso nem o incumprimento do ónus de suscitação prévia da questão a apreciar são suscetíveis de correção, mediante aperfeiçoamento posterior à interposição do recurso.
De facto, o convite ao aperfeiçoamento, previsto no artigo 75.º-A, n.os 5 e 6, da LTC, destina-se a permitir ao recorrente suprir a falta de meros requisitos formais do requerimento de interposição do recurso – a que se alude nos n.os 1 a 4 do mesmo preceito – não podendo ser utilizado para suprir a falta de pressupostos de admissibilidade do recurso – enunciados especificamente no artigo 70.º e no n.º 2 do artigo 72.º da LTC – que, sendo verificada, determina a imediata prolação de decisão sumária, no sentido do não conhecimento do recurso.
Nestes termos, improcede a argumentação da reclamante, no sentido da pertinência de prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento.
No tocante ao incumprimento do ónus de suscitação prévia de qualquer questão de constitucionalidade, suscetível de constituir idóneo objeto de ulterior recurso para o Tribunal Constitucional, igualmente não assiste razão à reclamante quando pretende infirmar tal conclusão da decisão reclamada.
De facto, como se refere na aludida decisão, impendia sobre a reclamante o ónus de suscitar a questão de constitucionalidade, que pretendesse ver apreciada, previamente, junto do tribunal a quo, de uma forma expressa, direta e clara, criando para esse tribunal um dever de pronúncia sobre tal matéria. Para o efeito, deveria a recorrente proceder a uma precisa delimitação e especificação do objeto de recurso – enunciando a norma ou interpretação normativa, cuja apreciação pretendia, e reportando-a a um concreto preceito ou conjugação de preceitos infraconstitucionais - e ainda aduzir uma fundamentação, minimamente concludente, com um suporte argumentativo que incluísse a indicação das razões justificativas do juízo de inconstitucionalidade defendido.
Porém, a reclamante manifestamente não cumpriu tal ónus.
Nestes termos, apenas resta reafirmar toda a fundamentação constante da decisão reclamada e, em consequência, concluir pelo indeferimento da reclamação apresentada.
III - Decisão
6. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a reclamação apresentada e, em consequência, confirmar a decisão sumária reclamada proferida no dia 2 de agosto de 2012.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º do mesmo diploma).
Lisboa, 7 de novembro de 2012.- Catarina Sarmento e Castro – Vítor Gomes – Maria Lúcia Amaral.