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Processo n.º 419/08
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam, em conferência, na 2ª secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos
do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e recorrida B., S.A., o
relator proferiu decisão sumária de não conhecimento do objecto do recurso, com
os seguintes fundamentos:
«[…] 3. Cumpre, antes de mais, lembrar que, como repetidamente o Tribunal
Constitucional tem salientado, não cabe a este Tribunal controlar a correcção ou
justeza do juízo de determinação do direito infraconstitucional feito pela
decisão recorrida. A interpretação do direito ordinário é um dado adquirido, a
partir do qual o Tribunal emite um juízo de conformidade ou desconformidade
constitucional.
São pressupostos do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade,
interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC,
designadamente, que a decisão recorrida tenha aplicado, como sua ratio
decidendi, norma arguida de inconstitucional, pelo recorrente, durante o
processo.
No caso vertente, estes pressupostos não estão verificados, o que justifica a
prolação de decisão sumária, ao abrigo do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.
4. A primeira questão suscitada no presente recurso refere-se à interpretação
dos artigos 120.º, alínea a), 122.º, alínea e), e 441.º, n.º 2, alínea b), do
Código do Trabalho, alegadamente acolhida na decisão recorrida, que a recorrente
identifica da forma seguinte: «saber se, tendo a Ré atribuído à A. e ora
recorrente o “trabalho” de separar e organizar Diários da República, os quais se
encontravam guardados em caixotes, colocando-a num gabinete de estagiários, a
questão que se coloca, repete-se, é a de saber se respeita a Constituição
considerar que tal não ofende o dever/ direito de ocupação efectiva da autora
como trabalhadora, uma vez que o STJ considerou que a resolução do contrato de
trabalho operada por aquela, com esse fundamento (entre outros) carece de justa
causa (!)».
Independentemente de se saber se esta questão foi invocada de forma adequada, ou
seja, como questão de inconstitucionalidade normativa (dissociável das
particularidades do caso concreto), o certo é que, contrariamente ao afirmado na
parte final do requerimento de interposição do recurso, a recorrente não a
colocou perante o tribunal recorrido.
Nas alegações de recurso que apresentou junto do Supremo Tribunal de Justiça e,
especificamente, nas respectivas conclusões, a recorrente não fez qualquer
alusão à inconstitucionalidade daqueles preceitos do Código do Trabalho, em
qualquer das suas dimensões normativas.
Ora, nos termos do artigo 72.º, n.º 2, da LTC, é pressuposto do recurso de
constitucionalidade que a parte tenha suscitado a questão de
inconstitucionalidade perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em
termos de este estar obrigado a dela conhecer. Este ónus de suscitação
justifica-se atenta a natureza da intervenção do Tribunal Constitucional nos
processos de fiscalização concreta, que se limita ao reexame ou reapreciação de
questões de constitucionalidade que o tribunal a quo pudesse e devesse ter
apreciado.
Assim, não pode conhecer-se do objecto do recurso nesta parte.
5. A segunda questão de constitucionalidade respeita ao artigo 443.º, n.º 1, do
Código do Trabalho, quando «interpretado restritivamente de modo a permitir que
os danos não patrimoniais possam ser autonomizados, desde que se justifiquem»,
por violação dos princípios da igualdade e da justa indemnização, consagrados
nos artigos 2.º, 13.º e 53.º da Constituição.
Verifica-se, contudo, que a decisão recorrida (o acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça de 17.04.2008) não fez efectiva aplicação da norma em causa.
Tendo o tribunal a quo decidido que a resolução do contrato de trabalho, operada
pela autora e aqui recorrente, carecia de justa causa, determinou, em
conformidade, que não lhe podia ser reconhecido «o direito indemnizatório
previsto no artigo 443.º do Código do Trabalho». E, consequentemente, julgou
prejudicada a questão colocada no recurso da ré, referente à interpretação do
citado n.º 1 do artigo 443.º (cfr. ponto 5. do acórdão).
Por este motivo, também não pode conhecer-se do objecto do recurso, nesta parte.
[…]»
2. Notificada da decisão, a recorrente veio reclamar para a conferência, ao
abrigo do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, invocando o seguinte:
«A)
Dignos Conselheiros
Não ignora a Recorrente que, para conhecer-se deste tipo de recurso, torna-se
necessário, além do esgotamento dos recursos ordinários e de que a norma
impugnada tenha sido aplicada como ratio decidendi pelo tribunal recorrido, que
a inconstitucionalidade desta tenha sido suscitada durante o processo.
E este requisito deve ser entendido, segundo a melhor jurisprudência do T. C.
(veja-se por ex., o Acórdão n.º 352/94, in DR II Série, de 6 de Setembro de
1994), “não num sentido meramente formal (tal que a inconstitucionalidade
pudesse ser suscitada até à extinção da instância), mas “num sentido funcional”,
de tal modo “que essa invocação haverá de ter sido feita em momento em que o
tribunal a quo ainda pudesse conhecer da questão “, “antes de esgotado o poder
jurisdicional do juiz sobre a matéria a que (a mesma questão de
constitucionalidade) respeita”, por ser este o sentido que é exigido pelo facto
de a intervenção do Tribunal Constitucional se efectuar em via de recurso, para
reapreciação ou reexame, portanto, de uma questão que o tribunal recorrido
pudesse e devesse ter apreciado (ver ainda, por ex., o Ac. 560/94, DR, II Série,
de 20 de Junho de 1995).
Só que, tal entendimento sofre restrições, como bem se salientou naquele Ac. n.º
352/94, em situações excepcionais ou anómalas, nas quais o interessado não
dispôs de oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade
antes proferida ou não era exigível que o fizesse, designadamente por o tribunal
a quo ter efectuado uma aplicação insólita e imprevisível.
É, manifestamente, o caso em apreço, porquanto a decisão do STJ não lembra ao
careca, perdoe-se-nos o desabafo.
Mais: salvo o devido respeito, a decisão não só é insólita e imprevisível, mas
também chocante, por repugnar sobremaneira ao Direito!
Então a Recorrente (que é licenciada e quadro superior da Ré há mais de 6 anos,
onde exercia funções de Direcção) quando regressa ao trabalho após licença de
maternidade, constata que no seu lugar está outra pessoa, sentada na sua
secretária, é colocada (mediante ordens por escrito), a separar e organizar
“Diários da República” num gabinete de estagiários e tal “trabalho” é conforme a
Constituição, não viola direitos fundamentais enquanto cidadã e trabalhadora,
nomeadamente o direito de ocupação efectiva?
Caramba, Dignos Conselheiros, se a decisão do STJ é normal e previsível, então,
não imaginamos o que possa ser considerado uma aplicação da Lei insólita e
imprevisível...
B)
Atente-se no seguinte, na parte que interessa, relativamente à matéria de facto
dada como provada pelas instâncias:
[…]
C)
Dignos Conselheiros
A 1ª questão que se coloca nestes autos é, primordialmente, a de saber se, tendo
a Ré atribuído à A. e ora Recorrente o “trabalho” de separar e organizar Diários
da República, os quais se encontravam guardados em caixotes, colocando-a num
gabinete de estagiários, a questão que se coloca, repete-se, é a de saber se
respeita a Constituição considerar que, tal não ofende o dever / direito de
ocupação efectiva da autora como trabalhadora, uma vez que o STJ considerou que
a resolução do contrato de trabalho operada por aquela, com esse fundamento
(entre outros) carece de justa causa (!).
Como se sabe, a efectivação do trabalho corresponde sempre ao interesse do
trabalhador, pelo menos, moral. Se a inactividade constitui um factor de
desvalorização para o trabalhador que afecta a sua dignidade social e o seu
direito ao bom nome e reputação, mais gravosa é a situação do mesmo, quando
colocado em funções para si desprestigiantes, correspondentes a categorias
inferiores que qualquer trabalhador indiferenciado pode desempenhar.
Salvo melhor opinião, as tarefas ou o trabalho atribuído à autora não são
compatíveis com o seu estatuto (licenciada e quadro superior da Ré),
constituindo uma função de natureza burocrática, essencialmente diversa da
correspondente à sua categoria profissional, esvaziando-se, esta, na prática,
uma vez que, sendo o trabalho um meio de realização pessoal, e tendo em conta
que deve ser respeitada a dignidade da pessoa, para a entidade patronal surge um
verdadeiro dever de ocupação efectiva, que se traduz num dever de diligenciar
pela conservação do trabalhador condignamente ocupado.
Com muito interesse permitimo-nos transcrever o douto Ac. do STJ de 22/05/91, in
BMJ 407, pg 288, que reza assim: “- a Constituição da República Portuguesa dá
acolhimento ao dever de ocupação efectiva do empregador relativamente ao seu
trabalhador, o que tem, como correspondência, o direito deste a ser
efectivamente ocupado; - não tendo a empresa invocado qualquer razão específica,
nem justificativa para não distribuir ou não definir tarefas à A., sendo
insuficiente o facto de ter feito durante a sua ausência por baixa por doença,
uma reestruturação dos seus serviços administrativos, não fica isenta de
cumprimento do dever de efectiva ocupação da A. como sua trabalhadora”.
Aliás, como sabemos, o Supremo Tribunal de Justiça está vinculado à matéria de
facto descrita pelas instâncias e, também, às ilações que elas retiraram dessa
matéria.
Ora, o comportamento da Ré, ao atribuir à A. tarefas de separação e organização
dos Diários da República, objectivamente colocou em crise o cumprimento do dever
constitucionalmente garantido da efectiva ocupação daquela enquanto
trabalhadora, tão flagrantemente que não escapou ao olhar atento e experiente do
M° Juiz a quo, como bem resulta da douta sentença, pg. 16 e 17, a fls. 316 e
317, em passagem que é uma delícia de boa prosa e fina ironia e que não
resistimos em reproduzir, com a devida vénia: “Mas constituiu, sem dúvida, uma
tarefa humilhante para a Autora, que destruiu completamente o seu estatuto na
empresa. Não se vê como seria possível à Autora desempenhar tarefas de chefia
como as que havia desempenhado até então, sabendo os seus subordinados que a Ré
a havia presenteado, ainda que temporariamente, com tarefas que podiam ser
desempenhadas por qualquer trabalhador sem qualquer qualificação.
Não deixa de espantar que a Ré, com a candura própria dos inocentes de coração
puro, venha defender que a Autora tinha de aceitar tais tarefas e desempenhá-las
com zelo e dedicação, parecendo esquecer que a autora era a responsável pelo
Centro de Visitas, tinha sob as suas ordens diversos trabalhadores e tinha ao
seu dispor, para a auxiliar, uma técnica administrativa”.
Por seu turno, a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta, junto do STJ, refere “sem
papas na língua”, na pág. 12 do douto parecer, que: “a Autora teve, assim, a
percepção de que a Ré iria fazer uso do ditado popular “quem vai ao mar perde o
lugar “. E na verdade assim aconteceu”.
Mais à frente, na pág. 14 continua a Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta,
referindo-se concretamente à tarefa que foi então atribuída à A. de separar e
organizar os Diários da República: “verifica-se assim, que a Ré destituiu à
Autora de todas as funções que ela exercia antes de entrar de baixa médica
motivada pela sua gravidez, seguida de licença de maternidade, funções essas que
consistiam em dirigir, orientar e fiscalizar o pessoal e o planeamento das
actividades do Centro de Visitas. E, a nosso ver, não existe qualquer
justificação para que a Ré tenha destituído a A. das funções que lhe estavam
cometidas”
Ao interpretar o art. 120.º, a), 122.°, e) e 441.°, n.º 2, b) como o fez, o STJ
deu cobertura, na prática, ao revogar o decidido pela 1.ª instância e pela
Relação, à violação da Ré do dever / direito de ocupação efectiva da A. como
trabalhadora. E, ao fazê-lo, o STJ violou assim a CRP, mormente os seus art.ºs
58.°e 59.°.
D)
Dignos Conselheiros
Igualmente, se questiona se, contrariamente ao decidido no Acórdão recorrido, o
n.º 1 do art. 443.º do Código do Trabalho deve ser interpretado restritivamente
de modo a permitir que os danos não patrimoniais possam ser autonomizados, desde
que se justifiquem, sob pena de violação dos princípios da igualdade e da justa
indemnização consagrados nos art.ºs 2.°, 13.° e 53.° da Constituição.
Atentemos no seguinte:
Se a cessação do contrato de trabalho for da iniciativa do empregador, e o
tribunal considerar que há justa causa, então, a lei manda indemnizar o
trabalhador por todos os danos, patrimoniais e não patrimoniais causados – art.
436.°, nº 1, a) do Código do Trabalho – sem prejuízo da indemnização de
antiguidade (art. 439.°, n.º 1 do Código do Trabalho,).
Se a cessação do contrato de trabalho for da iniciativa do trabalhador, e o
Tribunal considerar que há justa causa, então, não terá direito a uma
indemnização por danos morais, ou melhor, estes consideram-se incluídos na
indemnização fixada pelo tribunal – art. 443°, nº 1 do Código do Trabalho.
Dito de outro modo: quem se auto-despedir por comportamento culposo do
empregador receberá – por tudo – tanto quanto recebe quem se viu despedido, às
vezes “apenas” por um vício deforma ou por uma discutível ponderação da justa
causa. Não pode ser!
De facto, tal indemnização, se assim interpretada à letra fria e em mau
português do art. 443°, nº 1 do Código do Trabalho, conduz, na opinião de Albino
Mendes Baptista, “à adopção de uma solução que reputamos de absurda” – in A
Reforma do Código do Trabalho, Coimbra Almedina, pg. 540.
E porquê absurda? Por uma razão muito simples, de que o caso “sub iudice” é bem
um exemplo: à luz do novo Código do Trabalho, e sem uma interpretação restritiva
do art. 443.°, n.º 1, vale a pena a uma empresa violar deliberadamente os
direitos de um trabalhador e levá-lo a despedir-se, porque, mesmo que o Tribunal
lhe dê razão e fixe a indemnização no seu máximo legal (45 dias, como foi o
caso) o empregador faz sempre um bom “negócio”, porque acaba por se livrar de um
indesejado por relativamente pouco custo. Faz isto algum sentido?
Certamente que não, e é por isso que Albino Mendes Baptista propõe uma
interpretação restritiva do preceito, por forma a deixar de fora os danos não
patrimoniais, que, segundo aquele autor, “são insusceptíveis de sujeição a um
espartilho legislativo”.
Como muito bem refere aquele autor, resulta do art. 562.° do Código Civil, que a
indemnização se estende a todos os danos; o que, por aplicação do art. 798.°/ss
do Código Civil, de modo ai m se podem deixar de fora, os danos não patrimoniais
que se justifiquem.
Como se escreve no Ac. STJ de 02/12/98, in BMJ 482 – pg. 123/ss (que não perdeu
actualidade), são diferentes os direitos que se retiram dos mesmos factos:
“Esses direitos são distintos e autónomos (...). Essa indemnização (a da
antiguidade) não se opõe à indemnização por danos não patrimoniais (...). Se não
existirem outros danos indemnizáveis, então serão só os ditados pela antiguidade
que se tomarão em conta – se outros existirem, designadamente os danos não
patrimoniais, estes terão que ser atribuídos e acrescerão àqueloutra
indemnização”.
Finalmente, conclui Albino Mendes Baptista, a interpretação restritiva é imposta
pela Constituição, sob pena de violação do princípio da justa indemnização.
Estamos absolutamente convencidos que a resolução do contrato pelo trabalhador
(com justa causa e, portanto, baseado em comportamento culposo e ilícito da
entidade patronal) é normalmente uma fonte de danos não patrimoniais de relevo,
até superiores aos resultantes de um despedimento ilícito. Isto porque, na
resolução, são os próprios comportamentos danosos que impõem a ruptura
contratual, ao passo que no despedimento o dano não patrimonial surge
normalmente causado pela ruptura em si.
Os valores jurídicos tutelados em ambas as situações são os mesmos, e
consequentemente “valores sociais eminentes” e constitucionalmente tutelados
(art. 2.°, 13.° e 53.° da CRP), e que foram, na interpretação literal que lhes
deu o douto Acórdão Recorrido, violados, salvo melhor opinião.
E)
Dignos Conselheiros
É certo que, tendo o tribunal a quo decidido que a resolução do contrato de
trabalho operada pela Recorrente carecia de justa causa, determinou que não lhe
podia ser reconhecido “o direito indemnizatório previsto no art. 443.° do Código
do Trabalho”. E, consequentemente, julgou prejudicada a questão colocada no
recurso da Recorrente referente à interpretação do n.º 1 do art. 443.º – cfr.
ponto 5 do Acórdão.
Por este motivo, concluiu o Ex.mo Juiz Conselheiro-Relator “não pode conhecer-se
do objecto de recurso, nesta parte”.
É verdade.
Como também é verdade que, sendo o recurso admitido e logrando a Recorrente
obter ganho de causa em sede constitucional, naturalmente que este Alto Tribunal
terá que conhecer do objecto do recurso relativamente à questão suscitada, isto
é, se respeita à Constituição a interpretação do art. 443.º, n.º 1 do Código do
Trabalho, feita pelo STJ, que não permitiu que os danos não patrimoniais possam
ser autonomizados, desde que se justifiquem.
F)
- De qualquer modo, e contrariamente ao decidido pelo digno Juiz Conselheiro-
Relator, achamos que a Recorrente suscitou as presentes inconstitucionalidades,
para além do mais, na petição inicial (art. 55°), e nos recursos subordinados
(quer perante a Relação, quer perante o Supremo) nos termos do disposto no art.
72.º, n.º 2 e no art. 75.°-A, n.º 2 da LTC.
Vejamos o que se alegou no art. 55.º da p.i.:
“De Chefe de Departamento passou a Chefe de coisa nenhuma... em violação clara
do direito à ocupação efectiva, garantido pelo art. 122.°, b) do Código do
Trabalho e art. 53.º, 58.°, n.º 1 e 59.°, n.º 1, b) e n.º 2, c) da Constituição
da República Portuguesa”.
Vejamos o que se alegou nas conclusões dos recursos subordinados, quer perante a
Relação quer perante o Supremo:
- “Deve o art. 453.°, n.º 1 do Código do Trabalho sofrer uma interpretação
restritiva, de modo a permitir que os danos não patrimoniais possam ser
autonomizados desde que se justifiquem”.
- “De facto, se o que se pretende é que a indemnização obedeça ao mesmo
critério, quer se trate da resolução pelo trabalhador, quer se trate do
despedimento ilícito por parte do empregador, então, a interpretação restritiva
do art.° 453.°, n.° 1 do Código do Trabalho, é a única que é conforme à
Constituição, sob pena de violação do princípio da justa indemnização”.
- “Violou, pois, a douta sentença, por erro de interpretação o disposto no art.°
453.°, n.° 1 do Código do Trabalho, e os princípios de igualdade e da justa
indemnização previstos, nos art°s 2.°, 13.° e 53.° da CRP”.
G)
Dignos Conselheiros
Sobre a questão da suscitação da inconstitucionalidade subscrevemos inteiramente
o disposto no Ac. do TC n.° 618/98 (disponível em
www.tribunalconstitucional.pt/) que diz o seguinte:
“É certo que não existem fórmulas sacramentais para formulação dos pedidos, nem
sequer para suscitação da questão de constitucionalidade. (§) Esta tem, porém,
de ocorrer de forma que deixe claro que se põe em causa a conformidade à
Constituição de uma norma ou de uma sua interpretação (...)”.
Salvo melhor opinião, julgamos que estes criteria exigíveis foram cumpridos no
caso sub iudice.[...]»
3. A recorrida respondeu, pugnando pela improcedência da reclamação.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. A reclamação agora apresentada em nada abala os fundamentos da decisão
sumária.
No que respeita à primeira questão − inconstitucionalidade das normas dos
artigos 120.º, alínea a), 122.º, alínea e), e 441.º, n.º 2, alínea b), do Código
do Trabalho, quando interpretadas no sentido de não haver ofensa do dever/
direito de ocupação efectiva da trabalhadora (e consequentemente, não haver
justa causa para a resolução do contrato operada por esta) numa situação em que
lhe foi atribuído o “trabalho” de separar e organizar Diários da República, os
quais se encontravam guardados em caixotes, colocando-a num gabinete de
estagiários (quando anteriormente era responsável pelo Centro de Visitas)» −
considerou a decisão reclamada que (independentemente de se saber se está em
causa uma questão de inconstitucionalidade normativa, idónea a constituir
objecto do recurso de constitucionalidade) a recorrente não havia suscitado tal
questão perante o tribunal recorrido.
A reclamante vem dizer que se tratou de uma situação excepcional e anómala, em
que não lhe era exigível antecipar a questão, “designadamente por o tribunal a
quo ter efectuado uma aplicação insólita e imprevisível” daquelas normas.
Não tem razão a reclamante.
Ainda que a decisão do Supremo Tribunal de Justiça tenha invertido o sentido das
decisões anteriores, a verdade é que a interpretação em causa vinha sendo
discutida nos autos e defendida pela parte contrária, pelo que a recorrente
devia ter antecipado esta interpretação como uma das soluções possíveis
(independentemente do seu mérito) e, como tal, devia (e podia) ter suscitado a
questão de constitucionalidade, dando oportunidade ao tribunal recorrido de
sobre ela se pronunciar.
Resta dizer que a breve referência feita no artigo 55.º da petição inicial – a
que se alude na alínea F) da reclamação − não só não constitui suscitação de uma
questão de constitucionalidade, como, de qualquer forma, não coloca a questão
perante o tribunal recorrido que, no caso, é o Supremo Tribunal de Justiça, e
não o tribunal de primeira instância.
Conclui-se, assim, que a ora reclamante incumpriu o disposto no artigo 72.º, n.º
2, da LTC.
Quanto à segunda questão − inconstitucionalidade da norma do artigo 443.º, n.º
1, do Código do Trabalho, quando «interpretado restritivamente de modo a
permitir que os danos não patrimoniais possam ser autonomizados, desde que se
justifiquem» − a reclamante não nega o fundamento da decisão reclamada, pois
admite que “tendo o tribunal a quo decidido que a resolução do contrato de
trabalho operada pela recorrente carecia de justa causa, determinou que não lhe
poda ser reconhecido o direito indemnizatório previsto no art. 443.º do Código
de Trabalho. E, consequentemente, julgou prejudicada a questão colocada no
recurso da recorrente referente à interpretação do n.º 1 do art. 443.º − cfr.
ponto 5 do Acórdão ”(cfr. alínea E) da reclamação).
Não se percebe a razão da discordância da reclamante, uma vez que o presente
recurso vem interposto do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que, como a
própria reclamante admite, não aplicou a norma do artigo 443.º do Código de
Trabalho. É, assim, evidente que falta o pressuposto necessário ao conhecimento
do recurso que tem por objecto a apreciação da inconstitucionalidade desta
norma.
Por último, cumpre salientar, tal como já se fez na decisão
reclamada, que o recurso para o Tribunal Constitucional apenas pode ter por
objecto normas e não a decisão judicial em si mesma, não podendo este Tribunal
pronunciar-se sobre a correcção do juízo de aplicação do direito
infraconstitucional ao caso concreto.
Termos em que se conclui pela improcedência da reclamação
III. Decisão
Pelo exposto, acordam em indeferir a presente reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 10 de Dezembro de 2008
Joaquim de Sousa Ribeiro
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos