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Processo n.º 857/04
1.ª Secção Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. Em processo de execução que corre termos no Tribunal Cível da Comarca do Porto, A. deduziu reclamação para o Tribunal Constitucional do despacho do Juiz que admitiu, com o regime de subida diferida, o recurso de constitucionalidade por si interposto.
A reclamante fundamentou assim a sua reclamação (fls. 2 e seguintes dos presentes autos de reclamação):
“[...]
13. Ao definir o momento da subida do recurso para o Tribunal Constitucional, o Senhor Juiz afirmou que «ainda não foi realizada (totalmente) a penhora» e que o recurso só subiria «quando essa diligência de penhora esteja finda».
14. Salvo o devido respeito, esta retenção do recurso é infundada, por duas razões.
15. Primeiro, porque já há uma penhora realizada e finda – é a penhora do crédito salarial da Executada.
16. Esse crédito foi penhorado e deu frutos, ainda que escassos. Portanto, há penhora.
17. Logo, este argumento não é, data venia, invocável.
18. Segundo, e principalmente, a questão nunca poderia resolver-se através da alínea c) do n° 1 do art. 923° do CPC.
19. Por um lado, e uma vez que já há penhora, essa mesma alínea (se aplicada) levaria, então, a que o recurso só subisse quando se mostrasse finda a adjudicação, venda ou remição de bens.
20. Ora, tal como se encontra, a execução não tem condições para prosseguir e jamais chegará a esse momento final.
21. Consequentemente, isso equivaleria a que o recurso nunca mais subisse.
22. É que – e o ponto nuclear é precisamente esse – o que está em jogo no recurso interposto para o Tribunal Constitucional é o facto de, no entender da Reclamante, o Senhor Juiz não ter dado o adequado cumprimento ao dever de cooperação pelo tribunal, com vista a localizar bens passíveis de penhora.
23. O que a Reclamante pretende é, obviamente, a satisfação do seu crédito. Para tal, carece de penhorar bens. Essa penhora supõe a localização de bens penhoráveis.
24. Uma das vias para tal é a obtenção de informações actualizadas junto do CRSS acerca das entidades patronais dos Executados.
25. Portanto, sob pena de criarmos uma situação que, em termos práticos, inviabiliza o recurso para o Tribunal Constitucional, impõe-se concluir que a alínea c) do n° 1 do art. 923° do CPC não é aplicável, dada a especificidade do caso.
26. Aplicável será o regime geral dos agravos e, por via disso, o n° 2 do art.
734° do CPC, levando a concluir que este recurso para o Tribunal Constitucional deve subir de imediato, já que a sua retenção o tornaria inútil e, mais do que isso, constituiria uma entorse no desenrolar da instância.
[...].”
2. O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional emitiu parecer, pronunciando-se no sentido de que a presente reclamação deve ser julgada procedente, nos seguintes termos (fls. 25 e seguinte destes autos):
“A presente reclamação tem exclusivamente como objecto a questão da retenção do recurso de constitucionalidade interposto pela exequente – admitido no Tribunal a quo com o regime de subida diferida. A hipótese dos autos é efectivamente subsumível, no que respeita ao regime de subida do recurso para o Tribunal Constitucional, ao preceituado no artigo 78º, n.º 1, da Lei n.º 28/82, que remete para o regime estabelecido, neste caso, no Código de Processo Civil quanto à subida do agravo interposto numa acção executiva, num caso em que o respectivo valor não consente a interposição de recurso ordinário. Está em causa a impugnação da decisão em que o juiz, ao abrigo de uma determinada interpretação do princípio da cooperação, indeferiu determinadas diligências, destinadas a possibilitar a obtenção de informações sobre a existência de bens penhoráveis – vencimento – do executado/marido. Neste concreto circunstancialismo, afigura-se que tal recurso é interposto antes da conclusão da penhora, sendo irrelevante naturalmente o facto de se mostrar penhorada nos autos quantia – aliás exígua – de que era titular a executada/mulher: como nos parece evidente, a alínea [c)] do n.º 1 do artigo
923º do Código de Processo Civil (na redacção emergente da reforma de 1995/96), ao reportar-se à conclusão da penhora, tem em vista os casos em que tal fase processual está encerrada – e não aqueles em que se realizou um concreto e atomístico acto de penhora, manifestamente insuficiente para a realização do direito do credor – e, portanto, insusceptível de permitir que a execução passe
às fases processuais subsequentes. Concorda-se, porém, com o exequente quando sustenta a plena aplicabilidade aos agravos no processo executivo da cláusula geral constante do n.º 2 do artigo
734º do Código de Processo Civil – devendo obviamente subir imediatamente o agravo interposto, antes de concluída a penhora, sempre que a sua retenção o torne absolutamente inútil. Ora, no caso dos autos, em que está em causa a rejeição da realização de diligências tidas por imprescindíveis à efectivação da penhora dos bens do executado/marido, afigura-se que efectivamente a retenção do recurso o poderá tornar inútil, em absoluto – ocorrendo analogia com a situação paradigmaticamente apontada para ilustrar a aplicação do referido n.º 2 do artigo 734º: a impugnação (e o regime de subida) do recurso interposto da decisão que decretou a suspensão da instância. Na verdade, paralisado o andamento do processo – já que o exequente considera que lhe é impossível a descoberta de bens penhoráveis e o juiz entende que a cooperação que lhe foi requerida não é de efectivar – a subida do recurso ou nunca ocorreria, por nunca ser feita qualquer penhora, ou só teria provavelmente lugar quando – por terem sido entretanto penhorados bens do executado, apesar da não actuação do princípio da cooperação – tal questão se mostrasse precludida, tornando inútil manifestamente a respectiva dirimição. Deste modo – e por aplicação da norma do n.º 2 do artigo 734º do Código de Processo Civil, ex vi do preceituado no n.º 1 do artigo 78º da Lei n.º 28/82 – consideramos que deverá subir imediatamente o recurso interposto pelo exequente, quanto à constitucionalidade das normas que regulam o âmbito do dever de cooperação do tribunal com o exequente, antes de encerrada a fase da penhora, o que implicará a procedência da presente reclamação.”.
Cumpre apreciar e decidir.
II
3. O despacho reclamado, proferido pelo Juiz do Tribunal Cível da Comarca do Porto, tem o seguinte teor, na parte que agora interessa considerar
(fls. 17 e seguintes destes autos):
“[...] Por ser legal, tempestivo e os autos não admitirem qualquer recurso ordinário admite-se o recurso nos termos do art. 70°, n.ºs 2 e 3 da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro. De acordo com o disposto no n° 1 do artigo 78° da citada Lei n° 28/82, sendo interposto recurso para o Tribunal Constitucional de uma decisão que, «por razões de valor ou alçada», não admita outro, ele terá «os efeitos e o regime de subida do recurso que no caso caberia se o valor ou a alçada o permitissem». In casu estamos perante um processo executivo no qual [...] ainda não foi realizada (totalmente) a penhora. Assim, nos termos do art. 923°, n.º l, al. c), o recurso em causa subirá quando essa diligência de penhora esteja finda, imediatamente, em separado e com efeito devolutivo.
[...].”
Tal despacho admitiu o recurso que a ora reclamante pretendia interpor para o Tribunal Constitucional mas fixou ao mesmo o regime de subida diferida. Daí a reclamação deduzida pela ora reclamante, “contra retenção de recurso”.
A presente reclamação tem portanto exclusivamente por objecto a questão da retenção do recurso de constitucionalidade interposto pela exequente, admitido no Tribunal Cível da Comarca do Porto com o regime de subida diferida.
4. É o artigo 78º da Lei do Tribunal Constitucional que rege “os efeitos e regime de subida” dos recursos interpostos para este Tribunal de decisões de outros tribunais.
Nos termos do n.º 1 do mencionado artigo 78º, “o recurso interposto de decisão que não admita outro por razões de valor ou alçada, tem os efeitos e o regime de subida do recurso que no caso caberia se o valor ou a alçada o permitissem”.
No caso dos autos, a ora reclamante pretende impugnar, do ponto de vista da sua inconstitucionalidade, a decisão em que o juiz, ao abrigo de uma determinada interpretação do princípio da cooperação e do artigo 266º, n.º 4, do Código de Processo Civil, indeferiu determinadas diligências, destinadas a possibilitar a obtenção de informações sobre a existência de bens penhoráveis – em concreto, sobre a existência de salários dos executados.
O n.º 1 do artigo 78º da Lei do Tribunal Constitucional remete, na hipótese considerada, para o regime estabelecido no Código de Processo Civil quanto à subida do agravo interposto em acção executiva, numa hipótese em que o respectivo valor não permite a interposição de recurso ordinário.
No despacho reclamado, o Juiz invocou o artigo 923º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, segundo o qual os agravos interpostos até se concluir a penhora sobem conjuntamente “quando esta diligência esteja finda”.
Tal norma, ao reportar-se à conclusão da penhora, tem certamente em vista os casos em que tal fase processual está encerrada e não – como bem sublinha o Ministério Público no seu parecer – “aqueles em que se realizou um concreto e atomístico acto de penhora, manifestamente insuficiente para a realização do direito do credor e, portanto, insusceptível de permitir que a execução passe às fases processuais subsequentes”.
No caso em apreciação, não há dúvida de que o recurso da ora reclamante foi interposto antes da conclusão da penhora, sendo naturalmente irrelevante o facto de se mostrar penhorada nos autos uma quantia exígua de que era titular a executada/mulher.
Só que, como também refere o Senhor Procurador-Geral Adjunto, estando em causa no processo um recurso de constitucionalidade que diz respeito ao indeferimento da realização de diligências tidas por imprescindíveis à efectivação da penhora de bens dos executados, a retenção do recurso poderá torná-lo absolutamente inútil.
Ora, contendo o Código de Processo Civil uma norma geral, relativa ao recurso de agravo, que tem em vista evitar que os recursos se tornem inúteis em consequência da sua subida diferida – a norma constante do n.º 2 do artigo
734º – entende-se que tal norma é aplicável aos agravos no processo executivo. A aplicabilidade de tal norma impõe que suba imediatamente um agravo interposto antes de concluída a penhora, sempre que a sua retenção o torne absolutamente inútil.
5. Conclui-se, assim, nos termos do n.º 2 do artigo 734º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do n.º 1 do artigo 78º da Lei do Tribunal Constitucional, que deverá subir imediatamente o recurso interposto pela exequente, ora reclamante, quanto à constitucionalidade das normas que regulam o
âmbito do dever de cooperação do tribunal com o exequente, antes de encerrada a fase da penhora.
III
6. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide deferir a presente reclamação, devendo o despacho reclamado ser substituído por outro que determine a subida imediata do recurso de constitucionalidade interposto pela ora reclamante.
Lisboa,12 de Outubro de 2004
Maria Helena Brito Carlos Pamplona de Oliveira Rui Manuel Moura Ramos