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Processo: n.º 121/95.
Plenário
Relator: Conselheiro Sousa e Brito.
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:
I — A causa
1 — O Procurador-Geral Adjunto em exercício no Tribunal Constitucional veio, em
representação do Ministério Público, requerer, ao abrigo dos artigos 281.º, n.º
3, da Constituição e 82.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, que o Tribunal
Constitucional aprecie e declare, com força obrigatória geral, a
inconstitucionalidade da norma constante da alínea a) do n.º 3, em conjugação
com o n.º 1, da Portaria n.º 760/85, de 4 de Outubro.
Fundando tal pedido alegou ter a mencionada norma sido explicitamente julgada
formalmente inconstitucional, nos Acórdãos n.os 662/94, 663/94 e 664/94, todos
de 14 de Dezembro, publicados, respectivamente, no Diário da República, II
Série, de 21, 22 e 23 de Fevereiro de 1995, por o diploma em que se insere,
versando sobre legislação de trabalho, ter sido editado sem participação das
organizações representativas dos trabalhadores, em violação do estatuído nos
artigos 55.º, alínea d), e 57.º, n.º 2, alínea a), da Constituição (na versão
resultante da Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de Setembro).
Notificado o Primeiro-Ministro para promover, querendo, a resposta ao pedido
formulado, nenhuma resposta foi recebida.
Nada obstando ao conhecimento da questão, cumpre, assim, decidir.
II — Fundamentação
2 — Estabelece a Portaria n.º 760/85, de 4 de Outubro, nos trechos em causa no
presente processo:
1.º São aprovadas, pela presente portaria, as tabelas anexas relativas ao
cálculo das provisões matemáticas das pensões de acidentes de trabalho.
3.º As referidas tabelas são aplicáveis:
a) Ao cálculo das provisões matemáticas correspondentes às
pensões fixadas, quer a partir da data da entrada em vigor da presente portaria,
quer anteriormente;
Importa ter presente, no que «ao cálculo do valor do capital de remições
autorizadas» se refere, que as tabelas anexas à Portaria n.º 760/85, são agora
aplicadas, de 28 de Setembro em diante, por força da Portaria n.º 946/93, de 28
de Setembro, que expressamente visou ultrapassar a declaração de
inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, constante do Acórdão n.º
61/91 do Tribunal Constitucional.
Esta alteração, porém, existindo um número indefinido de processos em que a
questão se coloca com a configuração legal anterior à Portaria n.º 946/93, faz
permanecer a utilidade da presente fiscalização (cfr. Acórdão n.º 231/94, Diário
da República, I Série-A, de 28 de Abril de 1994).
Pronunciaram-se as três decisões-pretexto, indicadas pelo Ministério Público,
pela inconstitucionalidade formal desta disposição [n.º 3, alínea a), conjugado
com o n.º 1] por violação dos artigos 55.º, alínea d), e 57.º, n.º 2, alínea a),
do texto constitucional, na versão introduzida pela revisão constitucional de
1982, por se entender que a matéria em causa (provisões matemáticas das pensões
de acidentes de trabalho) caía no conceito de «legislação do trabalho» e como
tal não poderia ser editado, como o foi, sem prévia audição das organizações
representativas dos trabalhadores.
Lê-se a este respeito nas mencionadas decisões:
(Acórdão n.º 662/94):
… não oferece dificuldade afirmar, face àquela alínea a) do n.º 3, que as
reservas matemáticas não relevam apenas para a determinação do valor da causa —
se só assim fosse até se poderia dizer, em rigor, que não se estaria perante
«legislação do trabalho» — e repercutem-se também directamente no caucionamento
de pensões, a que estão sujeitas as entidades patronais quando não haja ou seja
insuficiente o seguro, além de constituírem ainda garantias das pensões a cargo
das seguradoras (artigo 70.º, n.º 1, do Decreto n.º 360/71, de 21 de Agosto; e
dispõe o n.º 3 do subsequente artigo 71.º: «3. Os valores de caucionamento das
pensões são calculados de harmonia com o que se encontrar estabelecido para as
reservas matemáticas respectivas, com o acréscimo de 10 por cento»).
Como se vê, as reservas matemáticas não só são, elas mesmas, garantias das
pensões como influenciam directamente a consistência da garantia das pensões por
acidentes de trabalho, que é constituída, na falta ou insuficiência do seguro,
pelo seu caucionamento.
Incidindo sobre um elemento substancial da matéria de protecção dos
trabalhadores no âmbito dos acidentes de trabalho, não podia deixar de se
concluir que a norma em causa se integra no conceito de «legislação do
trabalho», e que, tendo sido emitida sem participação das organizações
representativas dos trabalhadores, viola os artigos 55.º, alínea d), e 57.º, n.º
2, da Constituição (versão de 1982)…
(Acórdão n.º 663/94):
De acordo com as disposições ínsitas nos artigos 55.º, alínea d), e 57.º, n.º 2,
alínea a), da Constituição (na versão resultante da revisão operada pela Lei
Constitucional n.º 1/82, de 30 de Setembro, versão a que se deve dar relevância,
já que foi no seu domínio que foi editada a Portaria n.º 760/85), é direito das
comissões de trabalhadores e das associações sindicais o de participarem «na
elaboração da legislação do trabalho».
Não nos diz o Diploma Fundamental o que deva ser entendido sobre legislação do
trabalho mas, sobre um tal conceito, se tem debruçado a doutrina e a
jurisprudência, designadamente a deste Tribunal e da Comissão Constitucional.
Assim, e de harmonia com estas, pode ser afirmado que por legislação do trabalho
se deve entender a normação que vise «regular as relações individuais e
colectivas de trabalho, bem como os direitos dos trabalhadores enquanto tais e
as suas organizações» ou, se se quiser, a normação «regulamentar dos direitos
fundamentais dos trabalhadores reconhecidos na Constituição» (palavras dos
Acórdãos n.os 107/88 e 31/84, in Diário da República, I Série, de,
respectivamente, 21 de Junho de 1988 e 17 de Abril de 1984; cfr., ainda, e por
último, os Acórdãos n.os 396/93 e 430/93, publicados, também respectivamente,
nas II e I Séries do Diário da República, de 25 de Setembro e 22 de Outubro de
1993, e as referências doutrinais e jurisprudenciais aí efectuadas).
A normação infraconstitucional não deixou de ponderar a exigência constante da
Lei Fundamental no tocante à participação dos organismos representativos dos
trabalhadores na elaboração da legislação de trabalho, e é assim que, verbi
gratia, a Lei n.º 16/79 veio, de um lado, efectuar a definição (embora não de
forma esgotante — cfr. n.º 1 do seu artigo 2.º) das matérias incluíveis no
conceito daquela legislação e, de outro, veio estatuir sobre as regras a que
deverá obedecer o procedimento legislativo quando intente emitir normação sobre
essas matérias.
No elenco daquilo que a Lei n.º 16/79 entendeu considerar como legislação de
trabalho (embora, repete-se, de forma não esgotante, o que facilmente se conclui
pelo emprego, no n.º 1 do citado artigo 2.º, do vocábulo «designadamente»)
encontra-se a emissão de normas que visem os «acidentes de trabalho e doenças
profissionais» [alínea h) daquele n.º 1 do artigo 2.º].
Daí que, logo numa primeira leitura, se poderia ser levado a entender que a
Portaria n.º 760/85 não poderia deixar de ser considerada como legislação de
trabalho, uma vez que ela, indubitavelmente, rege numa matéria de relevante
importância para a fixação das prestações (mais propriamente, como garantia do
pagamento dessas prestações por parte das seguradoras) a que os trabalhadores
têm direito pela circunstância de terem sofrido redução da sua capacidade de
trabalho ou de ganho devido à ocorrência de um acidente de trabalho ou da
contracção de uma doença profissional — e isso porque as tabelas aprovadas por
aquele diploma vão servir como elemento, entre outros factores, de cálculo de
provisões matemáticas que, por sua vez, se hão-de repercutir nos montantes das
referidas prestações.
A isto, que no entender do Tribunal, por si só bastava, haverá ainda que
acrescentar que as tabelas em causa não apresentam relevo unicamente como factor
determinante do cálculo das faladas provisões com vista à consecução do montante
das prestações a que os trabalhadores têm direito (ou, do modo que atrás se
assinalou, como garantia de caucionamento especial dos créditos dos segurados),
como ainda importam numa outra matéria.
Consiste ela, precisamente, na circunstância de as tabelas anexas à Portaria n.º
760/85, a que se recorre para determinação das reservas matemáticas para efeitos
de cálculo das prestações devidas por acidentes de trabalho e doenças
profissionais, servirem, também elas, para o estabelecimento dos valores de
caucionamento do pagamento daquelas prestações devido (em consequência de
condenação ou de obrigação emergente de acordo homologado) pelas entidades
patronais, nos casos em que não haja ou seja insuficiente o seguro imposto pela
Base XLIII da Lei n.º 2127 (cfr. artigos 70.º, n.º 1, e 71.º, n.º 3, do Decreto
n.º 360/71).
Ora, a matéria do caucionamento ou da garantia do pagamento das prestações a que
os trabalhadores têm direito em virtude de terem sofrido de acidentes ou doenças
decorrentes do seu labor profissional por conta das respectivas entidades
empregadoras, não pode deixar de ser perspectivada como se revestindo da maior
importância naquela outra que é a da real obtenção desse pagamento, sob pena de,
inexistindo garantia, não poderem os trabalhadores, na prática, em determinados
casos, ser ressarcidos compensatoriamente.
Este ressarcimento, ninguém o duvida, inscreve-se claramente, em primeira via,
na temática dos acidentes de trabalho e doenças profissionais e, em segunda, no
mais vasto campo da segurança social dos trabalhadores.
Por isso, haverá de reconhecer que a matéria normatizada na alínea a) do n.º 3,
em conjugação com o n.º 1, ambos da Portaria n.º 760/85, visa a denominada
«legislação do trabalho» a que se reportam os preceitos constantes dos artigos
55.º, alínea d), e 57.º, n.º 2, alínea a), da Constituição (versão de 1982).
(Acórdão n.º 664/94):
Tratando-se de legislação do trabalho, sobre tal norma deviam ter sido ouvidas
as associações sindicais e as comissões de trabalhadores, pois que, nos
respectivos direitos, se inscreve o de «participar na elaboração da legislação
de trabalho» [cfr. os artigos 55.º, alínea d), e 57.º, n.º 2, alínea a), da
Constituição da República, na versão de 1982, que era a que estava em vigor à
data da aprovação da Portaria n.º 760/85, de 4 de Outubro].
Sendo constitucionalmente exigida a participação das organizações
representativas dos trabalhadores na elaboração da legislação do trabalho (e,
assim, na da norma aqui sub iudicio) e não contendo a Portaria n.º 760/85
qualquer referência a essa eventual participação, há que — tal como se fez no
Acórdão n.º 61/91 (Diário da República, I Série, de 1 de Abril de 1991), em que
se declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma
constante da alínea b) do n.º 3 da mesma Portaria n.º 760/85 — há que, dizia-se,
presumir que tal participação não ocorreu (cfr., quanto a uma tal presunção, os
já citados Acórdãos n.os 451/87 e 15/88).
3 — Desde a sua formação que a generalidade dos sistemas jurídicos integram no
respectivo património juslaboral um importante sector de regras respeitante a
acidentes de trabalho (v. Menezes Cordeiro, Manual de Direito de Trabalho,
Coimbra, 1991, pp. 53-55; Vítor Ribeiro, Acidentes de Trabalho, Lisboa, 1984,
pp. 155-157; Camerlynck/Lyon-Caen, Droit du Travail, Paris, 1976, pp. 8-9).
Como refere Menezes Cordeiro a autonomia dogmática da situação jurídica laboral
decorre «não da presença de particulares vectores juslaborais, mas da
possibilidade de ordenar normas e princípios em função do trabalho subordinado»,
processo este a partir do qual se obtém «um sistema — ou subsistema —
juslaboral, base do regime da competente situação jurídica e da sua própria
autonomia científica, legislativa, disciplinar e académica» (ob. cit., p. 103).
Ora, neste processo de ordenação de normas e princípios em função da realidade
trabalho subordinado, a matéria dos acidentes de trabalho mantém uma constante
presença, estruturando mesmo deveres acessórios relativos à situação juslaboral
[artigo 19.º, alínea e), da Lei do Contrato de Trabalho] e formando um sector
específico que se tende mesmo a especificar sob a designação de «direito
infortunístico laboral».
A integração da matéria relativa aos acidentes de trabalho e doenças
profissionais na definição de «legislação de trabalho», operada pela Lei n.º
16/79, de 26 de Maio, relativo à participação das organizações de trabalhadores
na elaboração e legislação de trabalho, traduz, assim, por um lado, o
reconhecimento da plena integração do direito infortunístico laboral no
património juslaboral e, por outro lado, a constatação da importância e
especificidade que o mesmo assume.
Esse mesmo entendimento, aliás, vem sendo uniformemente afirmado pela
jurisprudência deste Tribunal (v. por todos o Acórdão n.º 61/91, no Diário da
República, I Série-A, de 1 de Abril de 1991).
4 — A situação concreta que nos ocupa tem que ver com o estabelecimento de
tabelas de provisões ou reservas matemáticas. Caracterizam-se estas por uma
função básica de garantia das pensões a cargo das seguradoras (através da
mobilização de determinados montantes proporcionais ao valor, número e natureza
dos riscos assumidos — v. artigo 71.º, n.º 1, do Decreto n.º 360/71, de 21 de
Agosto). Paralelamente, têm as reservas que ver com os valores de caucionamento
das pensões imposto às entidades patronais na falta ou insuficiência de seguro
(artigos 70.º, n.º 1, e 71.º, n.º 3, do Decreto n.º 360/71); funcionam, enfim,
as reservas matemáticas como elemento decisivo no cálculo do capital de remição
das pensões [n.º 3, alínea b), da Portaria n.º 760/85], tendo, por isso, que ver
directamente com os quantitativos indemnizatórios a receber pelo sinistrado nas
hipóteses em que (e nisso se traduz a remição) o direito deste sofre a alteração
estrutural consistente na sua transformação «de prestação duradoura e periódica
de certo montante, em prestação unitária» (Vítor Ribeiro, Acidentes de Trabalho.
Reflexões e notas práticas, Lisboa, 1986, p. 78).
Trata-se, assim, de matéria particularmente importante num sector específico do
ordenamento laboral que, como se refere nas decisões-pretexto constantes destes
autos, não pode deixar de ser considerada como integrando «legislação de
trabalho» para os efeitos aqui constitucionalmente relevantes.
Não constando do diploma em causa referência alguma à participação das
organizações representativas dos trabalhadores na sua elaboração, há que
presumir, como é entendimento deste Tribunal (v. Acórdão n.º 451/87, Diário da
República, I Série, de 14 de Dezembro de 1987), não ter tal participação
ocorrido, com a consequente violação dos artigos 55.º, alínea d), e 57.º, n.º 2,
alínea a), da Lei Fundamental, na versão de 1982.
5 — Será que a Portaria n.º 760/85 não está incluída na «legislação do trabalho»
abrangida pelas disposições constitucionais em causa, por se tratar de um
regulamento (neste sentido, as declarações de voto no Acórdão n.º 232/90,
Acórdãos do Tribunal Constitucional, 16.º Vol., pp. 649, 658 e 660)?
A jurisprudência deste Tribunal (nomeadamente o citado Acórdão n.º 232/90; no
mesmo sentido: Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República
Portuguesa Anotada, 2.ª ed., 1985, i, p. 300) tem atribuído ao termo legislação
«um sentido amplo que o faça coincidir com ‘normação’ ou ‘produção normativa’»,
sendo este sentido o «único que vai ao encontro da razão de ser da participação
das organizações representativas dos trabalhadores no processo de produção
normativo-laboral» (Acórdão n.º 232/90 cit., p. 657). Ao atribuir às comissões
de trabalhadores e às associações sindicais o direito de participação na
elaboração da legislação do trabalho a Constituição visou garantir uma mais
exacta apreciação e uma mais justa ponderação dos interesses dos trabalhadores
na elaboração de normas jurídicas que podem afectar esses interesses. Sempre
que esses interesses possam ser novamente afectados por uma norma jurídica está,
portanto, constitucionalmente justificada aquela participação. Tratando-se de
regulamento que tenha por objecto os interesses dos trabalhadores, só não será
esse o caso quanto a regulamentos «meramente executivos, isto é, regulamentos
que não se substituam em nenhuma medida à lei; que rigorosamente não dêem vida a
nenhuma ‘regra de fundo’, a nenhum preceito jurídico ‘novo’ ou originário; que
se limitem a repetir os preceitos ou regras de fundo que o legislador editou —
só que de uma maneira clara ou, de toda a maneira mais clara» (segundo a
definição do Acórdão n.º 1/92, Diário da República, I Série-A, de 20 de
Fevereiro de 1992, pp. 1026-1030). Manifestamente não é esse o caso em análise.
Há que convir que, no caso da Portaria n.º 760/85, que veio substituir a
Portaria n.º 632/71, de 19 de Novembro, e como resulta da comparação das
respectivas tabelas anexas, foram «adaptados critérios para o cálculo das
provisões matemáticas substancialmente mais baixos do que os resultantes da
utilização das tabelas anexas à Portaria n.º 632/71, daí resultando, dados os
fins para que relevam as reservas matemáticas, um significativo agravamento da
situação dos sinistrados» (assim, invocando a alegação do Ministério Público, o
Acórdão n.º 217/95, Diário da República, II Série, de 26 de Junho de 1995, pp.
7040-7042; cfr. o Acórdão n.º 232/90 cit., p. 654). Não há, portanto, dúvida de
que os interesses dos trabalhadores foram inovatoriamente afectados pela
Portaria n.º 760/85, pelo que deveria ter havido lugar ao exercício do direito
de participar na elaboração da legislação laboral reconhecido na Constituição.
III — Decisão
6 — Pelo exposto, declara-se, com força obrigatória geral, a
inconstitucionalidade da norma constante da alínea a) do n.º 3, conjugada com o
n.º 1, ambos da Portaria n.º 760/85, de 4 de Outubro, por violação dos artigos
55.º, n.º 5, alínea d), e 57.º, n.º 2, alínea a), da Constituição, na versão
resultante da Lei Constitucional n.º 1/82, de 20 de Setembro.
Lisboa, 11 de Julho de 1995. — José de Sousa e Brito — Alberto Tavares da Costa
— Vítor Nunes de Almeida — Guilherme da Fonseca — Bravo Serra — Fernando Alves
Correia — Antero Alves Monteiro Diniz — Messias Bento — Maria Fernanda Palma
— Maria da Assunção Esteves (vencida, nos termos da declaração de voto no
Acórdão n.º 232/90) — Armindo Ribeiro Mendes (vencido, nos termos da declaração
de voto junta) — Luís Nunes de Almeida (vencido, pelas razões constantes da
declaração de voto do Ex.mo Conselheiro Ribeiro Mendes) — José Manuel Cardoso da
Costa (vencido, conforme declaração de voto junta).
DECLARAÇÃO DE VOTO
1 — O presente acórdão foi proferido num processo de fiscalização abstracta que
tem como objecto um pedido de generalização, formulado ao abrigo do artigo
281.º, n.º 3, da Constituição, o qual tem na sua base julgamentos constantes de
acórdãos tirados em processos de fiscalização concreta de constitucionalidade,
quer da 2.ª Secção do Tribunal Constitucional — todos os acórdãos que serviram
de base ao pedido foram proferidos por essa secção — quer da 1.ª Secção (é o
caso dos Acórdãos n.os 215/95, 216/95 e 217/95, publicados o primeiro e o
terceiro no Diário da República, II Série, n.º 145, de 26 de Junho de 1995).
Nos acórdãos proferidos na 1.ª Secção, tive ocasião de votar vencido.
Ponderando de novo a posição então tomada, continuo a discordar da decisão que
acolheu uma significativa maioria do Tribunal.
2 — Entendo que a norma agora inconstitucionalizada, não obstante a revogação de
que se dá conta no texto do acórdão, não pode considerar-se, em caso algum,
legislação do trabalho.
De facto e como resulta do acórdão agora assinado e, mais nitidamente ainda do
Acórdão n.º 662/94 (in Diário da República, II Série, n.º 44, de 21 de Fevereiro
de 1995), a norma constante de alínea a) do n.º 3 da Portaria n.º 760/85, de 4
de Outubro, era aplicável, nos casos sub iudicio na fiscalização concreta, para
efeitos de fixação do valor processual nos processos de acidentes de trabalho ou
de doenças profissionais, por remissão do disposto no artigo 123.º, n.º 1, do
Código de Processo do Trabalho.
Quer dizer, o legislador de processo do trabalho utilizou, através de uma
técnica de remissão legislativa, o valor das reservas matemáticas impostas às
empresas seguradoras, no ramo de acidentes de trabalho, para fixar o valor
processual, considerando este igual ao dessas reservas matemáticas.
A norma desaplicada nas decisões recorridas, que deram origem aos identificados
acórdãos tirados em fiscalização concreta, era pois uma norma composta, a do n.º
1 do artigo 123.º do Código de Processo do Trabalho enquanto remete para a norma
constante da alínea a) do n.º 3, conjugado com o n.º 1, da Portaria n.º 760/85,
de 4 de Outubro.
Ora, sendo tal norma composta de natureza processual, não se vê bem como é que a
mesma pode constituir legislação do trabalho, na medida em que não afecta
directamente os direitos dos trabalhadores. A inconstitucionalidade parece que
só existiria se fosse obrigatória a audição das organizações dos trabalhadores
sobre os diplomas respeitantes à organização judiciária laboral e às leis do
processo laboral.
Ora, tal posição — que, por vezes, tem sido defendida por autores que perfilham
uma visão muito ampla do que seja legislação do trabalho — jamais foi acolhida
pelo Tribunal Constitucional.
É que, a haver afectação por essa legislação dos direitos dos trabalhadores,
trata-se de uma afectação indirecta ou reflexa.
3 — Por estas razões, votei vencido naqueles Acórdãos n.os 215/95, 216/95 e
217/95.
Escrevi aí:
A norma aplicada por remissão do artigo 123.º, n.º 1, do Código de Processo de
Trabalho — constante da alínea a) do n.º 3 da Portaria n.º 760/85, conjugado com
o n.º 1 da mesma Portaria — tem a ver com matéria processual, pelo que não se
considera que ele possa pôr directamente em causa os direitos dos trabalhadores,
tanto mais que o valor da causa é invariável quer a entidade patronal haja
transferido a sua responsabilidade pelo pagamento da pensão a uma seguradora,
quer não o tenha feito e haja caucionado o pagamento dessa pensão (cfr. artigo
70.º do Decreto n.º 360/71)
Contra esta posição não pode argumentar-se quer com a redacção do artigo 8.º,
n.º 1, alínea x), do Código das Custas Judiciais (nessa disposição faz-se uma
ligação entre as reservas matemáticas e a finalidade da sua constituição «para
garantia das respectivas pensões», ligação que provinha da redacção do artigo
118.º do Código de Processo de Trabalho de 1963, mas que se não afigura de
relevância para o presente recurso), quer com a necessidade de manter uma
solução unitária em matéria do valor do processo e em matéria de constituição de
caução. Tão-pouco se pode argumentar, no que toca à incidência em concreto do
cálculo do valor da acção, com a sua relação com as alçadas dos tribunais de
trabalho. Tenho por seguro que o valor das alçadas nunca pode afectar
directamente os direitos dos trabalhadores, não tendo, por isso, as suas
organizações de ser ouvidas sobre legislação atinente a esta matéria de natureza
processual e organizatória.
Alguma incongruência [entenda-se, face, à declaração de inconstitucionalidade
constante do Acórdão n.º 61/91] existe no plano do direito ordinário, mas não
acarreta, em minha opinião, qualquer juízo de desvalor constitucional no que
toca ao modo de fixação do valor das causas em matéria de acidentes de trabalho,
por não se ver qual a norma ou princípio constitucional violados por tal norma
de natureza processual.
4 — Continuo a perfilhar por inteiro este ponto de vista. Daí o meu reiterado
voto de vencido. — Armindo Ribeiro Mendes.
Declaração de voto
1 — Na esteira do referido nas declarações de voto que juntei aos Acórdãos n.os
232/90 e 61/91, tendo cada vez mais a pensar que, se a exigência feita pelos
artigos 55.º, alínea d), e 57.º, n.º 2, alínea a), da Constituição ainda poderá
ter residualmente algum sentido quanto a normas regulamentares, isso só acabará
por suceder quando estas normas se revistam de um alcance «inovatório» tal que
já verdadeiramente é posto em causa o princípio da «precedência da lei». O
vício normativo ocorrente nesse caso residirá então, desde logo, na violação do
mesmo princípio, antes que na daqueles outros preceitos constitucionais.
Ora, não é esse o caso da norma da alínea a) do n.º 3 da Portaria n.º 760/85,
agora em apreço — diferentemente do que sucedia com a norma da alínea b) do
mesmo preceito, declarada inconstitucional pelo citado Acórdão n.º 61/91.
2 — Independentemente do que fica dito, o que entendo, de todo o modo e em
definitivo, é que a norma sub judicio não cabe, considerada já só a respectiva
matéria, na categoria «legislação do trabalho»: louvo-me, para entender assim,
nas razões expendidas na declaração de voto do Ex.mo Conselheiro Ribeiro Mendes,
para a qual, com a devida vénia, remeto. É esse, de resto, um entendimento que
se impõe a fortiori a quem — como o signatário — noutra oportunidade considerou
que a própria alínea b) do n.º 3 da Portaria n.º 760/85 não merecia a
qualificação «primária» de norma de direito laboral (assim, na declaração de
voto junta ao Acórdão n.º 232/90, supra referido). — José Manuel Cardoso da
Costa.
1 — Acórdão publicado no Diário da República, I Série-A, de 10 de Outubro de
1995.