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Proc. nº 500/94
1ª Secção
Rel. Cons. Monteiro Diniz
Acordam no Tribunal Constitucional:
I - A questão
1 - No Tribunal Judicial da comarca de Penafiel, A. requereu
providência de injunção contra B., com vista a obter força executiva para uma
obrigação pecuniária do montante de 13.400$00 acrescida de juros moratórios,
proveniente de mercadorias que lhe forneceu no âmbito da sua actividade
empresarial.
Notificado o requerido e não tendo por ele sido deduzida oposição, o
secretário judicial do tribunal, em conformidade com o disposto no artigo 5º do
Decreto-Lei nº 404/93, de 10 de Dezembro, apôs no requerimento de injunção a
respectiva fórmula executória.
A credora e requerente instaurou então no mesmo tribunal, com base
no título executivo decorrente daquela providência, execução para pagamento de
quantia certa.
Contudo, por despacho de 29 de Junho de 1994, o senhor juiz
indeferiu liminarmente o requerimento inicial com base em desaplicação, fundada
em inconstitucionalidade, do Decreto-Lei nº 404/93.
Ateve-se, para tanto, às considerações seguintes:
'A permissão de notificação de uma pessoa física - o requerido - através de
carta registada com aviso de recepção - no sistema do Código de Processo Civil
só é possível relativamente às pessoas colectivas e sociedades, aí se permitindo
expressamente que o aviso de recepção possa ser assinado por pessoa diversa do
representante legal daquelas desde que se encontre na sede das mesmas, ao abrigo
do disposto nos artigos 228º-A e 233º nº 3 do Código de Processo Civil - sem que
se regule em pormenor se o aviso de recepção tem de ser assinado pelo próprio
requerido pode levar à aplicação do já referido sistema do Código de Processo
Civil e permitir que o aviso de recepção seja assinado por outra pessoa que se
encontre na residência daquele e, deste modo, violar a tutela do cidadão contra
quem se pretende fazer valer uma pretensão em juízo, fazendo perigar a certeza e
segurança da fórmula `execute-se'.
E tanto maior será a incerteza, a insegurança e a violação da tutela do
cidadão, quanto é certo que o Secretário Judicial não tem preparação
técnico-jurídica para indicar de forma intelegível o objecto do pedido e é-lhe
impossível fixar de antemão o último dia do prazo judicial para a oposição já
que sendo a notificação por via postal, não pode o secretário prever o dia em
que a mesma vai ser feita.
Pelo exposto, entendemos haver violação manifesta do artigo 20º da
Constituição da República Portuguesa, por violação do direito de defesa e com
ele do direito de acesso à justiça.
Acresce que o referido Decreto-Lei dispõe no seu artigo 5º que na falta de
oposição ou em caso de desistência da mesma o Secretário Judicial apõe a
seguinte fórmula executória no requerimento de injunção `Execute-se'.
O disposto nestes artigos viola manifestamente o estabelecido no artigo 205º
da Constituição da República Portuguesa por administrativizar um procedimento
jurisdicional cuja jurisdição está reservada aos Juízes e aos Tribunais como
órgãos constitucionalmente habilitados a defender e garantir os direitos e
interesses legítimos dos cidadãos.
Tais são, a nosso ver, as inconstitucionalidade materiais que inquinam este
diploma.
Mas para além destas inconstitucionalidade sofre este diploma duma
inconstitucionalidade orgânica porquanto a matéria regulada interfere com
direitos fundamentais dos cidadãos sendo tal matéria da competência relativa da
Assembleia da República, nos termos do artº 168º, nº 1, alínea b) da CRP, pelo
que só com autorização legislativa da Assembleia da República poderia o governo
legislar sobre tal matéria, não obstante no preâmbulo do diploma o Governo
invocar competência própria para decretar a providência da injunção, com base no
artigo 201º nº 1 alínea a) da C.R.P..
Pelo exposto, julgo material e organicamente inconstitucional o Decreto-Lei
nº 404/93, de 10 de Dezembro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 207º da
C.R.P., entendemos dever recusar a aplicação de tal Decreto-Lei.
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2 - Deste despacho, sob invocação do disposto nos artigos 280º, nºs
1, alínea a) e 3 da Constituição e 70º, nº 1, alínea a) e 72º, nº 3, da Lei do
Tribunal Constitucional, trouxe o Ministério Público recurso obrigatório a este
Tribunal.
Nas alegações depois oferecidas o senhor Procurador-Geral Adjunto
formulou o seguinte quadro conclusivo:
1º - A possibilidade, conferida ao secretário judicial pelo artigo 7º do
Decreto-Lei nº 404/93, de 10 de Dezembro, de recusar o pedido de injunção quando
este se não adeque às finalidades tipificadas no artigo 1º constitui simples
decorrência de existir um evidente e ostensivo erro na forma de processo
escolhida pelo requerente, e não prolacção de qualquer decisão de mérito, ainda
que liminar, sobre a pretensão formulada.
2º - A aposição da fórmula executória, nos casos em que se consumou a
notificação por via postal do requerido e em que este não deduziu oposição, nos
termos do artigo 5º, em conjugação com os artigos 4º e 6º, nº 2, do mesmo
diploma legal, não representa a prolacção de qualquer decisão de natureza
jurisdicional que traduza composição do eventual litígio que oponha o credor ao
devedor, mas tão somente a certificação por aquele funcionário judicial de que,
tendo-se consumado a notificação do pedido de injunção ao requerido e não tendo
sido deduzida por esta oposição, se mostra constituído, nos termos da lei,
título executivo extra-judicial.
3º - Não traduzindo a referida aposição da fórmula executória a prática de
qualquer acto jurisdicional de composição do litígio, não envolve qualquer
preclusão relativamente aos meios de defesa que, em processo executivo, ao
executado é lícito opor ao exequente o qual seguirá necessariamente a forma
sumária (artigo 465º, nº 2, do Código de Processo Civil), iniciando-se com a
citação do executado e comportando a eventual dedução de embargos nos amplos
termos consentidos pelo artigo 815º do Código de Processo Civil.
4º - O regime constante do Decreto-Lei nº 404/93 não implica, deste modo,
violação do preceituado nos artigos 205º e 206º da Constituição da República
Portuguesa, já que não resulta conferida ao secretário judicial qualquer
competência para proceder, à revelia do juiz, a uma composição do conflito de
interesses privados entre requerente e requerido no procedimento de injunção,
esgotando-se a actividade que lhe é consentida na mera certificação de que se
mostra criado, nos termos de lei, título executivo extra-judicial.
5º - O mesmo regime em nada ofende o princípio do contraditório, ínsito nos
artigos 2º e 20º da Lei Fundamental, já que não preclude ao requerido qualquer
direito de defesa: na verdade, se este não foi notificado, ou deduziu oposição,
seguem-se os termos do processo declarativo sumaríssimo, que naturalmente são
idóneos para assegurar tal direito; no caso contrário, a aposição da fórmula
executória em nada preclude a dedução de embargos de executado, nos amplos
termos permitidos pelo artigo 815º do Código de Processo Civil, já que
obviamente a execução a instaurar se não baseia em sentença'.
O recorrido não contralegou.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II - A fundamentação
1 - Em conformidade com a sua exposição preambular, o Decreto-Lei nº
404/93, 'de natureza intercalar no que respeita à revisão da actual legislação
processual em curso, constitui um significativo esforço de adequação dos
trâmites processuais às exigências da realidade social presente, sem quebra ou
diminuição da certeza e da segurança do direito, obedecendo, designadamente, aos
princípios de celeridade, simplificação, desburocratização e modernização, que
hão-de informar a nova legislação processual civil'.
Em ordem a concretização destes objectivos foi instituída a
injunção como 'providência destinada a conferir força executória' ao
requerimento dirigido ao cumprimento efectivo de obrigações pecuniárias
decorrentes de contrato cujo valor não exceda metade da alçada do tribunal de 1ª
instância (artigo 1º).
O pedido de injunção é apresentado na secretaria do tribunal que
seria competente para a acção declarativa com o mesmo objecto (artigo 2º, nº 1).
Recebido o pedido, o secretario judicial do tribunal notifica o
requerido, por carta registada com aviso de recepção, devendo indicar, de forma
intelegível, o seu objecto e demais elementos úteis à compreensão do mesmo,
referindo, ainda, expressamente, o último dia do prazo para a oposição (artigo
4º).
Na falta de oposição, ou em caso de desistência da mesma, o
secretário judicial do tribunal apõe no requerimento de injunção a respectiva
fórmula executória (artigo 5º).
Se o requerido se opuser à pretensão no prazo de sete dias a contar
da notificação, ou se se frustar a notificação por via postal, o secretário
judicial do tribunal apresentará os autos à distribuição, sendo conclusos ao
juiz, o qual, se o estado do processo o permitir, designará, desde logo o dia
para julgamento, observando-se a tramitação estabelecida para o processo
sumaríssimo (artigo 6º).
A oposição da fórmula executória só poderá ser recusada quando o
pedido não se adeque às finalidades constantes do artigo 1º e nas situações em
que à secretaria é lícito não receber a petição, cabendo da recusa reclamação
para o juiz presidente do tribunal ou do respectivo juízo cível (artigo 7º).
Será que este quadro normativo confia aos secretários judiciais,
como se sustenta na decisão recorrida, a 'prática de actos de administração da
justiça', incorrendo, consequentemente, em vício de inconstitucionalidade por
afronta ao artigo 205º da Constituição?
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2 - A figura da injunção instituída no Decreto-Lei n.º 404/93, e as
questões de constitucionalidade que têm sido levantadas a propósito das soluções
ali definidas pelo legislador, foram já objecto de apreciação em diversas
decisões do Tribunal Constitucional, havendo sido firmada, a tal propósito, uma
jurisprudência uniforme e reiterada no sentido da inverificação naquele
articulado de qualquer ilegitimidade constitucional.
Com efeito, em todos os arestos até agora proferidos (cfr. Acórdãos
nºs 375/95, 394/95, 395/95, 396/95, 397/95, 398/95, todos de 27 de Junho de
1995, ainda inéditos), teve-se por inexistente qualquer inconstitucionalidade
naquele quadro normativo, seja no tocante à competência atribuída ao secretário
judicial para determinar a notificação do requerido (artigo 4º), seja no
tocante à competência que lhe é concedida para a aposição da formula executória
no requerimento de injunção (artigo 5º) ou para a sua recusa (artigo 7º).
Não importa agora reproduzir a desenvolvida fundamentação que
naqueles arestos se contém, havendo tão somente que concluir, dando aqui por
acolhida tal fundamentação, no sentido da não inconstitucionalidade das normas
cuja aplicação foi recusada na decisão sob recurso.
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III - A decisão
Nestes termos, decide-se conceder provimento ao recurso devendo o
despacho recorrido ser reformado em consonância com o presente julgamento da
questão de constitucionalidade.
Lisboa, 28 de Setembro de 1995
Antero Alves Monteiro Dinis
Maria Fernanda Palma
Maria da Assunção Esteves
Alberto Tavares da Costa
Vítor Nunes de Almeida
Armindo Ribeiro Mendes
Luís Nunes de Almeida