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Proc. nº 711/93
1ª Secção
Rel. Cons. Monteiro Diniz
Acordam no Tribunal Constitucional:
1 - A., B., C., D., E., F., G., H. e I., enquanto possuidores de
diversas percentagens do capital social da sociedade nacionalizada 'J.',
interpuseram, perante o Supremo Tribunal Administrativo, recurso de anulação do
despacho do Secretário de Estado do Tesouro, de 8 de Abril de 1991, publicado no
Diário da República, II série, de 16 de Maio de 1991, que homologou parcialmente
a decisão da comissão arbitral, constituída nos termos do Decreto-Lei nº 51/86,
de 14 de Março, para avaliação dos valores de indemnização devidos pela
nacionalização daquela empresa.
Aquele Tribunal, por acórdão de 23 de Setembro de 1993, concedeu
provimento ao recurso e declarou nulo o acto impugnado, recusando para tanto,
com fundamento em inconstitucionalidade, a aplicação das normas do artigo 16º,
nº 6, da Lei nº 80/77, de 26 de Outubro, na redacção que lhe foi dada pelo
Decreto-Lei nº 343/80, de 2 de Setembro, e 24º do Decreto-Lei nº 51/86, de 14 de
Março.
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2 - Deste acórdão foram interpostos recursos de constitucionalidade
pelo Ministério Público e pelo Secretário de Estado do Tesouro, concluindo-se em
ambas as alegações, entretanto produzidas, no sentido da não
inconstitucionalidade das normas cuja aplicação foi rejeitada na decisão
recorrida.
O senhor Procurador-Geral Adjunto aduziu, em síntese conclusiva, a
fundamentação seguinte:
'1º - A função jurisdicional traduz-se numa actividade de heterocomposição de
conflitos de interesses, realizada por um órgão neutro, independente e imparcial
relativamente aos interessados que solicitam tal composição, a efectivar
através da estrita aplicação do Direito (ou da equidade, quando a lei o permite)
aos casos concretos.
2º - Embora normalmente a função administrativa envolva a prossecução activa
de interesses públicos diversos do da realização do Direito e da Justiça, pode
a lei atribuir à Administração um poder de autocomposição dos conflitos de
interesses subjacentes às relações jurídico-administrativas, como expressão do
privilégio da execução prévia.
3º - Não representa usurpação da função jurisdicional a possibilidade
legalmente conferida aos órgãos da Administração de tomarem unilateral e
autoritariamente decisões vinculativas para os particulares, dirimindo
liminarmente conflitos de interesses ou aplicando sanções em áreas regidas
pelo Direito Administrativo, mesmo quando as decisões da Administração envolvam
a aplicação de critérios estritamente jurídicos.
4º - A questão do arbitramento e liquidação das indemnizações devidas por
nacionalizações situa-se plenamente no campo do Direito público, havendo,
consequentemente, interesse público autónomo e relevante na fixação da
contrapartida devida pela apropriação colectiva de meios de produção, ditada
por razões de natureza político-económica.
5º - Regendo-se as relações emergentes de nacionalizações inteiramente pelos
princípios do Direito público, nada impede que sobre elas possa recair um acto
administrativo definitivo e executório, como expressão do atrás aludido poder
autotutelar da Administração.
6º - As comissões arbitrais, na versão decorrente do estatuído nos
Decretos-Leis nºs 343/80, de 2 de Setembro e 51/86, de 14 de Março, não podem
ser qualificadas como tribunais arbitrais, já que a lei que as institui e
regulamenta não confere força vinculativa própria às decisões que proferem sobre
a liquidação das indemnizações devidas por nacionalizações.
7º - Exercem, pelo contrário, tais comissões uma função de arbitragem no
âmbito do procedimento administrativo 'gracioso', que culmina na prática de um
acto administrativo definitivo e executório que, controlando a regularidade e
legalidade da arbitragem efectuada, confere força vinculativa à decisão dos
árbitros.
8º - Não sendo legalmente as comissões arbitrais órgãos jurisdicionais, não
representa qualquer intromissão constitucionalmente ilegítima da Administração
no exercício da função jurisdicional a necessidade legal de ser homologada por
acto administrativo definitivo e executório a decisão proferida pelos árbitros.
9º - Não ocorre, pois, qualquer violação do disposto nos artigos 205º, nº 1,
206º e 208º, nº 2, da Constituição, pelo que deve, em consequência, conceder-se
provimento ao presente recurso, determinando-se a reforma da decisão recorrida,
na parte impugnada.'
E, na alegação daquele membro do Governo, aderiu-se integralmente,
nos respectivos termos e fundamentos, à argumentação desenvolvida pelo
Ministério Público.
Por seu turno, os recorridos advogaram um entendimento diverso que
se contém nas conclusões seguintes:
'a) A Lei nº 80/77, de 26 de Outubro, na primeira redacção, prevendo a
emergência de litígios entre a Administração e os interessados na indemnização
devida pela nacionalização de bens objecto de propriedade privada, institui uma
comissão arbitral - de que fixa a composição - para, em via de recurso, resolver
tais litígios;
b) As atribuições e competência deferidas pela Lei nº 80//77, na primeira
redacção (ut, artº 16º, nos. 1 e 4) e a natureza e eficácia das suas decisões
(cit. artº 16º, nºs 8 e 11) qualificam a comissão arbitral como órgão
jurisdicional e as suas decisões finais como actos jurisdicionais susceptíveis
de produzir efeitos de res judicata;
c) O Artº 16º, nº 6, da Lei nº 80/77, na redacção do DL nº 343/80, de 2 de
Setembro, e o artº 24º do DL nº 51/86, de 14 de Março, condicionando a validade
das decisões das comissões arbitrais, instituídas ao abrigo daquela Lei, à
homologação por despacho do Ministro das Finanças e do Plano, viola a reserva
de jurisdição estabelecida nos Artºs 205º e 206º da CR e a separação de poderes
consagrada no Artº 114º da Lei Fundamental.
d) Aos litígios compreendidos no âmbito da jurisdição das referidas
comissões arbitrais era aplicável o princípio da justa indemnização, não sendo
os mesmos susceptíveis de resolução através de processos autotutelares.'
Os autos seguiram os vistos de lei ficando depois a aguardar que
sobre a matéria objecto do presente recurso fosse emitida pronúncia pelo
plenário do Tribunal.
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3 - Com efeito, se bem que no processo de fiscalização abstracta
sucessiva de constitucionalidade nº 417/91, haja sido tirado o Acórdão nº
452/95, de 6 de Julho, ainda inédito, no qual não se chegou a tratar da questão
da inconstitucionalidade das normas objecto do presente recurso, o Tribunal
Constitucional, em conformidade com o disposto no artigo 79º-A, nº 1, da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro, aditado pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro, proferiu
o Acórdão nº 226/95, Diário da República, II série, de 27 de Julho de 1995, no
qual não foram julgadas inconstitucionais as normas dos artigos 16º, nº 6, da
Lei nº 80/77 (na redacção do Decreto-Lei nº 343/80) e 24º do Decreto-Lei nº
51/86.
E assim sendo, tendo em vista o propósito de uniformização
jurisprudencial que ditou aquele acórdão, importa agora, remetendo para a sua
fundamentação, proceder em conformidade com a solução ali encontrada.
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4 - Nestes termos, decide-se:
a) Não julgar inconstitucionais as normas constantes dos artigos 16º, nº 6,
da Lei nº 80/77, de 26 de Outubro, na redacção do Decreto-Lei nº 343/80, de 2 de
Setembro, e do artigo 24º do Decreto-Lei nº 51/86, de 14 de Março;
b) Conceder, consequentemente, provimento ao recurso e ordenar a reforma da
decisão impugnada, em harmonia com a presente decisão sobre a questão de
constitucionalidade.
Lisboa, 17 de Outubro de 1995
Antero Alves Monteiro Dinis
Maria Fernanda Palma
Maria da Assunção Esteves
Alberto Tavares da Costa
Vítor Nunes de Almeida
Armindo Ribeiro Mendes
José Manuel Cardoso da Costa