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Proc. nº 172/92
Plenário
Rel. Cons.
Vítor Nunes de
Almeida
Acordam em Plenário no Tribunal Constitucional:
I - RELATÓRIO:
1.- O Procurador-Geral da República veio requerer ao
Tribunal Constitucional em 6 de Maio de 1992 ao abrigo do disposto no artigo
281º nº 1 alínea a) e nº 2 alínea e) da Constituição a apreciação e declaração
de inconstitucionalidade com força obrigatória geral da norma constante do
artigo 3º do Decreto-Lei nº 90/88 de 10 de Março que veio alterar o regime das
carreiras médicas constante do Decreto‑Lei nº 310/82 de 3 de Agosto.
Alegou para tanto e em síntese que a referida norma veio
quanto aos médicos do internato complementar 'retroactivamente aditar um ónus (a
dedicação exclusiva) e retirar uma garantia (a estabilidade e continuidade no
emprego)'. Argumentando quanto à alegada supressão da garantia diz o
Procurador-Geral da República que aos internos que iniciaram o internato
complementar antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 90/88 de 10 de Março se
aplica a garantia da estabilidade e continuidade no emprego válida também para
os trabalhadores da Administração Pública. O artigo 3º do Decreto-Lei nº 90/88
violaria portanto o artigo 53º da Constituição da República Portuguesa. Tal
norma violaria ainda o nº 3 do artigo 18º da Constituição ao configurar-se como
uma restrição retroactiva de direitos liberdades e garantias ou ainda que assim
não se entendesse violaria o princípio do Estado de direito democrático por
retirar aos respectivos destinatários um conjunto de expectativas de integração
nos serviços da Administração Pública do que resultaria intolerável violação do
princípio da confiança do cidadão ínsito naqueloutro princípio.
2. - Posteriormente em 12 de Outubro de 1992 a mesma
entidade veio requerer a este Tribunal ao abrigo dos preceitos constitucionais
já indicados a apreciação e declaração de inconstitucionalidade com força
obrigatória geral das normas constantes dos artigos 24º nºs 1 alínea b) e 2 e
30º nº 1 do Decreto-Lei nº 128/92 de 4 de Julho na medida em que tais preceitos
diferenciam o regime de permanência ao serviço dos médicos após a conclusão dos
internatos em função do início do internato complementar em 1 de Janeiro de
1988.
Referindo que a publicação do Decreto-Lei nº 128/92 de 4
de Julho ao qual pertencem as normas cuja constitucionalidade é agora
questionada viera circunscrever ou limitar os vícios de que enfermavam as
disposições que tinham sido objecto do pedido anterior alegou em fundamento do
seu novo pedido e em síntese que o novo regime legal continuava a incorrer em
censura por desrespeito das mesmas normas e princípios constitucionais indicados
como fundamento do pedido anterior relativamente aos médicos que tinham iniciado
o internato complementar a partir de 1 de Janeiro de 1988.
Não tendo sido recebida resposta do Primeiro-Ministro
quanto a qualquer dos pedidos decorrido o prazo para o recebimento da resposta
ao segundo e em cumprimento de despacho do Presidente do Tribunal procedeu-se à
incorporação dos autos relativos a este no processo aberto por motivo do pedido
de 6 de Maio de 1992 nos termos do artigo 64º nº 1 da Lei do Tribunal
Constitucional.
Cumpre apreciar e decidir.
II - FUNDAMENTOS:
3. - Importa antes de mais analisar o teor das normas
cujo controlo de constitucionalidade vem pedido.
O primeiro pedido reporta-se apenas ao artigo 3º do
Decreto-Lei nº 90/88 de 10 de Março diploma que veio estabelecer para o
internato complementar o regime da dedicação exclusiva tendo a norma questionada
a seguinte redacção:
'O disposto no presente diploma aplica-se aos internos do internato complementar
que iniciem ou hajam iniciado o internato a partir de 1 de Janeiro de 1988'.
Esta norma não pode contudo ser desligada da norma do nº
2 do mesmo diploma através da qual se determinou a revogação dos nºs 5 e 6 do
artigo 33º do Decreto-Lei nº 310/82 de 3 de Agosto.
Assim transcreve-se também aqui a norma deste artigo 33º
que sob a epígrafe 'Estabilidade de Trabalho' estabelece o seguinte:
'1 - É garantida aos médicos integrados nas carreiras estabilidade de trabalho
só podendo concorrer a quaisquer vagas na mesma carreira desde que tenham
prestado serviço não inferior a 1 ano no lugar que exercem.
2 - Os médicos que adquiram o grau de assistente após frequência com
aproveitamento do respectivo internato complementar em instituição dependente do
Ministério dos Assuntos Sociais podem manter-se em serviço na mesma instituição
pelo prazo improrrogável de 3 meses a contar da finalização do internato.
3 - Findo o prazo de 3 meses referido no número anterior cessa qualquer vínculo
à mesma instituição.
4 - O disposto no número anterior não prejudica a candidatura e eventual
concurso para o lugar do quadro da instituição referida.
5 - Os médicos das condições do nº 2 do presente artigo que não consigam
integração em nenhum quadro terão garantia de colocação findo o prazo referido
na situação que melhor convier aos serviços dentro da sua área profissional.
6 - Aos internos do internato complementar que não concluam o respectivo
internato será garantido lugar como clinico geral'
3.1. - No que se refere ao Decreto-Lei nº 128/92 de 4 de
Julho é o seguinte o teor das normas que vêm questionadas:
'Artigo 24º
(Prorrogação de contratos)
1-Após a conclusão com aproveitamento dos internatos e salvo declaração em
contrário dos médicos os contratos são prorrogados automaticamente sem
dependência de quaisquer formalidades nas situações e pelos prazos máximos
seguintes:
...................................................
b) Após o internato complementar quando iniciado antes de 1 de Janeiro de 1988
até à aceitação de lugar da categoria de assistente.
2-Os contratos dos internos que tenham iniciado o internato complementar a
partir de 1 de Janeiro de 1988 e o tenham frequentado e concluído em regime de
dedicação exclusiva são prorrogáveis pelo prazo de 18 meses.'
Artigo 30º
1-Aos médicos que tenham iniciado o internato complementar em data anterior a 1
de Janeiro de 1988 e que após as repetições admitidas não consigam
aproveitamento é permitida a integração na carreira médica de clinica geral na
categoria de clínico geral nos termos dos números seguintes.
2-A integração na carreira de clínica geral é feita por contrato administrativo
de provimento com colocação em unidade de saúde considerada mais carenciada
situada na zona ou região de saúde em que foi frequentado o internato.
3-A colocação é provisória pelo período de um ano ficando o médico obrigado a
apresentar-se a todos os concursos que sejam abertos no âmbito da mesma zona ou
região de saúde.
4-Decorrido o prazo fixado no número anterior se não ocorrer abertura de
concurso ou não obtiver lugar em seu resultado o médico será colocado em lugar
vago ou se este não existir passará à situação de supranumerário com direito à
primeira vaga que ocorrer em unidade de saúde de maior carência da mesma zona ou
região de saúde.'
Fixadas as normas com relevo para a decisão vejamos
quais as questões que vêm suscitadas.
4. - As questões suscitadas pela entidade peticionante
dizem respeito ao regime jurídico das carreiras médicas instituído pelo
Decreto-Lei nº 310/82 de 3 de Agosto que veio a ser posteriormente alterado. Uma
melhor compreensão do objecto dos dois pedidos aconselha portanto a que se
proceda a uma análise sumária daquele regime na parte relevante tendo em atenção
que tal formulação legal já não corresponde inteiramente à vigente a qual consta
do Decreto‑Lei nº 73/90 de 6 de Março.
Na legislação de 1982 estabeleceu-se a distinção entre
habilitações e prática profissional por um lado e carreira propriamente dita por
outro lado. A carreira foi estruturada em graus ordenados em paralelo com a
formação (artigo 14º do Decreto-Lei nº 310/82) mas cada grau que na legislação
vigente é definido como título de habilitação profissional conferia a
expectativa de ocupação de lugares e cargos dos estabelecimentos e serviços de
saúde não constituindo por si só vinculação à função pública (nº 2 da disposição
citada).
Designadamente o grau de assistente nas três carreiras
médicas (de saúde pública de clínica geral e hospitalar) reguladas pelo diploma
adquiria-se mediante aprovação no correspondente internato complementar (artigos
18º 21º e 24º). Neste contexto tanto o internato geral como o complementar
constituíam processos de formação profissional (artigo 8º nº 1). No entanto e em
regra só a aprovação no internato complementar que implicava a obtenção
automática de um grau da carreira por essa mesma razão habilitava o respectivo
titular a ingressar em lugares ou cargos dos serviços (artigo 14º nº 2 citado).
No artigo 33º do Decreto-Lei nº 310/82 de 3 de Agosto o
legislador previu um regime transitório para os médicos que tivessem adquirido o
grau de assistente após frequência com aproveitamento do respectivo internato
complementar tendo muito claramente em conta que o internato não conferia
vínculo à função pública e apenas conferia habilitação para ocupação de lugar ou
cargo inserido em carreira como se referiu.
Assim previa-se que aqueles médicos se poderiam manter
em serviço na mesma instituição pelo prazo improrrogável de 3 meses a contar da
finalização do internato (nº 2 do artigo 33º). No entanto ainda quanto a estes
médicos - aqueles que tivessem adquirido o grau de assistente após frequência
com aproveitamento do respectivo internato complementar - referidos no citado nº
2 estabelecia-se no nº 5 desse artigo o seguinte:
5 - Os médicos nas condições do nº 2 do presente artigo que não consigam
integração em nenhum quadro terão garantia de colocação findo o prazo referido
na situação que melhor convier aos serviços dentro da sua área profissional.
Por sua vez no nº 6 do mesmo artigo acima transcrito
estabelecia-se que seria garantido aos internos do internato complementar que
não concluíssem o respectivo internato o lugar como clínico geral.
Sobre o regime de trabalho nos períodos de formação
correspondentes aos internatos dispunha o artigo 10º cujo nº 2 tinha a seguinte
redacção:
2 - O regime de trabalho durante o internato complementar implica a prestação
de 45 horas por semana incluindo as prestadas em serviço de urgência e a
impossibilidade de acumulação com outro lugar da função pública sem prejuízo do
disposto no Decreto-Lei nº 172/81 de 24 de Junho.
5. - O Decreto-Lei nº 90/88 de 10 de Março cujo artigo
3º é questionado pelo primeiro pedido conforme se recordará veio modificar o
regime instituído pelas disposições acabadas de referir.
Por um lado o artigo 2º deste Decreto-Lei revogou os nºs
5 e 6 do artigo 33º do Decreto-Lei nº 310/82 de 3 de Agosto do que resultou que
deixou de ser garantida colocação ao assistente com aproveitamento no respectivo
internato complementar e aos internos do internato complementar que não
concluíssem o respectivo internato.
Por outro lado o artigo 1º do citado diploma alterou a
redacção do nº 2 do artigo 10º do Decreto-Lei de 1982 que passou a ser a
seguinte:
2 - O regime de trabalho durante o internato complementar implica a prestação
de 45 horas por semana incluindo as prestadas em serviço de urgência e está
sujeito a dedicação exclusiva nos termos previstos no artigo anterior sem
prejuízo do disposto no Decreto-Lei nº 312/84 de 26 de Setembro.
Quanto a esta alteração diz o Procurador-Geral da
República que ela implicou 'que enquanto originariamente a solução regra para o
internato complementar era a impossibilidade de acumulação com outro lugar da
função pública agora passa a ser a de incompatibilidade de exercício de
quaisquer outras actividades profissionais' regime esse resultante do que dispõe
o nº 4 do artigo 9º do Decreto-Lei nº 310/82 a respeito das implicações do
regime da dedicação exclusiva.
6. - Conforme se refere no primeiro pedido 'o que se
considera constitucionalmente inadmissível é a eficácia retroactiva que lhes
[alude-se às soluções trazidas pelo diploma de 1988] foi atribuída pelo ora
impugnado artigo 3º do Decreto-Lei nº 90/88 que determinou a aplicação do
preceituado no diploma aos internos do internato complementar que iniciem ou
hajam iniciado o internato complementar a partir de 1 de Janeiro de 1988.
Concretizando o objecto do pedido formulado em primeiro
lugar e tendo presente a norma questionada conclui‑se que a eficácia retroactiva
sob censura se traduz na aplicação do novo regime às situações de internato
constituídas a partir de 1 de Janeiro de 1988 até à data em que extinta a
respectiva vacatio - genericamente 15 de Março - o Decreto-Lei entrou em vigor.
Não estão abrangidas no pedido as normas enquanto aplicáveis a situações de
internato constituídas em data posterior.
Esclareça-se que ao pedido poderia conferir‑se‑lhe um
sentido mais amplo por forma a que também seria censurável a aplicação do novo
regime a todas as situações constituídas antes de 1 de Janeiro de 1988 ou seja
'antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 90/88 de 10 de Março'.
A verdade porém é que independentemente de questões de
aplicação da lei no tempo que poderiam suscitar-se a este propósito o legislador
posterior veio sempre dar por adquirido que a essas situações se aplicaria o
Decreto-Lei nº 310/82. A título de exemplo cite-se o nº 3 do artigo 15º do
Decreto-Lei nº 150/89 de 8 de Maio que veio permitir a extensão do regime da
dedicação exclusiva aos médicos que tivessem ingressado no internato
complementar anteriormente a 1 de Janeiro de 1988 se assim o desejassem bem como
as normas que constituem objecto do segundo pedido cujo sentido e alcance vai
agora ser analisado.
7. - Passemos então ao segundo pedido.
Incide ele sobre normas contidas no Decreto-Lei nº
128/92 de 4 de Julho que 'define o regime jurídico da formação após a
licenciatura em Medicina com vista à profissionalização e especialização médicas
e estabelece os princípios gerais a que devem obedecer os respectivos processos
de formação' (artigo 1º).
O diploma consagra a abolição do regime de dedicação
exclusiva imposto desde o Decreto-Lei nº 90/88 aos médicos do internato
complementar conforme resulta do nº 3 do seu artigo 15º especialmente quando
confrontado com o que se preceitua no artigo 29º nºs 1 e 4 do mesmo diploma.
Aquele artigo 15º dispõe:
'3 - Os médicos do internato complementar devem dedicar à formação teórica e
prática a sua actividade profissional durante toda a semana de trabalho e
durante todo o ano e estão impedidos de acumular outras funções públicas salvo
funções docentes ao abrigo do Decreto-Lei nº 312/84 de 26 de Setembro e quando
necessário em escolas dependentes ou sob tutela do Ministério da Saúde mediante
autorização nos termos da lei.'
Com esta norma foi eliminada da ordem jurídica a
imposição do regime de dedicação exclusiva aos médicos do internato complementar
a qual só teve aplicação retroactiva aos internos do internato complementar
iniciado entre 1 de Janeiro e 15 de Março de 1988 por força do disposto no
Decreto-Lei nº 90/88. Este conforme se dispõe na alínea b) do artigo 33º do
diploma de 1992 foi objecto de revogação expressa.
Quanto à alegada garantia de estabilidade e continuidade
de emprego dos médicos abrangidos pelos nºs 3 e 5 do artigo 33º do Decreto-Lei
nº 310/82 - aqueles que adquiram o grau de assistente após frequência com
aproveitamento do internato complementar e que não consigam integração em nenhum
quadro - e dos médicos abrangidos pelo nº 6 do mesmo artigo - os internos do
internato complementar que não concluam o respectivo internato e aos quais era
'garantido lugar com clínico geral' - a legislação de 1992 consagrou um regime
específico.
Na verdade não foi reposto em vigor o regime transitório
anterior ao do Decreto-Lei nº 90/88 previsto no artigo 33º do Decreto-Lei nº
310/82 o qual também foi expressamente revogado (alínea a) do artigo 33º do
Decreto-Lei nº 128/92).
Assim 'os contratos dos internos que tenham iniciado o
internato complementar a partir de 1 de Janeiro de 1988 e o tenham frequentado e
concluído em regime de dedicação exclusiva são prorrogáveis pelo prazo de 18
meses' (redacção do nº 2 do artigo 24º do Decreto-Lei nº 128/92) enquanto nos
termos da alínea b) do nº 1 do mesmo artigo os contratos dos internos que tenham
iniciado o internato complementar antes de 1 de Janeiro de 1988 são prorrogados
automaticamente até à aceitação de lugar da categoria de assistente.
Verificar-se-á que a lei distingue entre os internos até então abrangidos pelo
regime do Decreto-Lei nº 310/82 cujo contrato será prorrogado até à integração
em lugar da carreira e os internos aos quais se aplicou o Decreto-Lei nº 90/88
cujos contratos têm um termo de prorrogação.
No universo destes internos contam-se aqueles que
iniciaram o internato entre 1 de Janeiro de 1988 e a entrada em vigor do
Decreto-Lei citado. Embora se assinale no pedido que mesmo quanto a estes só
está prevista a prorrogação temporária do respectivo contrato 'se houverem
frequentado o internato em regime de dedicação exclusiva - ónus que ... não
existia entre Janeiro e Março de 1988' deverá contrapor-se que o regime da
dedicação exclusiva conforme se referiu veio a ser imposto com eficácia
retroactiva a 1 de Janeiro de 1988 pelo Decreto-Lei nº 90/88.
Finalmente o artigo 30º nº 1 desse diploma permite a
integração na carreira médica de clínica geral na categoria de clínico geral dos
médicos que tenham iniciado o internato complementar em data anterior a 1 de
Janeiro de 1988 e que após as repetições admitidas não tenham conseguido
aproveitamento.
Segundo a entidade requerente o regime legal instituído
em 1982 com o Decreto-Lei nº 310/82 garantia em qualquer destes casos a
colocação em serviços públicos de saúde. Dessa garantia deixavam de beneficiar
os médicos que iniciaram o internato complementar a partir de 1 de Janeiro de
1988.
8 - O segundo pedido de declaração de
inconstitucionalidade tem assim por objecto as normas constantes dos artigos
cujo regime acabámos de descrever 'na medida em que tais preceitos diferenciam o
regime de permanência ao serviço dos médicos após a conclusão dos internatos em
função do início do internato complementar em 1 de Janeiro de 1988' e na sua
aplicação aos médicos que iniciaram o internato complementar a partir de 1 de
Janeiro de 1988 'e que beneficiavam nesse momento da expectativa de
'estabilidade de trabalho' decorrente do já analisado artigo 33º nºs 5 e 6 do
Decreto-Lei nº 310/82' segundo os termos da petição.
Não abrange consequentemente essas mesmas normas quando
aplicadas a internatos complementares iniciados após a entrada em vigor em
termos não retroactivos do Decreto-Lei nº 90/88 de 10 de Março. Os fundamentos
deste pedido já foram indicados logo no início.
9 - A apreciação da conformidade com a Constituição das
várias normas indicadas a ter de fazer-se não deverá porém principiar sem que se
faça referência à evolução legislativa posterior designadamente às alterações
determinadas pela Lei nº 4/93 de 12 de Fevereiro que alterou por ratificação o
Decreto-Lei nº 128/92 de 4 de Julho.
Com efeito 'os contratos dos internos que tenham
iniciado o internato complementar a partir de 1 de Janeiro de 1989 são
prorrogáveis pelo prazo de 18 meses se os internos o tiverem frequentado e
concluído em regime de dedicação exclusiva' segundo a nova redacção dada ao nº 2
do artigo 24º do aludido Decreto-Lei. Com esta redacção deixam de ser abrangidos
pela extinção da alegada garantia de emprego os médicos que tivessem iniciado o
referido internato após 1 de Janeiro de 1988 mas antes da entrada em vigor do
Decreto-Lei nº 90/88. Na nova redacção da alínea b) do nº 1 do mesmo artigo
passa a prever-se a prorrogação automática até à aceitação do lugar de
assistente dos contratos dos internos que tenham iniciado o internato
complementar antes de 1 de Janeiro de 1989.
A modificação da data de início do internato tem por
alcance eliminar os efeitos da retirada da garantia de emprego de que teriam
sido privados os médicos que tinham iniciado o internato complementar a partir
de 1 de Janeiro de 1988.
Foi também modificado o nº 1 do artigo 30º de forma a
passar a ser permitida a integração dos médicos que não tenham obtido
aproveitamento no internato complementar iniciado em data anterior a 1 de
Janeiro de 1989 e não já anterior a 1 de Janeiro de 1988 como anteriormente se
estabelecia com a consequência apontada no pedido de lhes ser retirada a
garantia de colocação.
Finalmente com o aditamento de um artigo 30º-A
contempla-se a situação dos médicos que iniciaram o internato em 1 de Janeiro de
1988 e que não transitaram para situações de assistente eventual em termos de
lhes assegurar direito à colocação.
10. - Será aconselhável agora proceder ao ponto da
situação com vista a apurarmos as implicações da evolução legislativa que
ocorreu na matéria entre 1988 e 1993 sobre a efectiva aplicação do regime
especial estabelecido pelo Decreto-Lei nº 90/88 depois modificado pelo
Decreto-Lei nº 128/92 para os médicos que iniciaram o internato a partir de 1 de
Janeiro de 1988.
Comecemos pela garantia de emprego que alegadamente
deixou de ser conferida aos internos do internato complementar com
aproveitamento e àqueles que o não concluíssem com sucesso por força da
revogação dos nºs 5 e 6 do art. 33º do Decreto-Lei nº 310/82 de 3 de Agosto
operada pelo artigo 2º do Decreto-Lei nº 90/88 regime mantido pelo Decreto-Lei
nº 128/92 que previu a prorrogação do contrato respectivo pelo prazo de 18
meses sem garantir a estabilidade de emprego a nenhum dos médicos pertencentes a
qualquer dos dois grupos.
Pela Lei nº 4/93 a data a partir da qual deixou de ser
reconhecido o direito à colocação passou a ser reportada a 1 de Janeiro de 1989
do que se segue que os médicos em causa passaram a ter o tratamento jurídico
reconhecido aos médicos que tinham iniciado o internato complementar no domínio
da vigência do Decreto-Lei nº 310/82 isto é passaram a gozar do direito de
colocação sendo-lhes contado se entretanto tiver ocorrido interrupção de funções
'como tempo de serviço o período decorrido desde o início do respectivo
internato até à efectiva retoma de funções' (nº 3 do artigo 30º-A aditado pela
referida Lei).
Quanto à imposição retroactiva do regime de
exclusividade de funções foi a mesma revogada pelo Decreto-Lei nº 128/92 que em
sede de disposições transitórias no nº 1 do seu artigo 29º permitiu o
requerimento de cessação desse regime a todo o tempo.
Em resumo as normas cuja declaração de
inconstitucionalidade é pedida encontram-se revogadas.
11. - Sobre a fiscalização da constitucionalidade do
direito revogado é já abundante a jurisprudência deste Tribunal no sentido de
que em determinados casos não será de conhecer do pedido.
Intervém nas decisões deste tipo a consideração do
interesse processual na pronúncia do Tribunal sobretudo nas situações típicas em
que a mera antecipação de um juízo de inconstitucionalidade conduz à verificação
de que os efeitos da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória
geral a formular nos termos do nº 4 do artigo 282º da Constituição já estariam
consumidos pela revogação da norma em apreciação.
Na base dessas decisões encontra-se sempre o princípio
de que também nos processos de fiscalização abstracta tem relevância o requisito
do interesse processual ou seja a existência de um interesse com «conteúdo
prático apreciável» que justifique accionar um mecanismo de índole genérica e
abstracta como é a declaração com força obrigatória geral de
inconstitucionalidade (formulação do Parecer nº 21/81 da Comissão Constitucional
citado no acórdão nº 17/83 in Acórdãos do Tribunal Constitucional 1º vol. pag.
93 e segs.).
No caso presente a plena produção de efeitos da
declaração de inconstitucionalidade visaria a reintegração da esfera jurídica de
terceiros - os médicos - ao dispor dos quais existem os adequados meios
jurisdicionais de protecção dos administrados em geral. E não poderá ignorar-se
que no desenvolvimento dessas vias de tutela poderão suscitar-se questões de
constitucionalidade para apreciação em sede de fiscalização concreta da
conformidade à Lei Fundamental das normas aplicáveis.
Nestes termos para o caso - equacionável para a hipótese
remota - de se encontrarem ainda em aberto situações de efectiva lesão de
direitos e interesses legítimos de médicos abrangidos pela aplicação das normas
questionadas nos presentes autos essas situações sempre poderão ser através dos
referidos meios jurisdicionais concretos de protecção dos administrados com
suscitação da questão de constitucionalidade objecto de ponderação caso por caso
na exacta medida das lesões sofridas devendo considerar-se que no caso em apreço
tais meios são suficientes para a tutela de tais situações.
12. - Assim garantida a estabilidade de emprego que
teria deixado de ser conferida aos médicos que concluíram o internato
complementar com aproveitamento e aos que o não concluíram com sucesso pela
revogação dos nºs 5 e 6 do artigo 33º do Decreto-Lei nº 310/82 de 3 de Agosto
através do artigo 3º do Decreto-Lei nº 90/88 de 10 de Março e eliminada a
imposição retroactiva do regime de exclusividade pelo nº 1 do artigo 29º do
Decreto-Lei nº 128/92 de 4 de Julho que permitiu que fosse apresentado a todo o
tempo o requerimento a pedir a cessação de tal regime estando assegurada a
possibilidade de recurso ao sistema de fiscalização concreta para obviar a casos
pontuais não pode deixar de se concluir que não se vislumbra qualquer outro
conteúdo prático apreciável ou qualquer interesse jurídico relevante para
justificar que se tome conhecimento dos pedidos de declaração de
inconstitucionalidade com força obrigatória geral que vêm formulados.
III - DECISÃO:
Em face do que fica exposto o Tribunal Constitucional
decide não tomar conhecimento do pedido de declaração de inconstitucionalidade
com força obrigatória geral das normas do artigo 3º do Decreto-Lei nº 90/88 de
10 de Março dos artigos 24º nºs 1 alínea b) e 2 e 30º nº 1 do Decreto-Lei nº
128/92 de 4 de Julho.
Lisboa 1995.07.10
Vítor Nunes de Almeida
Guilherme da Fonseca
Bravo Serra
Armindo Ribeiro Mendes
Fernando Alves Correia
Antero Alves Monteiro Dinis
Messias Bento
Maria Fernanda Palma
José de Sousa e Brito
Maria da Assunção Esteves
Luís Nunes de Almeida
Alberto Tavares da Costa
José Manuel Cardoso da Costa