Imprimir acórdão
Processo nº 191/95
1ª Secção
Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
1.- A., com sede na ------------------, e escritórios em
Lisboa, intentou na comarca de Portimão, acção de restituição provisória de
posse contra B., C. e outros.
Produzida a prova, foi decidido se procedesse, a
título provisório, à restituição dos andares e garagem em causa à posse da
requerente.
Reagiram os requeridos e a Relação de Évora, por
acórdão de 9 de Junho de 1994, concedeu provimento ao recurso, revogando a
decisão inicial.
A requerente pediu a aclaração do acórdão, nos
termos do artigo 669º do Código de Processo Civil (CPC) e arguiu
simultaneamente a sua nulidade, de acordo com os artigos 201º e seguintes do
mesmo Código, tendo a Relação, por acórdão de 10 de Novembro seguinte,
indeferido ambos os pedidos.
Face a esta decisão a mesma interessada, em
requerimento dirigido ao 'Sr. Dr. Juiz Desembargador do Tribunal da Relação de
Évora' interpôs recurso para o Tribunal Constitucional.
O magistrado relator convidou a recorrente, nos
termos do artigo 75º-A, nº 5, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, a indicar os
elementos previstos no nº 1 do artigo 70º do mesmo diploma legal, após o que A.,
veio dar cumprimento do seguinte modo:
'1.- O recurso é interposto ao abrigo do artigo 280º, nº 1,
alínea b), da Constituição da República;
2.- A norma é o artigo 395º do C.P.C. na interpretação dada.
3.- As Normas Constitucionais violadas são os artigos 12º,
13º, 18º e 20º da Constituição;
4.- Tais questões foram levantadas em dobro no pedido de
aclaração junto deste Tribunal'.
O Senhor Desembargador Relator, por despacho de 16
de Fevereiro de 1995, não admitiu o recurso interposto, condenando a recorrente
nas custas.
Fundamentou-se, para o efeito, na falta de atempada
suscitação da questão de inconstitucionalidade: equacionando-a no pedido de
aclaração já o poder jurisdicional se esgotara, insusceptibilizando a alteração
do conteúdo da decisão.
2.- Deste despacho reclamou a recorrente, agora
dirigindo-se ao 'Sr. Dr. Juiz Conselheiro do Tribunal Constitucional', alegando
que 'a inconstitucionalidade foi invocada só no despacho do pedido de aclaração.
Porém mesmo que assim se entenda competente o Tribunal que falta alterar a
decisão e assim podia apreciar a inconstitucionalidade invocada' (sic).
O Senhor Desembargador Relator, invocando o
disposto no artigo 76º da Lei nº 28/82, manteve a decisão recorrida.
Dada a vista ao Ministério Público, nos termos e
para os efeitos do artigo 77º, nº 2, deste diploma legal, pronunciou-se este
magistrado do seguinte modo:
'A presente reclamação é manifestamente infundada , pelo que - em
nome do princípio da economia processual- nos dispensamos de sugerir a
devolução dos autos à Relação de Évora, para submissão à conferência, nos termos
do nº 3 do artº 688º do CPC.
Na verdade, o recorrente - na sequência do convite que lhe foi
formulado no Tribunal recorrido - enunciou como objecto do recurso de
constitucionalidade a norma constante do artº.395º do CPC, na interpretação que
lhe foi dada no acórdão recorrido, pretendendo ter suscitado 'tais questões' 'em
dobro no pedido de aclaração' que deduziu naquele Tribunal.
Tal não é, porém, exacto, já que, em tal peça processual, o
recorrente havia suscitado a questão da inconstitucionalidade de outros
preceitos legais - os artºs. 1261º e 666º do CC (cfr. fls. 79).
Acresce que o artº 395º do CPC nada parece ter a ver com a situação
dos autos, já que se reporta a mera questão processual, permitindo e regulando
a impugnação do despacho que ordenou a restituição da posse!
Mas, mesmo que se entendesse - com ampla benevolência - que a
norma questionada seria a constante do artº 393º do CPC, interpretada em termos
de o 'esbulho violento', aí previsto, pressupor necessariamente a 'violência
contra as pessoas', nem por isso o recurso merecia melhor sorte. É que era
perfeitamente previsível, ao longo do processo, que essa questão de direito,
largamente debatida na jurisprudência, se iria necessariamente suscitar
aquando da decisão do litígio, cumprindo ao recorrente - que teve oportunidade
processual para o fazer - confrontar o Tribunal, antes da prolacção da
decisão, com tal pretensa inconstitucionalidade'.
Correram-se os vistos legais, de acordo com o
disposto no nº 2 do artigo 77º da Lei nº 28/82.
3.- A presente reclamação é, na verdade, manifestamente
infundada, colhendo a argumentação deduzida pelo Senhor Procurador-Geral
Adjunto, no seu 'visto', no sentido de, por razões de economia processual, se
dispensar a devolução dos autos para posterior sujeição à conferência a fim de
se observar o disposto no artigo 688º, nº 3, do CPC.
Enunciou a reclamante, como objecto do recurso de
constitucionalidade, a norma constante do artigo 395º do CPC, na interpretação
que lhe foi dada no acórdão recorrido.
Ora, por um lado, respeita este preceito a questão
adjectiva que nada tem a ver com a situação dos autos: proposta a acção
possessória, diz-nos ele, pode o réu, dentro de oito dias a contar da citação,
agravar do despacho que haja ordenado a restituição, devendo os termos do agravo
ser processados por apenso.
Por outro lado, na peça processual em que suscitou
a questão de inconstitucionalidade - ou seja, no requerimento posterior ao
acórdão da Relação de aclaração deste e arguição de nulidades - as normas que
apontou como enfermando de inconstitucionalidade, na interpretação dada, foram
as dos artigos 1261º e 606º do Código Civil, e não a daquele artigo 395º.
O problema foi, aliás, equacionado tardiamente pois
que não suscitado durante o processo, conhecida que é a jurisprudência
constante deste Tribunal quanto ao sentido a dar a esta locução, implicando a
invocação até ao momento em que o tribunal a quo possa conhecer da questão, ou
seja, antes de esgotado o seu poder jurisdicional, não sendo já pertinente, em
princípio, o momento de arguição de nulidades ou do pedido de aclaração (cfr.,
por todos, o Acórdão nº 479/89, publicado no Diário da República, II Série, de
24 de Abril de 1992).
Além disso, também de acordo com a jurisprudência
deste Tribunal, ao suscitar-se a inconstitucionalidade de uma dada interpretação
normativa impõe-se que o sentido dessa interpretação seja enunciado de forma
que, no caso de proceder o pedido, 'o Tribunal o possa apresentar na sua decisão
em termos de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os operadores do
direito ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido com que o
preceito em causa não deve ser aplicado, por, desse modo, violar a Constituição'
(cfr., inter alia, os Acórdãos nºs. 367/94 e 178/95, publicados no Diário da
República, II Série, de 7 de Setembro de 1994 e de 21 de Junho de 1995,
respectivamente). O que, manifestamente, não é o caso, limitando-se a
reclamante, quando para o efeito foi convidada, a indicar o artigo 395º do CPC,
'na interpretação dada'.
De qualquer modo, mesmo a conceder ter havido lapso
na indicação da norma, mencionando-se este artigo 395º em vez do 393º,
interpretada a norma deste preceito, de modo a que o 'esbulho violento' aí
previsto necessariamente pressupôr 'violência contra as pessoas' - o que só
se considera dialecticamente e uma vez que o Ministério Público adiantou este
argumento - renovar-se-ia a questão da intempestividade de suscitação. Com
efeito, não se trataria de uma 'decisão-surpresa', fundamentada em termos
imprevisíveis: sobre a noção de violência exigível para caracterizar o esbulho
são conhecidas correntes jurisdicionais e doutrinais divergentes das quais o
acórdão da Relação dá pormenorizada e documentada notícia.
Finalmente, retenha-se não ter sido a reclamação
correctamente dirigida ao presidente do Tribunal Constitucional, como o exige o
artigo 688º, nº 2, do CPC, aplicável ex vi do artigo 69º da Lei nº 28/82.
4.- Em face do exposto, decide-se indeferir a presente
reclamação.
Custas pela reclamante com taxa de justiça que se
fixa em 5 (cinco) unidades de conta.
Lisboa, 17 de Outubro de 1995
Alberto Tavares da Costa
Vítor Nunes de Almeida
Armindo Ribeiro Mendes
Antero Alves Monteiro Dinis
Maria da Assunção Esteves
Maria Fernanda Palma
José Manuel Cardoso da Costa