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Processo n.º 610/03 - 1ª Secção Rel.: Cons. Pamplona de Oliveira
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 1ª SECÇÃO
A. pretende recorrer para este Tribunal do despacho de 6 de Junho de 2003 do Presidente da Relação de Évora. O recurso não foi, porém, admitido por decisão proferida nos termos do artigo 78º-A da LTC. É desta decisão que o interessado agora reclama para a Conferência.
O Ministério Público, na resposta, opina de que a reclamação é “manifestamente improcedente”.
A decisão reclamada tem o seguinte teor:
1. - O arguido A., inconformado com o despacho do Juiz de Instrução Criminal que não admitiu o recurso interposto do despacho de 20 de Janeiro de
2003 que, em sede de instrução e após abertura do debate instrutório, determinou o depoimento das testemunhas indicadas no auto de notícia e arroladas na acusação, dele reclamou para o Presidente da Relação de Évora. No entanto, a reclamação veio a ser desatendida por despacho de 6 de Junho de 2003 e é desta decisão que o Recorrente interpõe, agora, recurso para o Tribunal Constitucional, com fundamento na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, pedindo a apreciação da constitucionalidade das normas dos artigos 291º, nº1 e 399º, do Código de Processo Penal “na interpretação de que são irrecorríveis quaisquer despachos que, em sede de instrução requerida exclusivamente pelo arguido, ordenem, oficiosamente ou não, actos de produção de prova que, após contraditório, o arguido considerou legalmente inadmissíveis”. Na óptica do Recorrente, esta interpretação, sufragada pela decisão recorrida, viola o disposto no artigo 32º nºs 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa.
2. - Não se encontrando o Tribunal Constitucional vinculado pela decisão que admitiu o recurso – n.º3 do artigo 76º da Lei n.º 28/82 – entende-se, com efeito, não poder conhecer-se do seu objecto.
3. - A admissibilidade do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, interposto ao abrigo do disposto no artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, como é o caso, implica, para que possa conhecer-se do seu objecto, a verificação de diversos pressupostos, entre os quais se conta a efectiva aplicação pelo tribunal recorrido, como sua ratio decidendi, de norma cuja constitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, considerada esta norma na sua totalidade, em determinado segmento, ou segundo certa interpretação mediatizada pela decisão recorrida.
4. - No caso dos autos não existem dúvidas de que o Recorrente suscitou atempadamente a questão da inconstitucionalidade com a interpretação normativa ora impugnada. Certo é, porém, que as normas impugnadas não constituem a ratio decidendi do despacho recorrido, ou, pelo menos, não consubstanciam o seu único suporte fundamentante, conforme se passa a explicar sumariamente.
5. - Para melhor apreensão da questão importa reter os seguintes elementos que resultam apurados nos autos: Aberto o debate instrutório, o Ministério Público requereu a inquirição de testemunhas indicadas no auto de notícia e na acusação deduzida contra o arguido ora recorrente. Não obstante a oposição do arguido, o Juiz de Instrução Criminal decidiu ouvir as testemunhas, designando data para a inquirição das mesmas, seguindo-se o debate instrutório. Inconformado, o arguido interpôs recurso, que não foi admitido com fundamento na irrecorribilidade da decisão impugnada face ao disposto nos artigos 291º, 399º,
400º, nº1, alínea b), e 414º, nº2, do Código de Processo Penal. Deste despacho, conforme também já se referiu, reclamou o arguido, nos termos do artigo 405º do Código de Processo Penal, vindo a reclamação a ser julgada improcedente, por decisão de 6 de Junho de 2003, que se fundamentou no seguinte:
“[...] II - Estatui o art.º 288°, n.º 4 do CPP ( diploma a que pertencem todas as disposições legais que vierem a ser citadas sem menção de origem) que o juiz investiga autonomamente o caso submetido a instrução, tendo em conta a indicação, constante do requerimento da abertura de instrução, a que se refere o n.º 2 do art° 287°. Dispõe, por sua vez, o art.º 289°, n.º 1 que “a instrução é formada pelo conjunto dos actos de instrução que o juiz entenda levar a cabo [...].' E os actos que o juiz deve levar a cabo são os necessários à comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou arquivar o inquérito ( artºs 286°, n.º 1 e 290°, n.º 1). Por último, determina o art° 290°, n.º 1 que o juiz pratica todos os actos necessários à realização das finalidades referidas no art° 286°, n.º 1. Flui do disposto nos cit. art°s 288° e 289° que os actos de instrução a praticar dependem da livre resolução do juiz. Daí a irrecorribilidade da decisão do juiz que defere ou indefere a realização de actos de instrução requeridos [art° 400°, n.º l, al. b)]. O preceito do art° 291°, n.º 1, 2ª parte, na versão originária reforçava já este entendimento: ao impor ao juiz que indefira, por despacho, os actos que não interessarem à instrução ou servirem apenas para protelar o andamento do processo e pratique ou ordene oficiosamente aqueles que considerar úteis, tal norma inculcava já que “o interesse para a instrução cabe inteiramente ao critério do juiz e este juízo não é susceptível de censura' (Germano Marques da Silva, op. cit., p. 160). E, se dúvidas e hesitações havia, quanto à irrecorribilidade de tal despacho, no domínio da redacção originária do art° 291º - suscitadas pela circunstância de se tratar de um acto intermédio, sendo certo que, por via de regra, não era admissível recurso da decisão instrutória - elas foram dissipadas com o aditamento àquele normativo, pela Lei n.º 59/98, de 25AGO, do adjectivo irrecorrível (o juiz indefere por despacho irrecorrível...).
[...] E contra o despacho que decidiu a prática do acto de instrução em questão poderia o arguido ter reclamado, nos termos do último segmento da norma do n.º 1 do art.º 291º (que não usar do recurso). Não se divisa qualquer razão para que os actos de instrução a praticar antes do debate instrutório dependam da livre resolução do juiz, sendo, pois, irrecorrível a decisão do juiz que ordene realização de tais actos e deixem de o ser, se praticados no decurso do debate instrutório. Antes ou no decurso do debate instrutório, os actos de instrução têm a mesma natureza e finalidade: são “actos de investigação e de recolha de provas ordenados pelo juiz, oficiosamente ou a requerimento, sobre o thema decidendum, em ordem a fundamentar a decisão' (Germano Marques da SILVA, Curso de Processo Penal, III, 1994, p. 159). Ambos - actos de instrução e debate instrutório - se inscrevem na instrução e são dominados pela mesma ideia: comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento (art° 286°, n.º 1). Ponto é que, se praticados no seu decurso, o debate instrutório seja interrompido, tudo se passando, pois, como se a data da sua realização fosse dada sem efeito e se designasse nova data. Com esta ressalva fica a coberto de qualquer juízo de inconstitucionalidade o entendimento da irrecorribilidade da decisão que ordena actos de instrução, mesmo no decurso do debate instrutório.
É este o caso dos autos: reconhecida a necessidade da sua inquirição, foi designado o dia 11MAR03, para inquirição das testemunhas, “seguida de debate instrutório”. Aliás, o arguido não a demonstra, limitando-se a invocar a inconstitucionalidade material das normas dos art°s 291°, n.º 1 e 399°, por violação do disposto no art.º 32°, n.ºs 1, e 5 da Constituição da República, interpretadas “no sentido de que são irrecorríveis quaisquer despachos que, em sede de instrução requerida exclusivamente pelo arguido, ordene, oficiosamente ou não, actos de produção de prova [...], após contraditório'. Não obstante, dir-se-á que o princípio do direito ao recurso das decisões dos tribunais, por forma a que haja um duplo grau de jurisdição, consagrado no art.º
32°, n.º 1 da Lei Fundamenta1, não é absoluto, mesmo em matéria penal. Como pode ler-se no Ac. do TC, n.º 31/87, de 28JAN87 (publicado no DR, II série, de 9FEV87 e BMJ, 363-191), há-de admitir-se que 'essa faculdade de recorrer seja restringida ou limitada em certas fases do processo e que, relativamente a certos actos do juiz, possa mesmo não existir , desde que, dessa forma, se não atinja o conteúdo essencial dessa mesma faculdade, ou seja, o direito de defesa do arguido'. Conclui-se, pois, pela irrecorribilidade do despacho em questão.”
6. - Conforme resulta do teor desta decisão, o fundamento da irrecorribilidade do despacho do juiz radica na aplicação do artigo 400º, nº1, alínea b), do Código de Processo Penal, por se entender que tais actos se enquadram na previsão deste preceito, atento o disposto nos artigos 288º e 289º do mesmo código. Ora, o certo é que o Recorrente não impugna tais normas. Por outro lado, as referências feitas na decisão ao impugnado artigo 291º, nº1, quer na redacção originária, quer na redacção resultante da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, constituem mero obiter dictum, insusceptíveis de, por si só, fundamentar o recurso de constitucionalidade.
7. - Mas mesmo que se considerasse que a decisão recorrida, além das normas dos artigos 288º, 289º e 401º, nº1, alínea b), do Código de Processo Penal, também se fundamentou nas normas dos artigos 291º, nº1, e 399º, daquele diploma, ainda assim não poderia tomar-se conhecimento do recurso, porque o Recorrente não suscitou a inconstitucionalidade de todas as normas aplicadas na decisão recorrida que fundamentaram a decisão de não admissão do recurso; é que, ainda que - por hipótese - fosse declarada a inconstitucionalidade das normas invocadas pelo Recorrente, sempre a decisão recorrida se manteria por via da aplicação das normas dos artigos 288º, 289º e 401º, nº1, alínea b), do Código de Processo Penal, que não foram impugnadas mas que integram o fundamento da decisão recorrida, o que tornaria inútil o recurso de constitucionalidade.”
Ora, não tendo sido expostos quaisquer argumentos, ou razões, que contradigam esta decisão, apenas caberá reafirmá-la.
Em face do exposto, decide-se desatender a reclamação. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 UC.
Lisboa, 3 de Dezembro de 2003
Carlos Pamplona de Oliveira Maria Helena Brito Rui Manuel Moura Ramos