Imprimir acórdão
Proc. nº 545/94
1ª Secção
Rel. Cons. Monteiro Diniz
Acordam no Tribunal Constitucional:
I - A questão
1 - O Tribunal de Contas de Macau funcionando em secção de
fiscalização prévia por decisão de 29 de Julho de 1994 julgou em conformidade
com a lei concedendo o respectivo visto ao contrato de assalariamento celebrado
entre a Administração e A. funcionária dos quadros da República na situação de
licença sem vencimento com vista ao exercício no Território e no âmbito da
Direcção de Serviços de Estatística e Censos de funções na área da
microinformática.
Desta decisão interpôs o Ministério Público recurso para o colectivo
do Tribunal Contas formulando nas alegações entretanto oferecidas as conclusões
seguintes.
'I - A norma do artigo único do D.L 5/93/M de 8/2 não tem a natureza
interpretativa que lhe é atribuída pelo legislador consagrando antes um comando
inteiramente novo idêntico e ainda mais amplo do que o anteriormente
introduzido pelo D.L. 15/88/M de 29/2 (nova redacção do artº 7º nº 4 do D.L.
86/84/M de 21/12).
II - Não faz sentido invocar a autonomia do ordenamento jurídico e da
Administração do território para concluir e dispôr que é aqui permitido aos
funcionários e agentes dos quadros da República aquilo que é vedado aos de
Macau.
III - Apesar da total autonomia existente entre os quadros de funcionários
das denominadas `províncias ultramarinas' e o metropolitano sempre se entendeu
que o impedimento legal decorrente das situações de licença ilimitada ou
registada (licença sem vencimento de longa ou curta duração) aposentação
reforma ou reserva se aplicava a todos os funcionários ou agentes quer
pertencessem aos quadros metropolitanos quer pertencessem aos quadros
ultramarinos entendimento esse que com as devidas adaptações mantem plena
actualidade sendo irrelevantes para esse efeito as alterações políticas
entretanto ocorridas quanto ao estatuto de Macau.
IV - Os instrumentos de mobilidade do pessoal entre os quadros dos órgãos de
soberania da República e do Território estabelecidos nos artºs 69º e 70º do
Estatuto Orgânico de Macau aprovado pela Lei nº 1/76 de 17/2 são um exemplo
típico do fenómeno de interpenetração ou intercomunicação entre os dois
ordenamentos jurídicos e não poderão deixar de ser observados e levados em
consideração.
V - De qualquer modo a norma referida em I. enferma de inconstitucionalidade
orgânica por estar em causa matéria da competência reservada da Assembleia
Legislativa e haver sido esgotado e caducado a autorização legislativa constante
do artº 1º nº 1 da Lei nº 9/89/M de 23/X e de inconstitucionalidade material
por violação do princípio da igualdade no acesso à função pública consagrado nos
artºs 13º e 47º nº 2 da Constituição da República motivos por que os tribunais
não podem aplicá-la (artºs 41º nº 1 do E.O.M. e 3º do D.L. 17/92/M de 2/3).
VI - A decisão que concedeu o visto infringiu as normas referidas em V. e
ainda a do artº 13º nº 1 a) do Estatuto dos Trabalhadores da Administração
Pública de Macau aprovado pelo D.L. 87/89/M de 21 /12 devendo consequentemente
ser revogada e substituída por outra que recuse o visto'.
Por acórdão de 29 de Novembro de 1994 o colectivo do Tribunal de
Contas concedeu provimento ao recurso anulou a decisão recorrida e em
consequência recusou o visto ao contrato de assalariamento da interessada.
Suportando-se na fundamentação constante de um anterior acórdão
(Rec. nº 1/C/93 Proc. nº 6/A/93) para cujo texto se remeteu desaplicou-se a
norma do artigo único do Decreto-Lei nº 5/93/M de 8 de Fevereiro com base na sua
inconstitucionalidade orgânica e material por afrontamento ao disposto nos
artigos 13º nº 2 e 47º nº 2 da Constituição por se haver entendido que 'os
requisitos gerais para o desempenho de funções públicas no Território de Macau
estabelecidos no artigo 10º do E.T.A.P.M. são exigíveis quer aos candidatos
oriundos dos quadros locais quer aos que provêm dos quadros da República sendo
aplicáveis a uns e a outros as incapacidades profissionais enumeradas no artigo
13º do mesmo diploma'.
*///*
2 - Desta decisão trouxe o Ministério Público recurso obrigatório ao
Tribunal Constitucional havendo o senhor Procurador-Geral Adjunto nas alegações
que entretanto ofereceu concluindo assim:
'1º - O regime estabelecido no artigo único do Decreto-Lei nº 5/93/M de 8 de
Fevereiro não inova no que se refere ao regime jurídico aplicável ao pessoal
dos quadros próprios do território de Macau plasmado no Estatuto dos
Trabalhadores da Administração Pública de Macau (aprovado pelo Decreto-Lei nº
87/89/M de 21 de Dezembro no exercício da autorização legislativa constante da
Lei nº 9/89/M de 23 de Outubro).
2º - Na verdade a norma constante daquele artigo único incide sobre um
aspecto específico da regulamentação do recrutamento de pessoal no exterior
revogando parcialmente o nº 3 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 60/92/M de 24 de
Agosto ao estabelecer que a capacidade profissional dos agentes recrutados no
exterior não tem de obedecer aos condicionalismos previstos no artigo 13º nº 1
do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau.
3º - O estabelecimento da disciplina jurídica do recrutamento de pessoal no
exterior mediante densificação e regulamentação da norma constante do artigo
69º nº 1 do Estatuto Orgânico de Macau não se situa no âmbito da competência
legislativa reservada da Assembleia Legislativa de Macau tendo aliás o
Decreto-Lei nº 60/92/M sido editado pelo Governador de Macau no exercício da
sua competência legislativa própria.
4º - Assim sendo o esgotamento e caducidade da autorização legislativa
concedida pela Lei nº 9/89/M não pode implicar a inconstitucionalidade
orgânica da norma constante do referido artigo único.
5º - A diferenciação de regimes decorrente do artigo único do Decreto-Lei
nº 5//93/M não viola os princípios constitucionais da igualdade e da não
discriminação do acesso à função pública por na sua base se encontrar um
fundamento razoável que constitui suporte material bastante do regime
instituído quanto à capacidade profissional dos agentes recrutados no exterior.
6º - Tal diferenciação é consentida pelos artigos 68º a 70º do Estatuto
Orgânico de Macau que instituem uma diversidade de regimes e uma tendencial
estanquicidade entre os quadros do funcionalismo próprios do território e os
quadros dependentes dos órgãos de soberania e das autarquias da República.
7º - O recrutamento de pessoal no exterior nos termos do artigo 69º nº 1 do
Estatuto Orgânico de Macau e do estatuído no Decreto-Lei nº 60/92/M tem
carácter excepcional e visa realizar um interesse público da Administração
suprindo as carências do território em pessoal dotado das qualificações
necessárias ao cargo a prover.
8º - O regime constante do citado artigo único do Decreto-Lei nº 5/93/M não
implica tratamento discriminatório arbitrário e desrazoável para os
funcionários dos quadros próprios de Macau prevendo a lei as formas e
procedimentos adequados para voluntariamente poderem reingressar na função
pública'.
Passados os vistos de lei cumpre apreciar e decidir.
*///*
II - A fundamentação
Tanto a questão da constitucionalidade da norma do artigo único do
Decreto-Lei nº 5/93/M de 8 de Fevereiro como as questões que preliminarmente se
poderiam suscitar nestes autos - recorribilidade da decisão de recusa do visto
do Tribunal de Contas de Macau e competência do Tribunal Constitucional para
conhecer dos recursos directamente interpostos de decisões daquele Tribunal
que recusem o visto com fundamento na inconstitucionalidade da norma ao abrigo
da qual o provimento foi praticado - foram já objecto de diversas decisões deste
Tribunal com base nas quais se firmou uma jurisprudência uniforme e reiterada
relativamente ao tratamento de tais questões (cfr. por todos os Acórdãos nºs
75/95 76/95 Diário da República II série respectivamente de 12 e 14 de Junho de
1995).
Nestes arestos depois de se reconhecer a competência do Tribunal
Constitucional para proceder à fiscalização concreta da constitucionalidade da
norma desaplicada no acórdão recorrido decidiu-se que essa norma - o artigo
único do Decreto-Lei nº 5/93/M - não enferma de qualquer vício de
inconstitucionalidade nomeadamente daqueles que ali se lhe assacaram.
No presente recurso e sem necessidade de outras considerações
perfilha-se a linha jurisprudencial assim definida remetendo-se por inteiro para
a fundamentação que naqueles acórdãos lhe serviu de suporte.
*///*
III - A decisão
Nestes termos concede-se provimento ao recurso e consequentemente
revoga-se o acórdão impugnado quanto à questão de constitucionalidade a fim de
ser reformado em consonância com o agora decidido sobre essa questão.
Lisboa 11 de Julho de 1995
Antero Alves Monteiro Diniz
Maria Fernanda Palma
Maria da Assunção Esteves
Alberto Tavares da Costa
Vítor Nunes de Almeida
Armindo Ribeiro Mendes
José Manuel Cardoso da Costa