Imprimir acórdão
Proc.Nº 384/93
Sec. 1ª
Rel. Cons.Vítor Nunes de Almeida
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - RELATÓRIO:
1. - A. e B. interpuseram recurso contencioso de
anulação, perante o Supremo Tribunal Administrativo (STA), do Despacho nº 1
328/91-SET, do Secretário de Estado do Tesouro, publicado na II Série do Diário
da República, de 16 de Agosto de 1991, que não homologou integralmente a decisão
da Comissão Arbitral relativa à indemnização pelas acções da companhia de
seguros C.. Conhecendo do recurso, aquele Supremo Tribunal declarou a nulidade
do referido despacho, tendo para o efeito desaplicado com fundamento em
inconstitucionalidade o nº 6 do artigo 16º da Lei nº 80/77, de 26 de Outubro, na
redacção dada pelo Decreto-Lei nº 343/80, de 2 de Setembro, e o artigo 24º do
Decreto-Lei nº 51/86, de 14 de Março.
2. - Do acórdão proferido vieram interpor recurso para
este Tribunal o Ministério Público bem como o Secretário de Estado do Tesouro,
ao abrigo do preceituado no artigo 280º, nº 1, alínea a), da Constituição da
República e do artigo 70º, nº 1, alínea a), da Lei do Tribunal Constitucional.
O Procurador-Geral Adjunto junto do Tribunal
Constitucional apresentou alegações que concluiu da seguinte forma:
'1º - A função jurisdicional traduz‑se numa actividade de heterocomposição de
conflitos de interesse, realizada por um órgão neutro, independente e imparcial
relativamente aos interessados que solicitam tal composição, a efectivar através
da estrita aplicação do Direito (ou da equidade, quando a lei o permite) aos
casos concretos.
2º - Embora normalmente a função administrativa envolva a prossecução activa
de interesses públicos diversos do da realização do Direito e da Justiça, pode a
lei atribuir à Administração um poder de autocomposição dos conflitos de
interesses subjacentes às relações jurídico‑administrativas, como expressão do
privilégio da execução prévia.
3º - Não representa usurpação da função jurisdicional a possibilidade
legalmente conferida aos órgãos da Administração de tomarem unilateral e
autoritariamente decisões vinculativas para os particulares, dirimindo
liminarmente conflitos de interesses ou aplicando sanções em áreas regidas pelo
Direito Administrativo, mesmo quando as decisões da Administração envolvam a
aplicação de critérios estritamente jurídicos.
4º - A questão do arbitramento e liquidação das indemnizações devidas por
nacionalizações situa‑se plenamente no campo do Direito público, havendo,
consequentemente, interesse público autónomo e relevante na fixação da
contrapartida devida pela apropriação colectiva de meios de produção, ditada por
razões de natureza político‑económica.
5º - Regendo‑se as relações emergentes da nacionalizações inteiramente pelos
princípios do Direito público, nada impede que sobre elas possa recair um acto
administrativo definitivo e executório, como expressão do atrás aludido poder
autotutelar da Administração.
6º - As comissões arbitrais, na versão decorrente do estatuído nos
Decretos‑Leis nºs 343/80, de 2 de Setembro e 51/86, de 14 de Março, não podem
ser qualificadas como tribunais arbitrais, já que a lei que as institui e
regulamenta não confere força vinculativa própria às decisões que proferem sobre
a liquidação das indemnizações devidas por nacionalizações.
7º - Exercem, pelo contrário, tais comissões uma função de arbitragem no
âmbito do procedimento administrativo 'gracioso', que culmina na prática de um
acto administrativo definitivo e executório que, controlando a regularidade e
legalidade da arbitragem efectuada, confere força vinculativa à decisão dos
árbitros.
8º - Não sendo legalmente as comissões arbitrais órgãos jurisdicionais, não
representa qualquer intromissão constitucionalmente ilegítima da Administração
no exercício da função jurisdicional a necessidade legal de ser homologada por
acto administrativo definitivo e executório a decisão proferida pelos árbitros.
9º - Não ocorre, pois, qualquer violação do disposto nos artigos 205º, nº 1,
206º e 208º, nº 2, da Constituição, pelo que deve, em consequência, conceder‑se
provimento ao presente recurso, determinando‑se a reforma da decisão recorrida,
na parte impugnada.'
O membro do Governo recorrente propugnou pela
procedência do recurso, sustentando que as normas questionadas não ofendem o
princípio da reserva da função jurisdicional aos tribunais.
Em contra-alegações, concluiram os recorridos como
segue:
'a) As Comissões Arbitrais previstas na Lei 80/77 e no DL 51/86 são
verdadeiros órgãos jurisdicionais encarregados de dirimir litígiod na fixação
das indemnizações devidas por nacionalização, e contra isto não valem as doutas
alegações do Ministério Público no sentido de que se trataria de um puro
'arbitramento' em sede de processo administrativo gracioso;
b) Face à natureza dos citados órgãos, unanimemente reconhecida pela
Doutrina e pela Jurisprudência do S.T.A., é manifestamente inconstitucional a
submissão das suas decisões a homologação ministerial;
c) Assim, a decisão recorrida, ao julgar inconstitucionais os artigos
16º nº 6 da Lei 80/77 e 24º do DL 51/86, e ao proceder à sua não aplicação,
decidiu correctamente, face ao quadro constitucional e legislativo vigente, não
sendo legítimo qualquer tipo de censura a esta decisão.
d) Impõe‑se, assim, que o Tribunal Constitucional, declarando a
inconstitucionalidade de tais preceitos, confirme a douta decisão recorrida.'
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir a
questão de constitucionalidade suscitada.
II - FUNDAMENTOS :
3. - Tal questão abrange apenas a norma do nº 6 do
artigo 16º da Lei nº 80/77, de 26 de Outubro, na redacção vigente à data em que
foi praticado o acto recorrido e que lhe tinha sido dada pelo Decreto-Lei nº
343/80, de 2 de Setembro, sendo irrelevante para o efeito da presente decisão o
facto de entretanto ter sido revogada.
Sobre esta questão se pronunciou já este Tribunal, em
plenário, se bem que por maioria, ao abrigo do disposto nos artigos 79‑A, nº 1,
da Lei nº 28/82, de modo a estabelecer doutrina orientadora para a sua
jurisprudência.
Trata‑se do Acórdão nº 226/95, de 9 de Maio de 1995,
publicado no Diário da República, II série, de 27 de Julho de 1995, para cuja
fundamentação se remete.
III - DECISÃO:
Nestes termos, decide‑se:
a) Não julgar inconstitucionais as normas constantes do
artigo 16º, nº 6, da Lei nº 80/77, de 26 de Outubro, na redacção do artigo único
do Decreto‑Lei nº 343/80, de 2 de Setembro, e do artigo 24º do Decreto‑Lei nº
51/86, de 14 de Março;
b) Consequentemente, conceder provimento ao recurso e
ordenar a reforma da decisão recorrida, em harmonia com o ora decidido em
matéria de constitucionalidade.
Lisboa,1995.09.28
Vítor Nunes de Almeida
Armindo Ribeiro Mendes
Maria Fernanda Palma
Maria da Assunção Esteves
Alberto Tavares da Costa
Antero Alves Monteiro Dinis
Luís Nunes de Almeida