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Processo n.º 358/2012
2.ª Secção
Relator: Conselheiro José da Cunha Barbosa
Acordam, na 2.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A., melhor identificado nos autos, reclama para a conferência, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 3, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (doravante “LTC”), da decisão sumária proferida pelo relator que decidiu não conhecer das questões de constitucionalidade elencadas no requerimento de interposição de recurso.
2. Refutando esta decisão de não conhecimento do objeto do recurso, o reclamante argumentou do seguinte jeito:
“(...)
A- INTRODUÇÃO E INDICAÇÃO DE SEQUÊNCIA
Salvo o devido respeito, não se afigura ao signatário, nem no plano da tradição jurisprudencial do Tribunal, nem no da judicial policy, que a decisão reclamada seja, em muitos pontos feliz.
Continua, em geral, a manter as posições já veiculadas no anterior requerimento.
Pelo que considera que, com o douto suprimento desse Tribunal, os recursos deveriam ter sido recebidos.
Reconhecendo que o processo é de invulgar complexidade e (aparentemente) de pouca valia e braevitatis causa, limitar-se-á a apontar alguns dos pontos mais salientes da sua discordância.
B - O PONTO MAIS EVIDENTE: Ónus de levar a conclusões as inconstitucionalidades suscitadas nas instâncias? (ponto 4.2- fls. 11 e 12 da reclamada)
Aqui, não pode dúvidas haver de que se decidiu contra toda a tradição e os precedentes do Tribunal Constitucional.
Em momento que pode localizar com segurança entre 1984 e 1986, na Faculdade de Direito de Coimbra, em conversa com um então juiz deste Tribunal Constitucional, e tendo o signatário perguntado a este por novidades da respetiva jurisprudência, respondeu-lhe este haver sido objeto de longo e aprofundado debate entre os membros do Tribunal se deveria ou não exigir-se que, nas alegações produzidas nos tribunais a quo, a invocação da inconstitucionalidade fosse levada às conclusões. E a solução que unanimemente aceitaram era de que não.
Por isso mesmo, nunca - que se saiba - até hoje um juiz do T.C. decidiu em sentido oposto.
Tanto que o único acórdão que versa o tema, tirado por unanimidade de 7 juízes - o Acórdão 41/92, de 28 de janeiro (relator Cons. Tavares da Costa) - surge por força de reclamação de um despacho de Conselheiro relator no S.T.J.
Ali se patenteia que, sendo a questão da inconstitucionalidade do conhecimento oficioso de qualquer tribunal, não terá de ser levada às conclusões, podendo ser invocada “em qualquer via”, desde que “suscitada durante o processo”.
Pelo que o despacho reclamado, nesta parte, se não poderá manter.
C - DECISÃO SURPRESA E DEFESA EM PROCESSO PENAL
Tratando-se de questão que surge recorrentemente na douta decisão reclamada, afigura-se adequado tratá-la aqui, “em bloco” e em geral.
Para a jurisprudência do Tribunal, decisão surpresa será uma decisão de questão inaudita e inesperada ou surpreendente no processo.
Designadamente, por antes não haver sido suscitada em tal processo. Ou, como escreve o Cons. Lopes do Rego, no artigo “Acesso ao Direito e aos Tribunais”, publicado nos “Estudos sobre a Jurisprudência do Tribunal Constitucional”, Editorial Notícias, 1993, pp. 65 e 66, «uma decisão que implica a consideração de aspetos ainda não abordados pelas partes nas suas alegações processuais».
Ao que poderá acrescentar-se decisão em sentido oposto a corrente jurisprudencial pacifica.
Por sua vez, não se considera exigível — muito menos em processo penal, para a defesa — que a parte “antecipe” todos os “critérios jurídicos” que, com maior ou menor probabilidade, possam ser convocados para se decidir a pretensão que formulam, como se pressupõe a fls. 24 da decisão reclamada.
Tal transformaria qualquer alegação numa peça verdadeiramente “kafkiana”, e até em dois sentidos diversos.
Por um lado, no sentido de que teria facilmente de equacionar dezenas de critérios que poderiam, com maior ou menor probabilidade, concorrer para a decisão - o que transformaria as alegações, quer em peças divinatórias, quer em peças bem mais longas que o côngruo.
Por outro lado — e no quadro do processo penal (em que nos encontramos) —, no sentido em que imporia à defesa o ónus de se antecipar e perspetivar toda ela, isto é, de antecipar e responder “ex ante” a todas as possíveis argumentações “ex adverso”.
Como abundante jurisprudência do Tribunal Constitucional não deixa de reconhecer.
Nem se vê como tal pudesse ser compatível com o princípio da razoabilidade dos ónus e encargos processuais, que o Tribunal de há muito também proclama com ênfase.
D - DESIGNAÇÃO DE CONSULTOR TECNICO E RESPETIVA RELEVÂNCIA (ponto 4.1 da Decisão — fls. 8 a 10)
Antes do mais, haverá que precisar um ponto de facto.
Uma coisa é o Tribunal de 1ª Instância, a fls. 402/403, decidir que «a perícia se encontra já realizada», em 12 de janeiro — facto indesmentível, já que, nessa data, o relatório daquela perícia foi junto aos autos.
Coisa bem diferente é saber se, em 3 de janeiro, «a perícia tinha de estar em estado muito adiantado de realização», como decidiu o Tribunal da Relação, na pág. 15 do seu acórdão. Para daí concluir pela extemporaneidade da indicação do consultor técnico. Ambas questões controversas e novas.
As afirmações do Tribunal de 1ª Instância e as do recorrente, nas suas alegações, reportam-se claramente, àquele primeiro facto e não ao segundo, pelo que tal em nada retira o caráter surpreendente daquela decisão do Tribunal da Relação.
O argumento do Tribunal da Relação para não invalidar a perícia é, pois, novo. Não é a argumentação da 1ª instância.
O que diz — ou o que pressupõe — é que a nomeação do consultor já não pode ter lugar no decurso da perícia. Por outras palavras: que o consultor tem de assistir a toda a perícia.
Este argumento é novo. Não é o argumento de a perícia estar integralmente realizada. É um argumento diverso.
E não é exigível que o recorrente, na motivação do recurso para a Relação, figurasse esse argumento.
Tendo sido esse o argumento do Tribunal da Relação, claro que ela aplicou a norma nessa dimensão — e não na da primeira instância.
E se a decisão do Tribunal da Relação é nova e inesperada, não teria também o recorrente, face a tal factualidade, de já ter questionado a interpretação do art. 120° C.P.P., então aí apresentada
Por outro lado, é agora, face às presentes explicitações, claro que a decisão do Tribunal da Relação aplicou tal norma nas dimensões ora impugnadas.
E - QUANTO À JUNÇÃO DO DOCUMENTO DA FUNDAÇÃO DR. ... (ponto4.3 da Decisão—fls. 12a 15)
Salvo o muito respeito devido, a decisão reclamada é contraditória, quanto ao afirmado na sua fl. 13: é que se o Tribunal da Relação usou estes preceitos para considerar tal documento irrelevante, naturalmente que os aplicou — e na dimensão normativa controvertida.
E, por outro lado, não se visa aqui obter uma apreciação intrínseca do documento, mas sim que se aprecie um certo entendimento da lei, adotado pela decisão recorrida, que conduz a considerar irrelevante um documento.
O que se contesta é a interpretação das ditas normas, que leva, em geral, a considerar como irrelevantes documentos como o que o recorrente apresenta.
Pelo que já se deixou dito sob C, é falso que o recorrente devesse equacionar, em sede constitucional, a questão (não suscitada) da relevância do documento. Trata-se de exigência excessiva (para mais, tratando-se de processo penal).
Também é anódino o facto de o recorrente referir haver interesse na junção do documento — afirmação quase tabeliónica e que não tem como consequência necessária o antecipar da questão de constitucionalidade.
Aliás, sempre tal afirmação estaria implícita no simples requerimento para junção de tal documento, já que, se uma parte requere a junção dc certo documento, é necessariamente porque entende ter este interesse para o processo.
F - SOBRE A OMISSÃO DE PRONÚNCIA (parte 4.9 - pp. 22 a 25 da Decisão)
Em sentido diverso do doutamente referido na p. 24, o «momento de aplicação» incorporado é apenas o momento que define a norma que o Tribunal da Relação aplicou.
Não se trata de questionar, em recurso para o Tribunal Constitucional, se a questão é “nova” ou não.
O que se questiona é, sim, a extensão de uma norma que se refere a uma situação em que a questão é a mesma a outra situação em que a questão é apenas fundamentalmente a mesma (e não exatamente a mesma).
Trata-se, portanto, de questão normativa, que este Tribunal deve conhecer.
Quanto ao referido nos parágrafos 5º a 7º da p. 24 da decisão, dá-se por reproduzido o já aduzido sob B (decisão surpresa).
G - OUTRAS QUESTÕES
Face aos elementos dos autos e após melhor ponderação, aceita-se a bondade das soluções dos pontos 4.4 e 4.5.
Quanto aos restantes - e com o douto suprimento do Tribunal - espera-se que, à luz do que se deixou escrito sob B sejam reapreciados, quando tal ponto (decisão surpresa) estiver em causa.
(...)”.
2. Notificado para o efeito, o Representante do Ministério Público pugnou pelo indeferimento da reclamação.
3. Foi proferido acórdão intercalar, pelo Pleno da Secção, no qual se determinou a audição prévia das partes, para, no prazo de 10 (dez) dias, se pronunciarem sobre a possibilidade de rejeição, no que concerne à questão suscitada no ponto b).1 do requerimento de interposição de recurso, por não coincidência com a ratio decidendi da decisão recorrida a esse propósito.
4. O Ministério Público, notificado para se pronunciar, apresentou resposta em que conclui pela inexistência de «… coincidência entre a interpretação acolhida pela Relação e a identificada com o objeto do recurso, …», faltando, por isso, um requisito de admissibilidade do recurso.
5. O recorrente, notificado de igual forma, veio arguir (A) ‘dúvidas insuperáveis’ sobre qual seja a verdadeira fundamentação da possibilidade de rejeição a que se refere o Tribunal, e, bem assim, arguir (B) nulidade do mesmo acórdão por ausência de fundamentação, mau grado invoque a alínea a) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil, e, omissão do contraditório, e, por último, (C) pronunciar-se quanto ao ‘fundo’, pugnando pela inexistência de falta de coincidência entre a ‘norma’ aplicada pela decisão recorrida e a ‘norma’ por si invocada no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
A. Questão prévia
6. Pretende o recorrente que o ‘acórdão intercalar’, em que se ordenou a audição das partes sobre uma possível rejeição da reclamação quanto ao ponto b).1 do requerimento de interposição de recurso (ou seja, ‘4.2’ da Decisão Sumária) também com fundamento numa – possível inexistência de coincidência entre a ‘norma’ aplicada pela decisão recorrida e a ‘norma’ configurada por aquele e como objeto da questão de constitucionalidade por si suscitada – , lhe suscita ‘dúvidas insuperáveis’ sobre qual seja em concreto a fundamentação que possa conduzir àquela rejeição, dúvidas cuja aclaração se impõe sob pena de ocorrer nulidade por falta de fundamentação e, bem assim, por impossibilidade de exercício do contraditório.
Assim, cumpre conhecer da suscitada aclaração ou existência de nulidades.
No que se refere à matéria da aclaração (ou esclarecimento – cfr. artigo 669.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Civil), dir-se-á que não assiste razão ao recorrente, porquanto, da simples leitura do acórdão em causa, se não vê que dele possam resultar quaisquer ambiguidades ou obscuridades que determinem qualquer esclarecimento, sendo que se nos afigura que o mesmo não só é plenamente inteligível como, ainda, a ele se não vê que razoavelmente possa ser assacado mais que um sentido; na realidade, o que nele se determina, claramente, é a audição das partes sobre a hipótese de poder vir a entender-se que a ‘norma’ que integra a ratio decidendi da decisão recorrida e aquela que o recorrente configura, enquanto objeto do mesmo, no seu requerimento de recurso de constitucionalidade não coincidirem, isto é, serem distintas e nada mais.
O mesmo se diga relativamente à questão das ‘nulidades’ invocadas (cfr. artigo 668.º, n.º 1, alínea b), que não alínea a) como, certamente, por lapso se indica), pois o fundamento da ordenada audição é, nem mais nem menos, a possível existência de discrepância entre a ‘norma’ aplicada pela decisão recorrida e a ‘norma’ configurada, pelo recorrente, como objeto do recurso de constitucionalidade, sendo que a determinação da audição prévia sobre tal fundamento tem como finalidade, óbvia, dar pleno cumprimento ao princípio do contraditório, concluindo-se, assim, pela inexistência das invocadas nulidades.
Improcedem, assim, as suscitadas aclaração e nulidades, relegando-se para a apreciação do mérito da reclamação o que se invoca sobre a denominação ‘de fundo’ na resposta apresentada.
B. Mérito da reclamação
7. A decisão reclamada tem o seguinte teor:
“(...)
1. A., melhor identificado nos autos, dizendo-se inconformado com os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 25 de janeiro de 2012 e 30 de março de 2012, deles recorre para o Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual redação (LTC), através de requerimento com o seguinte teor:
“(...)
A – QUANTO À DECISÃO DOS RECURSOS INTERLOCUTÓRIOS
a) Relativamente ao recurso (de fls. 461) conhecido de fls. 980 a 992 do acórdão
O ac. interpreta a expressão “assistir (....) se isso ainda for possível”, do nº 1 do art. 155º C.P.P. no sentido de o consultor ter de assistir “desde o início das diligências periciais” (fls. 911).
No caso de uma perícia que envolva vários atos, bastará que o consultor técnico possa assistir a algum ou alguns deles (cfr. o alegado no penúltimo parágrafo de fls. 1066, sob C-1, que aqui se dá por reproduzido.
Ao não admitir a consultora com base em tal consideração, a diligência não foi feita de forma legal e não se pode garantir que o resultado seria o mesmo.
O acórdão recorrido interpreta o disposto no art. 120º, nº 2, alínea d), segmento “omissão (...) de diligências” no sentido de que a diligência, embora feita de forma ilegal, não constitui nulidade, e o segmento “reputar essencial para a descoberta da verdade” no sentido de permitir dispensar a presença de um consultor, erradamente, como resulta do que se escreveu no fim do parágrafo anterior.
Tais interpretações são inconstitucionais, por violação dos princípios do processo equitativo e das garantias de defesa (arts. 20º, nº 4, e 32º, nº 1, C.R.P.).
Reafirmando-se que o tribunal da Relação parte do facto (falso) de a perícia já se ter iniciado em 4 de janeiro .
Os problemas que acarretam interpretações inconstitucionais apenas foram suscitados no acórdão da Relação, que, assim, constitui uma decisão surpresa, colocando o problema de modo totalmente inesperado e insólito. Pelo que está em tempo.
b) Relativamente ao recurso (de fls. 702), conhecido de fls. 998 a 1003
1- Quanto à restrição da possibilidade do interrogatório das testemunhas (fls. 1001)
O Ac. interpreta a parte final do nº 1 do art. 358º C.P.P. no sentido de a defesa apenas poder versar sobre a matéria dos factos novos, objeto de comunicação.
É claro que as testemunhas. não poderão ser inquiridas aos factos “que já constavam da peça acusatória” (inicial).
Mas igualmente o é que também poderão ser questionadas quanto a todos os factos alegados na “nova” defesa (designadamente, quanto a factos “modificativos ou extintivos” dos factos novos e quanto a facetas da personalidade conexionadas com os factos novos - e outras atenuantes).
Como se escreve na motivação, a fls. 704:
«Mais: a interpretação daquele art. 358°, nº 1, como não permitindo a prova dos factos que a defesa aduz para contrariar ou iluminar a outra luz os factos da “acusação alterada” (fora desses factos, tomados em sentido estrito) é inconstitucional, por violar as garantias de defesa previstas no art. 32º, nº 1, C.R.P»
2- Quanto ao indeferimento da junção da declaração de fls. 759, da Fundação Dr. … (fls. 1001 a 1003)
O Ac. recorrido “desautoriza” a tese da 1ª instância, segundo a qual tal junção seria intempestiva.
Mas decide pela não junção, por “irrelevante” para qualquer facto da acusação.
Cita os arts. 124º, nº 1, CPP., 50º, nº 1, e 54º C.P. (melhor citaria o art. 53º, nº 2).
Porém, confunde os conceitos de “disponibilidade (...) para acolher o arguido” (linhas 1 e 2 de fls. 1003) e de” planificação de (...) eventual suspensão, com regime de prova”.
Ora, é evidente que o IRS não dispõe (muito menos, em regime de exclusividade) de locais de acolhimento para condenados em pena suspensa, pelo que a junção de tal declaração seria suscetível de facilitar a “eventual aplicação da pena de substituição prevista no art. 50º, nº 1, C.P.” (fls. 1003, 5ª linha).
Interpretar a norma que resulta do disposto no art. 50º, nº 1, e/ou dos arts. 53º, nº 2, e 54º C.P. no sentido de a “planificação’ e/ou a “execução com vigilância”, da competência do IRS, da suspensão da execução da prisão impossibilitar ou impedir que o tribunal pondere a disponibilidade de uma instituição em “acolher o arguido” “caso ele venha a beneficiar da suspensão da execução da pena”, ou conjugar tal interpretação com a do segmento “determinação da pena (aplicável) ”, do art. 124º, nº 1, C.P.P., no sentido da irrelevância de um documento com o conteúdo apontado, seria inconstitucional, por violação das garantias de defesa, previstas pelo art. 32º, nº 1, CRP., já que diminui a possibilidade de o arguido beneficiar de tal regime de suspensão.
Por fim, o Ac. entende (fls. 1003) que a junção de tal documento “afrontaria o princípio da oralidade”, por mais não ser que um depoimento por escrito, subtraído do princípio do contraditório. Mas tal se poderia dizer (falsamente, aliás, já que todos submetidos a contraditório) de (quase) todos os documentos particulares.
Interpretar o nº 1 do art. 164º C.P.P. no sentido de se excluir da prova admissível a que resulte de documentos particulares que “não (são) mais que um depoimento por escrito”, seria inconstitucional, por violação das garantias de defesa, tal como explicitado no penúltimo parágrafo.
A questão da constitucionalidade já foi suscitada a fls. 705, na motivação. Mas, evidentemente, quanto à forma como a 1.ª instância configura a questão.
O ac. recorrido tratou de tal questão de modo radicalmente diverso de tudo o que antes havia sido vertido no processo, e de todas as expectativas do arguido, pelo que constitui uma “decisão surpresa”, no sentido da jurisprudência do Tribunal Constitucional, sendo, assim, admissível o recurso.
c) Relativamente ao recurso (de fls. 710) conhecido de fls. 1003 a 1008
1- Da não permissão de uma pergunta à testemunha José Cardoso (fls. 1006 e 1007)
O tribunal de 1ª instância não permitiu certa pergunta a esta testemunha.
Interposto recurso de tal decisão, o Ac.. veio a decidir ser esta irrecorrível, por se inserir no uso de um poder discricionário”, citando os arts. 332º (quer referir-se 322º), nº 1, 323º e 400º, nº 1, al. b), C.P.P.
A norma que resulta da conjugação destes três preceitos, na interpretação do acórdão recorrido de que admitir ou não uma pergunta feita a uma testemunha resulta dos poderes de disciplina da audiência, pelo que resulta do uso de um poder discricionário”, sendo irrecorrível para o Tribunal da Relação, é inconstitucional, por violação do art. 32º, nº 1 (garantias de defesa e direito ao recurso).
Tal resulta já de jurisprudência da própria Relação de Coimbra (Ac de 3 de março de 2004) e do Tribunal Constitucional (Ac. nº 171/05).
Que o recorrente citou – suscitando a questão da constitucionalidade – na audiência oral, em “resposta” á contramotivação do Mº Pº em 1ª instância (única ocasião em que podia, processualmente, fazê-lo – cf. fls. 1067, sob IV, não desmentido pela posterior intervenção escrita do Mº Pº de fls., nem pelo Ac. de fls. 1085), pelo que tal ónus se deve considerar satisfeito – por essa via ou pelo mecanismo da decisão surpresa.
2- Quanto à decisão do prazo de vista dos docs. de fls. 623 a 638 (fls. 1007)
O tribunal de 1ª instância começou por conferir um prazo de vista de hora e meia (entre as 12h30 e as l4h), para depois o fixar em 3 dias.
O Ac. recorrido considera que a fixação do concreto prazo, dentro do limite máximo, constitui um poder discricionário do presidente do coletivo e, como tal, é irrecorrível.
Aplicando os arts. 165º, nº s 1 e 2, 323º, al. f), e 400º, nº 1, al. b), C.P.P.
Porem, interpretar, como faz o acórdão recorrido, a norma que resulta destas disposições no sentido de se considerar ato discricionário a fixação de prazo para o contraditório a exercer pela defesa, relativamente a documentos de elevada tecnicidade juntos e, como tal, irrecorrível para o Tribunal da Relação, constitui inadmissível compressão das garantias de defesa e do recurso, concluindo-se como no antepenúltimo parágrafo.
E trata-se de decisão surpresa, já que adotou fundamento não antes suscitado e com que o recorrente não poderia, razoavelmente, contar.
3- Sobre o indeferimento da reinquirição do Dr. José Castro (fls. 1008)
Tal reinquirição foi indeferida, em primeira instância, por se revelar supérflua, já que, no seu primeiro depoimento, este aduzia ‘todos os factos que (...) sabia e se recordava”.
Aduziu a defesa que, à vista de documentos por si manuscritos, seria possível que o depoimento do Dr. José Castro se tomasse mais preciso.
O Ac. recorrido refere que tal é uma “hipotética possibilidade”, elucidativa da desnecessidade.
Só que tal se pode dizer do depoimento de qualquer testemunha, antes da sua inquirição. É que, antes de tal momento, ninguém sério poderá garantir o que certa testemunha saberá e
Pelo que se interpretou os nºs l e 4-a) do art. 340º C.P.P. no sentido de admissão de certa prova testemunhal não ser necessária e ser irrelevante ou supérflua, se não houver a certeza de tal prova ‘poder acrescentar algo”.
Ora, tal interpretação é inconstitucional (devendo bastar-se com a existência de uma probabilidade razoável), assim se violando o princípio da proporcionalidade e o direito a “todas as garantias de defesa”, previsto no art. 32º, nº 1, C.R.P.
A questão já foi suscitada a fls. 713, sob D (último parágrafo), quanto à forma como a 1ª instância colocou a questão, devendo considerar-se agora, adaptada à nova impostação do problema, feita pelo Tribunal da Relação (decisão surpresa).
d) - Sobre o recurso (de fls. 776) conhecido de fls. 1008 a 1010
O tribunal de 1ª instância considerou algumas palavras (especificamente assinaladas nos dois documentos) legíveis
E o mesmo entendeu o Tribunal da Relação, mas porque “o teor de tais documentos havia já esclarecido através de pareceres médicos juntos pela defesa”. E considera tal pretensão dilatória.
Ora, tais pareceres foram juntos antes de conhecidos pelo arguido os documentos que considera ilegíveis.
O Tribunal da Relação interpreta o nº 2 do art. 166º C.P.P. no sentido de poder ser o juízo dos assessores técnicos do arguido quanto à legibilidade que prevalece.
Ignora a aqui mais que aplicável jurisprudência do Tribunal Constitucional (já que estamos no domínio do processo penal e de requerimento da defesa), que resulta, designadamente, do Ac. de 20/11/91,
segundo a qual o critério que releva é o da parte (no caso, do arguido) e não o do tribunal e/ou o dos consultores técnicos.
(Quanto à relevância dos pareceres clínicos para a legibilidade daqueles docs., cf o que se escreveu, a fls. 1068, sob V).
Interpretar aquele nº 2 do art. 166º C.PP. no sentido exposto nos 2º e 3º parágrafos do presente ponto c) (e não no sentido de atribuir relevância ao critério do arguido) é inconstitucional, por violação do disposto nos arts. 20º, nº 1 e nº 4, e 32º, nº 1, C.R.P.
E o mesmo se diga quanto a de tal interpretação se partir para, em conjugação com a interpretação do art. 340°, nº 4, c), C.P.P., considerar como dilatória a transcrição de palavras assinaladas em dois documentos que o arguido afirma não entender.
A consideração dos pareceres clínicos e a natureza dilatória da pretensão do arguido resulta apenas, nos autos, do Ac. do Tribunal da Relação, pelo que o arguido com tal não podia razoavelmente contar.
Assim sendo, a interpretação ora feita dos arts. 166º, nº 2 e 340º, c), nº 4, C.P.P., e com os elementos considerados, constitui uma decisão surpresa, pelo que o arguido não suscitou antes a questão da constitucionalidade.
e) Sobre o recurso (de fls. 781) conhecido de fls. 1010 a 1012
O Tribunal de 1ª instância, em l2 de maio de 2011, indeferiu a pretensão de se obter a cronologia dos telefonemas para o INEM, porque esta “se inferia cabalmente”.
Foi, posteriormente, convidado a detalhar tal cronologia, ao abrigo do dever de cooperação.
Trata-se, pois, de questão diversa, num e noutro requerimento. Em que não há identidade de pedido, nem de causa de pedir. O dever de cooperação era ponto totalmente omisso no pedido decidido em 12 de maio.
O acórdão recorrido aplica o art. 666º, nºs 1 e 3, C.P.C, ex vi art. 4º C.P.P.”, interpretando-o no sentido de que a matéria de um requerimento em que se exprime a pretensão de se obter a cronologia de uma série de telefonemas, indeferido por esta se inferir “cabalmente”, é igual à matéria de um requerimento em que (após indeferimento daquele) se solicita que o Tribunal dê então a conhecer ao arguido a tal cronologia, que “cabalmente” infere. E concluindo que o tribunal havia esgotado o seu poder jurisdicional, quanto a tal questão.
Mas tal interpretação viola a garantia de acesso ao direito e aos tribunais do art. 20º, nºs 1 e 4, CR.P. e, em processo penal, as garantias do art. 32º, nº 1, CR.P
O arguido não teve formalmente ocasião processual para contrariar a contramotivação do Mº Pº, a fls. 800, pelo que nos encontramos no quadro da decisão surpresa.
f) Sobre o recurso motivado a fls. 804
Resulta da leitura do acórdão, especialmente de fls. 980 a 1012, que tal recurso não foi expressamente conhecido, como, aliás, reconhece o Mº Pº a fls. 1079.
Assim, não consta de qualquer título sublinhado (numerados de I a VI) nem se transcreve a decisão recorrida nem as conclusões da motivação, como se faz para todos os restantes 6 recursos interlocutórios.
Teria sido implicitamente conhecido, como se defende a fls. 1104 e seg., no Ac. de 30 de março de 2012 (nesta parte, recorrido)?
É claro que não (embora se reconheça a delicadeza da posição do novo relator…).
Desde logo, porque o objeto de ambos os recursos é diverso. O primeiro, visa saber se determinadas palavras são legíveis. Versa sobre um despacho que as considera legíveis, no critério do tribunal.
O segundo, visa saber se o tribunal, tendo-as considerado legíveis, tem ou não – por força do dever de colaboração, do direito da defesa e do direito a um processo equitativo – o dever de partilhar com o arguido a leitura que faz (sendo que estes últimos pontos são totalmente omissos, tanto no primeiro requerimento como na decisão deste).
A relação que há entre os dois requerimentos, é a de que o segundo pressupõe e se baseia no indeferimento do primeiro. Mas trata-se de questão diversa.
O Tribunal da Relação aplicou o disposto no art. 379º, nº 1, c) (1ª parte), interpretando-o no sentido de não se dever pronunciar sobre a “mesma questão”. E interpretando como “a mesma questão”, podendo ser não exatamente a mesma mas “fundamentalmente a mesma”. Designadamente, a questão de saber se determinadas palavras são legíveis, no critério do tribunal, e a de saber se o tribunal tem o dever de indicar a leitura que faz das partes que, em seu critério, legíveis julga. Não tomando conhecimento desta última questão, por entender que o conhecimento da primeira questão é suficiente para dar por conhecida a outra.
Esta interpretação é inconstitucional, por violação do direito de acesso ao direito e aos tribunais, previsto no art. 20º, nºs 1 e 4, C.R.P, e do direito ao recurso, este consagrado no art. 32º, nº 1, segmento final, C.R.P.
E tal não podia ter sido invocado antes, por se tratar de decisão surpresa, com a qual nem o Mº Pº contava….
B – QUANTO À DECISÃO DO RECURSO DA DECISÃO FINAL (fls. 1012 e segs. do
Acórdão)
a - Sobre a inconstitucionalidade da interpretação do art. 374º, nº 2, C.P.P. (fls. 1013 e 1014).
O Acórdão recorrido interpreta a expressão “factos provados e não provados”, do nº 2 do art. 374º C.P.P. como excluindo os “factos que não são mais que meras conclusões dou raciocínios argumentativos”, expressões que interpreta como excluindo a prova de factos do tipo dos elencados a fls. 818 (3 últimas linhas) e a fls. 819 (6 primeiras linhas), designadamente (cfr. fls. 1068), que:
- a ferida perfurante tinha apenas 2 ou 4 cm
- da evisceração não resulta qualquer complicação ou dificuldade na cirurgia
- na região abdominal, o único órgão vital é o fígado;
Tal interpretação é inconstitucional, por violação do disposto no nº 4 do art. 20º e no nº 1, 1ª parte, do art. 32º C.R.P., conforme já se invoca no 5º parágrafo completo de fls. 819, para a sentença de 1ª instância, a que haverá que juntar a questão dos “factos que não são mais que meras conclusões e/ou raciocínios argumentativos” que, por totalmente insólita, constitui decisão surpresa.
b - Sobre a decisão do “erro na apreciação dos factos” (fls. 1016 a 1019)
O acórdão recorrido interpreta o disposto no art. 412º (alínea a) no sentido de não serem consideradas “concretos pontos de facto” invocações do tipo de:
“uma navalha atuando como instrumento cortante é totalmente inidónea para ultrapassar ou fraturar o crânio e atingir o cérebro”.
Tal interpretação é inconstitucional, como já se invoca no 4º parágrafo de fls. 1069, que aqui se dá por reproduzido.
Como por reproduzido se dá o que se invoca no parágrafo seguinte (retificando-se a referência ao nº 2, al. b), para nº 3, al. b), como é patente.
Por outro lado, o acórdão não considera aplicável o art. 410º (via restrita da alteração da matéria de facto). Interpretar o disposto no art. 410º, nº 2, al c), C.P.P. como não se aplicando ao presente processo, como o faz o acórdão recorrido, é inconstitucional, por violação dos princípios referidos no penúltimo parágrafo.
As presentes questões de constitucionalidade apenas se colocaram face ao primeiro acórdão da Relação, pelo que a respetiva invocação está em tempo, no quadro da decisão.
(...)”.
2. O recurso foi admitido pelo tribunal a quo, sendo que tal decisão, em face do disposto no n.º 3 do artigo 76.º da LTC, não vincula o Tribunal Constitucional. Assim, uma vez que o presente caso se enquadra na hipótese delineada no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, passa a decidir-se nos termos e com os seguintes fundamentos.
3. O presente recurso vem interposto ao abrigo da alínea b), do artigo 70.º, n.º 1, da LTC.
Assim sendo, o objeto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, aí previsto, há de traduzir-se numa questão de (in)constitucionalidade da(s) norma(s) previamente suscitada perante o Tribunal a quo e de que a decisão recorrida haja feito efetiva aplicação ou que tenha constituído o fundamento normativo do aí decidido.
Explicitando o sentido de tais pressupostos, cumpre acentuar que, sendo o objeto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade constituído por normas jurídicas que violem preceitos ou princípios constitucionais, não pode sindicar-se, no recurso de constitucionalidade, a decisão judicial em si própria, mesmo quando esta faça aplicação direta de preceitos ou princípios constitucionais, quer no que importa à correção, no plano do direito infraconstitucional, da interpretação normativa a que a mesma chegou, quer no que tange à forma como o critério normativo previamente determinado foi aplicado às circunstâncias específicas do caso concreto (correção do juízo subsuntivo).
Deste modo, é sempre forçoso que, no âmbito dos recursos interpostos para o Tribunal Constitucional, se questione a (in)constitucionalidade de normas, não sendo, assim, admissíveis os recursos que, ao jeito da Verfassungsbeschwerde alemã ou do recurso de amparo espanhol, sindiquem, sub species constitutionis, a concreta aplicação do direito efetuada pelos demais tribunais, em termos de se assacar ao ato judicial de “aplicação” a violação (direta) dos parâmetros jurídico-constitucionais. Ou seja, não cabe a este Tribunal apurar e sindicar a bondade e o mérito do julgamento efetuado in concreto pelo tribunal a quo.
A intervenção do Tribunal Constitucional não incide sobre a correção jurídica do concreto julgamento, mas apenas sobre a conformidade constitucional das normas aplicadas pela decisão recorrida, cabendo ao recorrente, como se disse, nos recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º, o ónus de suscitar o problema de constitucionalidade normativa num momento anterior ao da interposição de recurso para o Tribunal Constitucional [cf. Acórdão n.º 199/88, publicado no Diário da República II Série, de 28 de março de 1989; Acórdão n.º 618/98, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, remetendo para jurisprudência anterior (por exemplo, os Acórdãos nºs 178/95 - publicado no Diário da República II Série, de 21 de junho de 1995 -, 521/95 e 1026/9, inéditos e o Acórdão n.º 269/94, publicado no Diário da República II Série, de 18 de junho de 1994)].
Por outro lado, deve também referir-se que decorre dos referidos preceitos que a questão de inconstitucionalidade tenha de ser suscitada em termos adequados, claros e percetíveis, durante o processo, de modo que o tribunal a quo ainda possa conhecer dela antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre tal matéria e que desse ónus de suscitar adequadamente a questão de inconstitucionalidade em termos do tribunal a quo ficar obrigado ao seu conhecimento decorre a exigência de se dever confrontar a norma sindicanda com os parâmetros constitucionais que se têm por violados, só assim se possibilitando uma razoável intervenção dos tribunais no domínio da fiscalização da constitucionalidade dos atos normativos.
É evidente a razão de ser deste entendimento: o que se visa é que o tribunal recorrido seja colocado perante a questão da validade da norma que convoca como fundamento da decisão recorrida e que o Tribunal Constitucional, que conhece da questão por via de recurso, não assuma uma posição de substituição à instância recorrida, de conhecimento da questão de constitucionalidade fora da via de recurso (cf., por exemplo, os Acórdãos n.ºs 352/94, 560/94 e 155/95, in Diário da República II Série, respetivamente, de 6 de setembro de 1994, de 10 de janeiro de 1995 e de 20 de junho de 1995).
Nestes termos, exigir-se-á que, em sede de recurso, a questão de constitucionalidade seja concretizada de modo claro, direto e objetivo (cf. Acórdão n.º 1210/96, disponível em www.tribunalconstitucional.pt) nas conclusões da motivação do recurso uma vez que são estas que delimitam o âmbito e o objeto do recurso e, concretizando o sentido dessa exigência, tem este Tribunal estabelecido que «“suscitar a inconstitucionalidade de uma norma jurídica é fazê-lo de modo tal que o tribunal perante o qual a questão é colocada saiba que tem uma questão de constitucionalidade determinada para decidir. Isto reclama, obviamente, que (...) tal se faça de modo claro e percetível, identificando a norma (ou um segmento dela ou uma dada interpretação da mesma) que (no entender de quem suscita essa questão) viola a Constituição; e reclama, bem assim, que se aponte o porquê dessa incompatibilidade com a lei fundamental, indicando, ao menos, a norma ou princípio constitucional infringido.” Impugnar a constitucionalidade de uma norma implica, pois, imputar a desconformidade com a Constituição não ao ato de aplicação do Direito – concretizado num ato de administração ou numa decisão dos tribunais – mas à própria norma, ou, quando muito, à norma numa determinada interpretação que enformou tal ato ou decisão (cf. Acórdãos nºs 37/97, 680/96, 663/96 e 618/96, este publicado no Diário da República, II Série, de 15-05-1996)». – cf. o referido Acórdão n.º 618/98 e os acórdãos para os quais aí se remete.
Finalmente, o recurso apenas pode ter por objeto questões de constitucionalidade relativas a normas que tenham sido efetivamente aplicadas como fundamento normativo do aí decidido, tendo esse recurso caráter instrumental.
Trata-se, neste caso, de um pressuposto específico do recurso de constitucionalidade cuja exigência decorre da natureza incidental do recurso de constitucionalidade, tal como o mesmo se encontra recortado no nosso sistema constitucional, de controlo difuso da constitucionalidade de normas jurídicas pelos vários tribunais, bem como da natureza da própria função jurisdicional constitucional (cf., entre outros, os Acórdãos n.º 352/94, publicado no Diário da República II Série, de 6 de setembro de 1994, n.º 560/94, publicado no mesmo jornal oficial, de 10 de janeiro de 1995 e, ainda na mesma linha de pensamento, o Acórdão n.º 155/95, publicado no Diário da República II Série, de 20 de junho de 1995, e, aceitando os termos dos arestos acabados de citar, o Acórdão n.º 192/2000, publicado no mesmo jornal oficial, de 30 de outubro de 2000), não cabendo a este Tribunal conhecer de questões de validade normativo-constitucional que não possam repercutir-se na decisão, determinando a sua alteração em caso de procedência do recurso de constitucionalidade.
Na verdade, a resolução da questão de constitucionalidade há de poder, efetivamente, refletir-se na decisão recorrida, implicando a sua reforma, no caso de o recurso obter provimento, o que apenas se afigura possível quando a norma cuja inconstitucionalidade o Tribunal Constitucional aprecie esgote a ratio decidendi da decisão recorrida, sendo certo que, como se afirmou no Acórdão n.º 112/84, o Tribunal Constitucional, enquanto “(...) órgão jurisdicional, nunca age, nem pode aceitar agir, como se fosse um órgão consultivo em matéria jurisdicional (...), toda e qualquer apreciação e declaração de inconstitucionalidade de uma norma não pode deixar de produzir efeito no caso sub judice; não pode, e não deve, com efeito, o Tribunal Constitucional, pronunciar-se sobre «pleitos puramente teóricos ou académicos» (cf. Acórdão n.º 149 da Comissão Constitucional) ”, o que sucederia, inequivocamente, em todas as situações onde a formulação de um juízo de constitucionalidade sobre determinada norma não se viesse a repercutir na decisão recorrida.
4. Sendo estes os critérios gerais que subjazem ao recurso interposto pelo recorrente, cumpre agora apreciar se os mesmos podem considerar-se verificados no presente caso concreto.
Vejamos.
4.1. Num primeiro momento, o recorrente controverte o acórdão recorrido na parte em que apreciou o recurso interlocutório de fls. 461 e que foi conhecido a fls. 980 a 992, do Acórdão de 25 de janeiro.
No seu entendimento:
“O ac. interpreta a expressão “assistir (....) se isso ainda for possível”, do nº 1 do art. 155º C.P.P. no sentido de o consultor ter de assistir “desde o início das diligências periciais” (fls. 991).
No caso de uma perícia que envolva vários atos, bastará que o consultor técnico possa assistir a algum ou alguns deles (cfr. o alegado no penúltimo parágrafo de fls. 1066, sob C-1, que aqui se dá por reproduzido.
Ao não admitir a consultora com base em tal consideração, a diligência não foi feita de forma legal e não se pode garantir que o resultado seria o mesmo.
O acórdão recorrido interpreta o disposto no art. 120º, nº 2, alínea d), segmento “omissão (...) de diligências” no sentido de que a diligência, embora feita de forma ilegal, não constitui nulidade, e o segmento “reputar essencial para a descoberta da verdade” no sentido de permitir dispensar a presença de um consultor, erradamente, como resulta do que se escreveu no fim do parágrafo anterior.
Tais interpretações são inconstitucionais, por violação dos princípios do processo equitativo e das garantias de defesa (arts. 20º, nº 4, e 32º, nº 1, C.R.P.)”.
Sobre essa questão, deixou-se consignado no Acórdão da Relação:
“(...)
O despacho que deferiu e requisitou a perícia, foi proferido durante a sessão de audiência de julgamento, onde o requerente esteve presente e foi notificado no ato, sendo que nessa altura, tal como no requerimento que solicitou a perícia, o recorrente omitiu a pretensão de designar consultor técnico, o que só veio a fazer por requerimento de 3 de janeiro de 2011.
Ou seja, o pedido de intervenção de consultor aparece pela primeira vez no processo decorridos 17 dias depois de ordenada a perícia, que, sublinhe-se, tinha de estar pronta para ser levada em conta na sessão de julgamento de 13 de janeiro de 2011, sendo que esta data foi designada, como decorre do próprio despacho, dando ao IRS o tempo indispensável e razoável para a efetuar, dado tratar-se de arguido preso, consignando-se também que o julgamento apenas aguardava o respetivo relatório, que efetivamente veio a ser junto aos autos em 12 de janeiro de 2011.
(...)
Neste caso, o consultor apenas podia usar da faculdade a que se reporta o n.º 3 do art. 155.º, ou seja, se o recorrente assim entendesse tomar conhecimento do relatório e eventualmente fazer chegar aos autos a sua apreciação.
Se adotarmos a interpretação de que a designação de consultor para os efeitos do n.º 1 e 2 do art.º 155.º, podia ocorrer em qualquer momento no decurso da realização da perícia, caíamos no absurdo de se poder indicar consultor técnico até o relatório estar concluído, o que manifestamente não é concatenável com a expressão inserta no n.º 1 do art.º 155.º, que se reporta à assistência, ‘se isso ainda for possível’.
É que esta expressão tem de ser interpretada no sentido de o consultor poder fazer a sua intervenção desde o início das diligências periciais, conforme lhe permite o n.º 2 do mesmo art.º 155.º, o que se torna inviável quando a designação é feita, como neste caso, depois de transcorrido mais de metade do prazo que foi concedido ao IRS para a sua conclusão”.
De acordo com o invocado no requerimento de interposição de recurso, estas questões configuram “decisão surpresa”, porquanto “os problemas que acarretam interpretações constitucionais apenas foram suscitados no acórdão da Relação”.
Tal argumentação, porém, não procede, sendo manifesto que não existiu qualquer interpretação insólita e inexpectável em termos que tenham impedido o arguido de as suscitar perante o Tribunal recorrido.
Desde logo, no que diz respeito ao artigo 155.º, do Código de Processo Penal (CPP), o próprio arguido, ao recorrer do despacho de fls. 461, invoca que “nos termos do n.º 3 do art. 155.º CPP, só se o consultor for designado após a realização da perícia é que apenas toma conhecimento do relatório” (conclusão 12.ª); “no caso, a designação do consultor técnico teve lugar antes da realização da perícia” (conclusão 13.ª); “pelo que, também por tal via, se erra ao pretender aplicar-se o regime daquele n.º3 do art. 155.º CPP, assim o violando” (conclusão 14.ª). E, antes desse momento, o Tribunal de 1.ª instância, a fls. 402/403, decidiu que “(...) uma vez que a perícia se encontra já realizada, estando designada a continuação do julgamento para o dia de amanhã, deverão os autos aguardar a tomada de posição do arguido quanto ao teor do relatório, o que se determina”.
Ora, tendo o recorrente controvertido a aplicação, por alegada violação, do disposto no artigo 155.º, n.º 3, do CPP – nos termos do qual “se o consultor técnico for designado após a realização da perícia, pode (...) tomar conhecimento do relatório” –, e sustentado, em oposição, a aplicação do disposto no n.º 1 do mesmo artigo – onde se dispõe “ordenada a perícia, o Ministério Público, o arguido, o assistente e as partes civis podem designar para assistir à realização da mesma, se isso ainda for possível, um consultor técnico” –, afigura-se óbvio que o recorrente não estava dispensado de tomar em consideração que os pressupostos de aplicação dessa norma poderiam ter-se por não cumpridos, designadamente no que tange com a proposição “se isso ainda for possível”, atento o particular circunstancialismo relatado no excerto do acórdão recorrido que se transcreveu.
Mutatis mutandis e a fortiori, o mesmo pode dizer-se quanto às questões de relativas à nulidade, ex vi o disposto na alínea d), do n.º 2, do artigo 120.º, do CPP.
Aliás, o próprio arguido suscitou a questão da nulidade e, nesse momento, tendo oportunidade para controverter sub species constitutionis essa mesma norma, não o fez.
Ao que acresce, em todo o caso, que a decisão recorrida não aplicou a norma do artigo 120.º, nas dimensões ora impugnadas.
4.2. Em segundo lugar, o recorrente pretende que o Tribunal Constitucional aprecie a inconstitucionalidade do artigo 358.º do Código de Processo Penal, controvertido nos seguintes termos:
“(...)
O Ac. interpreta a parte final do nº 1 do art. 358º C.P.P. no sentido de a defesa apenas poder versar sobre a matéria dos factos novos, objeto de comunicação.
É claro que as testemunhas. não poderão ser inquiridas aos factos “que já constavam da peça acusatória” (inicial).
Mas igualmente o é que também poderão ser questionadas quanto a todos os factos alegados na “nova” defesa (designadamente, quanto a factos “modificativos ou extintivos” dos factos novos e quanto a facetas da personalidade conexionadas com os factos novos - e outras atenuantes).
Como se escreve na motivação, a fls. 704:
«Mais: a interpretação daquele art. 358°, nº 1, como não permitindo a prova dos factos que a defesa aduz para contrariar ou iluminar a outra luz os factos da “acusação alterada” (fora desses factos, tomados em sentido estrito) é inconstitucional, por violar as garantias de defesa previstas no art. 32º, nº 1, C.R.P»
(...)”.
Como decorre dos autos, esta questão teve na sua origem o despacho ditado para a ata na audiência de julgamento de 27 de abril de 2011 (fls. 577 a 580), no qual e entre o mais, se admitiram as diligências probatórias de natureza testemunhal requeridas pelo arguido, na sequência do cumprimento do artigo 358.º do CPP, deixando-se consignado que “tais inquirições [devem] cingir-se, tão só, aos factos objeto da mencionada comunicação”.
Deste despacho foi interposto recurso (fls. 702), tendo o arguido aí concluído da seguinte forma:
“1.º - Dão-se por reproduzidas as conclusões da anterior motivação, relativa ao despacho de 13 de abril de 2011;
2.º - A restrição da possibilidade do interrogatório das testemunhas, devendo “cingir-se, tão só, aos factos objeto da (...) comunicação”, viola o disposto nos artigos 358.º e 32.º, n.º 1, CRP;
3.º - A junção do documento da Fundação Dr. … não é extemporânea, dado a audiência estar ainda a decorrer, por um lado;
4.ª E, por outro, por resultar da “alteração dos factos” e de uma pergunta ao tribunal após tal alteração, o interesse de tal junção;
5.º - Assim se violando o disposto no artigo 165.º, n.º 1 1, CPP e 32.º, n.º 1, CRP;
6.º - Pelo que tal documento deve ser admitido no processo, revogando-se a decisão ora recorrida;
7.º Tudo impondo o provimento do presente recurso, não podendo subsistir o despacho recorrido, nas partes ora impugnadas”.
Quanto a esta questão e atenta a explicitação dos pressupostos do recurso de constitucionalidade supra realizada, não pode considerar-se suscitada nas conclusões do recurso qualquer questão de constitucionalidade normativa.
Não se olvida que o recorrente alega ter prevenido a questão de constitucionalidade nas motivações do seu recurso. No entanto, sendo as conclusões que delimitam o âmbito e o objeto do recurso e uma vez que a questão de constitucionalidade carece de ser suscitada perante o tribunal recorrido em termos de este estar obrigado a dela conhecer (cf. artigo 72.º, n.º 2, da LTC), será essa a sede relevante para se apurar se foi, ou não, suscitada uma questão de constitucionalidade.
Ora, perscrutando o teor das conclusões, que se transcreveram, verifica-se que o recorrente não controverte a constitucionalidade do artigo 358.º do CPP, outrossim a decisão que, no seu entendimento, violou o disposto nessa norma e no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição.
Nessa medida, não podem considerar-se preenchidos os requisitos básicos que possibilitam o recurso previsto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC.
4.3. Em terceiro lugar, o arguido contesta a decisão recorrida na parte em que confirma, com diferentes fundamentos, o indeferimento da declaração de fls. 759.
Quanto a esta questão, diz-se no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade o seguinte:
“O Ac. recorrido “desautoriza” a tese da 1ª instância, segundo a qual tal junção seria intempestiva.
Mas decide pela não junção, por “irrelevante” para qualquer facto da acusação.
Cita os arts. 124º, nº 1, CPP., 50º, nº 1, e 54º C.P. (melhor citaria o art. 53º, nº 2).
Porém, confunde os conceitos de “disponibilidade (...) para acolher o arguido” (linhas 1 e 2 de fls. 1003) e de” planificação de (....) eventual suspensão, com regime de prova”.
Ora, é evidente que o IRS não dispõe (muito menos, em regime de exclusividade) de locais de acolhimento para condenados em pena suspensa, pelo que a junção de tal declaração seria suscetível de facilitar a “eventual aplicação da pena de substituição prevista no art. 50º, nº 1, C.P.” (fls. 1003, 5ª linha).
Interpretar a norma que resulta do disposto no art. 50º, nº 1, e/ou dos arts. 53º, nº 2, e 54º C.P. no sentido de a “planificação’ e/ou a “execução com vigilância”, da competência do IRS, da suspensão da execução da prisão impossibilitar ou impedir que o tribunal pondere a disponibilidade de uma instituição em “acolher o arguido” “caso ele venha a beneficiar da suspensão da execução da pena”, ou conjugar tal interpretação com a do segmento “determinação da pena (aplicável)”, do art. 124º, nº 1, C.P.P., no sentido da irrelevância de um documento com o conteúdo apontado, seria inconstitucional, por violação das garantias de defesa, previstas pelo art. 32º, nº 1, CRP., já que diminui a possibilidade de o arguido beneficiar de tal regime de suspensão.
Por fim, o Ac. entende (fls. 1003) que a junção de tal documento “afrontaria o princípio da oralidade”, por mais não ser que um depoimento por escrito, subtraído do princípio do contraditório. Mas tal se poderia dizer (falsamente, aliás, já que todos submetidos a contraditório) de (quase) todos os documentos particulares.
Interpretar o nº 1 do art. 164º C.P.P. no sentido de se excluir da prova admissível a que resulte de documentos particulares que “não (são) mais que um depoimento por escrito”, seria inconstitucional, por violação das garantias de defesa, tal como explicitado no penúltimo parágrafo.
A questão da constitucionalidade já foi suscitada a fls. 705, na motivação. Mas, evidentemente, quanto à forma como a ia instância configura a questão.
O ac. recorrido tratou de tal questão de modo radicalmente diverso de tudo o que antes havia sido vertido no processo, e de todas as expectativas do arguido, pelo que constitui uma “decisão surpresa”, no sentido da jurisprudência do Tribunal Constitucional, sendo, assim, admissível o recurso.
(...)”.
O Tribunal recorrido conheceu dessa matéria a fls. 1001 a 1003, tendo concluído de acordo com o disposto no artigo 124.º, do Código de Processo Penal, conjugado com o regime do artigo 340.º, n.º 4, alínea a), do mesmo diploma, que o documento em causa se tratava de “um documento irrelevante para efeitos da defesa apresentada e, neste sentido, não poderia ser admitido”.
Na análise da questão, após ter concluído que a “dita declaração é perfeitamente irrelevante como meio de prova para infirmar qualquer facto já anteriormente vertido na acusação”, o Tribunal não deixou de alvitrar o interesse do documento na perspetiva de uma eventual aplicação da pena de substituição, tendo concluído pela sua inexistência “porque a planificação de eventual aplicação de suspensão com regime de prova pertence como decorre do art.º 54.º do Código Penal, aos serviços de reinserção social”.
Perante este quadro, resulta claro que o Tribunal recorrido não aplicou, como ratio decidendi, as normas dos artigos 50.º, n.º 1 “e/ou” dos artigos 53.º, n.º 2, e 54.º, do Código Penal, nem o fez tendo em conta a “dimensão normativa” que o recorrente pretende aqui controverter.
De facto, os artigos 50.º, n.º 1, e 54.º do Código Penal, apenas foram chamados à colação para demonstrar a irrelevância do documento, mesmo no plano da eventual aplicação de suspensão com regime de prova, razão pela qual a invocação de qualquer inconstitucionalidade aportada única e exclusivamente àqueles preceitos não tem qualquer sentido.
É certo que o recorrente, por meio de alocução alternativa, sustenta também que “conjugar tal interpretação com a do segmento ‘determinação da pena (aplicável)’, do art. 124º, nº 1, C.P.P., no sentido da irrelevância de um documento com o conteúdo apontado, seria inconstitucional, por violação das garantias de defesa, previstas pelo art. 32º, nº 1, CRP”. Contudo, tal pretensão é manifestamente desprovida de conteúdo normativo, sendo este delimitador da competência cognitiva do Tribunal Constitucional.
O que aí se contesta, em bom rigor, mais não é do que a própria decisão ou juízo quanto à “irrelevância do documento face ao seu conteúdo” e, por isso, não cabe a este Tribunal conhecer do resultado desse juízo.
Por outro lado, mesmo que assim não fosse, cumpre salientar que a questão equacionada pelo recorrente, e contrariamente ao que este afirma, não constitui qualquer decisão surpresa, porquanto, apesar do Tribunal de Santa Comba Dão ter rejeitado o documento com fundamento na sua extemporaneidade, não se encontrava o recorrente dispensado de, no recurso, equacionar a questão da relevância desse meio de prova na perspetiva da constitucionalidade dos critérios que poderiam levar, como levaram, o Tribunal a indeferir a sua pretensão.
Esta proposição não deixa de ser confirmada pelo teor das conclusões do recurso interposto quanto a essa matéria para o Tribunal da Relação (transcritas no ponto antecedente, 4.2.), porquanto o recorrente não se limitou a invocar a admissibilidade do documento na perspetiva de o mesmo não poder ser considerado extemporâneo, tendo também referido que existia interesse na sua junção. Ora, ao fazê-lo e recaindo sobre as partes um dever de prudência técnica na antevisão do direito suscetível de ser aplicado, não estava o recorrente impossibilitado de entrar em linha de conta com o facto da sua posição poder ser refutada pelo Tribunal da Relação, nem de, em consequência, suscitar a questão de constitucionalidade.
Por fim, o recorrente insurge-se, ainda, contra o entendimento do Tribunal recorrido na parte em que aí se refere o artigo 164.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, sustentando, por isso, que tal norma se interpretada “no sentido de se excluir da prova admissível a que resulte de documentos particulares que ‘não (são) mais do que um depoimento por escrito’, seria inconstitucional”.
No aresto sindicado, depois de se ter concluído pela total irrelevância do documento, diz-se por “fim e a talho de foice (...) que a junção do referido documento afrontaria o princípio da oralidade na medida em que, no fundo, não é mais do que um depoimento por escrito, depoimento este, subtraído ao princípio do contraditório”.
Neste ponto e tendo em conta o sentido da decisão sobre a inadmissibilidade, não há margem para dúvida de que está em causa um argumento subsidiário que não afasta o juízo sobre a irrelevância do documento e consequente inadmissibilidade, razão pela qual o conhecimento dessa questão, atento o caráter instrumental do recurso de constitucionalidade, deve considerar-se prejudicado pelo facto de a mesma não ter qualquer utilidade já que se revela insuscetível de, por si só, determinar a alteração do sentido da decisão recorrida.
Nessa ótica, também quanto ao considerado segmento do recurso de constitucionalidade não se encontram preenchidos os pressupostos do conhecimento do seu objeto.
4.4. Em quarto lugar, não se conformando com a decisão do Tribunal de 1.ª instância não ter admitido a formulação de uma pergunta a uma testemunha, o recorrente invoca o seguinte no seu requerimento de recurso para este Tribunal:
“(...)
O tribunal de 1ª instância não permitiu certa pergunta a esta testemunha.
Interposto recurso de tal decisão, o Ac.. veio a decidir ser esta irrecorrível, por se inserir no uso de um poder discricionário”, citando os arts. 332º (quer referir-se 322º), nº 1, 323º e 400º, nº 1, al. b), C.P.P.
A norma que resulta da conjugação destes três preceitos, na interpretação do acórdão recorrido de que admitir ou não uma pergunta feita a uma testemunha resulta dos poderes de disciplina da audiência, pelo que resulta do uso de um poder discricionário”, sendo irrecorrível para o Tribunal da Relação, é inconstitucional, por violação do art. 32º, nº 1 (garantias de defesa e direito ao recurso).
Tal resulta já de jurisprudência da própria Relação de Coimbra (Ac de 3 de março de 2004) e do Tribunal Constitucional (Ac. nº 171/05).
Que o recorrente citou – suscitando a questão da constitucionalidade – na audiência oral, em ‘resposta” á contramotivação do Mº Pº em 1ª instância (única ocasião em que podia, processualmente, fazê-lo – cf. fls. 1067, sob IV, não desmentido pela posterior intervenção escrita do Mº Pº de fls. , nem pelo Ac. de fls. 1085), pelo que tal ónus se deve considerar satisfeito – por essa via ou pelo mecanismo da decisão surpresa”.
Contrariamente ao indicado pelo recorrente, a questão não foi suscitada nem existiu qualquer decisão surpresa sobre a matéria.
A fls. 1067, em requerimento apresentado após a prolação da decisão recorrida, o arguido dirigiu-se ao Tribunal da Relação pretendendo “saber se o Tribunal teve presente que o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 3 de março de 2004, e o Acórdão n.º 171/05 do Tribunal Constitucional – ambos citados pelo signatário na audiência – perfilham doutrina contrária (uso de poder discricionário)”.
Do invocado no requerimento de recurso resulta afastada a hipótese de se considerar que a aplicação das normas contestandas configure uma decisão surpresa, inexpectável ou insólita para o arguido, porquanto é o próprio recorrente que considera ter tido, como alega, oportunidade para suscitar a questão, o que afasta, desde logo, o “mecanismo da decisão surpresa”, por regra reservado à verificação de circunstâncias excecionais e impossibilitadoras de prévia suscitação das questões de constitucionalidade.
Ora, este Tribunal tem considerado, reiteradamente, que recai sobre o interessado que pretenda assegurar a via do recurso tipificado na alínea b) do n.º 1 do art.º 70º da LTC o ónus de providenciar pela documentação em ata ou auto de suscitação da questão de inconstitucionalidade que haja colocado em intervenção ou alegação oral (cfr., neste exato sentido, os Acórdãos n.º 637/96, publicado no Diário da República II Série, de 9 de julho de 1996, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 34.º vol., pp. 481 e BMJ, 457º, pp. 67, n.º 397/97, publicado no Diário da República II Série, de 17 de julho de 1997, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 37.º vol., pp. 229 e BMJ, 467.º, pp. 190, n.º 536/97, e, mais recentemente, n.º 377/2004, estes últimos disponíveis, como os demais, em www.tribunalconstitucional.pt/ jurisprudência).
Compulsando o teor das respetivas atas, de nenhuma consta a suscitação da questão de constitucionalidade que o recorrente pretende ver apreciada, o que obsta ao conhecimento do mérito do recurso.
4.5. Em quinto lugar, o recorrente contesta a norma que resulta da conjugação dos preceitos dos artigos 165.º, n.ºs 1 e 2, 323.º, alínea f), e 400.º, n.º 1, alínea b), todos do C.P.P., “no sentido de se considerar ato discricionário a fixação de prazo para o contraditório a exercer pela defesa, relativamente a documentos de elevada tecnicidade juntos e, como tal, irrecorrível para o Tribunal da Relação”. Uma vez mais, invoca, quanto a esta questão, a existência de uma decisão surpresa por se estar perante um “fundamento não suscitado e com que o recorrente não poderia, razoavelmente, contar”.
Também aqui, sem fundamento.
Como decorre dos autos, designadamente do teor do recurso interposto pelo arguido, o Tribunal de 1.ª instância fixou um prazo inicial de uma hora e meia para a vista dos documentos em causa, tendo, após solicitação do recorrente para “a concessão de prazo mais alargado, não inferior ao prazo geral” (cf. fls. 644), fixado um prazo de três dias e julgado improcedente a nulidade arguida pelo arguido ao requerer o alargamento do prazo, considerando que “o prazo que o tribunal pode conceder para a possibilidade do contraditório relativamente a documentação junta aos autos é um prazo a fixar, não superior a oito dias, não dispondo a lei sobre o seu limite mínimo. [§] No caso em apreço, foi concedido à defesa do arguido o prazo de três dias, fundamentando a concessão desse prazo nas razões que para tanto se adiantaram no referido despacho (...)”.
Inconformado, o arguido recorreu do referido despacho, sustentando, entre o mais, que “o prazo de vista concedido foi manifestamente insuficiente (apesar de se ter requerido prazo superior), no caso concreto, para uma cabal defesa, face ao novo ‘dossier’ médico” (conclusão 3.ª do recurso, fls. 714), “assim se violando o direito à cabal defesa do arguido, como previsto nos arts. 165.º, n.º 2, C.P.P., 20.º, n.º 4, 32.º, n.º 1, CRP e 6.º, n.ºs 1 e 3 – b), da Convenção Europeia dos Direitos do Homem” (conclusão 4.ª).
Perante a referida tramitação, e atento o disposto no artigo 165.º, n.º 2, do CPP – onde se dispõe que para a realização do contraditório “o tribunal pode conceder um prazo não superior a oito dias” –, não pode aceitar-se que o arguido, ao recorrer para o Tribunal da Relação, se encontraria impossibilitado de configurar a concreta fixação de tal prazo como uma decisão relativa a um ato dependente da livre resolução do tribunal.
Confirma-o, não apenas o teor da norma, mas também os termos em que o recorrente requereu a concessão do prazo e, principalmente, o conteúdo do despacho que indeferiu a nulidade arguida quanto à fixação do prazo, isto tudo para além do facto do tribunal ter alterado o prazo inicialmente estabelecido.
Em face desta realidade e confrontando-a com o teor da disposição do artigo 400.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, que não admite recurso “de decisões que ordenam atos dependentes da livre resolução do tribunal”, a decisão do Tribunal da Relação, ao considerar irrecorrível a decisão de concessão concreta do prazo, não se estriba numa aplicação insólita ou inesperada de norma e, consequentemente, não se configura como decisão surpresa.
Saliente-se ainda, a esse propósito, que o desconhecimento das disposições legais que determinam a irrecorribilidade de decisões judiciais não constitui, obviamente, razão justificadora e, qua tale, atendível para que se possa prescindir da suscitação prévia de questões de constitucionalidade perante o tribunal a quo.
Em consequência, a aplicação do disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea b), do CPP, devia, porque podia, ter sido prevenida no próprio requerimento de interposição de recurso, atendendo à matéria que se encontrava circunstancialmente em causa.
4.6. Em sexto lugar, o recorrente pretende ver apreciada a inconstitucionalidade do artigo 340.º, n.ºs 1 e 4, alínea a), do Código de Processo Penal, interpretado no sentido “de admissão de certa prova testemunhal não ser necessária e irrelevante ou supérflua, se não houver a certeza de tal prova ‘poder acrescentar algo”.
Sobre esta questão, diz-se no requerimento de interposição:
“(...)
Sobre o indeferimento da reinquirição do Dr. José Castro (fls. 1008)
Tal reinquirição foi indeferida, em primeira instância, por se revelar supérflua, já que, no seu primeiro depoimento, este aduzia ‘todos os factos que (...) sabia e se recordava”.
Aduziu a defesa que, à vista de documentos por si manuscritos, seria possível que o depoimento do Dr. José Castro se tomasse mais preciso.
O Ac. recorrido refere que tal é uma “hipotética possibilidade”, elucidativa da desnecessidade.
Só que tal se pode dizer do depoimento de qualquer testemunha, antes da sua inquirição. É que, antes de tal momento, ninguém sério poderá garantir o que certa testemunha saberá e
Pelo que se interpretou os nºs l e 4-a) do art. 340º C.P.P. no sentido de admissão de certa prova testemunhal não ser necessária e ser irrelevante ou supérflua, se não houver a certeza de tal prova ‘poder acrescentar algo”.
Ora, tal interpretação é inconstitucional (devendo bastar-se com a existência de uma probabilidade razoável), assim se violando o princípio da proporcionalidade e o direito a “todas as garantias de defesa”, previsto no art. 32º, nº 1, C.R.P.
A questão já foi suscitada a fls. 713, sob D (último parágrafo), quanto à forma como a 1ª instância colocou a questão, devendo considerar-se agora, adaptada à nova impostação do problema, feita pelo Tribunal da Relação (decisão surpresa).
(...)”.
Como dá conta o recorrente, a questão da reinquirição da testemunha foi equacionada no recurso interposto a fls. 710, no âmbito do qual e sobre essa matéria, se encontra formulada a seguinte conclusão – 7.ª: “A reinquirição do Dr. José Castro faria todo o sentido, por o seu depoimento poder tornar-se mais preciso, após consulta dos elementos médicos de fls. 629 a 638”.
Sobre ela, discorreu o acórdão recorrido nos seguintes termos:
“(...)
Na verdade, a alegação contida na conclusão 7.ª é, por si só, bem elucidativa de que a reinquirição da testemunha não era necessária para a descoberta da verdade, na medida em que é o próprio recorrente que não sabe se, perante a consulta dos elementos médicos, o depoimento da testemunha seria mais ‘preciso’ do que o anteriormente prestado [atente-se: ‘...poder vir a tornar-se...’]. Dito por outras palavras, a pretendida reinquirição da testemunha radica, afinal, tão só, numa hipotética possibilidade de a testemunha poder acrescentar algo mais ao já dito...”.
Conjugando os elementos referidos, resulta que a questão de constitucionalidade não foi suscitada durante o processo e também que a decisão em causa, ao convocar a própria argumentação do recorrente para indeferir o requerido, não pode considerar-se surpreendente de modo a dispensar o arguido do ónus de ter previamente controvertido a bondade constitucional da norma aplicada pelo tribunal.
4.7. Em sétimo lugar e na sequência, invoca o arguido no requerimento de recurso:
“(...)
O tribunal de 1ª instância considerou algumas palavras (especificamente assinaladas nos dois documentos) legíveis.
E o mesmo entendeu o Tribunal da Relação, mas porque “o teor de tais documentos havia já esclarecido através de pareceres médicos juntos pela defesa”. E considera tal pretensão dilatória.
Ora, tais pareceres foram juntos antes de conhecidos pelo arguido os documentos que considera ilegíveis.
O Tribunal da Relação interpreta o nº 2 do art. 166º C.P.P. no sentido de poder ser o juízo dos assessores técnicos do arguido quanto à legibilidade que prevalece.
Ignora a aqui mais que aplicável jurisprudência do Tribunal Constitucional (já que estamos no domínio do processo penal e de requerimento da defesa), que resulta, designadamente, do Ac. de 20/11/91,
segundo a qual o critério que releva é o da parte (no caso, do arguido) e não o do tribunal e/ou o dos consultores técnicos.
(Quanto à relevância dos pareceres clínicos para a legibilidade daqueles docs., cf o que se escreveu, a fls. 1068, sob V).
Interpretar aquele nº 2 do art. 166º C.PP. no sentido exposto nos 2º e 3º parágrafos do presente ponto c) (e não no sentido de atribuir relevância ao critério do arguido) é inconstitucional, por violação do disposto nos arts. 20º, nº 1 e nº 4, e 32º, nº 1, C.R..P.
E o mesmo se diga quanto a de tal interpretação se partir para, em conjugação com a interpretação do art. 340°, nº 4, c), C.P.P., considerar como dilatória a transcrição de palavras assinaladas em dois documentos que o arguido afirma não entender.
A consideração dos pareceres clínicos e a natureza dilatória da pretensão do arguido resulta apenas, nos autos, do Ac. do Tribunal da Relação, pelo que o arguido com tal não podia razoavelmente contar.
Assim sendo, a interpretação ora feita dos arts. 166º, nº 2 e 340º, c), nº 4, C.P.P., e com os elementos considerados, constitui uma decisão surpresa, pelo que o arguido não suscitou antes a questão da constitucionalidade.
(...)”.
Na origem desta questão encontra-se um recurso (fls. 776 e ss.) interposto do despacho que indeferiu a transcrição dos documentos de fls. 634 e 635, com o seguinte teor: “(...) temos que os pontos assinalados pelo I. Mandatário do arguido são em si mesmo legíveis. Para além do mais, quaisquer dúvidas sempre são supríveis com os demais elementos datilografados e constantes de fls. 632, pelo que não vislumbra o tribunal a necessidade de se proceder à transcrição requerida (...)”.
Esse despacho foi impugnado nos termos que resultam das seguintes conclusões:
“(...)
1.º Os documentos de fls. 634 e 635, nas partes assinaladas, são ilegíveis (ou dificilmente legíveis para o arguido).
2.º Entendendo diversamente, o despacho recorrido viola, por erro de aplicação, o disposto no art. 166.º, n.º 2, 1.ª parte, CPP.
3.º E, omitindo diligências para os tornar legíveis, violou também o princípio do inquisitório e o disposto no n.º 1 do artigo 340.º CPP.
(...)”.
Tal recurso foi julgado improcedente por se ter considerado que:
“(...)
O teor de tais documentos havia já sido esclarecido através de pareceres médicos juntos pela defesa que, além do mais, se pronunciam sobre esses elementos clínicos, vide fls. 658, esclarecimentos que foram prestados, como bem refere o Digno Magistrado do Ministério Público na sua resposta a fls, 797, ‘posteriormente ad infinitum, nas sessões de julgamento realizadas em 12 e 25 de maio de 2011, com a inquirição dos médicos subscritores desses referidos’.
Na verdade, depois desta exaustiva análise dos documentos clínicos, não se entende onde possa residir a dúvida relativamente ao seu teor, e daí o tribunal coletivo entender que nada mais havia a esclarecer, tornando-se desnecessária a requerida transcrição, o mesmo é dizer que julgou desnecessária a transcrição, porque, como é bom de ver, depois de tanto esclarecimento ela assumia natureza dilatória e nada acrescentaria para o ‘thema decidendum’.
In casu, e no contexto relatado, o coletivo de juízes considerou legíveis os documentos em causa, nas partes assinaladas pelo recorrente. E, analisados os mesmos, este tribunal não vê razões para divergir de tal opinião”.
Vejamos.
Neste ponto, não se verificam os pressupostos processuais para que se possa conhecer do objeto do recurso por duas razões essenciais.
Em primeiro lugar, o objeto definido pelo recorrente não consubstancia qualquer questão de constitucionalidade normativa, posto que, apesar da invocação, meramente formal, dos artigos 166.º, n.º 2 e 340.º, n.º 4, alínea c), ambos do CPP, o que o arguido pretende discutir não é mais do que aplicação dessas normas ao caso concreto em face do conjunto de circunstâncias de facto que foram ponderadas pelo Tribunal para dar como legíveis os documentos em causa.
É, indubitavelmente, o que resulta da “interpretação” contestada relativamente ao artigo 166.º, n.º 2, por remissão para a exposição constante dos parágrafos identificados no requerimento de recurso, e, bem assim, da conjugação desse “critério” com a disposição do artigo 340.º do CPP.
Por outro lado, é manifestamente improcedente a alegação de uma “decisão surpresa”, porquanto, como resulta da própria decisão recorrida, o critério normativo aplicado pela Relação é perfeitamente coincidente com o aplicado pelo o tribunal a quo, apenas divergindo no plano da densidade da argumentação fáctica explicitada e que não se confunde com a norma aplicada.
Fora desse plano, não pode ignorar-se que a decisão recorrida qualificou a pretensão do recorrente como dilatória ao passo que a 1.ª instância a havia dito desnecessária. Todavia e sem prejuízo do que se referiu supra, esse juízo, apesar de ser expectável, constitui um mero obiter dictum dado que o recurso foi julgado improcedente por o Tribunal ter entendido que os documentos em causa eram legíveis.
4.8. Em oitavo lugar, sustenta o recorrente que o aresto recorrido “aplica o art. 666º, nºs 1 e 3, C.P.C, ex vi art. 4º C.P.P.”, interpretando-o no sentido de que a matéria de um requerimento em que se exprime a pretensão de se obter a cronologia de uma série de telefonemas, indeferido por esta se inferir “cabalmente”, é igual à matéria de um requerimento em que (após indeferimento daquele) se solicita que o Tribunal dê então a conhecer ao arguido a tal cronologia, que “cabalmente” infere. E concluindo que o tribunal havia esgotado o seu poder jurisdicional, quanto a tal questão.
Também aqui alega encontrar-se perante uma “decisão surpresa”.
Com pertinência, consta da decisão recorrida:
“(...)
O requerimento de produção de prova formulado pelo arguido/recorrente, no que se refere à ‘cronologia dos telefonemas’ foi objeto de pronúncia no despacho proferido na sessão de julgamento de 12/05/2011, relativamente ao qual, o arguido, inconformado, interpôs recurso.
O que significa que, após a prolação desse despacho, ficou imediatamente esgotado o poder jurisdicional do tribunal recorrido quanto a essa concreta questão.
Assim sendo, ao recorrente só restaria uma atitude processual: aguardar pela decisão do tribunal superior relativamente ao recurso que interpôs do despacho de 12/5/2011.
O que significa que o despacho em apreço não é recorrível, na medida em que o coletivo de juízes nele nada decidiu – e bem, reiterando tão só a decisão de indeferimento.
Como já referido, nos termos do artigo 414.º, n.º 3, ‘A decisão que admita o recurso (...) não vincula o tribunal superior’.
Termos em que se decide rejeitar o recurso por inadmissibilidade legal – artigo 420.º, n.º 1, alínea b)”.
À semelhança do analisado no ponto anterior, também aqui se verifica que a questão de constitucionalidade em causa se refere, única e exclusivamente, a uma valoração judicativa das circunstâncias de facto subjacentes à aplicação da(s) norma(s), encontrando-se, como tal, desprovida de qualquer conteúdo normativo.
Por outro lado, o recorrente não contesta a norma com base na qual o Tribunal da Relação acabou por decidir rejeitar o recurso por inadmissibilidade legal e que constituiu a ratio decidendi do juízo ora impugnado.
4.9. Em nono lugar, consta ainda do requerimento de recurso a seguinte questão:
“(...)
Sobre o recurso motivado a fls. 804
Resulta da leitura do acórdão, especialmente de fls. 980 a 1012, que tal recurso não foi expressamente conhecido, como, aliás, reconhece o Mº Pº a fls. 1079.
Assim, não consta de qualquer título sublinhado (numerados de I a VI) nem se transcreve a decisão recorrida nem as conclusões da motivação, como se faz para todos os restantes 6 recursos interlocutórios.
Teria sido implicitamente conhecido, como se defende a fls. 1104 e seg., no Ac. de 30 de março de 2012 (nesta parte, recorrido)?
É claro que não (embora se reconheça a delicadeza da posição do novo relator…).
Desde logo, porque o objeto de ambos os recursos é diverso. O primeiro, visa saber se determinadas palavras são legíveis. Versa sobre um despacho que as considera legíveis, no critério do tribunal.
O segundo, visa saber se o tribunal, tendo-as considerado legíveis, tem ou não – por força do dever de colaboração, do direito da defesa e do direito a um processo equitativo – o dever de partilhar com o arguido a leitura que faz (sendo que estes últimos pontos são totalmente omissos, tanto no primeiro requerimento como na decisão deste).
A relação que há entre os dois requerimentos, é a de que o segundo pressupõe e se baseia no indeferimento do primeiro. Mas trata-se de questão diversa.
O Tribunal da Relação aplicou o disposto no art. 379º, nº 1, c) (1ª parte), interpretando-o no sentido de não se dever pronunciar sobre a “mesma questão”. E interpretando como “a mesma questão”, podendo ser não exatamente a mesma mas “fundamentalmente a mesma”. Designadamente, a questão de saber se determinadas palavras são legíveis, no critério do tribunal, e a de saber se o tribunal tem o dever de indicar a leitura que faz das partes que, em seu critério, legíveis julga. Não tomando conhecimento desta última questão, por entender que o conhecimento da primeira questão é suficiente para dar por conhecida a outra.
Esta interpretação é inconstitucional, por violação do direito de acesso ao direito e aos tribunais, previsto no art. 20º, nºs 1 e 4, C.R.P, e do direito ao recurso, este consagrado no art. 32º, nº 1, segmento final, C.R.P.
E tal não podia ter sido invocado antes, por se tratar de decisão surpresa, com a qual nem o Mº Pº contava…
(...)”.
Contextualizando, há que referir que o problema da omissão de pronúncia foi equacionado pelo recorrente, que, com base nele, arguiu a nulidade do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25 de janeiro de 2012, da seguinte forma:
“(...)
VII – Não conhecimento do recurso motivado a fls. 804
Apesar de ser referido, na última linha de fls. 888, como mantendo o seu interesse, o acórdão passa sob total silêncio este recurso.
Ocorre, assim, omissão de pronúncia, como previsto no art. 379.º, n.º 1, alínea c), CPP, o que implica a nulidade desse acórdão.
(...)”.
Sobre essa questão, refere-se no acórdão de 30 de março de 2012:
“(...)
Tendo em conta a estrutura sistemática do acórdão, numa análise perfunctória, podemos ser levados a pensar que, como refere o requerente, o acórdão desta Relação, omitiu pronúncia sobre o 7.º recurso interlocutório interposto e motivado a fls. 803/806 dos autos.
Todavia, numa visão mais atenta permite ver que assim não sucede.
Efetivamente, o arguido já havia interposto, em momento anterior (14-06-2011) – fls. 776/778 -, recurso fundamentalmente com o mesmo objeto, traduzido na invocada ilegibilidade dos documentos de fls. 634 e 635, nas partes por si sobrelinhadas, a amarelo, a fls. 670/671, e na necessidade da sua transcrição.
E esse recurso foi decidido a fls. 34/35 do acórdão, com manutenção do despacho recorrido de fls. 673/674, que decidiu no sentido do indeferimento da requerida transcrição, por os ‘pontos assinalados pelo I. Mandatário do arguido’ serem, ‘em si mesmo legíveis’.
Sucede que, no recurso agora posto em destaque, interposto do despacho de fls. 774, com o seguinte conteúdo: ‘Requerimento que antecede: Veio o I. Mandatário do arguido requerer que o tribunal dê a conhecer a leitura que faz das partes indicadas de fls. 634 e 635. Ora, o requerido é, por si só, carecido de qualquer fundamento porquanto ao tribunal cabe determinar da legibilidade de documentos – o que já se encontra decidido – e não, como é evidente, proceder, ele próprio, à transcrição ou ‘leitura’ de partes manuscritas, por forma a ultrapassar quaisquer dúvidas que ao arguido e/ou seu Mandatário se suscitem, pelo que se indefere o requerido’, o arguido mais não fez do que reeditar os fundamentos já invocados no anterior recurso, supra referido, embora invocando, no novo recurso, a violação dos artigos 20.º, n.º 4, 32.º, n.º 1, da CRP, e 6.º, n.º 1, da Declaração Europeia dos Direitos do Homem.
Não existe, também neste domínio a nulidade suscitada pelo requerente”.
Invoca, então, o arguido que o “Tribunal da Relação aplicou o disposto no art. 379º, nº 1, c) (1ª parte), interpretando-o no sentido de não se dever pronunciar sobre a “mesma questão”. E interpretando como “a mesma questão”, podendo ser não exatamente a mesma mas “fundamentalmente a mesma”. Designadamente, a questão de saber se determinadas palavras são legíveis, no critério do tribunal, e a de saber se o tribunal tem o dever de indicar a leitura que faz das partes que, em seu critério, legíveis julga. Não tomando conhecimento desta última questão, por entender que o conhecimento da primeira questão é suficiente para dar por conhecida a outra”, considerando que a interpretação, assim definida, é “inconstitucional, por violação do direito de acesso ao direito e aos tribunais, previsto no art. 20º, nºs 1 e 4, C.R.P, e do direito ao recurso, este consagrado no art. 32º, nº 1, segmento final, C.R.P.”.
Mais refere estar perante uma “decisão surpresa”.
Vejamos.
Como decorre do relatado supra, o recorrente, ao definir o critério objeto do recurso de constitucionalidade, associa à dimensão normativa tida por aplicada do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, o juízo subsuntivo que o Tribunal a quo realizou quanto à identidade da questão e dos fundamentos dos recursos em causa.
Ao fazê-lo, o recorrente incorpora, na “interpretação” controvertida, um momento de aplicação, que aqui é insindicável, e que se traduz na validade da decisão judicativa na parte em que, face ao teor dos recursos, julga existir identidade entre as questões.
Ora, essa questão traduz-se num juízo não normativo, porque referente, em exclusivo, aos elementos valorados pela própria decisão judicial para concluir que os recursos versavam fundamentalmente sobre a mesma questão.
Em segundo lugar, mesmo que assim não fosse, sempre improcederia a alegação de que o juízo da Relação configura uma “decisão surpresa” e que o recorrente não teve oportunidade processual para a suscitar.
De facto, ao cumprimento do ónus de suscitação prévia as questões de constitucionalidade associa-se a ideia de que as partes, devidamente representadas por mandatários habilitados, têm o particular dever de prudência técnica no plano de antecipar os critérios jurídicos que podem ser convocados para decidir a pretensão que formulam perante um tribunal, aí se compreendendo, obviamente, a ponderação de que os pedidos que formulam podem ser indeferidos com base numa interpretação das normas contrária à que as partes pressupõem.
In casu, a questão da omissão de pronúncia foi equacionada pelo arguido tendo por objeto um segundo recurso onde, após ter recorrido do despacho que considerou legíveis certos documentos, controverteu o indeferimento da sua pretensão de que o tribunal lhe desse a conhecer “a leitura que faz das partes indicadas”.
Como se o Tribunal da Relação não se tivesse pronunciado sobre este segundo recurso, foi arguida a nulidade em sede de reclamação do Acórdão de 25 de janeiro de 2012. E, nesse momento, podia o arguido ter antecipado a rejeição da sua pretensão, com base na leitura do artigo 379.º, do CPP, que a Relação veio a fazer, por se afigurar, face às questões em causa, como uma leitura possível e não de todo inesperada.
Ora, ao requerer a nulidade por omissão de pronúncia, o arguido, ora recorrente, em nada preveniu que o Tribunal pudesse indeferir o requerido, abstendo-se de formular qualquer questão de constitucionalidade da referida norma com base na qual o Tribunal poderia decidir de forma divergente do que fora pedido.
Destarte, não há que tomar conhecimento do objeto do recurso também nesta parte.
4.10. Por fim, em décimo lugar, o recorrente põe em crise o acórdão recorrido, na parte em que este conheceu do mérito do recurso interposto da decisão final, invocando as questões que se transcrevem:
“(...)
a - Sobre a inconstitucionalidade da interpretação do art. 374º, nº 2, C.P.P. (fls. 1013 e 1014).
O Acórdão recorrido interpreta a expressão “factos provados e não provados”, do nº 2 do art. 374º C.P.P. como excluindo os “factos que não são mais que meras conclusões dou raciocínios argumentativos”, expressões que interpreta como excluindo a prova de factos do tipos dos elencados a fls. 818 (3 últimas linhas) e a fls. 819 (6 primeiras linhas), designadamente (cfr. fls. 1068), que:
- a ferida perfurante tinha apenas 2 ou 4 cm
- da evisceração não resulta qualquer complicação ou dificuldade na cirurgia
- na região abdominal, o único órgão vital é o fígado;
Tal interpretação é inconstitucional, por violação do disposto no nº 4 do art. 20º e no nº 1, 1ª parte, do art. 32º C.R.P., conforme já se invoca no 5º parágrafo completo de fls. 819, para a sentença de 1ª instância, a que haverá que juntar a questão dos “factos que não são mais que meras conclusões e/ou raciocínios argumentativos” que, por totalmente insólita, constitui decisão surpresa.
b - Sobre a decisão do “erro na apreciação dos factos” (fls. 1016 a 1019)
O acórdão recorrido interpreta o disposto no art. 412º (alínea a) no sentido de não serem consideradas “concretos pontos de facto” invocações do tipo de:
“uma navalha atuando como instrumento cortante é totalmente inidónea para ultrapassar ou fraturar o crânio e atingir o cérebro”.
Tal interpretação é inconstitucional, como já se invoca no 4º parágrafo de fls. 1069, que aqui se dá por reproduzido.
Como por reproduzido se dá o que se invoca no parágrafo seguinte (retificando-se a referência ao nº 2, al. b), para nº 3, al. b), como é patente.
Por outro lado, o acórdão não considera aplicável o art. 410º (via restrita da alteração da matéria de facto). Interpretar o disposto no art. 410º, nº 2, al c), C.P.P. como não se aplicando ao presente processo, como o faz o acórdão recorrido, é inconstitucional, por violação dos princípios referidos no penúltimo parágrafo.
As presentes questões de constitucionalidade apenas se colocaram face ao primeiro acórdão da Relação, pelo que a respetiva invocação está em tempo, no quadro da decisão.
(...)”.
No que concerne a esta parte do recurso de constitucionalidade, é assaz patente que as “interpretações” tidas por inconstitucionais e nela controvertidas são, em retas contas, falsos critérios normativos, forjados em torno de juízos de estrita aplicação do direito à factualidade considerada, sobre os quais o arguido manifesta a sua discordância.
Quer quanto à disposição do artigo 374.º, quer quanto às normas dos artigos 412.º e 410.º, todas do CPP, a questão de “constitucionalidade” aí aportada refere-se exclusivamente à questão de saber se tais critérios podiam, ou não, ser aplicados a determinadas circunstâncias de facto, o que implica, por seu turno, que o seu conhecimento por parte deste Tribunal redundaria na sindicância da concreta aplicação do direito feita pela Relação a incidir, de forma particular, na verificação do preenchimento das respetivas hipóteses à luz do acervo fáctico destacado pelo recorrente.
Nessa medida e atento o explicitado supra quanto à configuração do objeto do recurso de constitucionalidade, não há que tomar conhecimento de tais questões.
5. Termos em que, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do objeto do recurso.
…”.
Cumpre agora julgar.
8. Compulsados os argumentos aduzidos pelo reclamante e o teor da decisão reclamada, afigura-se que a presente reclamação é improcedente.
Vejamos.
No caso ‘sub juditio’ (ponto 4.2), independentemente do juízo que mereça esta contestação do reclamante, sempre a reclamação deverá ser rejeitada, porquanto a ‘norma’ contida no artigo 358.º, n.º 1 do CPP com o sentido invocado pelo recorrente, ou seja, tal como o mesmo a configurou, não foi aplicada pela decisão recorrida, não constituindo, por isso, a sua ratio decidendi; efetivamente, o que da decisão recorrida se depreende é que, ao abrigo do disposto no artigo 358.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, apenas é possível a inquirição aos factos comunicados no âmbito do incidente (alteração dos factos constantes descritos na acusação ou pronúncia), isto é, comunicados pelo tribunal e pelas partes no exercício do seu direito de defesa, enquanto, pelo contrário, o recorrente pretende que o Tribunal se pronuncie sobre a constitucionalidade da ‘norma’ inserta no artigo 358.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, enquanto interpretada no sentido de que apenas permite a audição da prova aos factos comunicados pelo tribunal e nada mais, que não corresponde, portanto, àquela outra norma resultante da interpretação que do artigo 358.º, n.º 1 do Código de Processo Penal se fez na decisão recorrida e se deixou já referida; aliás, ilustrativo disso é o facto de o recorrente pretender que lhe foi vedada a produção de prova, no âmbito de tal incidente, a factos por si alegados, quando é certo que da defesa, aí por si deduzida, releva tão só um mero exercício de alegação quanto à admissibilidade e qualificação do incidente e, bem assim, de mera contraprova dos factos comunicados pelo tribunal, pretendendo essencialmente que os factos comunicados não resultavam da audiência, donde que apenas estes subsistissem para sobre eles recair qualquer meio de prova, que o recorrente arrolou e produziu.
Em segundo lugar, sob a epígrafe “Decisão surpresa e Defesa em Processo Penal”, o reclamante insurge-se contra a decisão reclamada alegando que “não se considera exigível – muito menos em processo penal, para a defesa – que a parte «antecipe» todos os «critérios jurídicos» que, com maior ou menor probabilidade, «possam ser convocados para se decidir a pretensão que formulam», como se pressupõe a fls. 24 da decisão reclamada.”
Quanto a este ponto, cumpre assinalar que o reclamante não controverte em concreto, com exceção do julgado nos pontos 4.1. e 4.3. da decisão reclamada, nenhum dos juízos pelos quais se julgou improceder a alegação reiterada no requerimento de interposição de recurso quanto à existência de diversas “decisões-surpresa”, não demonstrando, consequentemente, a incorreção do decidido quanto a essa matéria.
Ainda assim, sempre se dirá que nos pontos apreciados na decisão reclamada não subsiste, pelos motivos aí referidos e quanto às normas circunstancialmente em causa, qualquer situação suscetível de justificar o incumprimento do ónus de suscitação das questões de constitucionalidade com fundamento na existência de uma “decisão-surpresa”.
Em particular, assim sucede quanto à matéria invocada no título “D” da reclamação (“Designação de consultor técnico e respetiva relevância”) quanto ao ponto 4.1. da decisão reclamada.
Neste caso, mesmo a considerar-se a assimetria entre o decidido pelas instâncias, não existe qualquer “decisão surpresa”, na medida em que é o próprio reclamante que equaciona a aplicação do artigo 155.º, n.º 1, do CPP, no contexto explicitado na decisão reclamada e que não é posto em crise pelos argumentos agora adiantados.
Pelos mesmos motivos, improcede também o alegado quanto a esta questão no título “E” da reclamação a propósito do decidido no ponto 4.3. da decisão sumária reclamada.
Quanto a este ponto, entende o reclamante que do facto “de o recorrente referir haver interesse na junção do documento — afirmação quase tabeliónica e que não tem como consequência necessária o antecipar da questão de constitucionalidade”.
Esta argumentação denuncia um incorreto entendimento quanto ao cumprimento do ónus de suscitação das questões de constitucionalidade, porquanto se não subsistem dúvidas de que o reclamante pugnou pela admissibilidade do documento com fundamento na sua relevância, tal comprova que o mesmo não se encontrava impossibilitado de entrar em linha de conta com o facto da sua posição poder ser refutada pelo Tribunal da Relação, nem de, em consequência, suscitar a questão de constitucionalidade dos critérios aplicáveis nesse sentido.
Ainda quanto à questão da junção do documento e em sentido oposto ao alegado na reclamação, cumpre esclarecer que a decisão sumária não padece dos demais vícios que lhe foram assacados pelo reclamante.
Por um lado, não há qualquer contradição entre o decidido, mais especificamente, na parte em que se faz referência aos artigos 50.º, n.º 1, e 54.º, do Código Penal, encontrando-se esclarecidas as razões pelas quais se considerou desprovida de sentido a invocação de uma inconstitucionalidade radicada em exclusivo nessas normas, sendo claro que esses preceitos não foram aplicados isoladamente como ratio decidendi pelo Tribunal recorrido. Por outro lado, porque a conjugação desses critérios com o artigo 124.º, n.º 1, do CPP, surge contestada em sede aplicativa, estando em causa, nos termos em que o recorrente a perspetivou, uma questão desprovida de sentido normativo.
Finalmente, o reclamante discorda do juízo formulado no ponto 4.9. da decisão sumária por entender, também aqui, que está em causa uma questão de constitucionalidade normativa e que se estava perante uma decisão surpresa.
Quanto a este último aspeto, as considerações já tecidas sobre a questão e a consideração dos fundamentos da decisão reclamada confirmam a improcedência do invocado.
Quanto à existência de uma questão de constitucionalidade normativa – na parte em que se afirma que o “Tribunal da Relação aplicou o disposto no art. 379º, nº 1, c) (1ª parte), interpretando-o no sentido de não se dever pronunciar sobre a “mesma questão”. E interpretando como “a mesma questão”, podendo ser não exatamente a mesma mas “fundamentalmente a mesma”. Designadamente, a questão de saber se determinadas palavras são legíveis, no critério do tribunal, e a de saber se o tribunal tem o dever de indicar a leitura que faz das partes que, em seu critério, legíveis julga. Não tomando conhecimento desta última questão, por entender que o conhecimento da primeira questão é suficiente para dar por conhecida a outra”, considerando que a interpretação, assim definida, é “inconstitucional, por violação do direito de acesso ao direito e aos tribunais, previsto no art. 20º, nºs 1 e 4, C.R.P, e do direito ao recurso, este consagrado no art. 32º, nº 1, segmento final, C.R.P.” –, não há também qualquer dúvida de que a matéria em causa se refere, em exclusivo, a uma questão estritamente decisória-aplicativa aportada num juízo sobre circunstâncias determinantes da decisão controvertida quanto à existência de “identidade entre as questões” versadas nos recursos em causa, como se desenvolveu e julgou na decisão reclamada.
III. Decisão
9. Termos em que, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20 (vinte) UCs., sem prejuízo da existência de apoio judiciário concedido nos autos.
Lisboa, 26 de setembro. – J. Cunha Barbosa – Joaquim de Sousa Ribeiro – João Cura Mariano – Catarina Sarmento e Castro – Rui Manuel Moura Ramos.