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Proc. nº 10/95
1ª Secção
Rel: Cons. Ribeiro Mendes
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. Por decisão de 23 de Setembro de 1994 o Tribunal de Contas de Macau
em secção de fiscalização prévia concedeu o visto ao contrato além do quadro
celebrado entre o Leal Senado de Macau e A. para o cargo de técnico superior
assessor primeiro escalão dos Serviços Técnicos Municipais desse Leal Senado
contrato que foi autorizado por deliberação da Câmara Municipal de Macau de 8 de
Julho de 1994. O visto foi concedido apesar de o contratado se achar na situação
de licença sem vencimento de longa duração dos quadros da Administração Local da
República Portuguesa.
O Procurador da República interpôs recurso daquela decisão para o
Tribunal Colectivo nos termos dos arts. 10º nº 5 da Lei nº 112/91 de 29 de
Agosto e 46º nº 1 47º nº 1 48º 49º nº 1 alínea a) 50º e 51º do Decreto-Lei nº
18/92/M de 2 de Março baseando-se na falta de capacidade profissional do
contratado para o desempenho de funções na Administração Pública Autárquica do
Território de Macau dado que o mesmo se encontrava na situação de licença sem
vencimento de longa duração relativamente ao quadro de origem da República
Portuguesa. Foi suscitada ainda pela entidade recorrente a inconstitucionalidade
orgânica e material do Decreto-Lei nº 5/93/M de 8 de Fevereiro. Nas suas
alegações de recurso o mesmo Procurador da República formulou as seguintes
conclusões:
'I. A norma do artigo único do Dec-Lei nº 5/93/M de 8/2 não tem a natureza
interpretativa que lhe é atribuída pelo legislador consagrando antes um comando
inteiramente novo idêntico e ainda mais amplo do que o anteriormente introduzido
pelo Dec-Lei nº 15/88/M de 29/2 (nova redacção do artº. 7º nº 4 do Dec-Lei nº
86/84/M de 11/8 diplomas estes revogados pelo Dec-Lei nº 87/89/M de 21/12).
II. Não faz sentido invocar a autonomia do ordenamento jurídico e da
Administração do Território para concluir e dispor que é aqui permitido aos
funcionários e agentes dos quadros da República aquilo que é vedado aos de
Macau.
III. Apesar da total autonomia existente entre os quadros de funcionários das
denominadas 'províncias ultramarinas' e o metropolitano sempre se entendeu que o
impedimento legal decorrente das situações de licença ilimitada ou registada
(licença sem vencimento de longa ou curta duração) aposentação reforma ou
reserva se aplicava a todos os funcionários ou agentes quer pertencessem aos
quadros metropolitanos quer pertencessem aos quadros ultramarinos entendimento
esse que com as devidas adaptações mantém plena actualidade sendo irrelevantes
para esse efeito as alterações políticas entretanto ocorridas quanto ao estatuto
de Macau.
IV. Os instrumentos de mobilidade do pessoal entre os quadros dos órgãos de
soberania da República e do Território estabelecidos nos artºs. 69º e 70º do
Estatuto Orgânico de Macau aprovado pela Lei nº 1/76 de 17/2 são um exemplo
típico do fenómeno de interpenetração ou intercomunicação entre os dois
ordenamentos jurídicos e não poderão deixar de ser observados e levados em
consideração.
V. De qualquer modo a norma referida em I. enferma de inconstitucionalidade
orgânica por estar em causa matéria da competência reservada da Assembleia
Legislativa e haver sido esgotado [o prazo] e caducado a autorização legislativa
constante do artº 1º nº 1 da Lei nº 9/89/M de 23/X e de inconstitucionalidade
material por violação de princípio da igualdade no acesso à função pública
consagrado nos artºs 13º e 47º nº 2 da Constituição da República motivos por que
os tribunais não podem aplicá-la (artº 41º nº 1 do E.O.M. e 3º do Dec-Lei nº
17/92/M de 2/3).
VI. A decisão que concedeu o visto infringiu as normas referidas em V. e ainda
as do artº 13º nº 1 b) e 268º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração
Pública de Macau aprovado pelo Dec-Lei nº 87/89/M de 21/12 devendo
consequentemente ser revogada e substituída por outra que recuse o visto.' (fls.
48 vº a 49 vº dos autos)
O Tribunal de Contas de Macau por acórdão de 20 de Dezembro de 1994 com
um voto de vencido concedeu provimento ao recurso interposto pelo Ministério
Público e anulou a decisão recorrida recusando o visto à contratação do
interessado.
Neste acórdão remeteu-se para a fundamentação de anterior acórdão
proferido no Proc. nº 6/A/93 formulando-se o juízo de inconstitucionalidade
orgânica e material que o levou à desaplicação da norma constante do artigo
único do Decreto-Lei nº 5/93/M que estabelece que a capacidade profissional dos
agentes recrutados no exterior não tem de obedecer aos condicionalismos
previstos no artigo 13º nº 1 do Estatuto dos Trabalhadores da Administração
Pública de Macau aprovado pelo Decreto-Lei nº 87/89/M de 21 de Dezembro nos
seguintes termos:
'O Mº.Pº. nas suas alegações de recurso sustenta que o D.L. nº 5/93/M de 8 de
Fevereiro ao contrário do que diz o legislador não é um diploma interpretativo
mas inovador e sendo tal só a Assembleia Legislativa (ou o Governador com
autorização daquela) poderia legislar sobre a matéria consoante impõe o nº 3 do
artº 31º do E.O.M.
Produzido o diploma sem a necessária autorização legislativa do Parlamento local
- afirma o recorrente - ficou o mesmo ferido de inconstitucionalidade orgânica.
Também aí o Tribunal reconhece razão ao MºPº.
Na realidade e como atrás ficou escrito só há lei interpretativa quando o
legislador através de novo diploma clarifica esclarece diploma anterior de
conteúdo incerto ou controvertido.
Ora no caso em apreço tal não se verifica.
O artº 13º do E.T.A.P.M. era e é claro quando enumera as situações susceptíveis
de travar o ingresso nos serviços da Administração Pública de Macau.
O que o legislador do D.L. nº 5/93/M pretendeu foi alterá-lo dando-lhe um
conteúdo que ele não comportava.
Isto é: quis dizer que o falado artº 13º se restringia ao universo dos quadros
de Macau coisa que a disposição em apreço ou o diploma no seu conjunto nem de
longe nem de perto ousavam dizer.
E veio prescrever isso mesmo porque perante jurisprudência que se vinha firmando
no Território sobre a matéria - de resto em consonância com o ordenamento
legislativo tradicional nessa área - haveria que descomprimir o mencionado artº
13º do E.T.A.P.M.
Visto que a letra da Lei não favorecia essa descompressão - nem aliás o seu
espírito - lançou-se mão de um diploma autónomo que o permitisse.
Assim surgiu o D.L. nº 5/93/M [...].
Inovador como se apresenta - pois que longe de esclarecer o conteúdo de uma
norma do E.T.A.P.M. pura e simplesmente o alterou - é manifesto que nos termos
do preceituado no artº 31º nº 3 só com autorização legislativa da Assembleia se
poderia produzir o diploma em apreço.
O que de resto já tinha sucedido para a versão original do Estatuto indo-se
cobrar à Assembleia Legislativa a necessária autorização (cfr. Lei nº 9/89/M de
23 de Outubro).
Ora produzido o Estatuto esgotou-se 'gastou-se' a correspondente autorização
legislativa por cumprimento do objectivo a que se destinava.
Conclusão a que aliás a lei também chega ao estatuir que as autorizações
legislativas não podem ser utilizadas mais de uma vez (cfr. artº 14º nº 2 do
E.O.M.).
Como assim terá que se julgar como se julga o D.L. nº 5/93/M de 8 de Fevereiro
ferido de inconstitucionalidade orgânica tese que o recorrente igualmente
sustenta e cujo reconhecimento requer.' (a fls. 84 a 87 dos autos)
Pode ler-se ainda na decisão recorrida:
'Na verdade como se noticiou atrás o legislador do D.L. nº 5/93/M veio permitir
que os funcionários dos quadros da República na situação de licença de curta ou
longa duração licença ilimitada aposentação reforma ou reserva possam exercer
funções públicas no Território 'em qualquer dos regimes previstos no Estatuto
dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau' o que significa que poderão
ascender a cargos no Território seja através de nomeação (nas suas diversas
modalidades: provisória ou definitiva em comissão de serviço ou interina - artº
20º) seja através de contrato (além do quadro ou por assalariamento - artº 21º).
Ora dada a latitude conferida pelo citado D.L. nº 5/93/M torna-se claro que os
funcionários oriundos da República e que estejam em qualquer das referidas
situações podem servir em Macau e chegar mesmo a lugares de direcção e chefia
aos quais se ascende apenas como se sabe através de nomeação em comissão de
serviço (cfr. artº 1º 2º 3º e 4º todos do D.L. nº 85/89/M de 21 de Dezembro).
No que toca porém aos funcionários dos quadros de Macau está-lhes completamente
vedado em idênticas situações voltar a servir na Administração local (artº 13º
do E.T.A.P.M.) apenas lhes sendo consentido o exercício excepcional de funções
na qualidade única de aposentados e tão só mediante assalariamento (cfr. artº
268º do E.T.A.P.M.) o que como é bom de ver os coloca numa situação duplamente
desigual em relação aos seus congéneres da República uma vez que a excepção se
limita aos aposentados e nem quanto a esses se permite sequer o acesso a lugares
de chefia que é como se sabe incompatível com o assalariamento.
A discriminação é pois flagrante e não assenta em nada de sólido estruturando-se
apenas na diferença do território de origem dos quadros em presença.
Cremos que estará aqui seguramente a razão decisiva para considerar que o D.L.
nº 5/93/M potenciou em desfavor dos funcionários locais tratamento inegavelmente
discriminatório [...].
Permitindo-se assim no processo aqui em recurso que funcionários dos quadros de
Portugal concorram a lugares da Administração de Macau em pé de desigualdade com
os do próprio Território beneficiando de facilidades que a estes últimos são
negadas e sem base justificativa bastante o D.L. nº 5/93/M - lei ordinária -
viola frontalmente aquele artº 2º (que se assume como norma materialmente
constitucional em Macau) e por remissão os artºs 13º nº 2 e 47º nº 2 da C.R.P.
que aquele artº 2º manda respeitar.
Enferma pois o referido D.L. nº 5/93/M também de uma inconstitucionalidade
material.'(a fls. 87 a 90 dos autos).
2. Notificados deste despacho apenas o Ministério Público interpôs
recurso de constitucionalidade desta decisão nos termos do artigo 70º nº 1
alínea c) da Lei do Tribunal Constitucional o qual foi admitido por despacho de
fls. 112 adiante examinado.
3. Subiram os autos ao Tribunal Constitucional.
Apenas produziu alegações a entidade recorrente tendo formulado
nessa peça processual em que sustenta a não inconstitucionalidade do preceito
desaplicado pela decisão recorrida as seguintes conclusões:
'1º - O regime estabelecido no artigo único do Decreto-Lei nº 5/93/M de 8 de
Fevereiro não inova no que se refere ao regime jurídico aplicável ao pessoal dos
quadros próprios do território de Macau plasmado no Estatuto dos Trabalhadores
da Administração Pública de Macau (aprovado pelo Decreto-lei nº 87/89/M de 21 de
Dezembro no exercício da autorização legislativa constante da Lei nº 9/89/M de
23 de Outubro).
2º - Na verdade a norma constante daquele artigo único incide sobre um aspecto
específico da regulamentação do recrutamento de pessoal no exterior revogando
parcialmente o nº 3 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 60/92/M de 24 de Agosto ao
estabelecer que a capacidade profissional dos agentes recrutados no exterior não
tem de obedecer aos condicionalismos previstos no artigo 13º nº 1 do Estatuto
dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau.
3º - O estabelecimento da disciplina jurídica do recrutamento de pessoal no
exterior mediante densificação e regulamentação da norma constante do artigo 69º
nº 1 do Estatuto Orgânico de Macau não se situa no âmbito da competência
legislativa reservada da Assembleia Legislativa de Macau tendo aliás o
Decreto-Lei nº 60/92/M sido editado pelo Governador de Macau no exercício da sua
competência legislativa própria.
4º - Assim sendo o esgotamento e caducidade da autorização legislativa concedida
pela Lei nº 9/89/M não pode implicar a inconstitucionalidade orgânica da norma
constante do referido artigo único.
5º - A diferenciação de regimes decorrente do artigo único do Decreto-Lei nº
5/93/M não viola os princípios constitucionais da igualdade e da não
discriminação do acesso à função pública por na sua base se encontrar um
fundamento razoável que constitui suporte material bastante do regime instituído
quanto à capacidade profissional dos agentes recrutados no exterior.
6º - Tal diferenciação é consentida pelos artigos 68º a 70º do Estatuto Orgânico
de Macau que instituem uma diversidade de regimes e uma tendencial
estanquicidade entre os quadros do funcionalismo próprios do território e os
quadros dependentes dos órgãos de soberania e das autarquias da República.
7º - O recrutamento de pessoal no exterior nos termos do artigo 69º nº 1 do
Estatuto Orgânico de Macau e do estatuído no Decreto-Lei nº 60/92/M tem carácter
excepcional e visa realizar um interesse público da Administração suprindo as
carências do território em pessoal dotado das qualificações necessárias ao cargo
a prover.
8º - O regime constante do citado artigo único do Decreto-Lei nº 5/93/M não
implica tratamento discriminatório arbitrário e desrazoável para os funcionários
dos quadros próprios de Macau prevendo a lei as formas e procedimentos adequados
para voluntariamente poderem reingressar na função pública.'
4. Foram dispensados os vistos legais por haver outros processos
idênticos nesta Secção.
Por não existir motivo que impeça o conhecimento do objecto do
recurso cumpre apreciar e decidir.
II
5. Constitui objecto do presente recurso a norma do
artigo único do Decreto-Lei nº 5/93/M de 8 de Fevereiro com o seguinte teor:
'As situações constituídas no âmbito dos quadros dependentes dos órgãos de
soberania ou das autarquias da República Portuguesa nomeadamente as de licença
de curta ou longa duração licença ilimitada aposentação reforma ou reserva não
constituem incapacidade para o exercício de funções públicas no território de
Macau em qualquer dos regimes previstos no estatuto dos trabalhadores da
Administração Pública de Macau aprovado pelo Decreto-Lei nº 87/89/M de 21 de
Dezembro.'
6. Importa averiguar antes de mais o tipo de recurso interposto pelo
Ministério Público. Esta entidade fundamentou a interposição do recurso na
alínea c) do nº 1 do art. 70º da Lei do Tribunal Constitucional bem como ainda
no disposto nos arts. 39º alínea a) do Decreto-Lei nº 17/92/M de 2 de Março e
37º nº 2 alínea b) da Lei nº 112/91 de 29 de Agosto.
No despacho de recebimento do recurso o Senhor Juiz relator admitiu o
recurso com fundamento no disposto nos arts. 280º nº 1 alínea a) nº 2 alínea a)
3 e 6 da Constituição 2º e 75º do Estatuto Orgânico de Macau 11º e 34º da Lei nº
112/91 de 29 de Agosto 70º nº 1 alíneas a) e c) da Lei do Tribunal
Constitucional.
Da invocação destas normas parece resultar que o recurso admitido seria
simultaneamente um recurso de constitucionalidade e um recurso de legalidade:
recurso de constitucionalidade na medida em que se detectava na decisão
recorrida a violação do princípio constitucional da igualdade (violação do art.
13º da Constituição portuguesa norma recebida pelo art. 2º do Estatuto Orgânico
de Macau) violação que implicava a recusa de aplicação da norma indicada com
fundamento em inconstitucionalidade; recurso de legalidade na medida em que na
mesma decisão se entendia ocorrer uma 'inconstitucionalidade orgânica'
decorrente da violação do Estatuto Orgânico de Macau pela norma do decreto-lei
em causa. Tal 'inconstitucionalidade 'seria uma ilegalidade por violação de lei
de valor reforçado no entendimento presumivelmente adoptado no requerimento de
interposição e no despacho recorrido de que o Estatuto Orgânico de Macau não
teria valor constitucional mas se revestiria da qualidade de lei de valor
reforçado.
Para qualificar em definitivo o recurso importa ver em que termos é
atribuída competência ao Tribunal Constitucional para conhecer de recursos de
decisões proferidas por tribunais sediados em Macau.
7. Como se sabe o Território de Macau enquanto se mantiver sob
administração portuguesa rege-se por estatuto adequado à sua situação especial
(art. 292º nº 1 da Constituição). Esse estatuto na sua versão em vigor consta
hoje do anexo à Lei nº 13/90 de 10 de Maio que alterou a Lei nº 1/76 de 17 de
Fevereiro por seu turno já alterada pela Lei nº 53/79 de 14 de Setembro.
Nos termos do nº 5 do art. 292º da Constituição o Território de Macau
'dispõe de organização judiciária própria dotada de autonomia e adaptada às suas
especificidades nos termos da lei que deverá salvaguardar o princípio de
independência dos juízes'. Essa organização judiciária consta da Lei de Bases da
Organização Judiciária de Macau de 1991 (Lei nº 112/91 de 29 de Agosto)
desenvolvida por legislação do Território (nomeadamente e no que se refere ao
Tribunal de Contas o Decreto-Lei nº 18/92/M de 2 de Março).
Nos termos do art. 2º do Estatuto Orgânico de Macau este Território
constitui uma pessoa colectiva de direito público interno 'e goza com ressalva
dos princípios e no respeito dos direitos liberdades e garantias estabelecidos
na Constituição da República e no presente Estatuto de autonomia administrativa
económica financeira e legislativa'.
O Território de Macau não constitui parte do território nacional estando
sob administração portuguesa até 20 de Dezembro de 1999 por força do acordo
luso-chinês de 1987. A Constituição da República Portuguesa não se aplica
directamente no Território de Macau precisamente porque este não integra o
território daquela República (arts. 5º e 292º nº 1 do mesma Constituição).
Certos preceitos da Constituição aplicam-se todavia neste território sob
administração portuguesa por força da remissão do Estatuto Orgânico nomeadamente
do seu art. 2º acima transcrito (cfr. Vitalino Canas Relações entre o
Ordenamento Constitucional Português e o Ordenamento Jurídico do Território de
Macau in Boletim do Ministério da Justiça nº 365 págs. 75 e segs.; Jorge Miranda
Manual de Direito Constitucional tomo II 3ª ed. totalmente revista e actualizada
Coimbra 1991 págs. 303 e segs.; Tomo III 3ª ed. Coimbra 1994 págs. 249-251; J.J.
Gomes Canotilho e Vital Moreira A Fiscalização da Constitucionalidade das Normas
de Macau Lisboa 1991 separata da Revista do Ministério Público nº 48 págs. 14 e
segs.; dos mesmos autores Constituição da República Portuguesa Anotada 3ª ed.
Coimbra 1993 págs. 1676-1678; acórdão nº 292/91 in Diário da República II Série
nº 250 de 30 de Outubro de 1991).
8. Não suscita dúvidas a competência do Tribunal Constitucional para
conhecer deste recurso.
De facto no Estatuto Orgânico de Macau são atribuídas competências ao
Tribunal Constitucional (arts. 11º nº 1 alínea e) 30º nº 1 alínea a) e 40º nº
3) do mesmo passo que o art. 41º nº 1 desse Estatuto dispõe que nos feitos
submetidos a julgamento 'não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam as
regras constitucionais ou estatutárias ou os princípios nelas consignados'. Por
outro lado a Constituição portuguesa dispõe que a lei ordinária pode atribuir
funções e competências ao Tribunal Constitucional (art. 225º nº 3).
Nos termos do art. 1º da Lei do Tribunal Constitucional este 'exerce a
sua jurisdição no âmbito de toda a ordem jurídica portuguesa'. Ora a ordem
jurídica vigente em Macau até 1999 é indiscutivelmente uma ordem portuguesa
(art. 292º da Constituição). Por outro lado a Lei de Bases da Organização
Judiciária de Macau ressalva transitoriamente as competências de diferentes
tribunais portugueses entre os quais as do Tribunal Constitucional (cfr. o seu
art. 34º; sobre esta matéria veja-se Jorge Noronha e Silveira A Fiscalização da
Constitucionalidade na Futura Organização Judiciária de Macau in Administração
nº 12 vol. IV 1991-2º págs. 287 e seguintes). É de resto pacífica na
jurisprudência do Tribunal Constitucional a aceitação da sua competência para
conhecer de recursos de constitucionalidade em fiscalização concreta interpostos
de decisões dos tribunais de Macau bem como de reclamações previstas no art. 76º
nº 4 daquela mesma lei (veja-se a análise da jurisprudência mais antiga em
António Vitorino Macau na Jurisprudência do Tribunal Constitucional in Estado &
Direito nºs 5-6 1990 págs. 99 a 114; na mais recente veja-se por exemplo o
acórdão nº 481/94 ainda inédito).
Concretamente e no que toca ao Tribunal de Contas o Decreto-Lei nº
18/92/M de 2 de Março regula a matéria de recursos a partir do seu art. 46º
desenvolvendo o que consta dos nºs 4 a 6 do art. 10º da Lei nº 112/91 de 29 de
Agosto
Assim das decisões do tribunal singular que não sejam de mero expediente
cabe recurso ordinário para o tribunal colectivo - foi o que aconteceu no
presente processo como atrás se relatou. Por outro lado o nº 2 do art. 46º do
mesmo Decreto-Lei nº 18/92/M estatui que compete ao Tribunal de Contas da
República decidir por via de recurso as divergências entre o Governo de Macau e
o colectivo do Tribunal de Contas em matéria de visto sem prejuízo do disposto
no art. 34º da Lei nº 112/91.
Ora no caso sub judicio ainda que caiba recurso para o Tribunal de
Contas da República uma vez que ocorre uma divergência quanto à legalidade do
contrato de provimento com o Governo do Território a verdade é que o Tribunal
de Contas de Macau desaplicou com fundamento em inconstitucionalidade uma norma
de um diploma legal do Território. Assim sendo e até que nos termos do art. 75º
do Estatuto Orgânico de Macau os tribunais do território venham a ser investidos
na plenitude e exclusividade da jurisdição o Tribunal Constitucional é
competente para conhecer desse recurso de constitucionalidade nos termos do art.
70º nº 1 alínea a) da Constituição. Considera-se de resto - como também sustenta
a entidade recorrente nas suas alegações - que a decisão proferida pelo
colectivo do Tribunal de Contas de Macau constitui uma 'verdadeira «decisão
jurisdicional» dela cabendo consequentemente recurso de constitucionalidade nos
termos gerais (cfr. Acórdãos nºs 214/90 251/90 e 253/90)' (a fls. 155 dos
autos).
9. O que acaba de dizer-se leva a que se considere que o presente recurso
é um recurso de constitucionalidade interposto e admitido ao abrigo da alínea a)
do nº 1 do art. 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
Na verdade considera-se que também a questão 'de inconstitucionalidade
orgânica' é uma verdadeira questão de inconstitucionalidade e não de ilegalidade
por violação de lei com valor reforçado. A única particularidade é a de que o
parâmetro de constitucionalidade não é a Constituição da República Portuguesa
mas antes o Estatuto Orgânico de Macau muito embora este parâmetro seja
aplicável por força do art. 292º nº 1 da Constituição como atrás se referiu
(veja-se neste sentido o que consta do acórdão nº 292/91 do Tribunal
Constitucional). Como se afirma neste último acórdão Macau 'tem a sua
«Constituição» verdadeiramente no respectivo Estatuto'.
A competência do Tribunal Constitucional para apreciar eventuais
desconformidades entre a Lei Fundamental (Grundnorm) do Território ou seja o seu
Estatuto Orgânico e a legislação ordinária no mesmo aplicável isto é casos de
inconstitucionalidade decorre do próprio Estatuto Orgânico (arts. 11º nº 1
alínea e) 30º nº 1 alínea a) 40º nº 3 e 75º) muito embora nesse Estatuto se
preveja a atribuição de competências ao Tribunal Constitucional para
fiscalização não só de constitucionalidade nos termos expostos como também para
fiscalização de legalidade em casos de valor reforçado de certos diplomas (arts.
11º nº 1 e) 30º nº 1 a) e 40º nº 3). Tais competências não se limitam à
fiscalização abstracta sucessiva mas também à fiscalização concreta de harmonia
com as normas já referidas (art. 1º da Lei do Tribunal Constitucional; arts. 11º
e 34º da Lei nº 112/91 de 29 de Agosto).
10. Em conclusão pois o presente recurso é um recurso de
constitucionaldade quanto a todos os seus fundamentos e o Tribunal
Constitucional dispõe de competência para o apreciar.
III
11. É altura de conhecer do objecto do recurso relativamente aos
diferentes fundamentos do mesmo.
Preliminarmente importará acentuar os parâmetros da Lei Fundamental de
Macau relativamente ao recrutamento dos funcionários e agentes da Administração
Pública do Território e à possibilidade de transferência de funcionários da
Administração Pública da República para a Administração Pública de Macau ou de
transferência no sentido oposto.
12. No domínio da Constituição de 1933 Macau era uma província
ultramarina portuguesa cujo território (composto pela península onde se situa a
cidade do Nome de Deus de Macau e suas 'dependências' ilhas de Taipa e de
Coloane) integrava o território de Portugal (arts. 1º 4º 133º a 136º).
Como se recorda no acórdão recorrido o regime do funcionalismo público
ultramarino na vigência da referida Constituição constava de um diploma
nacional. Tal diploma era a partir de 1966 o Estatuto do Funcionalismo
Ultramarino abreviadamente EFU (aprovado pelo Decreto nº 46.982 de 27 de Abril
de 1965). De acordo com o art. 3º do EFU cada ramo de serviço da administração
provincial 'assentava' num quadro geral de funcionalismo próprio que tinha dois
escalões: o quadro comum do ultramar e o quadro privativo de cada província
ultramarina. Dentro dos quadros gerais previa-se a existência de quadros
especiais podendo ainda ser 'criados por lei quadros complementares do quadro
comum e dos quadros privativos para completar a acção de determinados serviços
em ramos especiais ou transitórios e eventuais da sua actividade' (corpo do
artigo). No quadro comum eram abrangidas as categorias de funcionários que
pudessem ser colocados de acordo com a lei e as conveniências de serviço nas
províncias ultramarinas no Ministério do Ultramar (sediado na então designada
Metrópole) e nos organismos dependentes. Igualmente os quadros privativos
abrangiam 'categorias de funcionários destinados ao serviço de uma só província
ultramarina do Ministério ou de determinado organismo dependente dele' o que
assegurava alguma mobilidade no sistema.
13. A Revolução de 25 de Abril de 1974 veio provocar uma alteração
profunda do estatuto do território de Macau. A aceitação do direito dos povos à
autodeterminação e o início do processo de descolonização afectou embora de modo
diferente cada uma das antigas províncias ultramarinas.
Uma lei constitucional aprovou o novo Estatuto Orgânico de Macau (Lei nº
1/76 de 17 de Fevereiro) qualificando o Território como 'uma pessoa colectiva de
direito público interno'. A Constituição de 1976 manteve em vigor essa lei
constitucional operando a recepção das respectivas normas com valor
constitucional (art. 306º - cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira Constituição da
República Portuguesa Anotada 1ª ed. Coimbra 1978 pág. 535).
O Estatuto Orgânico de 1976 autonomizou os serviços públicos do
Território cortando o respectivo vínculo à antiga Administração Pública
'metropolitana'. Assim segundo o art. 67º tais serviços públicos eram
qualificados expressamente como 'organismos privativos desse território'
admitindo-se que pudessem constituir 'entidades autónomas dotadas ou não de
personalidade jurídica'. A administração judiciária no Território escapava à
'localização' continuando a reger-se pela legislação emanada dos órgãos de
soberania da República (art. 51º).
Os arts. 68º a 70º do estatuto passaram a reger a matéria dos agentes da
função pública. O princípio geral foi o da integração do pessoal dos serviços
públicos fosse qual fosse a respectiva categoria nos quadros próprios do
território 'ficando apenas sujeito à autoridade e fiscalização dos seus órgãos'
(art. 68º). O art. 69º regulou a possibilidade de o pessoal dos quadros
dependentes dos Órgãos de Soberania da República prestar serviço por tempo
determinado em Macau. O art. 70º por seu turno previu a possibilidade inversa de
os agentes do Território prestaram serviço por tempo determinado nos quadros
dependentes da soberania da República Portuguesa ou nos das ex-colónias neste
último caso nos termos dos acordos internacionais celebrados ou que viessem a
ser celebrados.
As negociações encetadas entre Portugal e a República Popular da China
tiveram como pano de fundo o reconhecimento de que Macau era território chinês
em que o exercício da soberania estava temporariamente a cargo do Estado
português.
Estas negociações vieram a ser concluídas com a assinatura de um acordo
luso-chinês em 1987 ('Declaração Conjunta do Governo da República Portuguesa e
do Governo da República Popular da China sobre a Questão de Macau' ratificada em
Portugal pelo Decreto do Presidente da República nº 38-A/87 de 14 de Dezembro)
através do qual foi solenemente reconhecido que o Território de Macau fazia
parte do território chinês e que o Governo da República Popular da China
voltaria a assumir o exercício de soberania sobre aquele em 20 de Dezembro de
1999 (Ponto 1). Ficou garantido por esse acordo que 'os nacionais chineses e os
portugueses e outros estrangeiros que previamente tenham trabalhado nos serviços
públicos (incluindo os de polícia) de Macau' poderiam 'manter os seus vínculos
funcionais'. Além disso os nacionais portugueses e os de outros países poderão
'ser nomeados ou contratados para desempenhar certas funções públicas na
[futura] Região Administrativa Especial de Macau' [Ponto 2 (3)]. Durante o
período de transição - que vai da data da entrada em vigor da 'Declaração
Conjunta' até 19 de Dezembro de 1999 - o Governo da República Portuguesa
continua a ser responsável pela administração de Macau cabendo-lhe continuar 'a
promover o desenvolvimento económico e a preservar a estabilidade social de
Macau' devendo o Governo da República Popular da China dar a sua cooperação
nesse sentido [ponto 3].
Importa por isso sublinhar que a norma desaplicada pelo acórdão recorrido
se insere em diploma publicado neste quadro internacional claro em que avulta o
carácter transitório da administração portuguesa em Macau.
14. Na preparação da transferência do exercício de soberania sobre o
Território de Portugal para a República Popular da China durante esta fase
transitória avulta a importância da estratégia de 'localização' dos quadros dos
serviços públicos do Território.
Relativamente à situação existente em 31 de Março de 1987 - em 26 do
mesmo mês e ano foi rubricado em Pequim o texto da 'Declaração Conjunta' - 82
36% do pessoal da Administração Pública de Macau era já ou natural de Macau (60
71%) ou da área geográfica em que Macau se integra (21 25% originário da
República Popular da China; 0 4% de Hong-Kong). Apenas 9 91% do pessoal da
Administração Pública era natural de Portugal havendo ainda cerca de 7% do
pessoal natural de outros países. Todavia no pessoal dos grupos profissionais
dirigente técnico e docente os funcionários e agentes naturais de Portugal
representavam quase metade do total (46 27%) situação perfeitamente
compreensível se se atender a que tradicionalmente a língua portuguesa era a
única língua oficial do Território (só em anos recentes se passou a adoptar como
língua oficial o chinês passando a haver bilinguismo e se empreendeu uma
política de tradução para chinês de todos os textos legais portugueses). Como
escreve Rui Rocha 'na perspectiva do local de nascimento e em termos relativos
verifica-se: elevada localização dos grupos profissionais não técnicos (87 5%);
fraca localização dos grupos profissionais técnicos (40 47%)' (Localização:
Memorando para a Definição de uma Estratégia in Administração nº 2 vol. I
1988º-2º pág. 225; do mesmo autor veja-se ainda sobre as perspectivas do futuro
Para uma Administração Pública de Macau no Séc. XXI in Administração Edição
Especial 1992 pág. 21-28).
A administração portuguesa do Território pretende conseguir que até 20 de
Dezembro de 1999 os serviços públicos de Macau passem a ter apenas funcionários
e agentes locais e qualificados independentemente da sua nacionalidade ou lugar
de nascimento de forma a assegurar a continuidade do ordenamento jurídico do
mesmo território no quadro da Lei Básica da Região Administrativa Especial de
Macau da República Popular da China (a qual foi adoptada em 31 de Março de 1993
pela Primeira Sessão da Oitava Legislatura da Assembleia Popular Nacional da
República Popular da China; sobre tal continuidade veja-se Jorge Costa Oliveira
A Continuidade do Ordenamento Jurídico de Macau na Lei Básica da futura Região
Administrativa Especial in Administração nºs 19/20 VI 1993-1º págs. 21 e segs).
15. Neste quadro evolutivo que se traçou - e que se afigura
indispensável para apreciar as questões de constitucionalidade suscitadas -
operou-se em 1989 uma reforma da legislação do funcionalismo público.
A Lei nº 9/89/M de 23 de Outubro emanada da Assembleia Legislativa de
Macau conferiu ao respectivo Governador uma autorização legislativa para
estabelecer o estatuto dos trabalhadores da Administração Pública para rever o
regime de carreiras do pessoal dessa Administração e para rever o regime do
pessoal de direcção e chefia dos Serviços da Administração Pública (art. 1º nº
1) a qual tinha validade de sessenta dias contados a partir da data da
publicação.
No exercício dessa autorização legislativa veio o Governador do
Território a aprovar três diplomas sobre funcionalismo público: o Estatuto dos
Trabalhadores da Administração Pública de Macau o Estatuto do Pessoal de
Direcção e Chefia e o Regime de Carreiras.
Interessa em especial para efeitos de apreciação do presente recurso
chamar a atenção para o primeiro diploma o Estatuto dos Trabalhadores da
Administração Pública de Macau (ETAPM) aprovado pelo Decreto-Lei nº 87/89/M de
21 de Dezembro. Este diploma visou no dizer do seu preâmbulo inserir-se no
movimento de 'modernização administrativa com vista a viabilizar a política de
bilinguismo a localização dos quadros e a resposta ao desafio que constitui o
período de transição político-administrativa que o território de Macau
atravessa'. Após a revogação do antigo Estatuto do Funcionalismo Ultramarino
considera o mesmo preâmbulo que se tornava 'imperioso «codificar» na medida do
possível as inúmeras e dispersas normas jurídicas de Macau tornando-as mais
acessíveis aos trabalhadores da Administração e aos cidadãos em geral; e ao
mesmo tempo uniformizar e esclarecer alguns preceitos mais controversos ou mesmo
colmatar algumas lacunas'. Trata-se de um diploma muito extenso englobando as
vicissitudes da relação jurídica de emprego público as condições de prestação de
serviço férias e faltas as licenças sem vencimento de curta e longa duração os
cuidados de saúde dos funcionários os subsídios e benefícios sociais e o
estatuto disciplinar. Segundo o art. 1º deste ETAPM o mesmo 'aplica-se ao
pessoal dos serviços públicos da Administração de Macau incluindo os serviços e
fundos autónomos' (nº 1) bem como ao pessoal dos municípios embora neste caso a
aplicação seja feita com as adaptações decorrentes da legislação autárquica
(ainda se aplica o ETAPM ao pessoal civil e subsidiariamente com as devidas
adaptações ao pessoal militarizado e do Corpo de Bombeiros das Forças de
Segurança de Macau). Os trabalhadores da Administração englobam 'os funcionários
agentes e pessoal assalariado' (art. 2º nº 1). O provimento por nomeação
definitiva ou em comissão de serviço confere a qualidade de funcionário ao passo
que o provimento por nomeação provisória ou em regime de contrato além do quadro
apenas confere a qualidade de agente (art. 2º nºs 2 e 3).
16. No preâmbulo do Decreto-Lei nº 87/89/M alude-se ainda a um quarto
diploma respeitante ao Estatuto do Pessoal Recrutado no Exterior o qual não foi
previsto na lei de autorização legislativa. Tal diploma foi publicado pelo
Governador ao abrigo de competência conferida pelo nº 1 do art. 13º do Estatuto
Orgânico de Macau (versão de 1976/1979) ainda antes de publicado o ETAPM.
Trata-se do Decreto-Lei nº 53/89/M de 28 de Agosto. Pode ler-se no preâmbulo do
mesmo:
'O regime de exercício de funções do pessoal recrutado no exterior encontra-se
disperso por diversos diplomas enfermando de algumas lacunas e falta de
sistematização. O facto deste pessoal se reger por normas comuns aos demais
trabalhadores da função pública do Território presta-se a confusões
desnecessárias além de em muitos casos prejudicar a transparência dos actos da
Administração.
Por outro lado a efectivação da política de localização de
quadros exige um maior controlo dos procedimentos a observar no recrutamento de
pessoal no exterior. É certo que o Decreto-Lei nº 8/88/M de 1 de Fevereiro
constitui um importante passo nesse sentido todavia aquém do desejável e
necessário.
Por estas razões julgou-se conveniente autonomizar em estatuto
próprio o enquadramento jurídico do recrutamento de pessoal no exterior tratando
de forma explícita e eficaz o processo de admissão e as matérias decorrentes da
sua particular relação de trabalho para com a Administração Pública de Macau
[...].
As restrições ao recrutamento de pessoal no exterior não
significam porém que a Administração do Território pretenda dispensar o seu
valioso contributo mas tão-só que o recurso a pessoal não residente deve ser
encarado de forma excepcional potencializando-se a admissão do pessoal local
desde que este preencha os requisitos indispensáveis ao desempenho das funções
que se pretende assegurar'.
De harmonia com o art. 2º deste Decreto-Lei nº 53/89/M é considerado
recrutamento 'no exterior aquele que incide sobre pessoal não residente no
território de Macau incluindo o recrutado ao abrigo do Estatuto Orgânico de
Macau'. Este diploma manda aplicar a esse pessoal o regime da função pública com
as especialidades constantes do mesmo decreto-lei (art. 3º). Prevê-se um
contingente anual de recrutamento (art. 4º) e quando se trate de trabalhadores
recrutados na República Portuguesa não se exige que os mesmos tenham vínculo à
função pública embora o tempo de serviço prestado em serviço público ou empresa
pública na República Portuguesa releve para certos efeitos de sua prestação de
serviço em Macau (arts. 9º nº 2; 10º e 11º). Este diploma não revogou o nº 4 do
art. 7º do Decreto-Lei nº 86/84 de 11 de Agosto na redacção introduzida pelo
art. 3º do Decreto-Lei nº 15/88/M; de 29 de Fevereiro que estatuira que a
situação de licença ilimitada nos quadros dependentes dos órgãos de soberania da
República Portuguesa não prejudicava o desempenho de funções públicas no
Território em qualquer dos regimes previstos no nº 1 do artigo 16º daquele
diploma (cfr. art. 25º). Os Decretos-Leis nºs 86/84/M de 11 de Agosto e 15/88/M
de 29 de Fevereiro foram porém expressamente revogados pelo art. 28º nº 1 13) e
59) do Decreto-Lei nº 87/89/M de 21 de Dezembro.
Entretanto o diploma sobre recrutamento exterior de 1989 foi revogado e
substituído pelo Decreto-Lei nº 60/92/M de 24 de Agosto também emanado do
Governador ao abrigo do art. 13º nº 1 do Estatuto Orgânico de Macau (versão de
1990).
De harmonia com o art. 1º deste diploma é assim traçado o objecto e
âmbito:
'1. O presente decreto-lei estabelece as normas que regem o recrutamente de
pessoal ao abrigo do nº 1 do artigo 69º do Estatuto Orgânico de Macau para
exercer funções nos serviços e organismos públicos incluindo as autarquias os
serviços e fundos autónomos bem como nas empresas públicas e demais pessoas
colectivas de direito público.
2. Ao restante pessoal recrutado no exterior são aplicáveis as normas constantes
do respectivo contrato de trabalho e subsidiariamente com as devidas adaptações
o disposto no presente diploma.
3. Ao pessoal referido nos números anteriores aplica-se supletivamente o regime
da função pública de Macau'.
Por outro lado de harmonia com o art. 3º 'o recrutamento no exterior tem
carácter excepcional e visa suprir as carências do território de pessoal com
qualificações necessárias ao desempenho das atribuições que incumbem à
Administração'.
O pessoal recrutado na República Portuguesa não carece de ter a qualidade
de funcionário público da República ou das autarquias locais (cfr. nºs 1 e 2 do
art. 1º e 9º) podendo exercer funções em Macau em regime de comissão de serviço
em regime de contrato além do quadro e excepcionalmente assalariamento ou ainda
em regime de contrato individual de trabalho. A duração do exercício de funções
é em regra de dois anos ou a que lhe for fixada no despacho de autorização
(art. 7º nº 2) podendo esse exercício ser renovado (art. 10º).
17. O Decreto-Lei nº 5/93/M de 8 de Fevereiro onde se acha a norma
objecto do presente recurso surge no contexto referido no seu preâmbulo:
'Apesar da autonomia do ordenamento jurídico e da Administração Pública do
Território têm surgido dúvidas e interpretações divergentes no tocante ao
universo pessoal de aplicação das normas atinentes à capacidade para o exercício
de funções públicas no território de Macau.
Assim no estrito respeito pela referida autonomia importa
esclarecer o alcance e âmbito de aplicação do disposto no nº 1 do artigo 13º do
Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau aprovado pelo
Decreto-Lei nº 87/89/M de 21 de Dezembro procedendo-se a uma clarificação
legislativa autêntica.'
E o seu artigo único estabelece como atrás se referiu que as situações
constituídas no âmbito dos quadros dependentes dos órgãos de soberania ou das
autarquias da República Portuguesa nomeadamente as de licença de curta ou longa
duração licença ilimitada aposentação reforma ou reserva 'não constituem
incapacidade para o exercício de funções públicas no território de Macau em
qualquer dos regimes previstos no Estatuto dos trabalhadores da Administração
Pública de Macau aprovado pelo Decreto-Lei nº 87/89/M'.
O art. 13º nº 1 do ETAPM estatui que não dispõem de capacidade
profissional para serem providos em funções públicas certas categorias de
pessoas nomeadamente os 'funcionários na situação de licença sem vencimento de
curta ou longa duração ou por interesse público ou que hajam requerido a
passagem a uma destas situações' e os 'aposentados ou os que se encontram
desligados do serviço para aquele efeito salvo o disposto no presente Estatuto'
[alíneas a) e b)].
18. Depois desta longa descrição dos diferentes regimes jurídicos do
funcionalismo público e da sua evolução no tempo pode desde já afirmar-se que
não merece acolhimento a tese sustentada no acórdão recorrido de que a norma do
artigo único do Decreto-Lei nº 5/93/M está afectada de inconstitucionalidade
orgânica.
Desde logo se dirá que caducara há muito a autorização legislativa
constante da Lei nº 9/89/M de 23 de Outubro (veja-se o seu art. 2º já referido)
não se invocando no preâmbulo do Decreto-Lei nº 5/93/M nem essa lei nem qualquer
outra lei de autorização legislativa.
O que importa averiguar é se a matéria da norma do referido artigo único
cabe ou não na reserva de competência da Assembleia Legislativa de Macau.
Antes de responder a tal questão deve abordar-se a problemática de
averiguar se se estará perante um diploma de natureza interpretativa do ETAPM.
Não obstante a afirmação que consta do respectivo preâmbulo afigura-se
claro que relativamente ao artigo único do Decreto-Lei nº 5/93/M não está em
causa directamente o regime geral da função pública de Macau mas antes o regime
jurídico do pessoal recrutado no exterior regulado pelo Decreto-Lei nº 60/92/M
de 24 de Agosto.
Como a tal pessoal se aplica supletivamente o regime da função pública de
Macau (art. 1º nº 3 do Decreto-Lei nº 60/92/M de 24 de Agosto) o legislador de
1993 veio estatuir - pouco importa se por via de interpretação autêntica como se
afirma no preâmbulo ou através de medida de natureza inovatória - que lhe não
era aplicável o disposto no art. 13º nº 1 (para os efeitos do presente recurso
apenas importa a alínea a) desse nº 1) do ETAPM.
Há-de entender-se que como se refere nas alegações do Exmo.
Procurador-Geral Adjunto uma correcta compreensão da verdadeira função o
objectivos prosseguidos pelo Decreto-Lei nº 5/93/M aponta para conclusão diversa
da adoptada no acórdão recorrido:
'[O artigo único do Decreto-Lei nº 5/93/M] tem directa conexão com o estatuto do
pessoal recrutado no exterior designadamente nos termos previstos no artigo 69º
nº 1 do Estatuto Orgânico de Macau - e não com o estatuto funcional do pessoal
dos serviços públicos integrado nos quadros próprios do território de Macau a
que alude o artigo 68º do Estatuto Orgânico.
[...]
O que afinal se vai integrar ou mais precisamente modificar através da edição do
referido [artigo] único é o estatuído no artigo 1º nº 3 do Decreto-Lei nº
60/92/M - dispondo-se que a capacidade de exercício de funções públicas do
pessoal recrutado no exterior é determinada pelo nele expressamente estatuido e
não pela aplicação supletiva do regime da função pública de Macau como resultava
do preceituado no norma legal atrás citada - assim se afastando a aplicação
subsidiária ou supletiva do estatuído no artigo 13º nº 1 do Estatuto dos
Trabalhadores da Administração Pública de Macau.
Tal circunstância revela-se porém a nosso ver decisiva para
afastar a apontada inconstitucionalidade orgânica: é que como atrás se referiu o
diploma verdadeiramente «interpretado» (em termos seguramente inovatórios) pela
norma questionada foi editado no exercício da competência legislativa própria do
Governador de Macau não incidindo afinal sobre matéria situada no âmbito da
competência reservada da Assembleia Legislativa.
Ou seja: nada tendo a conteúdo material do Decreto-Lei nº 5/93/M
a ver com a definição do estatuto do pessoal dos quadros próprios de Macau nem
com os três diplomas credenciados pela autorização legislativa constante da Lei
nº 9/89/M é evidente que o 'esgotamento' e 'caducidade' desta se revelam neste
caso e salvo melhor opinião perfeitamente irrelevantes.' (fls. 150-153 dos
autos).
19. No texto transcrito afirma-se que a matéria da norma do artigo único
do Decreto-Lei nº 5/93/M não cai na reserva de competência da Assembleia
Legislativa de Macau.
Importará atentar no texto do Estatuto Orgânico de Macau resultante de
revisão operada pela Lei nº 13/90 de 10 de Maio no que toca às matérias
respeitantes ao estatuto do funcionalismo público do Território ao regime da
Administração Pública e às empresas do sector público.
Dispõe o seu art. 31º:
'1. A Assembleia Legislativa tem o poder de legislar sobre as seguintes
matérias:
-----------------------------------------------
d) Regime geral de punição das infracções disciplinares [...].
-----------------------------------------------
l) Bases gerais do regime jurídico da administração local incluindo as finanças
locais;
------------------------------------------------
o) Bases gerais do estatuto das empresas públicas;
p) Bases do regime da administração pública do território;
q) Criação de novas categorias ou designações funcionais alteração das tabelas
que definem aquelas categorias e fixação dos vencimentos salários e outras
formas de remuneração do pessoal dos quadros.
2. [...].
3. São da competência da Assembleia Legislativa salvo autorização ao Governador
as matérias das alíneas g) h) j) l) m) p) e q) do nº 1 do presente artigo e o
regime de prisão preventiva de buscas domiciliárias do sigilo das comunicações
privadas das penas relativamente indeterminadas e das medidas de segurança e
respectivos pressupostos.
4. São da competência cumulativa da Assembleia Legislativa e do Governador as
matérias das alíneas a) d) e) f) i) n) e o) do nº 1 do presente artigo.
5. [...]'
Na versão do Estatuto Orgânico de Macau vigente em 1989 abrangiam-se já
na reserva de competência da Assembleia Legislativa as matérias respeitantes ao
estatuto da função pública (alíneas e) e g) do nº 1 do art. 31º) sendo certo que
apesar do nº 2 do mesmo art. 31º considerar essas matérias da exclusiva
competência da Assembleia se admitia estatutariamente a concessão de
autorizações legislativas ao Governador sem restrições (arts. 13º nº 2 e 14º).
Importa acentuar que a edição dos diplomas de 1989 e de 1992 sobre
pessoal recrutado no exterior ao abrigo das duas versões sucessivamente vigentes
do Estatuto Orgânico de Macau a anterior à Lei nº 13/90 e a posterior a esta foi
feita sempre com invocação da competência legislativa própria do Governador
sendo especialmente significativo que o diploma de 1989 haja sido publicado
antes da Lei nº 9/89/M de 23 de Outubro sem qualquer reacção conhecida da
respectiva Assembleia Legislativa.
Ora diferentemente do que foi considerado pela maioria que fez vencimento
no acórdão recorrido o Decreto-Lei nº 5/93/M alterou o Decreto-Lei nº 60/92/M
não se destinando a alterar ou a interpretar autenticamente o diploma que contém
o regime geral da função pública do Território (Decreto-Lei nº 87/89/M de 21 de
Dezembro). Tal ficou suficientemente demonstrado atrás.
O recrutamento do pessoal no exterior é uma matéria de natureza
particular que não tem a ver nem com o 'regime geral da punição das infracções
disciplinares' (matéria constante do Decreto-Lei nº 87/89/M) nem 'com as bases
gerais do regime jurídico da administração local' (al. l) do nº 1 do art. 31º do
Estatuto Orgânico) nem com 'as bases do regime de administração pública do
território' (al. p) do mesmo art. 31º nº 1) nem claro com a 'criação de novas
categorias ou designações funcionais alteração das tabelas que definam aquelas
categorias e fixação dos vencimentos salários e outras formas de remuneração do
pessoal dos quadros' (al. q) do mesmo artigo e alínea).
O Decreto-Lei nº 60/92/M (tal como o antecedente Decreto-Lei nº 53/89/M)
contém o enquadramento jurídico do recrutamento do pessoal no exterior em regra
em Portugal mas também em outros países que se reveste de carácter excepcional
para suprir as necessidades que não possam ser satisfeitas com recurso aos
habitantes do Território. Não tem por isso necessariamente que se estabelecer
que esse pessoal recrutado no estrangeiro não esteja aposentado em licença sem
vencimento de curta ou longa duração quando tenha um vínculo funcional com as
Administrações Públicas de Portugal ou de um outro país. Uma solução mais
restritiva pode dificultar o recrutamento sem haver razões ponderosas que
imponham a uniformidade das soluções acolhidas no art. 13º nº 1 do ETAPM para
todos os casos uniformidade que poderia ter sentido quando vigorava a legislação
colonial e não se tinham acentuado ainda as características de autonomia do
Território a escassos anos de integração na República Popular da China embora
com estatuto especial de autonomia.
Acresce que não pode retirar-se da revogação do nº 4 do art. 7º do
Decreto-Lei nº 86/84/M na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 15/88/M de 29 de
Fevereiro - revogação operada pelo Decreto-Lei nº 87/89/M como se viu - qualquer
especial argumento desde que se entenda que a matéria da 'capacidade' do pessoal
recrutado no exterior é uma matéria excepcional que não integra as bases do
regime jurídico da administração pública do Território como atrás se sustentou.
20. Conclui-se assim que não ocorre inconstitucionalidade orgânica
cabendo o diploma em que se encontra a norma desaplicada na competência do
Governador nos termos do art. 13º nº 1 do Estatuto Orgânico.
21. Tão-pouco procede a invocada violação pelo artigo único do
Decreto-Lei 5/93/M do princípio constitucional da igualdade.
A tese maioritária acolhida no acórdão recorrido considera que a norma
desaplicada cria uma discriminação injustificada com base no território de
origem: o art. 13º nº 1 do ETAMP seria mais exigente para os funcionários locais
em matéria de capacidade do que o artigo único do Decreto-Lei nº 5/ 93/M para o
pessoal recrutado no exterior.
No acórdão recorrido tende-se a parificar as Administrações Públicas
portuguesas e do Território de Macau aceitando-se no fundo que ambas são
emanação da mesma soberania. É especialmente significativo o seguinte passo do
acórdão:
'Desconsiderando aqui e agora por menos impositiva uma visão analítica da
temática assente em base extraterritorial (saber em que medida os quadros de
Macau abrangidos pelo art. 13º do E.T.A.P.M. gozam em Portugal das facilidades
que o D.L. nº 5/93/M veio oferecer aos quadros da República de Macau) - onde já
seria possível vislumbrar alguma luz para a solução do problema posto - será
numa comparação de base territorial (garantias que no ordenamento de Macau são
dadas às unidades dos dois quadros e nas mesmas condições para servirem a
Administração do Território) que mais adequadamente se chega a ilações seguras'
(a fls. 87).
A desigualdade injustificada reside - na tese da decisão recorrida - na
possibilidade de os funcionários aposentados em licença de longa ou curta
duração etc. da função pública da República poderem servir na Administração
Pública de Macau e chegarem mesmo a posições de direcção e chefia ao passo que
os funcionários locais na exclusiva situação de aposentados só poderem prestar
serviço em regime de assalariamento (art. 268º do ETAPM) 'o que como é bom de
ver os coloca numa situação duplamente desigual em relação aos seus congéneres
da República uma vez que a excepção se limita aos aposentados e nem quanto a
esses se permite sequer o acesso a lugares de chefia que é como se sabe
incompatível com o assalariamento' (a fls. 87). E o acórdão recorrido chama à
colação o parecer nº 1/76 da Comissão Constitucional - o qual incide sobre
legislação regional da Madeira que pretendia atribuir uma preferência na
colocação e deslocação dos professores em benefício dos naturais ou residentes
na Região e em detrimento dos outros cidadãos portugueses - para fundamentar o
seu juízo de inconstitucionalidade material.
22. Entende-se que esta posição não procede esquecendo as profundas
diferenças que existem entre a situação das Regiões Autónomas dos Açores e
Madeira que se integram num Estado unitário (art. 6º da Constituição) e a
situação de Portugal e do Território de Macau hoje isto é depois de finda a
situação colonial e a poucos anos da integração deste último na República
Popular da China.
Como tem repetidamente dito o Tribunal Constitucional 'o princípio da
igualdade não proíbe pois que a lei estabeleça distinções. Proíbe isso sim o
arbítrio; ou seja proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material
bastante que o mesmo é dizer sem qualquer justificação razoável segundo
critérios de valor objectivo constitucionalmente relevantes. Proíbe também se
tratem por igual situações essencialmente desiguais. E proíbe ainda a
discriminação: ou seja as diferenciações de tratamento fundadas em categorias
meramente subjectivas como são as indicadas exemplificativamente no nº 2 do
artigo 13º' (formulação do Acórdão nº 39/88 in Acórdãos do Tribunal
Constitucional 11º volume pág. 272).
Ora as necessidades da Administração Pública de Macau de recrutamento no
exterior de pessoal especialmente qualificado quando não haja possibilidade de
as satisfazer localmente (cfr. arts. 3º e 5º nº 3 do Decreto-Lei nº 60/92/M)
apontam para uma situação particular que admite um regime distinto do geral que
não seja arbitrário. Se é possível a Administração Pública do Território
recrutar pessoas não vinculadas à função pública da República ou de outro país
não se vê por que haveriam de ser discriminados os que se acham já aposentados
ou então em situações de licença de curta ou longa duração ou de licença
ilimitada embora mantendo um vínculo mais ou menos ténue com o funcionalismo
público em causa.
Neste sentido se pronuncia convincentemente o Exmo. Procurador-Geral
Adjunto nas suas várias vezes citadas alegações:
'3.4. Como consequência da radical autonomia jurídica e institucional
presentemente conferida ao Território de Macau os artigos 68º a 70º do Estatuto
Orgânico de Macau estabelecem uma distinção entre o pessoal dos quadros próprios
do Território e o pessoal dos quadros dependentes dos órgãos de soberania ou das
autarquias da República - admitindo porém que este nas circunstâncias que
vieram a ser regulamentadas pelo Decreto-Lei nº 60/92//M possa exercer funções
naquele Território.
É pois o Estatuto Orgânico de Macau - verdadeira
«mini-Constituição» do Território - que legitima a diferenciação entre os
agentes administrativos ao serviço de Macau dispensando a existência de um
sistema unitário no que se refere à organização e regime da função pública no
Território instituindo pelo contrário uma dualidade de quadros do funcionalismo
e prevendo uma tendencial estanquicidade entre os quadros próprios de Macau e os
quadros do funcionalismo da República.
Ora no nosso entendimento esta profunda autonomia dos quadros do
funcionalismo próprio de Macau e a consequente diversidade de regimes quanto à
situação jurídica dos agentes que consente obriga a que o intérprete seja
particularmente cauteloso na utilização do princípio constitucional da
igualdade.
É que esta profunda autonomia de quadros e regime da função
pública ao serviço no Território poderá justificar materialmente a solução
constante do artigo único do referido Decreto-Lei nº 5/93/M - que assim deixaria
de poder ser qualificada como opção legislativa perfeitamente «arbitrária e
desrazoável» por carecida de qualquer fundamento ou suporte material razoável.
Desde logo - e como atrás se referiu - o recrutamento de pessoal
no exterior para além de ter carácter excepcional pressupõe que inexista no
Território pessoal com as qualificações necessárias ao desempenho do cargo a
prover. Ou seja: a «ratio» do regime instituído não seria operar uma
«discriminação» em desfavor dos agentes integrados nos quadros próprios do
Território mas suprir «carências» em pessoal qualificado que apenas no exterior
seria possível encontrar realizando pois um interesse público relevante da
própria Administração.
Por outro lado a radical autonomia e diversidade dos quadros do
funcionalismo próprio de Macau e da República Portuguesa podem explicar
satisfatoriamente a nosso ver a opção legislativa plasmada no citado artigo
único do Decreto-Lei nº 5//93/M: na realidade certos funcionários cujo vínculo
com a Administração Pública se encontra suspenso (em consequência de licença) ou
mesmo extinto (por ter ocorrido reforma ou aposentação) poderão ter interesse em
exercer as funções para que estão especialmente habilitados nos quadros de Macau
naturalmente em condições designadamente remuneratórias substancialmente
diversas das que correspondiam ao seu exercício no território português.
A autonomia do regime da função pública em Macau consentida pelo
próprio Estatuto Orgânico de Macau poderá tornar compreensível a citada opção do
agente administrativo: este não teria interesse em exercer as funções para que
estava particularmente habilitado com o regime que corresponde genericamente à
função pública em Portugal mas já estaria interessado em prestar serviço perante
as condições oferecidas no Território de Macau...
Já pelo contrário não se compreenderá facilmente que funcionários
dos quadros próprios de Macau e que nessa qualidade houvessem requerido a
suspensão ou mesmo a extinção do vínculo que os ligava à função pública do
Território viessem a nela reingressar e - mantendo-se a referida suspensão ou
extinção de vínculo - a exercer as funções que voluntariamente houvessem cessado
ou interrompido.
Na verdade importa ponderar que neste tipo de situação existem
outras formas adequadas para satisfazer o interesse do funcionário que quer
reingressar no quadro de que saiu - as quais aliás se mostram previstas no
Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau.
Assim no que se refere à licença sem vencimento de longa duração
o artigo 142º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau
prevê expressamente a possibilidade de reingresso ou readmissão na função
pública nos termos aí instituídos.
Por outro lado nos casos de aposentação que não derive de
incapacidade permanente ou absoluta ou de sanção penal ou disciplinar o artigo
268º do referido Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau
admite que o funcionário aposentado possa excepcionalmente exercer funções
públicas nos termos aí expressamente previstos e regulamentados.
Não está pois excluído que nalgumas situações tipificadas no
artigo único do Decreto-Lei nº 5/93/M os próprios funcionários dos quadros
próprios de Macau possam reingressar voluntariamente na função pública embora
logicamente através de procedimentos diversos dos que são próprios do
recrutamento de pessoal no exterior.' (a fls. 160 a 163 dos autos)
23. Conclui-se por isso que a norma desaplicada não viola o princípio
constitucional da igualdade nomeadamente na sua vertente de igualdade de acesso
à função pública (art. 47º nº 2 da Constituição).
No mesmo sentido decidiram já os acórdãos nºs 75/95 e 76/95 publicados no
Diário da República II Série nºs 135 de 12 de Junho e 136 de 14 de Junho de 1995
respectivamente.
IV
24. Nestes termos e pelas razões expostas decide o Tribunal
Constitucional não julgar inconstitucional a norma do artigo único do
Decreto-Lei nº 5/93/M de 8 Fevereiro e por isso conceder provimento ao recurso
devendo o acórdão recorrido ser reformado em conformidade com o julgamento em
matéria de constitucionalidade.
Lisboa 11 de Julho de 1995
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Dinis
Maria Fernanda Palma
Maria da Assunção Esteves
Alberto Tavares da Costa
Vítor Nunes de Almeida
José Manuel Cardoso da Costa