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Proc. nº 163/95
1ª Secção
Rel. Cons. Ribeiro Mendes
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1 A CÂMARA MUNICIPAL DE LISBOA instaurou contra
A., com sede em --------------------, um processo de contra-ordenação, com base
num auto de notícia levantado por um guarda da Polícia Municipal de Lisboa que
detectara, em 6 de Abril de 1994, uma viatura automóvel pertencente àquela
sociedade que distribuía produtos de pescado congelado sem que dispusesse de
comprovação de vistoria sanitária passada pelo respectivo município. Foi-lhe,
assim, imputada a prática de infracção ao disposto no art. 4º, nº 1, alínea c),
do Edital nº 82/93 (Regulamento de Inspecção e Fiscalização Sanitárias), de 17
de Agosto, punível com coima de 20.000$00 a 200.000$00.
Por decisão de 18 de Julho de 1994, o vereador
com competência delegada aplicou à referida sociedade a coima de 50.000$00.
Inconformada, interpôs recurso a sociedade
sancionada para o Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa, suscitando
nas alegações a questão de incompetência do município de Lisboa para
regulamentar a matéria em causa, bem como a inconstitucionalidade do regulamento
de polícia invocado por violação do nº 7 do art. 115º da Constituição.
Por despacho de fls. 2, foi determinado pelo
Senhor Juiz do 1º juízo daquele tribunal que se oficiasse à Câmara Municipal de
Lisboa 'para indicar os diplomas que visou regulamentar com o Edital nº 82/93 e,
nomeadamente, se os mesmos constam da Proposta nº 264/93 que refere'.
A Câmara Municipal respondeu pelo ofício de fls.
21, enviando a proposta solicitada.
Foram ainda solicitados e remetidos outros
elementos documentais.
Através de sentença proferida em 20 de Março de
1994, foi concedido provimento ao recurso interposto pela A., por se ter
entendido que o referido regulamento camarário constante do Edital nº 82/93
estava afectado de inconstitucionalidade por violação do nº 7 do art. 115º da
Constituição, pelo que houve recusa de aplicação desse mesmo regulamento. Pode
ler-se nessa decisão:
'Na verdade, tratando-se de uma fonte de direito, de um acto executivo, para ser
conforme à Constituição há-de conformar-se, passe o pleonasmo, com o ditame
contido no supracitado artigo 115º, nº 7 da Lei Fundamental, uma vez apenas a
dupla exigência constitucional tutela que toda a actividade administrativa seja
explícita e previamente baseada em lei habilitante.
Ora, o Edital nº 82/93 da Câmara Municipal de Lisboa não cita,
nem nada refere, quanto à Lei que o habilita a regulamentar o pescado congelado
(ao invés, por exemplo, dos produtos cárneos e do pão).
Assim sendo, temos de concluir que o Regulamento de Inspecção e
Fiscalização Sanitária publicado no Diário Municipal nº 16.692, de 17.08.1993,
padece de inconstitucionalidade formal por violação do artigo 115, 7, da C.R.P.,
ou seja, omissão de citação de lei habilitante no tocante ao pescado congelado -
artigo 4º, nº 1, alínea c) - cfr. neste sentido, em situação semelhante, a
título exemplificativo, Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 319/94, in DR II
Série de 3-8-94, nº 375/94, in DR II Série de 10.11.94 e nº 443/94, in DR II
Série de 28.7.94' (a fls. 50 e vº).
Desta decisão interpôs recurso de
constitucionalidade o agente do Ministério Público, ao abrigo do art. 70º, nº 1,
alínea a), da Lei do Tribunal Constitucional. Este recurso foi admitido por
despacho de fls 53.
2. Subiram os autos ao Tribunal Constitucional.
Apresentaram alegações recorrente e recorrida.
O Senhor Procurador-Geral Adjunto formulou nessa
peça as seguintes conclusões:
' 1º
A norma da alínea c) do nº 1 do artigo 4º do Regulamento de Inspecção e
Fiscalização Sanitárias aprovado por deliberação da Assembleia Municipal de 24
de Junho de 1993 e constante de Edital no 82/93, publicado no Diário Municipal
nº 16.692, de 17 de Agosto de 1993, é formalmente inconstitucional, por violação
do artigo 115º, nº 7, já que o Regulamento omite integralmente qualquer
indicação da respectiva lei habilitante.
2º
Deve, assim, confirmar-se a decisão recorrida no que toca ao
juízo de inconstitucionalidade de tal norma'. (a fls 65-66 dos autos)
A recorrida manifestou a sua inteira concordância
com as alegações da entidade recorrente, remetendo para as mesmas (a fls. 68 dos
autos).
3. Foram dispensados os vistos, dada a
simplicidade.
Cumpre apreciar o objecto do recurso, por não
haver motivos que a tal obstem.
II
4. Constitui objecto do recurso o disposto no
art. 4º, nº 1, alínea c), do Regulamento de Inspecção e Fiscalização Sanitárias
do Município de Lisboa, constante do Edital nº 82/93, aprovado pela Assembleia
Municipal de Lisboa em 24 de Junho de 1993 (in Diário Municipal, nº 16692, de 17
de Agosto de 1993, págs. 2118 a 2120), norma desaplicada pela decisão recorrida:
'1. A fim de ser verificada a manutenção das respectivas condições
higio-sanitárias serão objecto de vistoria semestral, a realizar por
médico-veterinário da Câmara Municipal de Lisboa, os veículos que não fazendo
prova de terem sido vistoriados por outra entidade oficial no decurso do período
acima referido, transportem os seguintes produtos alimentares, destinados ao
consumo no concelho de Lisboa.
a) [...]
b) [...]
c) Produtos refrigerados, congelados e ultracongelados'.
5. O Regulamento de Inspecção e Fiscalização
Sanitárias do Município de Lisboa, constante de Edital nº 82/93, estabelece que
estão sujeitos a fiscalização sanitária da Câmara Municipal respectiva 'todos os
géneros alimentícios frescos, refrigerados, congelados ou por qualquer forma
conservados ou transformados que circulem no concelho de Lisboa e sejam
destinados ao consumo público nesta cidade' (art. 1º, nº 1). Objecto de
fiscalização será não só a qualidade do produto mas também 'o seu
acondicionamento e embalagem, os veículos e outros meios de transporte, os
locais de preparação e, ainda, equipamentos, bem como as condições de higiene e
do pessoal do sector' (art. 1º, nº 2). Para o efeito em causa, prevêem-se, entre
outras medidas, vistorias periódicas aos veículos de transporte (art. 4º, nº 2),
estabelecendo-se taxas para pagamento desse serviço (art. 7º), estatuindo-se no
art. 8º sanções pecuniárias para o incumprimento do disposto nos arts. 4º a 6º.
Analisado o teor do articulado do Edital nº 82/93
(a fls. 13 e 14 dos autos), bem como a legislação indicada como tendo servido
de suporte legislativo a este regulamento (cfr. ofício a fls. 35 dos autos) logo
se alcança que não é invocado qualquer suporte legislativo para habilitar a
produção da norma desaplicada pela decisão recorrida (vistoria obrigatória pela
Câmara Municipal, na falta de prova de realização de vistoria por outra entidade
competente, no que toca aos veículos que transportem 'produtos [alimentares]
refrigerados, congelados e ultracongelados' destinados ao consumo no concelho de
Lisboa), seja a(s) lei(s) que o regulamento municipal visa regulamentar, seja
a(s) lei(s) que define(m) a competência subjectiva e objectiva para a sua
emissão.
Tem, por isso, razão o Exmo. Procurador-Geral
Adjunto quando preconiza a confirmação de decisão recorrida, na linha de
jurisprudência do Tribunal Constitucional (por todos e entre os mais recentes,
vejam-se os Acordãos nºs 196/94, 197/94, 243/94, 244/9, 245/94, 246/94 e 319/94,
publicados no Diário da República, II Série, nºs. 116, de 19 de Maio de 1994,
117, de 20 do mesmo mês e ano, 171, de 26 de Julho de 1994, 173 de 28 do mesmo
mês, 175, de 30 de Julho, 178, de 3 de Agosto de 1994).
6. Ainda lhe assiste razão quando considera que
não é suficiente que conste apenas da acta da assembleia municipal que aprovou o
regulamento (a fls. 32 dos autos), a referência à norma que atribui a esse órgão
colegial competência para aprovar 'posturas e regulamentos' (art. 31º, nº 2,
alínea a), do Decreto-Lei nº 100/84, de 29 de Março na redacção introduzida pela
Lei nº 18/91, de 12 de Junho). De facto, do texto do regulamento e quanto à
referida alínea do art. 4º, nº 1, não há a menor referência à lei habilitante,
pelo que não pode aplicar-se a essa situação a doutrina do recente Acórdão nº
110/95 (in Diário da República, II Série, nº 94, de 21 de Abril de 1995). É que,
nas palavras das suas alegações, 'o regulamento «sub judicio» nestes autos é
totalmente omisso sobre qual seja a sua «lei habilitadora», o que, a nosso ver,
implica que se não alcance sequer aquele «mínimo salvaguardado suficientemente»
a que alude o citado Acórdão nº 110/95' (a fls. 65 dos autos).
Impõe-se, por isso, confirmar o decidido.
III
8. Nestes termos e pelas razões expostas, decide
o Tribunal Constitucional negar provimento ao recurso, confirmando a decisão
recorrida quanto ao julgamento em matéria de inconstitucionalidade.
Lisboa, 28 de Setembro de 1995
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Dinis
Maria Fernanda Palma
Maria da Assunção Esteves
Alberto Tavares da Costa
Vítor Nunes de Almeida
Luís Nunes de Almeida