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Processo n.º 204/12
2ª Secção
Relator: Conselheiro Pedro Machete
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. A., S.A., recorrida nos presentes autos juntamente com o Município de Sintra, impugnou junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra as notas de liquidação de taxas do ano de 2009 devidas por equipamentos de abastecimento de combustíveis líquidos. Invocou, para o efeito, a inconstitucionalidade orgânica e formal do artigo 70.º, n.º 1, ponto 1.1, da Tabela de Taxas e Outras Receitas Licenças do Município de Sintra, então aplicável.
Por decisão de 9 de novembro de 2010, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra julgou a impugnação totalmente improcedente, com os seguintes fundamentos:
«Sendo vasta a jurisprudência constitucional e dos Tribunais Superiores relativamente à matéria controvertida nos autos – cfr. a esse propósito a Jurisprudência do T.C. e do TCA-Sul mencionada no douto Parecer do M.P. que aqui se reproduz, importa retirar que no presente caso o posto de combustível se situa em terreno do domínio privado, sendo no entanto de acolher a mais recente jurisprudência do T.C. no sentido de que sempre se verificaria o sinalagma da sua utilização por um particular, sendo que não resulta qualquer violação do princípio da proporcionalidade ou do excesso na fixação daquelas taxas atento “... a especificidade da contrapartida outorgada ao beneficiário ... inconfundível com qualquer outra e autónoma em relação a causas de prestação com ela eventualmente cumuláveis ...”, nas palavras dos ilustres autores e obra citados no Ac. nº 177/2010, do T.C, proferido no Proc. nº 742/09, de 05.05.10, que realça a orientação mais recente daquele Tribunal no sentido de que “... a entidade administrativa assume uma particular obrigação - a duradora obrigação de suportar uma atividade que interfere permanentemente com a conformação de um bem público..”, pelo que se entende que as taxas cobradas pela instalação daqueles equipamentos consubstancia a remoção de um obstáculo jurídico, não fazendo sentido distinguir o licenciamento em relação á sua renovação porquanto nesta última também se renova a remoção da proibição da atividade de depósito e comercialização de combustíveis, pelo que devem ser qualificadas como taxas considerando-se que aqueles regulamentos se conformam com o preceituado nos artºs 103º e 165º, nº1, alínea i), da C.R.P., decisão a que se procede na parte dispositiva da presente sentença.»
2. Não se conformando com tal decisão, a ora recorrida interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul, que lhe veio a dar razão, desaplicando, com fundamento em inconstitucionalidade, a mencionada norma da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra:
« Questão fulcral, que se discute neste processo, consiste em saber se viola os arts. 103.º n.º 2 e 165.º n.º 1 al. i) CRP a previsão do art. 70.º n.º 1.1 da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra, aprovada no ano de 2008 e aplicável ao ano de 2009, quando estão em causa postos de abastecimento de combustíveis líquidos, situados, inteiramente, em propriedade privada.
Sobre esta temática, o TCAS pronunciou-se, já, no pretérito, como, por exemplo, em aresto datado de 30.10.2007, proferido no recurso n.º 432/05, de cuja fundamentação, por pertinente e expressiva do entendimento sufragado, retiramos o seguinte: «(...). De facto, como têm vindo a decidir maioritariamente o Tribunal Constitucional, o Supremo Tribunal Administrativo e este Tribunal Central Administrativo, nos casos em que as bombas de abastecimento de combustível, de ar e de água se encontrarem totalmente implantadas em domínio privado, como é o caso, onde também o abastecimento tinha lugar, ainda que com acesso por vias públicas, as quantias liquidadas pelo Município de Sintra aos titulares desses estabelecimentos, não podem ser qualificadas de verdadeiras taxas, por lhes faltar a natureza e estrutura sinalagmática, pois o respetivo montante não era contraprestação de nada, tendo por isso de ser qualificadas como impostos. O Tribunal Constitucional decidiu em sentido diverso no acórdão com o n.º 329/2003, de 7 de julho, proferido no processo com o n.º 537/2002, mas este veio a ser revogado pelo Plenário daquele Tribunal, por acórdão proferido nos mesmos autos em l7 de fevereiro de 2004 e ao qual foi atribuído o n.º 113/2004, assim retomando a posição anteriormente defendida, designadamente no acórdão n.º 515/2000, de 29 de novembro, onde se escreveu:
« 7. – No caso em apreço, a Câmara Municipal de Sintra liquidou ao recorrido, proprietário de um posto de abastecimento de carburante, a taxa de Instalações Abastecedoras de Carburantes Líquidos, Ar e Água, de acordo com o nº 5 do artigo 42º da Tabela de Taxas da Câmara Municipal, nos termos do qual são taxadas as bombas de carburantes líquidos “instaladas inteiramente em propriedade particular com abastecimento no interior da propriedade”.
Ora, através de uma taxa como a que vem identificada nos autos, o obrigado ao pagamento não beneficia da utilização dos serviços de repartição ou funcionários municipais nem da remoção de qualquer obstáculo jurídico ao exercício da atividade em causa. Assim, a imposição da taxa em apreciação apenas poderia fundar-se na ocupação do domínio público e aproveitamento de bens de utilização pública.
Porém, é manifesto que este tipo de contrapartida não pode concretizar-se na situação dos autos: de facto, estando o posto de abastecimento instalado inteiramente em terreno privado e decorrendo também na propriedade privada todos os atos relativos ao abastecimento e atividades complementares (como vem provado nos autos – ponto 3), a atividade de abastecimento das viaturas não implica qualquer utilização de bens semipúblicos, inexistindo qualquer conexão da taxa exigida com a ocupação de bens públicos, não sendo sequer possível ligá-la a uma eventual renovação de licença ou a quaisquer diligências que o município deva realizar para a conceder, como bem refere o Ministério Público nas suas alegações.
Não tem assim a referida taxa de instalações abastecedoras de combustíveis nem natureza nem estrutura sinalagmática, pois o respetivo montante não é contraprestação ou contrapartida de nada.
Não existindo qualquer contrapartida para a exigência do encargo em causa, que represente a utilidade recebida pelo particular, o pagamento da quantia imposta no caso não constitui uma taxa, mas antes um imposto. E tendo sido criado através de simples edital camarário foi violado o artigo 168º, nº1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa (versão de 1989).»
Em causa no supra referido estava a norma do nº 5 do art. 42 da Tabela de Taxas e Licenças aprovada em 20.10.89 pela Assembleia Municipal de Sintra. Na situação em apreço a norma que permitiu a liquidação em causa foi a do art. 67º nº l. ponto 1.1, da Tabela de Taxas e Licenças do Município de Sintra, aprovada em 22.12.99 e alterada em 18.12.2000 que, muito embora não seja literalmente idêntica à anterior destina-se a tributar a mesma realidade e daí ser aqui plenamente aplicável a jurisprudência supra referida como se entendeu na decisão sumária do Tribunal Constitucional de 19.4.2004 proferida no rec. 941/03, em que se decidiu julgar inconstitucional a norma do art. 67, nº l. ponto 1.1 da Tabela de Taxas e Licenças do Município de Sintra, enquanto aplicável a instalações abastecedoras de combustíveis funcionando integralmente em propriedade privada, por violação do art. 165, nº 1 al. i) da CRP. Assim, seguindo a orientação jurisprudencial já referida e com cuja fundamentação concordamos, temos que o pagamento da quantia imposta no caso não constitui uma taxa, mas antes um imposto, como se entendeu na decisão recorrida, em clara violação do disposto no art. 165 nº 1 al. i) da CRP, donde a inconstitucionalidade da norma que prevê a prestação em causa.»
Posto isto, realçando, sobretudo, o julgamento produzido, em Plenário, pelo Tribunal Constitucional/TC, no identificado acórdão n.º 113/2004 de 17.2.2004, acrescendo a circunstância de a redação do versado, nestes autos, art. 70.º n.º 1.1 da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra reproduzir, quase ipsis verbis, a do art. 67.º n.º 1, ponto 1.1 da Tabela de Taxas e Licenças do Município de Sintra, aprovada em 22.12.99 e alterada em 18.12.2000, só podemos, na mesma esteira, reputá-lo, igualmente, inconstitucional, por violação do estatuído nos apontados arts. 103.º n.º 2 e 165.º n.º 1 al. i) CRP, pelo que, a sentença recorrida, tendo judiciado em sentido contrário, não pode manter-se.
Antes de retirar consequências desta forma de entender a questão julganda, importa efetuar um ligeiro debruce sobre o sentido do julgado no Ac. TC (Plenário) 177/2010 de 5.5.2010, enquanto paladino de uma noção mais ampla de taxa, em que, acolhendo-se o critério fixado, sobretudo, no art. 4.º n.º 2 LGT, a remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares, “pressuposto autosuficiente” daquela, adquire um “espaço de operatividade autónoma”, uma vez que deixa de estar funcionalizada à utilização de um bem público.
Respeitando diverso entendimento, a doutrina desta decisão colegial parece não poder ser transposta para a situação sub judice, onde, como resulta da avaliação efetuada pelo TC e acima transcrita, o obrigado ao pagamento da disputada taxa não beneficia da remoção de qualquer obstáculo jurídico ao exercício da atividade em causa, somente podendo a imposição da mesma fundar-se na ocupação do domínio público e aproveitamento de bens de utilização pública. Casuisticamente, o Ac. 177/2010 versou situação referente a taxa por emissão, camarária, de licença para afixação ou inscrição de publicidade em propriedade privada, quando é certo que, para explorar os visados postos de abastecimento de combustíveis, a impugnante teve de obter licença junto de entidade oficial, com nenhuma ligação ao Município de Sintra; que, aliás, nem justifica a liquidação da mesma com esse fundamento específico.».
3. Na sequência desta decisão, o Ministério Público interpôs o presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea a) da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, adiante referida como “LTC”). Nas suas alegações, defende, em síntese, o seguinte:
«V. Dos interesses em conflito no âmbito dos presentes autos
9º
Para apreciação do presente recurso há, pois, que tomar em consideração que se opõem, nos autos, dois interesses conflituantes.
10º
O primeiro, da A., entidade que explora 121 equipamentos de abastecimento de combustíveis líquidos situados em propriedade privada, que considera inconstitucional a “taxa” que lhe foi aplicada pelo Município de Sintra.
Com efeito, no seu entender (cfr. fls. 180-182 dos autos) – e muito embora tenha procedido ao pagamento das taxas de 2005, 2006, 2007 e 2008 (cfr. fls. 215 dos autos) – “o principal fator diferenciador entre o conceito de taxa e o conceito de imposto é a existência (no caso da taxa) ou não (no caso do imposto) do caráter sinalagmático ou de não unilateralidade do tributo, ou seja, para que um determinado tributo se insira no conceito de taxa tem de consubstanciar uma contraprestação ou contrapartida. […]
6º - Quando esse sinalagma não exista, estaremos perante um verdadeiro imposto.
7º - É o que se passa com a «taxa» que a CMS [Câmara Municipal de Sintra] vem agora cobrar à Reclamante, para a qual não houve, nem há qualquer utilidade prestada que tenha sido gerada pela atividade da CMS, nem tão pouco é resultante de investimentos municipais. […]”.
[…]
12º
A Câmara Municipal de Sintra, pelo seu lado argumentou da seguinte forma (cfr. fls. 217 dos autos):
“[…]
13 – O artigo 15º da LFL [Lei das Finanças Locais, aprovada pela Lei n.º 2/2007, de 15 de janeiro] refere que os Municípios podem cobrar taxas nos termos do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais (RGTAL), o qual foi aprovado pela Lei nº 53-E/2006, de 29.12.
14 – O RGTAL prevê no seu art. 6º que as taxas municipais incidem sobre utilidades prestadas aos particulares ou geradas pela atividade dos municípios, nomeadamente pela utilização e aproveitamento de bens do domínio público e privado municipal (nº 1c), gestão de tráfego (nº al. d), prestação de serviços no domínio da prevenção de riscos (nº 1 al. f) e pelas atividades de promoção de finalidades de qualificação ambiental (nº 1 al. g).
15 – Ora, o caráter sinalagmático da taxa veio a ser expressamente consagrado no nº 2 do art 4º da Lei Geral Tributária quando «há utilização de um serviço público (…) utilização de um bem do domínio público e, finalmente (…) remoção de um obstáculo jurídico ao exercício de determinadas atividades por parte dos particulares»”.
13º
E a Câmara de Sintra salienta, igualmente (cfr. fls. 218-220 dos autos):
“16º - A relação sinalagmática, que não implica necessariamente equivalência económica, afere-se em função do custo e do grau de utilidade prestada.
17º - Um posto de abastecimento de carburantes implica a utilização de recursos naturais (ar, solo e água) desgaste ambiental, condicionantes urbanísticas e de aproveitamento dos solos, causando riscos ambientais que incumbe à autarquia inspecionar, fiscalizar e prevenir.
18º - É evidente e inegável que a utilização e aproveitamento de bens de utilização pública por via do desgaste ambiental que um posto de venda [de] carburantes implica, sob o ponto de vista da inevitável contaminação atmosférica e dos solos, constituindo as instalações de carburantes elementos condicionadores em termos urbanísticos e de aproveitamento dos solos, não só em termos imediatos mas também em termos futuros.
19º - As instalações de carburantes são um fator de risco público que tem de ser ponderado permanentemente, representa um fator poluidor que gera uma enorme sobrecarga ambiental muito superior a qualquer quiosque ou esplanada.
20º - A sobrecarga ambiental das instalações de carburantes obrigam à adaptação de estruturas e serviços municipais, em termos ambientais, urbanísticos e de segurança civil impondo a tomada de medidas de segurança.
21º - Uma vez que o exercício da atividade de comércio de carburantes implica o armazenamento e manipulação de materiais inflamáveis torna-a uma atividade para além de poluente, perigosa e condicionadora do tráfego rodoviário, implicando que funcione em locais apropriados e em boas condições de segurança, o que tem de ser assegurado pelos serviços fiscalizadores da Câmara, quer quando concede a licença quer posteriormente em termos de segurança civil se tal for necessária.
22º - O Município através dos seus serviços de Fiscalização e de Polícia municipal tem vindo a desenvolver atividades de polícia e controlo do ambiente e das regras urbanísticas, tendo procedido nomeadamente a um levantamento de todos os postos de abastecimento de combustíveis (PAC) por forma a promover os devidos licenciamentos (licenças de utilização, alvarás, publicidade e ocupação do espaço público, horários de funcionamento e licenças de equipamentos de combustíveis líquidos) tendo ainda sido elaborado um relatório com dados específicos de cada um dos postos de abastecimento do concelho (cfr. documento 1).
23º - Carece portanto o impugnante de razão, porque efetivamente estamos perante uma taxa, há a utilização e desgaste do bem público – ambiente –, que incumbe essencialmente aos municípios proteger, e há a remoção de um obstáculo jurídico à livre atividade dos particulares impostos por razões de interesse geral.
24º - Este fator poluidor é evidente, representando um risco público permanente e de intenso desgaste para o domínio público, sendo muito variada a Jurisprudência do Tribunal Constitucional que considera o ambiente como bem público cuja utilização/gestão e manutenção implica tributação através de taxa municipal.”
Referem-se, em seguida, os Acórdãos 329/03, 204/2003 e 113/2004 do Tribunal Constitucional.
[…]
VII. Apreciação do thema decidendum
40º
Ponderosos são, como se acabou de ver, os argumentos que se poderão aduzir, a favor, ou contra, a constitucionalidade da norma impugnada, da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra, para o ano de 2009.
Desde logo, estamos perante a instalação de postos de abastecimento de combustíveis líquidos em terreno do domínio privado, muito embora com acesso por vias públicas.
Depois, o conceito formal de taxa, por oposição ao conceito de imposto, pressupõe um sinalagma entre o montante da taxa aplicada e o(s) serviço(s) prestado(s) pelo Município de Sintra - ou seja, impõe a não unilateralidade do tributo, uma vez que tal tributo tem de consubstanciar uma contraprestação ou contrapartida -,que poderá não resultar inteiramente comprovado nos autos, pelo menos quantitativamente, pelo mesmo Município (cfr. no entanto o referido a págs. 220 dos autos e supra nº 13 das presentes alegações).
Acresce, que poderão suscitar-se dúvidas se estaremos, no que à atividade desenvolvida pelo Município de Sintra diz respeito, perante uma verdadeira remoção de um qualquer obstáculo jurídico ao exercício da atividade em causa por parte da A., uma vez que não foram suficientemente justificados, em concreto, pelo mesmo Município, a prestação de concretos serviços de fiscalização ou de quaisquer alterações, por exemplo, no plano de tráfego ou de acessibilidades.
41º
Em contrapartida, a A. aceitou, anteriormente, proceder ao pagamento das taxas relativas aos anos de 2005 a 2008, apenas tendo contestado o pagamento da taxa relativa ao ano de 2009.
Por outro lado, a Câmara Municipal de Sintra justifica a liquidação da taxa com os condicionamentos de tráfego e acessibilidades, o impacto ambiental e consequente atividade de fiscalização desenvolvida pelos serviços municipais.
Atividades, essas, que tiveram, necessariamente, de ser equacionadas antes da concessão da necessária autorização para a exploração dos referidos postos de abastecimento de combustível - mesmo que a autarquia possa não o ter suficientemente demonstrado -, sendo certo que as atividades de fiscalização terão, ainda, de ocorrer posteriormente à concessão da referida licença de exploração.
42º
Não há, pois, dúvidas que tal atividade tem custos financeiros para a autarquia, e isto, quer os referidos postos de abastecimento estejam em domínio privado ou público. E o ressarcimento de tais custos pode, perfeitamente, integrar a noção de taxa, com o correspondente sinalagma, a que a doutrina persistentemente se reporta.
Sendo, por outro lado, inegável, que a entidade administrativa assume uma particular obrigação – a duradoura obrigação de suportar uma atividade que interfere permanentemente com a conformação de um bem público, pelo que se entende que as taxas cobradas, pela instalação daqueles equipamentos, consubstanciam, realmente, a remoção de um obstáculo jurídico ao exercício de uma tal atividade.
Para além de que a relação sinalagmática, entre a taxa aplicada e a prestação de serviços subjacente, não implica necessariamente uma equivalência económica entre eles, aferindo-se, antes, em função do custo e do grau de utilidade prestada.
Acresce que, para haver lugar ao preenchimento do conceito de taxa, “tem de existir uma contraprestação, que nem sempre pode significar para o particular o gozo de uma vantagem ou benefício, nem tem que constituir o exato correspetivo económico de um serviço ou de uma atividade da Administração”.
43º
É, ainda, indubitável, o facto de que um posto de abastecimento de carburantes tem marcante incidência «externa», que extravasa o local do domínio privado em que está implantado, implicando, necessariamente, a utilização de recursos naturais (ar, solo e água), ocasionando forte desgaste ambiental, determinando condicionantes urbanísticas e de aproveitamento dos solos, causando riscos ambientais, que incumbe à autarquia inspecionar, fiscalizar e prevenir, para além de colocar delicados problemas de planeamento e prevenção em termos de segurança civil.
Com efeito, a utilização de tais postos de abastecimento apresenta elevados riscos - mesmo se instalados em domínio privado -, de contaminação atmosférica e de solos, quer em termos imediatos, quer futuros, pelo que representa um fator poluidor com enorme sobrecarga ambiental e riscos para uma vida humana sadia e ecologicamente equilibrada.
Para além de implicar o armazenamento e manipulação de materiais altamente inflamáveis.
44º
Como consequência, implica – ou, pelo menos, deveria implicar - a necessária adaptação de estruturas e serviços municipais, em termos ambientais, urbanísticos e de segurança civil, com a correspondente adoção de medidas adequadas de controlo de riscos de eventuais acidentes.
Assim, a atividade de exploração de postos de abastecimento de combustíveis não se pode configurar como uma atividade livre, mas é, antes, sujeita a restrições várias, implicando uma rigorosa avaliação dos seus riscos potenciais, pelo que a concessão da necessária licença constitui, realmente, como se disse, a remoção de um obstáculo jurídico a tal exploração.
45º
Também não poderá, por último, olvidar-se o facto de a Constituição consagrar o “direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado” (cfr. art. 66º, nº 1 da Constituição), cabendo ao Estado particulares responsabilidades neste domínio, designadamente, o de “prevenir e controlar a poluição e os seus efeitos e as formas prejudiciais de erosão” (cfr. nº 2 do mesmo artigo).
Ora, a taxa aplicada à A. pode, realmente, integrar-se no conceito do poluidor/pagador (cfr. art. 3º, alínea a) da lei de Bases do Ambiente), cabendo-lhe, assim, suportar os encargos daí resultantes, uma vez que é a principal beneficiária das vantagens económicas decorrentes dessa exploração.
VIII. Conclusões
46º
Em conclusão, em face de todo o referido ao longo das presentes alegações, atendendo às importantes questões de proteção ambiental necessariamente subjacentes ao recurso em apreciação, que sobrelevam a mera apreciação formal dos conceitos tradicionais de taxa e imposto, crê-se de concluir, propugnando por:
conceder provimento ao recurso;
consequentemente, considerar constitucionalmente conforme a norma constante do disposto no art. 70º, nº 1, pontos 1.1. e 1.2. da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra para o ano de 2009;
revogar-se, em conformidade, o Acórdão recorrido do Tribunal Central Administrativo Sul, de 10 de janeiro de 2012.»
4. A ora recorrida, A., S.A., contra-alegou, concluindo do seguinte modo:
« a) A questão central da presente lide prende-se com a averiguação da conformidade do artigo 70º, n.º l, pontos 1. 1 e 1. 2 da Tabela de Taxas e Outras Receitas de Sintra para o ano de 2009 face ao texto constitucional e, em especial, nas normas contidas nos artigos 103º, n.º 2 e 165º, n.º 1, alínea i) da CRP.
b) Analisando o tributo em questão, fácil se mostra concluir que, ao contrário do entendimento vertido nas doutas alegações do MM Procurador do Ministério Público, o mesmo não apresenta a natureza de taxa, já que não se vislumbra qualquer (…) prestação concreta de um serviço do domínio público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares”.
c) Com efeito, os postos de abastecimento em questão não ocupam, nem utilizam para o seu funcionamento, quaisquer bens do domínio público ou semipúblico, uma vez que se acham implantados totalmente em propriedade privada, sendo o abastecimento efetuado no seu interior, pelo que, forçoso se torna concluir que não existe qualquer contraprestação da Câmara Municipal de Sintra face ao pagamento da referida “taxa” pela ora impugnante.
d) E, nem se diga que, a mera inclusão na previsão normativa do art. 70, n.º l ponto l.1 da justificação para o estabelecimento do referido tributo (a saber, condicionamentos no plano de tráfego e acessibilidades, do impacto ambiental negativo da atividade nos recursos naturais e da consequente atividade de fiscalização desenvolvida pelos serviços municipais competentes), permite afastar a apontada falta de sinalagma do tributo.
e) Efetivamente, a simples inclusão na previsão normativa de tal justificação não significa que o obrigado ao pagamento beneficie ou tenha beneficiado no período a que respeita o tributo da utilização dos serviços municipais, nem da remoção de qualquer obstáculo jurídico ao exercício da atividade em causa, havendo necessidade por parte do município de demonstrar que, de forma efetiva e em concreto, foram prestados serviços de fiscalização ou efetuadas quaisquer alterações no plano de tráfego ou acessibilidades.
f) Sendo certo que, no caso concreto, as notificações efetuadas à Recorrida para liquidação das quantias devidas a título de “taxa” foram feitas mediante a mera reprodução da norma em causa, sem que tenha sido demonstrado que, de forma efetiva e em concreto, foram efetuadas quaisquer fiscalizações ou que tenham ocorrido quaisquer alterações no plano do tráfego e das acessibilidades.
g) A que acresce que, conforme o próprio MM Procurador do Ministério Público reconhece nas suas doutas alegações, não se encontra provado e demonstrado nos autos a realização de qualquer ação de fiscalização ou alteração no plano de tráfego por parte dos serviços do Município efetuada no período a que reporta o tributo cobrado, sendo que tal prova cabia a este último (sendo certo que os documentos juntos como doc. n.º 1 com a contestação não datam do período a que respeita o tributo em questão).
h) Nesta medida, fica demonstrado que o tributo em causa não corresponde a consequências na utilização e aproveitamento de bens do domínio público ou na realização diligências de fiscalização e intervenção pelos serviços do Município, não existindo qualquer contraprestação pública individualizável que satisfaça o conceito de “taxa”.
i) Por outro lado, no caso em apreço e contrariamente ao entendimento propugnado pelo MM Procurador do Ministério Público, a ora Recorrida não beneficiou da remoção de qualquer obstáculo jurídico à atividade por si desenvolvida, bastando, para tanto, atentar na própria previsão do tributo.
h) Ora, conforme se deixa dito (e bem) no acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, em 10/01/20l2, “(...) para explorar os visados postos de abastecimento de combustíveis, a impugnante teve de obter licença junto da entidade oficial, com nenhuma ligação ao Município de Sintra, que, aliás, nem justifica a liquidação da mesma com esse fundamento específico”.
j) Em idêntico sentido (e num caso em tudo similar ao dos presentes autos) já se pronunciou o Tribunal Constitucional: “Através de uma taxa como a que vem identificada nos autos, o obrigado ao pagamento não beneficia da utilização dos serviços de repartição ou funcionários municipais nem da remoção de qualquer obstáculo jurídico ao exercício da atividade em causa. Assim, a imposição da taxa em apreciação apenas poderia fundar-se na ocupação do domínio público e aproveitamento de bens de utilização pública. Porém, é manifesto que este tipo de contrapartida não pode concretizar-se na situação dos autos: de facto, estando o posto de abastecimento instalado inteiramente em terreno privado e decorrendo também na propriedade privada todos os atos relativos ao abastecimento e atividades complementares (como vem provado nos autos – ponto 3), a atividade de abastecimento das viaturas não implica qualquer utilização de bens semipúblicos, inexistindo qualquer conexão da taxa exigida com a ocupação de bens públicos, não sendo sequer possível ligá-la a uma eventual renovação de licença ou a quaisquer diligências que o município deva realizar para a conceder” (vide acórdão do Tribunal Constitucional n.º 515/2000)
k) Por último, mostra-se, ainda, pertinente referir que o específico conteúdo da justificação contida na norma – “impacto ambiental negativo da atividade nos recursos naturais (ar, água, solos)” – poderia, quanto muito, ser suscetível de classificar o tributo como contribuição especial, designadamente na categoria de “contribuições para maiores despesas” (entendidas como aquelas em que a prestação devida pelos particulares encontraria a sua razão de ser no facto de estes ocasionarem com a sua atividade um acréscimo de despesas para as entidades públicas).
l) No entanto, esta situação acaba por não ter qualquer relevo prático, porquanto a criação deste tipo de contribuição fica igualmente de fora da competência das Câmaras Municipais, uma vez que tem a mesma exigência formal que os impostos (vide neste sentido acórdão do Tribunal Constitucional n.º 24/2009, de 14/01/09, in www.tribunalconstitucional.pt).
m) Nem se diga, como faz o MM Procurador do Ministério Público nas suas doutas alegações, que o tributo em questão possui a natureza de taxa, porquanto se integra no conceito de “poluidor/pagador”.
n) A ser admitido tal entendimento, não poderia deixar de se considerar que a norma contida no art. 70º, n.º 1, pontos 1.1 e 1.2 da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra, para o ano de 2009 violaria os princípios do exclusivismo e da determinação a que se encontram sujeitas as taxas, porquanto não se mostram, plena e cabalmente, definidos todos os elementos do tributo.
o) Efetivamente, se o valor do tributo se encontra dependente do desgaste ambiental produzido, a verdade é que a partir do teor da supra referida norma o contribuinte não se mostra capaz de conseguir perceber de que forma é medido o alegado desgaste ambiental por parte da Edilidade (v.g., considerando a dimensão do posto ou o n.º de automóveis diário), nem tão pouco o modo pelo qual o proprietário pagador poderá exigir a realização concreta de despesas, designadamente de conservação dos troços por si utilizados).
p) Nem tão pouco resulta demonstrada qualquer diferenciação do valor da taxa consoante o desgaste ambiental efetivamente produzido, isto é, uma maior tributação para os postos de abastecimento “mais poluentes”. Inexiste, assim, qualquer relação entre a tributação e o efetivo maior desgaste do ambiente, como sucederia se estivéssemos perante uma taxa.
q) Pelo que, em face do supra exposto, outra conclusão não poderá retirar-se que não seja a de que a norma regulamentar aplicada pela Câmara Municipal de Sintra (art. 70º, n.º l, ponto 1.1 da Tabela de Taxas e Licenças do Município de Sintra para o ano de 2008) padece de inconstitucionalidade orgânica e formal, por violação do disposto nos artigos 103, 2 e 165º, n .º 1. alínea i) da Constituição da República Portuguesa.
r) O que significa que, sofrendo o referido artigo 70º, n.º l ponto l. l (em que se fundaram as liquidações impugnadas) de inconstitucionalidade orgânica, não poderão deixar de se reputar de ilegais as liquidações efetuadas à sua sombra.
s) Este é, aliás, o entendimento desse Alto Tribunal que teve já, por diversas vezes, oportunidade de analisar esta questão e que se pronunciou no sentido da inconstitucionalidade da norma contida no art. 69º, ponto 1. l da Tabela de Taxas e Licenças do Município de Sintra aprovada pela respetiva Câmara Municipal em 6 de novembro de 2001 e publicada na II série do Diário da República de 01/10/01 (cuja redação é a mesma da norma do artigo 70. n.º l. ponto l. l da Tabela de Taxas e Licenças do Município de Sintra para o ano de 2009), quando interpretada no sentido da sua aplicação a posto de abastecimento instalado totalmente em terreno privado, por violação do disposto na alínea i) do n.º 1 do art. 165º da CRP (cfr. acórdão n.º 113/2004, de 17/02/04 acórdão 1001/04, de 14/10/05: acórdão n.º 24/2009, de 14/01/09).»
5. Notificado para, querendo, deduzir alegações, o Município de Sintra, nada disse.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
Delimitação do objeto do recurso
6. O presente recurso de constitucionalidade foi interposto ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da LTC – trata-se, portanto, e conforme referido, de um recurso de interposição obrigatória para o Ministério Público (cfr. o artigo 72.º, n.º 3, daquela Lei) que tem por objeto normas cuja aplicação haja sido recusada por um tribunal com fundamento na sua inconstitucionalidade. Neste tipo de impugnação cabe ao Tribunal Constitucional controlar o juízo normativo de inconstitucionalidade feito, em primeira linha, pelo tribunal recorrido. Tal controlo pressupõe que o respetivo objeto integre – e integre apenas – as normas efetivamente desaplicadas na decisão recorrida, e cuja desaplicação constitua a ratio decidendi de tal pronúncia: ou seja, aquelas normas cuja aplicação pelo tribunal recorrido teria determinado uma outra decisão.
No requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade o recorrente indica, como objeto, a Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra, aprovada no ano de 2008 e aplicável ao ano de 2009. No entanto, posteriormente, em sede de alegações, o mesmo veio restringir aquele objeto ao artigo 70.º, n.º 1, pontos 1.1 e 1.2, da referida Tabela. Esta delimitação impunha-se, uma vez que, conforme resulta de modo claro da decisão recorrida, não foi toda a Tabela que foi julgada inconstitucional, mas apenas o preceito que havia fundamentado as concretas liquidações que constituíram o objeto da impugnação judicial.
Acresce que tal preceito se reconduz mais precisamente ao ponto 1.1 do citado artigo 70.º, n.º 1, porquanto é essa a única norma invocada como fundamento para a liquidação das taxas impugnadas pela A., S.A., ora recorrida (cfr. os documentos n.os 1 a 5 juntos à impugnação perante o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, constantes de fls. 12 a 26 dos autos). Na verdade, e conforme é justamente salientado no acórdão recorrido, apenas estão em causa postos de abastecimento de combustíveis líquidos situados inteiramente em propriedade privada (cfr. supra o n.º 2). Em nota - a nota 3 -, é justificada a utilização daquele advérbio: “Embora do ponto 1 dos factos provados não conste esta menção [inteiramente], ela figura, expressamente, em todos os documentos relevados, pelo tribunal recorrido, na fixação da factualidade aí inscrita”. Consequentemente, a norma constante do ponto 1.2 do artigo 70.º, 1, da pertinente Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra, e que pressupõe sempre uma qualquer utilização do domínio público, não é aplicável no caso sub iudicio. De resto, é a esta luz que se tem de compreender a restrição operada nas conclusões q), r) e s) das contra-alegações da recorrida, por confronto com a conclusão da mesma peça processual, restrição essa em perfeita linha com a situação de facto relevada pela recorrida na conclusão c) das suas contra-alegações (cfr. supra o n.º 4).
Do mérito do recurso
7. A Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra para 2008, na versão publicada pelo Aviso n.º 26235/2008 no Diário da República, II Série, de 31 de outubro de 2008, foi, por deliberação da Assembleia Municipal de Sintra, de 27 de fevereiro de 2009, mantida em vigor no ano de 2009, sem qualquer atualização (cfr. o n.º 1 do Aviso n.º 5156/2009, publicado no Diário da República, II Série, de 9 de março de 2009). É o seguinte o teor do preceito em que se integra a norma objeto do presente recurso:
Artigo 70.º
Equipamento de abastecimento de combustíveis líquidos – Alínea d) do n.º 7 do artigo 64.º da Lei 169/99 de 1 de janeiro, com a redação introduzida pela Lei 5-A/2002, de 11 de janeiro; RMOVPMS; Reg. Obras Trabalhos no Subsolo de Domínio Público, n.º 2 do artigo 6.º da Lei 53-E/2006 de 29 de dezembro; Lei de Bases do Ambiente – Lei n.º 11/87 de 7 de abril
1 – Por cada um e por ano: € 80,00 (d).
1.1 – Em virtude dos condicionamentos no plano do tráfego e acessibilidades, do impacto ambiental negativo da atividade nos recursos naturais (ar, águas, solos) e da consequente atividade de fiscalização desenvolvida pelos serviços municipais competentes:
1.2 – À taxa prevista no ponto 1.1. acresce, ainda, a seguinte taxação:
1.2.1 – Instalados inteiramente em domínio público - € 590 (d).
1.2.2 – Instalados em domínio público, mas com depósito em propriedade privada - € 416,50 (d).
1.2.3 – Instalados em propriedade privada, mas com depósito em domínio público - € 518,50 (d).
1.2.4 - Instalados inteiramente em propriedade privada, mas abastecendo em domínio público - € 233 (d).
(d) – IVA não sujeito
A decisão recorrida fundamenta o juízo de inconstitucionalidade na violação dos parâmetros contidos nos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição. Tais parâmetros estabelecem que no ordenamento jurídico português a criação de impostos deve ser feita através de lei, integrando-se tal matéria na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República. Verificando-se no caso concreto que os postos de abastecimento de combustíveis se encontram totalmente – “inteiramente” - implantados em propriedade privada, os tributos liquidados pelo Município de Sintra não teriam como fundamento um qualquer correspetivo prestado pela entidade administrativa, assim falhando o conteúdo sinalagmático que deve presidir à aplicação e cobrança de qualquer quantia a título de taxa. Diferentemente, os mesmos tributos seriam exclusivamente marcados pela sua unilateralidade, revestindo a natureza de verdadeiros impostos, o que resultaria em inconstitucionalidade por violação das regras constitucionais relativas à competência para a criação de encargos desse tipo.
8. Todavia, mesmo à luz dos parâmetros constitucionais convocados pela decisão recorrida, afigura-se redutora uma análise dos tributos considerando apenas a classificação dicotómica imposto-taxa. Na verdade, importa considerar, fugindo àquela «alternativa excludente», a existência de outras figuras designadas genericamente no texto constitucional por “demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas” (cfr. o artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição e o artigo 3.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária). Como refere Sérgio Vasques, trata-se de tributos situados “no terreno intermédio que vai das taxas aos impostos [de que são, ou podem ser, exemplo] não apenas as taxas de regulação económica, mas toda a parafiscalidade associativa, as contribuições para a segurança social, as contribuições especiais de melhoria, assim como o universo crescente dos tributos ambientais, todos eles com estrutura paracomutativa, dirigidos à compensação de prestações de que os sujeitos passivos são presumíveis causadores ou beneficiários” (v. o Autor cit., in SÉRGIO VASQUES (Coord.), As Taxas de Regulação Económica em Portugal, Almedina, Coimbra, 2008, p. 38). Pode, por isso, afirmar-se com Cardoso da Costa:
« [A]figura-se forçoso concluir […] que à luz do direito constitucional português vigente, e para os correspondentes efeitos, não é possível manter uma classificação dos «tributos» reduzida à alternativa excludente «imposto» ou taxa»: a partir do momento em que a Constituição se ocupa delas a se, definindo igualmente a extensão em que ficam subordinadas à reserva de lei parlamentar, importa ainda considerar esse tertium genus de receitas, que incluiu sob a designação genérica de «demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas». Na verdade – e, no fundo, dizendo o mesmo por outras palavras – para decidir, face a um determinado tributo, qual o regime de reserva que se lhe aplica, não basta (ou já não basta) apurar qual daquelas qualificações tradicionais lhe convém (ou mais lhe convém): há que ver ainda se ela não cai antes dentro desse terceiro, e residual, tipo de receitas.
É certo que na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição não se define mais do que dois tipos de reserva de lei parlamentar: um, com a extensão que acima recordámos [v. p. 797: nos termos do artigo 103.º, n.º 2, daquele diploma - com o qual a mencionada alínea i) do artigo 165.º, n.º 1, deve, nesse capítulo, combinar-se - a reserva - referida, como vai, à «criação de impostos» (e ao «sistema fiscal») – abrange todos os «elementos essenciais» de cada um deles, ou seja: «a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes»], relativo aos «impostos»; e outro, restrito ao respetivo «regime geral», aplicável às «taxas» e às demais contribuições financeiras». Mas, não só isso não põe em causa o que vem de dizer-se, como […] o que justamente é mais significativo (até desse ponto de vista classificatório) é o facto de o legislador constitucional não haver sujeitado esse terceiro tipo de receitas à mesma reserva parlamentar dos primeiros e antes a uma reserva menos exigente, idêntica ou semelhante à que passou a consignar para as taxas: é que, anteriormente, e quando a doutrina e a jurisprudência tinham que operar unicamente com as duas categorias clássicas, a classificação que acabavam por atribuir a muitas dessas situações abrangidas agora pela referência constitucional «às demais contribuições financeiras» - e assim, nomeadamente e em especial, no caso das receitas «parafiscais» - era a de «imposto», com as correspondentes consequências, em matéria de princípio da legalidade e reserva de lei. Se a nossa leitura do preceito constitucional em análise está correta, quanto a essas receitas – e, desde logo, quanto às receitas ditas «parafiscais» - deixou, pois, de ser assim: para efeitos constitucionais, deixaram elas, numa palavra, de poder ser tratadas como impostos.»
(v. Autor cit., “Sobre o Princípio da Legalidade das «Taxas» (e das «Demais Contribuições Financeiras)” in AAVV, Estudos em homenagem ao Professor Doutor Marcello Caetano – No Centenário do seu Nascimento, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Lisboa, 2006, Vol. I, pp. 805-806).
Neste mesmo sentido se pronunciou já este Tribunal no seu Acórdão n.º 365/2008 (disponível, assim como todos os demais adiante referidos, em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos ), a propósito da «taxa de regulação e supervisão» da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (cfr. o respetivo n.º 2.5). Em especial, sobre a extensão da «reserva de lei formal em matéria tributária», entendeu-se nesse aresto o seguinte (n.º 2.6):
« A criação de impostos foi na nossa história constitucional, apesar das incertezas manifestadas entre 1945 e 1971, após o esvaziamento da competência legislativa da Assembleia Nacional resultante da Revisão Constitucional de 1945, matéria sempre reservada à aprovação parlamentar (sobre a evolução desta competência legislativa, vide JORGE MIRANDA, em “A competência legislativa no domínio dos impostos e as chamadas receitas parafiscais”, na R.F.D.U.L., vol. XXIX (1988), pág. 9 e segs. e ANA PAULA DOURADO, em “O princípio da legalidade fiscal: tipicidade, conceitos jurídicos indeterminados e margem de livre apreciação”, pág. 50 e segs.).
A fidelidade a esta exigência não deixa de ter justificação no princípio dos ideais liberais “no taxation without representation”, correspondente à ideia de que, sendo o imposto um confisco da riqueza privada, a sua legitimidade tem de resultar duma aprovação dos representantes diretos do povo, numa lógica de autotributação, a qual permitirá a escolha de tributos bem acolhidos pelos contribuintes e, por isso, eficazes (sobre uma mais aprofundada justificação da reserva de lei fiscal, vide ANA PAULA DOURADO, na ob. cit., pág. 75-84).
Foi esta a opção da Constituição de 1976, que deixou de fora desta exigência as taxas (sobre esta opção, vide o Parecer da Comissão Constitucional n.º 30/81, in Pareceres da Comissão Constitucional, 17.º volume, pág. 91, da ed. da INCM, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 205/87, em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 9º vol., pág. 209, e CASALTA NABAIS, em “Jurisprudência do Tribunal Constitucional em matéria fiscal”, no B.F.D.U.C. n.º 69 (1993), págs. 407-408).
Os termos do texto constitucional, antes da Revisão operada em 1997, suscitavam uma representação dicotómica dos tributos, pelo que a doutrina e a jurisprudência procuravam equiparar os apelidados tributos parafiscais à categoria dos impostos, ou das taxas, para concluírem se a sua criação estava ou não sujeita ao princípio da reserva de lei formal (vide NUNO DE SÁ GOMES, em “Manual de Direito Fiscal”, vol. I, pág. 315 e seg., da 12ª ed., do Rei dos Livros, SOUSA FRANCO, na ob. cit., pág. 74-76, e CASALTA NABAIS, em“O dever fundamental de pagar impostos”, pág. 256-257, da ed. de 1998, da Almedina).
No que respeita às contribuições cobradas para a cobertura das despesas de pessoas coletivas públicas não territoriais, assumia algum relevo a posição de as incluir na categoria dos impostos, exigindo que a sua previsão constasse de lei aprovada pela Assembleia da República (vide, neste sentido, ALBERTO XAVIER, na ob. cit., pág. 73-75, JORGE MIRANDA, na ob.cit., pág. 22-24, e o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 1239/96, em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 35.º vol., pág. 145, relativo à taxa devida à Comissão Reguladora de Produtos Químicos e Farmacêuticos).
Esta qualificação visava combater o já acima apontado objetivo da subtração destas receitas ao regime clássico da legalidade tributária e do orçamento do Estado, considerado um “perigoso aventureirismo fiscal”.
Contudo, a alteração introduzida na redação da alínea i), do n.º 1, do artigo 165.º, da C.R.P. (anterior alínea i), do n,º 1, do artigo 168.º), pela Revisão Constitucional de 1997, veio obrigar a uma reformulação dos pressupostos da discussão sobre a existência de uma reserva de lei formal em matéria de contribuições cobradas para a cobertura das despesas de pessoas coletivas públicas não territoriais.
Onde anteriormente o artigo 168.º, n.º 1, i), da C.R.P. dizia que “é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo: (…) i) Criação de impostos e sistema fiscal (…)”, passou a constar que “é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo: (…) i) Criação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas (…).
Para efeitos de submissão dos diversos tipos de tributo ao princípio da reserva de lei formal a nova redação do artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da C.R.P., autonomizou a categoria das “contribuições financeiras”, a par dos impostos e das taxas.
Conforme resulta da consulta dos trabalhos parlamentares da Revisão Constitucional de 1997, a referência às contribuições financeiras constante da alínea i), do n.º 1, do artigo 165.º, da C.R.P., procurou abranger precisamente o mencionado tertium genus, incluindo as contribuições cobradas para a cobertura das despesas de pessoas coletivas públicas não territoriais. Conforme, nessa altura, esclareceu o deputado Vital Moreira: “a expressão 'contribuições financeiras' foi aquela que se encontrou para ser mais neutra, para não se falar em contribuições especiais, em contribuições parafiscais, que é aquilo a que a doutrina normalmente se refere: são as chamadas taxas dos antigos institutos de coordenação económica, as atuais chamadas taxas das comissões vitivinícolas regionais ou seja, toda uma série de contribuições financeiras que não são taxas em sentido técnico mas que são contribuições criadas para e a favor de determinadas entidades reguladoras e para sustentar financeiramente as mesmas. Penso que não devemos entrar nesta discussão teórica e por isso a escolha da expressão 'contribuições financeiras' foi aquela que se encontrou mais neutra para que a doutrina continue livre para fazer as suas discussões teóricas doutrinárias.” (In DAR , II Série, de 30-10-1996, pág. 1381).
O artigo 165.º,n.º 1, i), da C.R.P., passou a referir-se a três categorias de tributos, continuando os impostos sujeitos à reserva da lei formal, enquanto, relativamente às taxas e às contribuições financeiras, apenas a definição do seu regime geral tem que respeitar essa reserva de competência, podendo a concreta criação deste tipo de tributos, ao contrário dos impostos, ser efetuada por diploma legislativo governamental, sem necessidade de autorização parlamentar. […]»
Uma das consequências metódicas e práticas da aludida tripartição dos tributos respeita ao teste da «bilateralidade». Continuando esta a ser uma característica essencial das taxas, não pode hoje todavia ignorar-se a existência das «contribuições», entendidas como “figuras de contornos paracomutativos que dão corpo a uma relação de troca entre a administração e grupos determinados de indivíduos” e em que tal «relação comutativa» se pode mostrar mais ou menos difusa (cfr. SÉRGIO VASQUES, ob. cit., p. 33). Como pondera Cardoso da Costa, “não que esse caminho [- o do aludido teste da «bilateralidade» -] não possa e não deva continuar a ser adotado em certas situações; mas, se agora se contempla uma terceira categoria de receitas, outras situações haverá em que importará ainda analisar o cabimento, no caso, da correspondente qualificação” (v. Autor cit., ob. cit., p. 806). E, atento o caráter mais ou menos difuso da relação comutativa que subjaz a alguns tributos, não são de excluir dificuldades na sua qualificação, seja por referência à categoria unilateral do imposto, seja em relação à categoria bilateral da taxa. De resto, a já mencionada ideia, avançada por Sérgio Vasques, das «contribuições da modernidade» como «tributos que se encontram a meio caminho entre as taxas e os impostos» parece exprimir isso mesmo. Ou seja, o alargamento dos tipos constitucionais de tributos vem obrigar a uma análise mais fina de cada espécie tributária, em especial no que se refere à distinção entre «taxas» e «outras contribuições financeiras não unilaterais a favor de entidades públicas».
9. No caso sub iudicio, porém, uma vez que o tributo aplicado pelo Município de Sintra à ora recorrida se funda exclusivamente num regulamento municipal aprovado ao abrigo do artigo 56.º, n.º 2, da Lei das Autarquias Locais (a Lei n.º 169/99, de 1 de janeiro) e do artigo 8.º do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais (a Lei n.º 53-E/2006, de 29 de dezembro, adiante referida simplesmente como “RGTAL”); e, uma vez que inexiste qualquer outro diploma legal que contenha uma habilitação genérica para a aprovação pelos municípios de outro tipo de tributos, das duas uma: ou o tributo previsto no artigo 70.º, n.º 1, ponto 1.1, da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra, aprovada no ano de 2008, e aplicada à recorrida, se pode reconduzir ao conceito de «taxa» consagrado no citado RGTAL, e, por conseguinte, aquele preceito regulamentar não é inconstitucional; ou, diversamente, correspondendo o tributo previsto no artigo 70.º, n.º 1, ponto 1.1, daquela Tabela a um «imposto» ou a uma «outra contribuição tributária com contornos paracomutativos», o mesmo preceito não poderá deixar de ser tido como incompatível com o artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição. E isto independentemente da compreensão do conceito jurídico-constitucional de «taxa».
Na verdade, as referências a diplomas legais que se contêm na epígrafe do artigo 70.º daquela Tabela são, por si só, insuficientes para operar a habilitação do Município de Sintra a aprovar quaisquer tributos:
O artigo 64.º, n.º 7, alínea d), da Lei das Autarquias Locais limita-se a prever a competência da câmara municipal para “exercer as demais competências legalmente conferidas, tendo em vista o prosseguimento normal das atribuições do município”;
O artigo 6.º, n.º 2, do RGTAL contém uma norma de incidência objetiva – “as taxas municipais podem também incidir sobre a realização de atividades dos particulares geradoras de impacto ambiental negativo” – que pressupõe o conceito legal de taxa consignado no artigo 3.º do mesmo diploma: a proteção do ambiente é um fim extrafiscal legítimo, mas, para que exista «taxa», é necessário que tal «proteção» se materialize em prestações públicas concretas de que os sujeitos passivos sejam os efetivos causadores ou beneficiários (nestes termos, v. SÉRGIO VASQUES, Regime das Taxas Locais – Introdução e Comentário, Cadernos IDEFF, n.º 8, Almedina, Coimbra, 2008, nota 3 ao art. 6.º, p. 116; cfr., também, em especial quanto aos fins extrafiscais, JOAQUIM FREITAS DA ROCHA, Direito Financeiro Local (Finanças Locais), Cejur, Braga, 2009, p. 141):
A Lei de Bases do Ambiente (Lei n.º 11/87, de 7 de abril), no que para este efeito releva, prevê, como instrumento da política de ambiente e de ordenamento do território, “a fixação de taxas a aplicar pela utilização de recursos naturais e componentes ambientais, bem como pela rejeição de efluentes” (cfr. o artigo 27.º, n.º 1, alínea r); mas não as cria ela própria, nem habilita os municípios a criá-las.
O RGTAL é, assim, o único diploma legal que habilita o Município de Sintra a criar os tributos constantes da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra, aprovada no ano de 2008, uma vez que só ele permite dar cumprimento ao princípio da legalidade das taxas e demais contribuições financeira decorrente da norma de reserva relativa de competência legislativa consignada no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição.
10. Decorre da decisão recorrida e das próprias alegações das partes apresentadas neste Tribunal, que a questão da qualificação, ou não, como «taxa» das quantias exigidas pelo Município de Sintra como contrapartida da implantação de instalações de abastecimento de combustíveis líquidos inteiramente em terrenos de particulares – ou seja, não ocupando, nem utilizando, para o seu funcionamento, quaisquer terrenos do domínio público - não é nova nem na jurisprudência dos tribunais administrativos e fiscais, nem na jurisprudência constitucional. Aliás, e como resulta do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 24/2009, pode mesmo falar-se de um entendimento consolidado nesse domínio:
« 6. […]
Efetivamente, o Tribunal Constitucional já apreciou a constitucionalidade de imposições análogas (aliás, do mesmo Município), em que estavam em causa normas que impunham a cobrança de “taxas” a postos de abastecimento de combustíveis totalmente localizados em propriedade privada, como no caso sub judice, tendo decidido pela sua inconstitucionalidade. Decidiu assim nos acórdãos n.ºs 515/2000, 113/2004 (publicados no Diário da República, II Série, respetivamente, de 23 de janeiro de 2001 e de 31 de março de 2004), 339/2004 e 536/2005, (todos estes arestos, bem como os demais citados, disponíveis em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/).
Os Acórdãos nºs 515/2000 e 113/2004, foram proferidos com referência ao artigo 42.º, n.º 5, da Tabela de Taxas e Licenças do Município de Sintra, aprovada em 20 de outubro de 1989. Este último, tirado em plenário, decidiu a divergência quanto aos juízos formulados pelo já referido Acórdão nº 515/2000, a cuja fundamentação aderiu, e pelo Acórdão nº 329/2003 (Diário da República, II Série, de 31 de março de 2004) que entendera ter sido a taxa validamente instituída, mesmo quanto a postos inteiramente situados em terrenos do domínio privado.
No acórdão n.º 536/2005 a norma apreciada foi já a do artigo 69.º, ponto 1.1., e n.º 2, da Tabela de Taxas e Licenças do Município de Sintra, aprovada pela respetiva Câmara Municipal, em 6 de novembro de 2001, e publicada na II Série do Diário da República, de 1 de outubro de 2001. No essencial, a mesma norma que agora está em apreciação, porque o n.º 2 do preceito contém um agravamento do tributo em função da exploração de mais de uma espécie de combustível, o que é irrelevante para o problema em causa.
7. Esta jurisprudência refere-se a postos de abastecimento totalmente situados em terreno privado, circunstância que ocorre também quanto à liquidação anulada pelo acórdão recorrido. Efetivamente, quando o posto de abastecimento, por qualquer dos seus elementos, se serve de terrenos públicos, a questão coloca-se em termos diferentes porque “o tributo devido resulta da utilização individualizável do domínio público viário, estando nessa medida, preenchido o núcleo essencial do conceito de taxa”, como se decidiu no acórdão n.º 20/2003 (Diário da República, II Série, de 28 de fevereiro de 2003). [Cf. ainda, no sentido da constitucionalidade de normas que preveem a cobrança da taxa em relação a postos situados em terrenos públicos, os acórdãos n.ºs 204/03 (Diário da República, II Série, de 21 de junho de 2004), e 441/03 (inédito)].
Da relevância de tal elemento – de o posto de abastecimento se situar, ou não, inteiramente em propriedade privada e abastecendo, ou não, no seu interior – na jurisprudência constitucional, dá conta o acórdão 441/03:
“ Assim, segundo a decisão do citado Acórdão n.º 515/00 – e, portanto, para quem a acompanhar –, na medida em que, na sua genérica previsão, ela se aplique a equipamentos de abastecimento de combustíveis líquidos instalados inteiramente em propriedade privada, e abastecendo no seu interior, tal norma será inconstitucional. Diversamente, na medida em que, na mesma genérica previsão, ela contemple equipamentos de abastecimento instalados na via pública, ela não será inconstitucional como se decidiu no Acórdão n.º 204/03.
É que, ao contrário do que é – e também nesse caso foi – invocado, tal diferença não é “irrelevante, já que o tributo em questão se aplica a todos os postos independentemente da sua localização”. Nalguns casos, por existir uma ocupação de espaço público, a genérica previsão da norma tem suporte bastante para se configurar como taxa, e ser, por isso, conforme à Constituição. Noutros casos, essa genérica previsão cobre situações em que – pelo menos, para quem não se afaste da qualificação efetuada no citado Acórdão n.º 515/00 – não são divisáveis os elementos constitutivos da taxa, pelo que, nessa medida, se reputa desconforme à Constituição. A circunstância de existir ou não ocupação do espaço público não pode, pois, considerar-se irrelevante.”
8. Tendo presente esta jurisprudência, importa decidir se o teor da norma em causa nos autos, que diverge daquele que esteve na base da prolação das decisões que deram origem ao acórdão n.º 113/2004, do Plenário, justifica solução diferente.
Com efeito, esses acórdãos examinaram uma tributação dos equipamentos de abastecimento de combustíveis líquidos no Município de Sintra que era construída com a seguinte estrutura, com taxa decrescente (montantes omitidos):
1- Por cada um e por cada ano:
a) Instalados inteiramente na via pública…
b) Instalados na via pública, mas com depósito em propriedade privada…
c) Instalados em propriedade privada, mas com depósito na via pública…
d) Instalados inteiramente em propriedade privada, mas abastecendo na via pública…
e) Inteiramente instalados em propriedade privada…
Com a nova Tabela de Taxas a estrutura de tributação foi alterada, assumindo a norma um enunciado (acima transcrito)
[e que corresponde, na parte dispositiva, que não na epígrafe nem nos montantes, quase ipsis verbis ao artigo 70.º da Tabela de 2008
“Artigo 69.º
Equipamento de abastecimento de combustíveis líquidos
1 - Por cada um e por ano:
1.1. Em virtude dos condicionamentos no plano do tráfego e acessibilidades, da inerente degradação e utilização ambiental dos recursos naturais (ar, águas e solos) e da consequente atividade de fiscalização desenvolvida pelos serviços municipais competentes………….. 306,50
1.2. À taxa prevista no ponto 1.1. acresce, ainda, a seguinte taxação:
1.2.1. Instalados inteiramente na vida pública …………………… 715,10
1.2.2. Instalados na via pública, mas como depósito em propriedade privada ……………………………………………..………………….... 459,80
1.2.3. Instalados em propriedade privada, mas com depósito na via pública ………………………………………………………………. 613,00
1.2.4. Instalados inteiramente em propriedade privada, mas abastecendo na via pública …………………………………………………….. 153,50
2 - Sempre que o equipamento de abastecimento, referido no ponto anterior, tenha mais de uma espécie de combustível será acrescido em 50% por cada espécie.”]
que sugere estarmos em presença de um tributo ambiental em sentido amplo ou impróprio (numa arrumação dicotómica dos tributos ambientais, os que visam uma finalidade reditícia, por contraposição aos que prosseguem uma finalidade extrafiscal incentivante da redução do efeito nocivo). Passou a incidir sobre os postos de abastecimento, independentemente da utilização ou não de bens do domínio público, um tributo de montante fixo e igual para todos, a que acresce uma taxação determinada em função da utilização da via pública. Note-se que a “justificação” da sua imposição é largamente coincidente com as razões pelas quais o acórdão n.º 329/2003 julgou não ser inconstitucional a anterior incidência da taxa sobre postos totalmente instalados em terrenos do domínio privado.
Sobre estas diferenças pronunciou-se o acórdão n.º 536/2005 nos seguintes termos:
“ 3. A questão que importa colocar é a de saber se a jurisprudência a que se fez referência é de reiterar face ao concreto teor da norma desaplicada no caso dos autos. Esta diverge em dois pontos daquelas que estiveram na base da prolação das decisões referidas.
Por um lado, deixou de haver menção, numa alínea ou número autónomos, aos postos instalados inteiramente em propriedade privada (conteúdo que constituía, respetivamente, o nº 5 do artigo 42º da Tabela de 1989 e o ponto 1.5 do artigo 71º da Tabela aprovada em 1999). Porém, não oferece dúvidas, face ao teor da notificação reproduzida (supra, ponto 2. do relatório) e ao confronto com as previsões dos nºs 1.2.1 a 1.2.4 do artigo 69º da Tabela, que o ponto 1.1 do preceito abrange os postos inteiramente instalados em propriedade privada. É idêntico, pois, ao das normas anteriormente apreciadas pelo Tribunal Constitucional, o âmbito de aplicação da que constitui objeto do presente recurso.
Por outro lado, a norma contém um parágrafo justificativo da taxa fixada, inexistente nas anteriores redações e reproduzido, por transcrição, na notificação às recorridas, com o seguinte teor: “Em virtude dos condicionamentos no plano do tráfego e acessibilidades, da inerente degradação e utilização ambiental dos recursos naturais (ar, água e solos) e da consequente atividade de fiscalização desenvolvida pelos serviços municipais competentes”. Ora, será de afastar a jurisprudência a que se fez referência face a esta alteração? Concretamente, poder-se-á afirmar que a expressão de tal fundamento afasta a apontada falta de sinalagma do tributo que, assim, o remeteria para a natureza de imposto?
Desde já se adianta que, como bem sustenta o Ministério Público, a resposta a esta pergunta terá que ser negativa. Na verdade, a inclusão, na previsão normativa, de tal justificação não significa que o obrigado ao pagamento beneficie da utilização dos serviços de repartição ou funcionários municipais nem da remoção de qualquer obstáculo jurídico ao exercício da atividade em causa; tão pouco significa que a imposição da taxa se funde numa ocupação do domínio público ou num efetivo aproveitamento de bens de utilização pública (Acórdão nº 515/00, supra citado). Tais circunstâncias permanecem não demonstradas, em concreto, e nem sequer poderiam ficar demonstradas pela mera alteração de redação a que se fez referência.
No caso presente, em que a notificação para pagamento foi feita mediante reprodução da norma em causa, não é possível concluir que, de forma efetiva e em concreto, tenha havido por parte dos serviços municipais a prestação de serviços de fiscalização ou qualquer alteração no plano do tráfego ou acessibilidades.
O específico conteúdo da justificação contida na norma – designadamente no que concerne à degradação e utilização ambiental dos recursos naturais – seria suscetível de classificar o tributo entre as contribuições especiais, designadamente na categoria de contribuições para maiores despesas: “aquelas em que a prestação devida pelos particulares encontraria a sua razão de ser no facto de estes ocasionarem com a sua atividade ou com coisas por eles possuídas um acréscimo de despesas para as entidades públicas” (Acórdão nº 277/86, Diário da República, II Série, de 17 de dezembro de 1986). Simplesmente, a exploração de tal possibilidade não reveste, para o problema que nos ocupa, relevo prático, face à doutrina sedimentada de que tais contribuições merecem, do ponto de vista jurídico-constitucional, tratamento idêntico ao dispensado aos impostos (assim, para além do Acórdão já citado e autores ali referidos, cfr. Acórdão nº 205/87, Diário da República, I Série, de 3 de julho de 1987).
Importa, pois, não se vislumbrando razões para a afastar e afigurando-se a mesma inteiramente transponível para a presente situação, reiterar a jurisprudência acima referida, para cuja fundamentação se remete.”
E este Tribunal concluiu nesse seu Acórdão n.º 24/2009:
« 9. Acompanha-se este entendimento. Aliás, no caso, estes fundamentos surgem com evidência reforçada, pois o Tribunal deu como não provados os factos alegados pela autoridade recorrida em ordem a demonstrar que o tributo corresponda a consequências na utilização e aproveitamento de bens do domínio público e a diligências de fiscalização e intervenção pelos serviços do Município.
É certo que nada obsta a que as taxas municipais cumpram finalidades de gestão de tráfego ou ambientais, desde que o seu pressuposto de facto seja suscetível de revelar o caráter sinalagmático do nexo entre a imposição e uma prestação individualizável por parte do ente público, que o Tribunal sempre teve por integrante do conceito constitucional de taxa no confronto com o imposto. Refira-se, aliás, que o Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais, aprovado pela Lei n.º 53-E/2006, de 29 de dezembro, passou a contemplar essa possibilidade (cfr. artigo 6.º).
Porém, na norma em apreciação, os elementos contidos no n.º 1.1. do artigo 69.º da Tabela não são mais do que a mera declaração de finalidade ou justificação geral do tributo, sem uma descrição que corresponda a qualquer uma das hipóteses de imposição que, pela presença de contraprestação pública individualizável, satisfaça o conceito de taxa. Como se disse no acórdão n.º 536/2005, “o específico conteúdo da justificação contida na norma –designadamente no que concerne à degradação e utilização ambiental dos recursos naturais – seria suscetível de classificar o tributo entre as contribuições especiais, designadamente na categoria de contribuições para maiores despesas: “aquelas em que a prestação devida pelos particulares encontraria a sua razão de ser no facto de estes ocasionarem com a sua atividade ou com coisas por eles possuídas um acréscimo de despesas para as entidades públicas”.Mas estes tributos têm, para o que agora nos interessa, a mesma exigência formal dos impostos, como o acórdão também refere, não podendo ser criados por regulamento municipal.
Deste modo, o único elemento da norma suscetível de ser erigido em previsão do pressuposto de facto do tributo é, afinal, a existência de um posto de abastecimento de combustíveis líquidos. Pelo que só se afigura possível que a imposição integre o conceito de taxa quando a exploração do posto implique, por algum dos seus elementos, a utilização da via pública (cf. acórdão n.º 441/2003). Caímos, portanto, apesar da evolução do teor normativo, na situação já analisada no acórdão n.º 113/2004 pelo Plenário do Tribunal.
Assim, impõe-se a conclusão que, no caso dos autos, como salientou o Ministério Público, a “causa” da tributação radica exclusivamente na referida utilização de bens particulares, o que permite a transposição da jurisprudência firmada no acórdão nº 113/2004 e o consequente juízo de inconstitucionalidade da norma regulamentar que integra o objeto do presente recurso.»
A questão que se coloca no presente recurso é a de saber se este entendimento deve ser mantido.
11. A reponderação do problema justifica-se, desde logo, em razão do conceito constitucional de taxa assumido no Acórdão deste Tribunal n.º 177/2010. Aliás, é justamente a propósito da subsunção da realidade tributária do artigo 70.º, n.º 1, 1.1, da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra para 2008 que se verifica uma divergência entre o tribunal de primeira instância e o Tribunal Central Administrativo Sul, ora recorrido. Para o primeiro, o Município de Sintra assume uma particular obrigação – “a duradoura obrigação de suportar uma atividade que interfere permanentemente com a conformação de um bem público” – pelo que se deve entender que as taxas cobradas com referência aos postos de abastecimento de combustíveis consubstanciam a remoção de um obstáculo jurídico; já, para o segundo, esta noção mais ampla de taxa – a contrapartida pela «simples» remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares – não poderia ser transposta para a situação ora em análise relativa à aplicação do citado artigo 70.º, n.º 1, 1.1, a postos localizados inteiramente em propriedade privada (cfr., respetivamente, supra o n.º 1 e o n.º 2).
Além disso, a já mencionada consideração autónoma dos tributos com uma «estrutura paracomutativa», a meio caminho entre a unilateralidade dos impostos e a bilateralidade das taxas, exige um aprofundamento casuístico da análise das situações factuais e jurídicas subjacentes e no âmbito das quais os tributos são fixados. Com efeito, a natureza jurídica destes, em especial no respeitante às «taxas» e às «demais contribuições», é função da maior ou menor intensidade das relações jurídicas entre o sujeito tributário ativo e o sujeito tributário passivo, da maior ou menor proximidade entre a Administração tributária e os particulares. Em não raros casos estará em causa apenas uma subtil diferença de grau. E, nesta perspetiva, não deixa de causar perplexidade a quase total ausência na jurisprudência de reflexão sobre o regime jurídico aplicável aos postos de abastecimento de combustíveis, enquanto base de uma atividade económica juridicamente regulada com abstração da localização de tais equipamentos em terrenos de propriedade pública ou privada.
E justifica-se começar precisamente por aqui, uma vez que, só conhecendo os direitos e deveres recíprocos da Administração municipal e dos interessados na existência e funcionamento dos mencionados postos de abastecimento de combustíveis, é, depois, possível avaliar se à prestação pecuniária coativa exigida pelo Município de Sintra corresponde um qualquer serviço concreto ou, e porventura cumulativamente, a remoção de um obstáculo jurídico à atividade dos particulares. Recorde-se que, nos termos do artigo 3.º do RGTAL, são esses os dois pressupostos relevantes do conceito de taxa aplicáveis in casu.
12. O enquadramento legal dos postos de abastecimento de combustíveis remonta à Lei n.º 1947, de 12 de fevereiro de 1937, que tinha por objeto o licenciamento de instalações de armazenagem de petróleos brutos, seus derivados e resíduos. Este diploma veio a ser regulamentado pelo Decreto n.º 29034, de 1 de outubro de 1938, que aprovou o «Regulamento de Segurança das Instalações para Armazenagem e Tratamento Industrial de Petróleos Brutos, Seus Derivados e Resíduos». No entanto, por se considerar que a implantação e exploração daqueles postos de abastecimento carecia de um estatuto mais específico e atualizado do ponto de vista técnico que acautelasse as respetivas condições de segurança em geral, tendo em consideração o desenvolvimento de políticas de prevenção conducentes à melhoria das condições de bem-estar e segurança dos cidadãos bem como a preservação da qualidade do ambiente, veio a ser aprovado pelo Decreto-Lei n.º 246/92, de 30 de outubro, o «Regulamento de Construção e Exploração de Postos de Abastecimento de Combustíveis». Este diploma definiu novas regras aplicáveis à construção e exploração dos postos de abastecimento, com especial destaque para as matérias referentes aos locais de implantação dos postos, às distâncias mínimas a observar em relação a outras infraestruturas e construções, à forma de implantação dos reservatórios e à envolvente da unidade de abastecimento, às precauções a observar na exploração e utilização dos equipamentos, à qualidade dos materiais a empregar e, em especial, à proibição da colocação dos postos de abastecimento debaixo de edifícios. A fiscalização da sua observância foi cometida, “no âmbito do Ministério da Indústria e Energia, às respetivas delegações regionais” (cfr. o artigo 2.º).
O enunciado das matérias relevantes elucida sobre a interferência da implantação e funcionamento deste tipo de equipamentos com os interesses públicos da segurança de pessoas e bens, do urbanismo e do ordenamento do território e da preservação do meio ambiente e o consequente potencial de conflito entre os interesses de «vizinhos» e os interesses económicos associados à sua exploração.
Não surpreende, por isso, que, volvidos poucos anos, a Lei n.º 159/99, de 14 de setembro, no quadro do reforço da descentralização administrativa e dando concretização ao princípio da subsidiariedade, tenha previsto a transferência para os municípios de competências relativas ao licenciamento e à fiscalização de postos de abastecimento de combustíveis até aí exercidas pelo Governo, em especial pelo Ministério da Economia. Fê-lo, designadamente no seu artigo 17.º, n.º 2, alínea b), nos termos do qual, passou a ser da competência dos órgãos municipais o “licenciamento e fiscalização de instalações de armazenamento e abastecimento de combustíveis salvo as localizadas nas redes viárias regional e nacional”. Em conformidade, o Decreto-Lei n.º 267/2002, de 26 de novembro – diploma que, nos termos do seu artigo 1.º, alínea b), estabelece os procedimentos e define as competências para efeitos de licenciamento e fiscalização de instalações de abastecimento de combustíveis líquidos e gasosos derivados do petróleo, também legalmente designado «postos de abastecimento de combustíveis» - veio disciplinar o competente licenciamento municipal:
Artigo 4.º
Requisitos para o licenciamento
1 - A construção, exploração, alteração de capacidade e outras alterações que de qualquer forma afetem as condições de segurança da instalação ficam sujeitas a licenciamento nos termos deste diploma.
2 - Os elementos a fornecer pelo promotor e os procedimentos a seguir na instrução do processo de licenciamento, bem como os requisitos a satisfazer para a passagem das licenças de construção e de exploração da instalação, são definidos em portaria conjunta do Ministro da Economia e do membro do Governo que tutele as autarquias locais.
Artigo 5.º
Licenciamento municipal
1 - É da competência das câmaras municipais:
a) …;
b) O licenciamento de postos de abastecimento de combustíveis não localizados nas redes viárias regional e nacional
2 - A construção, reconstrução, ampliação, alteração ou conservação das instalações de armazenamento e dos postos de abastecimento de combustíveis obedecem ao regime jurídico do licenciamento municipal de obras particulares, com as especificidades estabelecidas neste diploma.
Logo na redação originária deste diploma, em especial no seu artigo 4.º, n.º 2, mas também no seu artigo 25.º, n.º 2, relativo à fiscalização, ficou claramente assinalada a distinção entre a dimensão procedimental e competencial do licenciamento e da fiscalização e as normas técnicas a observar em todo o momento pelos postos de abastecimento de combustíveis e que consubstanciam requisitos materiais daquela atividade licenciadora e a principal referência da fiscalização a exercer, seja pelas câmaras municipais, seja pela Administração central, segundo, respetivamente, as competências previstas nos artigos 5.º e 6.º (cfr. o artigo 25.º, n.º 1, do mesmo diploma).
Na verdade, desde o início de vigência do Decreto-Lei n.º 246/92, de 30 de outubro, as circunstâncias que envolvem a construção e exploração dos postos de abastecimento de combustíveis haviam sofrido significativas modificações que, no entender do Governo, exigiam, em linha com a preocupação de adotar as mais avançadas técnicas de segurança e de qualidade dos materiais em uso na maioria dos Estados-membros da União Europeia, a revisão do Regulamento aprovado por aquele diploma, de modo a introduzir padrões de segurança mais rigorosos e eficazes, quer quanto à qualidade dos materiais a utilizar, quer quanto às condições dos locais destinados à implantação e exploração dos postos. É nesse quadro que surge o Decreto-Lei n.º 303/2001, de 23 de novembro – diploma que estabelece o quadro legal para a aplicação do «Regulamento de Construção e Exploração de Postos de Abastecimento de Combustíveis», prevendo ao mesmo tempo que o novo Regulamento, substitutivo do de 1992, seja aprovado por portaria do Ministro da Economia (cfr. os respetivos artigos 1.º e 8.º, n.º 1). E a Portaria n.º 131/2002, de 9 de fevereiro, veio aprovar tal Regulamento, nos termos previstos.
É assim que entre os regulamentos de segurança, da área dos combustíveis, aplicáveis aos projetos contemplados na portaria prevista no artigo 4.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 267/2002, de 26 de novembro – a Portaria n.º 1188/2003, de 10 de outubro – nomeadamente no seu Anexo I, figura, com referência aos postos de abastecimento de combustíveis, o Regulamento de Construção e Exploração de Postos de Abastecimento de Combustíveis, aprovado pela Portaria n.º 131/2002, de 9 de fevereiro.
Em suma, a implantação e exploração de postos de abastecimento de combustíveis é hoje disciplinada pelo Decreto-Lei n.º 267/2002, de 26 de novembro (com a redação dada pelo Decreto-Lei n.º 195/2008, de 6 de outubro), no que se refere aos procedimentos e às competências em matéria de licenciamento e de fiscalização; e, quanto aos requisitos de construção e de exploração, pelo Decreto-Lei n.º 303/2001, de 23 de novembro, e, bem assim, pelo Regulamento de Construção e Exploração de Postos de Abastecimento de Combustíveis, aprovado pela Portaria n.º 131/2002, de 9 de fevereiro.
13. Com interesse para o presente recurso importa salientar alguns aspetos deste regime.
Em primeiro lugar, a sua justificação: deixando de lado os aspetos referentes à sua implantação e construção, o simples funcionamento e a exploração de postos de abastecimento de combustíveis envolve riscos para a segurança e a saúde das pessoas e interfere com a «qualidade do ambiente» (no sentido dado a esta expressão no artigo 5.º, n.º 2, alínea e), da Lei n.º 11/87, de 7 de abril – a Lei de Bases do Ambiente: “a adequabilidade de todos os seus [do ambiente] componentes às necessidades do homem”), razões que levaram o legislador a estabelecer um quadro normativo técnico com caráter preventivo e a consagrar um sistema de fiscalização destinado a fazê-lo respeitar. Estas ações do legislador configuram por isso – ao menos, também – uma concretização do dever de proteção do ambiente. Na verdade, os postos de abastecimento de combustíveis, em si mesmos enquanto depósitos, e o seu funcionamento, representam uma fonte de poluição, em especial para os componentes ambientais ar, água, solo e subsolo nas suas imediações (cfr. o artigo 21.º da Lei de Bases do Ambiente). É também a proibição de poluir que justifica os condicionamentos normativos e os termos concretos da ação fiscalizadora a desenvolver (cfr. o artigo 26.º da Lei de Bases do Ambiente).
A consciência dos perigos e dos riscos para terceiros é, por outro lado, bem evidenciada, quer na previsão de um registo de acidentes com deveres de comunicação às autoridades da Administração central com competência nos domínios da energia e do ambiente, quer no reconhecimento expresso de um direito de reclamação relativo à laboração de qualquer posto de abastecimento (cfr., respetivamente, o artigo 30.º e o artigo 33.º, ambos do Decreto-Lei n.º 267/2002, de 26 de novembro).
A partir do início de vigência do Decreto-Lei n.º 267/2002, de 26 de novembro, os municípios adquiriram um papel central na operacionalização do sistema de fiscalização (cfr. o respetivo artigo 25.º). A importância dos municípios e da fiscalização por eles exercida é tanto mais de sublinhar, desde logo, porque é o ambiente de cada município em que se localizam postos de abastecimento de combustíveis que é degradado. Por outro lado, atenta a duração longa das licenças de exploração deste tipo de instalações – até 20 anos, sendo esta a situação normal, de modo a amortizar os investimentos vultosos realizados pelos seus promotores (cfr. o artigo 15.º do Decreto n.º 29034, de 1 de outubro de 1938 e o artigo 15.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 267/2002, de 26 de novembro) – frequentemente é apenas ao nível da fiscalização que os municípios podem intervir em defesa dos seus interesses e dos dos seus munícipes.
Em quarto lugar, e de acordo com a legislação aplicável, a fiscalização é exercida “no âmbito da regulamentação técnica das instalações” (assim, o artigo 25.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 267/2002, de 26 de novembro). E “as regras técnicas relativas à construção e exploração das instalações de armazenamento e postos de abastecimento referidos no artigo 1.º obedecem à regulamentação e legislação específicas aplicáveis” (assim, o artigo 17.º do mesmo diploma). Ou seja, incumbe aos municípios o dever de proteção dos interesses acautelados na legislação e regulamentação própria dos postos de abastecimento de combustíveis. E esse dever legal é permanente e específico, porque dirigido à garantia de regras especiais, de modo a, por exemplo, detetar situações de “perigo grave para a saúde, a segurança de pessoas e bens, a higiene e a segurança dos locais de trabalho e o ambiente” e “tomar imediatamente as providências que em cada caso se justifiquem para prevenir ou eliminar a situação de perigo” (cfr. o artigo 20.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 267/2002, de 26 de novembro); ou situações de infração às regras de exploração de postos de abastecimento (cfr. o artigo 45.º e seguintes do Regulamento de Construção e Exploração de Postos de Abastecimento de Combustíveis).
Há aqui manifestamente um plus, relativamente aos deveres gerais de polícia administrativa. Com efeito, não é indiferente para um qualquer município, ter ou não ter postos de abastecimento de combustíveis localizados na sua circunscrição, já que, em caso de acidente, a omissão de uma fiscalização diligente pode ser considerada como tendo contribuído para o mesmo e, assim, ser causa de danos para o próprio município e fonte de obrigações de indemnização de danos de terceiros.
14. É a existência deste dever legal de fiscalização especificamente imposto às câmaras municipais com referência aos postos de abastecimento de combustíveis, para mais pautado por requisitos técnicos especiais previstos em legislação própria, que torna menos plausível – para não dizer completamente implausível – a inexistência de atividades de fiscalização e a adaptação das estruturas e serviços municipais nos planos da proteção civil e da defesa do ambiente. Aliás, isso mesmo foi alegado pelo Município de Sintra junto do tribunal recorrido (cfr. as transcrições feitas no n.º 13.º das alegações do Ministério Público, supra no n.º 3):
As instalações de carburantes são um fator de risco público que tem de ser ponderado permanentemente e representam um fator poluidor que gera uma enorme sobrecarga ambiental muito superior a qualquer quiosque ou esplanada;
A sobrecarga ambiental das instalações de carburantes obriga à adaptação de estruturas e serviços municipais, em termos ambientais, urbanísticos e de segurança civil, impondo a tomada de medidas de segurança;
Uma vez que o exercício da atividade de comércio de carburantes implica o armazenamento e manipulação de materiais inflamáveis, trata-se de uma atividade que, para além de poluente, é perigosa em si mesma e condicionadora do tráfego rodoviário, implicando que funcione em locais apropriados e em boas condições de segurança, o que tem de ser assegurado pelos serviços fiscalizadores da Câmara, quer quando concede a licença, quer posteriormente;
O Município de Sintra, através dos seus serviços de fiscalização e de polícia municipal, desenvolveu atividades de polícia e de controlo do ambiente e das regras urbanísticas, tendo procedido nomeadamente a um levantamento de todos os postos de abastecimento de combustíveis, por forma a promover os devidos licenciamentos (licenças de utilização, alvarás, publicidade e ocupação do espaço público, horários de funcionamento e licenças de equipamentos de combustíveis líquidos), tendo ainda elaborado um relatório com dados específicos de cada um dos postos de abastecimento do concelho.
Isso mesmo é expressamente reconhecido pelo Ministério Público nas suas alegações (cfr. os n.os 43.º e 44.º, supra no n.º 3):
«44º
É, ainda, indubitável, o facto de que um posto de abastecimento de carburantes tem marcante incidência «externa», que extravasa o local do domínio privado em que está implantado, implicando, necessariamente, a utilização de recursos naturais (ar, solo e água), ocasionando forte desgaste ambiental, determinando condicionantes urbanísticas e de aproveitamento dos solos, causando riscos ambientais, que incumbe à autarquia inspecionar, fiscalizar e prevenir, para além de colocar delicados problemas de planeamento e prevenção em termos de segurança civil.
Com efeito, a utilização de tais postos de abastecimento apresenta elevados riscos - mesmo se instalados em domínio privado -, de contaminação atmosférica e de solos, quer em termos imediatos, quer futuros, pelo que representa um fator poluidor com enorme sobrecarga ambiental e riscos para uma vida humana sadia e ecologicamente equilibrada.
Para além de implicar o armazenamento e manipulação de materiais altamente inflamáveis.
44º
Como consequência, implica – ou, pelo menos, deveria implicar - a necessária adaptação de estruturas e serviços municipais, em termos ambientais, urbanísticos e de segurança civil, com a correspondente adoção de medidas adequadas de controlo de riscos de eventuais acidentes. […]»;
E é essa também a justificação invocada para a imposição da taxa prevista no artigo 70.º, n.º 1, 1.1, da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra para 2008 (cfr. supra o n.º 7): “Em virtude dos condicionamentos no plano do tráfego e acessibilidades, do impacto ambiental negativo da atividade nos recursos naturais (ar, águas, solos) e da consequente atividade de fiscalização desenvolvida pelos serviços municipais competentes”.
Para a recorrida, “a simples inclusão na previsão normativa de tal justificação não significa que o obrigado ao pagamento beneficie ou tenha beneficiado no período a que respeita o tributo da utilização dos serviços municipais, nem da remoção de qualquer obstáculo jurídico ao exercício da atividade em causa, havendo necessidade por parte do município de demonstrar que, de forma efetiva e em concreto, foram prestados serviços de fiscalização ou efetuadas quaisquer alterações no plano de tráfego ou acessibilidades” (cfr. a alínea e) das conclusões das suas alegações, transcritas supra no n.º 4). In casu, continua a recorrida, “as notificações efetuadas à Recorrida para liquidação das quantias devidas a título de “taxa” foram feitas mediante a mera reprodução da norma em causa, sem que tenha sido demonstrado que, de forma efetiva e em concreto, foram efetuadas quaisquer fiscalizações ou que tenham ocorrido quaisquer alterações no plano do tráfego e das acessibilidades” (cfr. a alínea f) das mesmas conclusões).
Atento o dever legal permanente e específico de fiscalização dos postos de abastecimento de combustíveis - das instalações e equipamentos e do respetivo funcionamento e utilização - previsto no artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 267/2002, de 26 de novembro, com referência ao Regulamento de Construção e Exploração de Postos de Abastecimento de Combustíveis, imposto às câmaras municipais, não se afigura razoável exigir que estas, para poderem cobrar uma taxa, tenham de fazer prova de todas e de cada uma das ações realizadas em cumprimento de tal dever. Certo é que o seu cumprimento – e a responsabilidade associada à existência de tal dever – não está na disponibilidade dos municípios. É a lei que exige a ação continuada de vigilância com caráter preventivo, sem prejuízo de ações pontuais e formais de fiscalização (como, por exemplo, as «vistorias periódicas» ou as «vistorias para verificação do cumprimento das medidas impostas nas decisões proferidas sobre reclamações», as quais, de resto, são objeto de uma taxação autónoma – cfr. o artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 267/2002, de 26 de novembro). Esta ação continuada de vigilância corresponde ao cumprimento de lei imperativa e traduz o «funcionamento normal do serviço». E a imposição do dever funcional correspondente – um dever de vigilância - traduz-se na assunção de certa responsabilidade. É assim que o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, prevê no seu artigo 10.º, n.º 3, a presunção de culpa leve – que é condição suficiente da responsabilidade exclusiva do ente público – “sempre que tenha havido incumprimento de deveres de vigilância”.
Em suma, o dever legal de fiscalização dos postos de abastecimento de combustíveis por parte das câmaras municipais cria uma presunção suficientemente forte no sentido de que a simples localização daqueles postos em determinada circunscrição concelhia é causa de uma atividade de vigilância e de ações de prevenção por parte do município correspondente, não só para dar cumprimento à lei, como principalmente para evitar que os riscos quanto à segurança de pessoas e bens, os riscos para a saúde pública e os riscos ambientais associados à existência e funcionamento daquelas instalações se materializem. É, pelo menos «normal», e é seguramente expectável da parte de autoridades públicas jurídica, social e ambientalmente responsáveis, que o significado e importância dos bens postos em perigo pela existência e funcionamento de postos de abastecimento de combustíveis, em articulação com as obrigações legais dos municípios, que estes desenvolvam em relação aos postos de abastecimento localizados nas respetivas circunscrições todas as ações a que legalmente estão obrigados, entre as quais se inclui a mencionada vigilância permanente com intuitos de prevenção. Assim sendo, não parece que lhes deva ser exigido que, para justificar a fixação de uma taxa como contrapartida de tais ações realizadas em cumprimento da lei, façam prova de cada uma dessas ações junto dos destinatários das mesmas. Aliás, são estes que à partida sabem que, por força da lei, a existência de postos de abastecimento de combustíveis “não localizados nas redes viárias regional e nacional” obriga os municípios em cuja circunscrição se localizem a realizar ações de vigilância, de modo a verificar o cumprimento dos requisitos técnicos específicos desse tipo de instalações. Assim, tais ações podem ser tidas como efetivamente provocadas (e, em certo sentido, também aproveitadas) apenas pelos proprietários dessas instalações, justificando-se, por conseguinte, o pagamento de uma compensação.
Na verdade, conforme referido no artigo 3.º do RGTAL, “as taxas das autarquias locais são tributos que assentam na prestação concreta de um serviço público local”. No caso vertente é razoável e forte a presunção, feita a partir da natureza dos postos de abastecimento de combustíveis e dos deveres legais de fiscalização que incumbem às câmaras municipais (factos indiciários), da existência de uma atividade de vigilância permanente por parte dos serviços camarários dirigida àquele tipo de instalações e ao seu modo de funcionamento. Assim sendo, é lícito presumir que quem explora postos de abastecimento de combustíveis “não localizados nas redes viárias regional e nacional” dá azo ou provoca uma atividade de fiscalização por parte das câmaras municipais correspondentes às circunscrições concelhias em que os postos se localizem, independentemente de os mesmos se encontrarem implantados “inteiramente” em propriedade privada ou em terrenos do domínio público municipal. Mais: essa atividade de vigilância é, pela peculiaridade dos requisitos técnicos que visa controlar, exclusivamente imputável às ditas instalações; nos municípios em que não se localizem tais postos de abastecimento, não há lugar a tais ações de vigilância.
E tanto basta para que a taxa prevista no artigo 70.º, n.º 1, 1.1, da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra para 2008 se possa reconduzir ao conceito do artigo 3.º do RGTAL, afastando, por consequência, a arguida inconstitucionalidade orgânica e formal daquele preceito regulamentar.
15. A mesma conclusão pode ser alcançada a partir da consideração da própria licença de exploração de postos de abastecimento de combustíveis. Aliás, foi essa a via ensaiada pelo tribunal de primeira instância para fundamentar o seu juízo de não inconstitucionalidade (cfr. supra o n.º 2). Para o efeito, foi considerada a jurisprudência do Tribunal Constitucional vertida no seu Acórdão n.º 177/2010. E foi precisamente por entender não aplicável in casu tal jurisprudência que o tribunal a quo substituiu aquele juízo negativo por um juízo (positivo) de inconstitucionalidade (cfr. supra o n.º 2).
Naquele Acórdão o Tribunal Constitucional ultrapassou “o argumento restritivo de que as taxas com fundamento na remoção de um obstáculo jurídico, tivessem que permitir a utilização de um bem do domínio público, sob pena de ser qualificadas como impostos ou figuras que seguissem o regime destes tributos [… O] Tribunal Constitucional reconheceu, em plenário, o caráter excessivamente restrito da tese que vinha subscrevendo nas últimas duas décadas. E, nessa medida, passou a consagrar que, para a aferição da legitimidade da remoção de um obstáculo jurídico como fundamento das taxas, é determinante aferir se esse obstáculo é real, genuíno, ou se foi arbitrariamente criado” (é a síntese de NUNO DE OLIVEIRA GARCIA e ANDREIA GABRIEL PEREIRA, “A nova jurisprudência das taxas municipais pela colocação de painéis publicitários em domínio privado” in Direito Regional e Local, N.º 15, julho-setembro de 2011, p. 25 e ss., p. 33).
Foi o seguinte, o raciocínio seguido pelo Tribunal no caso então em apreço:
« 11. Assente que há prestações conexas, sem mais, ao licenciamento de um comportamento dos particulares, a que cabe, também do ponto de vista das valorações constitucionais, a qualificação como taxa, cumpre ajuizar, por último, se o tipo de situações de que o caso vertente é exemplo se integra nessa categoria.
Está em causa, como já vimos, a colocação de um anúncio luminoso num prédio particular. Seja qual for a materialidade concreta desse reclamo e o modo do seu posicionamento no prédio – matéria sobre a qual não há elementos nos autos - não sofre dúvidas de que o local de implantação do suporte físico da publicidade se situa em domínio privado, num imóvel de propriedade privada. Mas isso não invalida que, pelo seu modo funcional de ser, a atividade publicitária assente em painéis ou inscrições se projete visualmente no espaço público, interferindo conformadoramente na configuração do ambiente de vivência urbana das coletividades locais. A fixação do âmbito de incidência da taxa em questão leva em conta isso mesmo, pois só são taxados “os anúncios que se divisem da via pública” (observação 1), aplicável às normas do Capítulo IV, em que se integra a do artigo 31.º, da Tabela de Taxas anexa ao Regulamento em causa).
Na busca da máxima percetibilidade e do maior impacto da respetiva mensagem junto dos potenciais consumidores ou utentes dos produtos ou serviços publicitados, o anunciante utiliza, com muita frequência, formas agressivas de comunicação, em termos luminosos, gráficos ou, até, de dimensão e destaque físicos, pelo que a visualização tem verdadeiros efeitos intrusivos, no ambiente de vida comunitária.
Contrariamente ao que transparece de algumas apreciações, a questão não se resolve, pois, pela simples demarcação “física” dos espaços privado e público, determinando-se a legitimidade da qualificação como taxa pela “ocupação” de um ou de outro, por parte da fonte emissora da mensagem publicitária. «É que – faz-se notar na referida declaração de voto do Conselheiro Benjamim Rodrigues – a utilidade essencial e determinante na ótica do utilizador que o obrigado do tributo obtém pela via do pagamento do tributo não é propriamente a utilidade traduzida na afixação ou inscrição dos anúncios nos bens do domínio privado mas sim, essencialmente, a utilidade dos mesmos poderem ser visíveis e tidos em conta por quem circula nos espaços públicos planificados pelos municípios e cuja preservação como ecologicamente sadios principalmente lhes compete».
A colocação, em prédios de propriedade privada, de anúncios de natureza comercial tem direta e muito marcante incidência “externa”, que extravasa da esfera dominial do respetivo titular. Pela natureza do efeito útil pretendido, ela contende necessariamente com o espaço público, cuja gestão e disciplina compete à edilidade exercitar. Justifica-se, assim, que a atividade publicitária seja relativamente proibida (cfr., entre outros, o Acórdão n.º 558/98), ficando sujeita a um licenciamento prévio pelas câmaras municipais, “para salvaguarda do equilíbrio urbano e ambiental” (artigo 1.º da Lei n.º 97/88 de 17 de agosto, alterada pela Lei n.º 23/2000, de 23 de agosto).
De forma alguma este regime pode ser perspetivado como um obstáculo jurídico arbitrário, como uma intervenção abusivamente limitadora do jus utendi de um bem privado, com o único fito de obter receitas. Independentemente da posição adotada quanto a saber se a iniciativa publicitária corresponde ou não ao gozo de uma faculdade contida no direito de propriedade privada, não sofre dúvida de que tal regime se encontra objetivamente legitimado pela tutela de reais interesses públicos, cuja preservação é condição indispensável da “qualidade ambiental das povoações e da vida urbana”, nos termos constitucionalmente exigidos (alínea e) do artigo 66.º da CRP).
12. Mas a conexão privado-público, que se estabelece por força da afixação e inscrição de mensagens de publicidade em prédios privados, não deve representar-se apenas segundo um “modelo de limites”, traduzindo a ideia simples de que ao privado cumpre respeitar as restrições que advêm da intangibilidade de interesses públicos.
Se assim fosse, poderia ter cabimento a orientação que valora diferentemente a taxa devida pela concessão da licença, como ato administrativo praticado em dado momento temporal, das sucessivas renovações dessa taxa, das prestações periodicamente reiteradas, em função da manutenção, ao longo do tempo, da publicidade. Poderia sustentar-se, deste ponto de vista, que é apenas a colocação da publicidade que requer, como contrapartida, a atividade administrativa prévia de verificação da observância dos deveres negativos do obrigado tributário, os quais dão conteúdo aos critérios de licenciamento enunciados no artigo 4.º da Lei n.º 97/88. Uma vez prestado, esse serviço público não se renova, pelo que não se divisa a existência de qualquer contrapartida específica para a remuneração periódica da mera permanência do reclamo (assim, o Acórdão n.º 437/2003; cfr. ainda o Acórdão n.º 166/2008, onde se salienta que, estando em causa – como acontece nos presentes autos – a renovação da licença e não o licenciamento ex novo, «mais reforça a ausência de correspectividade/sinalagmaticidade entre a taxa devida e o serviço a prestar pelo município, na medida em que a publicidade em causa já se encontra devidamente afixada no imóvel pertencente à recorrida, não se vislumbrando que serviços concretos poderia aquele município ser forçado a praticar, por força da mera renovação da licença»).
Afigura-se-nos que esta orientação, para além de se apoiar numa compreensão restritiva do conceito de taxa, denegatória da autonomia da modalidade consistente na remoção de um obstáculo jurídico, é excessivamente redutora do conteúdo da relação estabelecida entre o anunciante e a administração local. Não está em causa apenas o interesse de integridade dos valores, ambientais, urbanísticos e outros, que poderiam ser afetados por causa da atividade publicitária, interesse esse acautelado através da intervenção administrativa de fiscalização do cumprimento dos deveres específicos de omissão enumerados no artigo 4.º da Lei n.º 97/88. A emissão da licença, o mesmo é dizer, o levantamento do obstáculo jurídico (que já vimos não ser arbitrário) dá origem a uma relação com o obrigado tributário distinta da que intercede com a generalidade dos administrados, no quadro da qual a entidade emitente assume uma particular obrigação – a duradoura obrigação de suportar (pati) uma atividade que, embora respeitando aqueles deveres, interfere permanentemente com a conformação de um bem público. Com o licenciamento, alteram-se as posições jurídicas recíprocas de administração e administrado, ficando aquela onerada, enquanto a situação persistir, com uma obrigação até aí inexistente. Inversamente, o anunciante ganha título para uma ativa e particular fruição, em termos comunicacionais, do espaço ambiental, necessária à realização da utilidade individual procurada, a qual não se confunde com o gozo passivo desse espaço, ao alcance da generalidade dos cidadãos (cfr., todavia, o Acórdão n.º 437/2003). Em exclusivo proveito próprio, um sujeito privado – o anunciante – introduz, através da atividade publicitária, mudanças qualitativas na perceção e no gozo do espaço público por parte de todos os que nele se movem, “moldando-o”, em função do seu interesse. A constituição da obrigação passiva de se conformar com essa influência modeladora é justamente a contrapartida específica que dá causa ao pagamento da taxa, estruturando, em termos bilaterais, a relação estabelecida com o obrigado tributário.
Findo o prazo para o qual tinha sido concedida a remoção da proibição do exercício da atividade publicitária, torna-se necessário proceder à reavaliação da situação, do ponto de vista da permanência das condições legais de licenciamento, o que justifica a cobrança de uma nova prestação tributária. Essa reavaliação é um pressuposto da continuidade da fruição, por um novo período, das utilidades propiciadas por tal atividade, no que o particular se mostra interessado. Não faz sentido, atenta essa relação causal, distinguir o licenciamento da sua renovação, ou a contrapartida devida pelo período inicial das que são exigíveis pelos períodos de renovação da licença.
Assim como, noutra dimensão problemática, não há razões para considerar a taxa de publicidade consumida por anteriores quantias devidas para a realização de outros trâmites de que eventualmente depende a utilização de edifícios privados para fins publicitários. Já defendida na doutrina (cfr. P. PITTA e CUNHA/J. XAVIER DE BASTO/A. LOBO XAVIER, “Os conceitos de taxa e imposto a propósito de licenças municipais”, Fisco, ano 5 (1993), 3 s., 6-7), esta tese ignora a especificidade da contrapartida outorgada ao anunciante, inconfundível com qualquer outra e autónoma em relação a causas de prestação com ela eventualmente cumuláveis.»
Para a decisão do presente recurso, cumpre salientar, além da já assinalada superação da noção restritiva de taxa, o reconhecimento expresso no Acórdão n.º 177/2010 da «intervenção administrativa de fiscalização do cumprimento de deveres específicos» ordenada à garantia de «integridade dos valores ambientais, urbanísticos e outros», e, sobretudo, a importância dada à relação jurídica criada pela licença: “uma relação com o obrigado tributário distinta da que intercede com a generalidade dos administrados, no quadro da qual a entidade emitente assume uma particular obrigação – a duradoura obrigação de suportar (pati) uma atividade que, embora respeitando aqueles deveres, interfere permanentemente com a conformação de um bem público”. Em vez do que designou de «modelo de limites», o Tribunal aplicou um «modelo relacional» que coloca no centro a relação jurídica - isto é, os direitos e deveres recíprocos de quem licencia e de quem é licenciado – que se prolonga no tempo.
Para o acórdão recorrido, este último aspeto, considerado de per si, não relevaria no caso ora sub iudicio, porquanto “o obrigado ao pagamento da disputada taxa não beneficia da remoção de qualquer obstáculo jurídico ao exercício da atividade em causa, somente podendo a imposição da mesma fundar-se na ocupação do domínio público e aproveitamento de bens de utilização pública. Casuisticamente, o Ac. 177/2010 versou situação referente a taxa por emissão, camarária, de licença para afixação ou inscrição de publicidade em propriedade privada, quando é certo que, para explorar os visados postos de abastecimento de combustíveis, a impugnante teve de obter licença junto de entidade oficial, com nenhuma ligação ao Município de Sintra; que, aliás, nem justifica a liquidação da mesma com esse fundamento específico “ (cfr. supra o n.º 2).
Tal conclusão afigura-se demasiado apressada.
Com efeito – e abstraindo agora dos aspetos conexionados com a «fiscalização do cumprimento de deveres específicos», considerados autonomamente no número anterior do presente acórdão – a verdade é que a licença de exploração de postos de combustíveis, enquanto ato administrativo de execução continuada (ou de eficácia duradoura), também não esgota os seus efeitos num só momento, através de um ato ou facto isolado. Bem pelo contrário, constitui uma relação jurídica duradoura no quadro da qual o licenciado adquire o direito de exercer uma atividade que, mesmo cumprindo os deveres específicos impostos pela legislação e regulamentação técnica aplicável, interfere permanentemente com a conformação de bens públicos, como o ambiente (ar, águas e solos), o urbanismo e o ordenamento do território e a gestão do tráfego. Ou seja, também no caso em apreço se verifica que, no quadro das licenças de exploração dos postos de abastecimento da recorrida, o Município de Sintra, apesar de não ter sido a entidade emitente das mesmas, fica duradouramente obrigado a suportar atividades que interferem permanentemente com a conformação de bens públicos que tem por atribuição proteger. O mesmo é dizer, que, embora assente na licença de exploração, a remoção do obstáculo jurídico ao comportamento do particular – desde logo, a proibição de poluir – é permanente e não pode deixar de ser imputada ao próprio Município, uma vez que compete hoje à Câmara Municipal de Sintra licenciar a exploração de postos de abastecimento de combustíveis como os da recorrida (cfr. o artigo 5.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 267/2002, de 26 de novembro).
Mas há ainda outros aspetos que importa considerar.
Em primeiro lugar, a circunstância de, mesmo em relação aos postos cuja exploração foi licenciada pela Administração central ao abrigo de legislação anterior, serem afetados os bens «segurança» e «qualidade ambiental» do Município de Sintra e dos seus munícipes, e mais em geral, todo do «espaço público municipal» pela prossecução do interesse económico particular do titular da licença. Este impõe – e ao abrigo da licença tem o direito de impor – àquele Município a obrigação de suportar atividades que interferem permanentemente com a conformação de bens públicos. Aliás, em comparação com aquilo que se passa com a inscrição e afixação de mensagens de publicidade em prédios privados, essa interferência e utilização do espaço público é muitíssimo mais gravosa e intrusiva.
Depois, há que retirar todas as consequências da ocorrida transferência de competências. Aliás, nem faria sentido distinguir, para efeitos de taxação referente aos condicionamentos do tráfego e acessibilidades e aos impactes ambientais negativos nos recursos naturais – ou seja, relativamente à obrigação do município de suportar atividades que interferem permanentemente com aqueles bens – entre a emissão de licenças de exploração ou suas renovações pela Administração central e a emissão de licenças de exploração ou suas renovações pela câmara municipal. Com efeito, tanto num caso, como no outro, as atividades licenciadas projetam-se da mesma forma e de modo negativo sobre o espaço público municipal.
Em terceiro lugar, cumpre ter presente que as taxas a impor com referência ao licenciamento propriamente dito – por exemplo, apreciação dos pedidos de aprovação dos projetos de construção e de alteração ou as vistorias que antecedem a emissão das licenças – estão previstas no artigo 22.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Decreto-Lei n.º 267/2002, de 26 de novembro, que, no tocante aos respetivos montantes remete, na parte que aqui interessa, para regulamento municipal (cfr. o n.º 2 do citado artigo 22.º). Acresce que as licenças em causa se limitam a verificar que, no momento em que são emitidas, se encontram cumpridos todos os requisitos técnicos. Tais licenças e, por conseguinte, as taxas fixadas com referência às mesmas, pura e simplesmente não tomam em consideração os aludidos condicionamentos e impactes negativos no espaço público municipal. Nem o podiam fazer, uma vez que a disciplina jurídica em causa – na tradição que já vem do regime de 1937 - é uniforme para todo o processo de licenciamento de postos de combustíveis, com abstração da entidade competente para a emissão das licenças, se as câmaras municipais, se a Administração central. Esta última distinção competencial é, como referido anteriormente, uma consequência da operacionalização em 2002 da política de descentralização vertida na Lei n.º 159/99, de 14 de setembro.
Finalmente, há que ter em conta a longa duração da licença de exploração de postos de abastecimento de combustível: em regra, 20 anos (cfr. o artigo 15.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 267/2002, de 26 de novembro; cfr também supra o n.º 13). Durante todo o período da licença, pode ser exercida a atividade licenciada, que, recorde-se, impacta negativamente em bens públicos. Ou seja, a remoção do obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares – e não parece poder questionar-se, à luz dos interesses públicos a tutelar, a legitimidade de tal regime de licenciamento – não opera instantaneamente, mas permanece durante todo o período de vigência da licença.
Considerando conjuntamente todos estes aspetos, a interrogação que se pode formular é a de saber se um município, obrigado a suportar permanentemente no seu espaço público interferências decorrentes de uma atividade económica sujeita a procedimentos públicos de licenciamento previstos em legislação especial e igualmente aplicável à Administração municipal e à Administração central, que, todavia, não considera nem faz relevar tais impactes negativos para efeitos de fixação das taxas aplicáveis, pode, por sua iniciativa, e em ordem à prossecução das suas atribuições nos domínios afetados pela atividade licenciada, tributá-la, tomando como referência as licenças previamente atribuídas. Noutros termos: será que a «remoção do obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares» a que se refere o artigo 3.º do RGTAL, como pressuposto das taxas, é necessariamente específico de uma dada taxa, ou pode ser comum e, por conseguinte, valer para outras taxas conexionadas com dimensões da atividade licenciada não consideradas na fixação da taxa que remove o obstáculo jurídico em causa?
O caso sub iudicio exemplifica bem a importância da questão: será compatível com o princípio da autonomia das autarquias locais admitir que estas não possam impor taxas sobre atividades que interferem de forma relevante com bens jurídicos que lhes cabe tutelar apenas porque na legislação especial respeitante ao licenciamento da mesma atividade se consideram exigências diferentes e muito relevantes do ponto de vista técnico, mas que ignoram por completo a aludida dimensão de interferência permanente com bens públicos municipais?
No Acórdão n.º 177/2010 este Tribunal entendeu que “a constituição da obrigação passiva de se conformar com essa influência modeladora é justamente a contrapartida específica que dá causa ao pagamento da taxa, estruturando, em termos bilaterais, a relação estabelecida com o obrigado tributário”. Mas, como mencionado pelo tribunal recorrido, também aí se considerou que “findo o prazo para o qual tinha sido concedida a remoção da proibição do exercício da atividade publicitária, torna-se necessário proceder à reavaliação da situação, do ponto de vista da permanência das condições legais de licenciamento, o que justifica a cobrança de uma nova prestação tributária. Essa reavaliação é um pressuposto da continuidade da fruição, por um novo período, das utilidades propiciadas por tal atividade, no que o particular se mostra interessado. Não faz sentido, atenta essa relação causal, distinguir o licenciamento da sua renovação, ou a contrapartida devida pelo período inicial das que são exigíveis pelos períodos de renovação da licença. Assim como, noutra dimensão problemática, não há razões para considerar a taxa de publicidade consumida por anteriores quantias devidas para a realização de outros trâmites de que eventualmente depende a utilização de edifícios privados para fins publicitários“.
Ora, a grande diferença no caso sujeito é que a taxa a aplicar nos termos do artigo 70.º, n.º 1, 1.1, da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra para 2008 pressupõe já o benefício da remoção do obstáculo jurídico, isto é, a licença de exploração de postos de abastecimento de combustíveis. O que aquela taxa vem valorar é, no quadro de tal licenciamento, aspetos ainda nele não considerados, uma vez que o licenciamento em causa é determinado por lei especial que não tem de tomar em linha de consideração a especificidade dos interesses municipais. Será que, por ser assim, fica a taxa do artigo 70.º, n.º 1, 1.1, desprovida de uma estrutura bilateral?
A resposta deve ser negativa, uma vez que o licenciamento dos postos de abastecimento de combustíveis nos termos do Decreto-Lei n.º 267/2002, de 26 de novembro, removendo embora um obstáculo jurídico, não toma – e, em rigor, nem pode tomar, atento o princípio da autonomia das autarquias locais - em consideração a obrigação passiva do Município de Sintra de se conformar com a influência modeladora da atividade licenciada. E este deve ser o aspeto decisivo: existe um comportamento sujeito a licenciamento que constitui aquele Município numa dada obrigação de suportar impactes negativos da atividade licenciada que pura e simplesmente não são considerados na licença. A taxa em causa é a contrapartida específica de tal obrigação passiva. Não ocorre dupla tributação, uma vez que a mesma obrigação pura e simplesmente não é considerada nas taxas a pagar por ocasião da emissão ou renovação da licença. Também aqui deve valer a ideia de que as taxas do Decreto-Lei n.º 267/2002, de 26 de novembro não consomem a taxa do artigo 70.º, n.º 1, 1.1, da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra para 2008, uma vez que se reportam a contrapartidas diferentes.
Deste modo, se se tiver em conta não cada ato administrativo de licenciamento individualmente considerado, mas as relações jurídicas constituídas pelos mesmos, nada impede que o mesmo ato – rectius a relação jurídica por ele constituída - possa funcionar, em momentos distintos e relativamente a diferentes entidades públicas, como pressuposto da exigência de prestações pecuniárias coativas a título de taxas.
Assim, também com base em tal perspetiva se pode considerar a taxa prevista no artigo 70.º, n.º 1, 1.1, da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra para 2008 legítima à luz do artigo 3.º do RGTAL, ficando do mesmo modo afastado o juízo de inconstitucionalidade emitido pelo tribunal recorrido.
III. Decisão
Pelo exposto, acordam em:
a) Não julgar inconstitucional, quando aplicável a equipamentos de abastecimento de combustíveis líquidos inteiramente localizados em propriedade privada, o artigo 70.º, n.º 1, 1.1, da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra para 2008, na versão publicada pelo Aviso n.º 26235/2008 no Diário da República, II Série, de 31 de outubro de 2008, e mantido em vigor, sem qualquer atualização, no ano de 2009, por deliberação da Assembleia Municipal de Sintra, de 27 de fevereiro de 2009, conforme o n.º 1 do Aviso n.º 5156/2009, publicado no Diário da República, II Série, de 9 de março de 2009; e, em consequência,
b) Conceder provimento ao recurso, e ordenar a reforma da decisão recorrida de acordo com o antecedente juízo de não inconstitucionalidade.
Sem custas.
Lisboa, 5 de dezembro de 2012.- Pedro Machete – Fernando Vaz Ventura – João Cura Mariano – Ana Maria Guerra Martins (com declaração) – Joaquim de Sousa Ribeiro.
DECLARAÇÃO DE VOTO
Na sequência da declaração de voto de vencida do acórdão n.º 24/2009.
Lisboa, 5 de dezembro de 2012. – Ana Maria Guerra Martins