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Procº Nº 263/94
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. A E B foram acusados pelo MINISTÉRIO PÚBLICO na comarca de Viana do Castelo da prática de um crime continuado de abuso de confiança qualificado
(previsto e punível pelo artigo 300º, nºs 1 e 2, alínea a) e b)), em concurso real com um crime de continuado de usura relativa e incapaz (previsto e punível pelo artigo 321º, nº 1), disposições ambas do Código Penal.
Os arguidos, notificados do despacho do juiz que declarou aberta a instrução contraditória - para além de requererem a realização de diligências - levantaram várias questões, algumas de inconstitucionalidade.
Pronunciados pelos crimes por que haviam sido acusados, recorreram os arguidos para o Tribunal da Relação do
Porto que, por acórdão de 13 de Abril de 1994, concedeu parcial provimento ao recurso, mas desatendeu a arguição de inconstitucionalidade.
2. É deste acórdão (de 13 de Abril de 1994) que vem o presente recurso, interposto pelos arguidos ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da constitucionalidade de determinadas normas legais que indicaram no requerimento e que, nas conclusões da alegação, restringiram ao artigo 328º, 2ª parte, do Código de Processo Penal de 1929 e ao artigo 3º do Decreto-Lei nº 605/75, de 30 de Novembro. (Nas referidas conclusões, indicaram também o artigo 1º, nº 3, deste Decreto-Lei, mas tal preceito não consta do requerimento de interposição do recurso).
Neste Tribunal, alegaram os recorrentes, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. A fase processual da instrução contraditória, prevista no artigo 328º do Cód. P. Penal de 1929, é de relevância indiscutível para os arguidos na medida em que pela primeira vez no processo lhes é facultada com grande amplitude a possibilidade de contrariar a acusação e ilidir as provas carreadas pelo MºPº.
2. Em rigor, os termos em que os arguidos requerem a abertura da instrução contraditória é que balizarão tal fase processual, que é dominada pelos factos articulados pelos arguidos, pelos documentos que juntam e pelos meios de prova que requerem.
3. O mitigado prazo de cinco dias estabelecido na 2ª parte do artº 328º do C.P.P. 29 não assegura todas as garantias de defesa do arguido, revelando-se manifestamente insuficiente em vista da recolha e suporte de todos os elementos para apresentação do requerimento de abertura de instrução contraditória, tanto mais que, à data em que os arguidos são notificados da acusação, o processo apresenta já sete anos de tramitação e 1322 páginas.
4. O estatuído na 2ª parte do artigo 328º do C.P.P. 29 choca frontalmente com o especial privilégio que a Constituição consagrou em favor do arguido, no nº 1 do seu artigo 32º, justificando-se, pois, seja declarada a inconstitucionalidade daquele normativo legal.
5. De fls. 2 a fls. 475 dos autos, o Ministério Público apoderou-se da fase processual da instrução preparatória que é da exclusiva competência do Juiz, sendo que, atento o disposto no nº 3 do artigo 1º do Dec. Lei nº 605/75 e artigo
2º do Dec. Lei nº 354/77, não pode reconhecer-se a legalidade, existência e até relevância de todos os actos que assim o MºPº sem qualquer controle levou a cabo.
6. Mesmo que se aceite a possibilidade do inquérito preliminar previsto no artigo 3º do Dec. Lei nº 605/75, o certo é que nem sequer foi alegado o condicionalismo de que tal dispositivo faz depender tal inquérito, que, de qualquer modo, sempre teria que ser entendido em termos absolutamente limitados e reduzidos a um mínimo de diligências, sob pena de se confundir tal possibilidade verdadeiramente excepcional com a fase processual da instrução preparatória.
7. Reconhecer a legalidade e existência de todas as diligências a que o Ministério Público procedeu até fls. 475 do processo, e, nomeadamente, recolhendo livremente diversos depoimentos e carreando muitos documentos, é desprezar em absoluto o princípio da instrução consagrado no nº 4 do artigo 32º da Constituição.
8. A clara regalia que em favor do arguido vem consagrada no nº 4 do artigo 32º da Constituição só pode mostrar-se assegurada se todos os actos processuais que possam fundamentar a acusação por um crime a que corresponde processo de querela forem desde o seu início levados a cabo pelo Juiz, depositário que é dos atributos de independência, imparcialidade e objectividade.
9. O juízo que o Tribunal da Relação seguiu em relação ao disposto no artigo 3º do Dec. Lei nº 605/75, reconhecendo a legalidade e existência das muitas diligências que o Mº Pº realizou até fls. 475 do processo, ofende claramente a garantia fundamental do nº 4 do artº 32º da Constituição, justificando-se que aquele dispositivo legal seja interpretado com o sentido restritivo que se veio de alegar, ou se declare mesmo inconstitucional, acarretando a reforma da decisão do Tribunal da Relação, no sentido de declarar a nulidade de todas as citadas diligências a que o Mº Pº procedeu. Termos em que deve conceder-se provimento ao Recurso, declarando-se a inconstitucionalidade do disposto na 2ª parte, do artigo 328º, do C.P.P. 29 e do artigo 3º, do Dec.Lei nº 605/75, ou, no mínimo, interprete este preceito com o sentido e alcance que se veio de defender.
O Procurador-Geral Adjunto em exercício neste Tribunal concluiu:
1º. No que toca à inconstitucionalidade da segunda parte do artigo 328º do Código de Processo Penal, o presente recurso é processualmente inútil, não devendo dele tomar-se conhecimento, já que a sua procedência apenas levaria a concluir que o arguido poderia ter beneficiado de um prazo mais longo para praticar no processo um acto que, afinal, acabou por realizar atempadamente, de forma válida e eficaz.
2º. Não há que conhecer do recurso na parte que tem por objecto a questão de inconstitucionalidade da norma do artigo 3º do Decreto-Lei nº 605/75, de 3 de Novembro, na redacção dada pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 377/77, de 6 de Setembro, por os recorrentes não terem suscitado tal questão durante o processo.
3º Caso assim não se entenda, não deve julgar-se inconstitucional a norma da segunda parte do artigo 328º do Código de Processo Penal, na parte em que estabelece o prazo de cinco dias para ser requerida a instrução contraditória, dado que não viola o princípio constitucional da plenitude das garantias de defesa do arguido (artigo 32º, nº 1, da Constituição).
4º. Nem deve julgar-se inconstitucional, por violação do artigo 32º, nº 4, da Constituição, a norma do artigo 3º do Decreto-Lei nº 605/75, enquanto admite a possibilidade, nos casos em que há lugar, obrigatoriamente, a instrução preparatória, de o Ministério Público, previamente, proceder a inquérito preliminar.
Ouvidos os arguidos sobre a questão prévia do não conhecimento do recurso, suscitada pelo Ministério Público, vieram dizer que deve ela ser desatendida.
3. Corridos os vistos e, após mudança de relator, cumpre decidir.
II. Fundamentos:
4. Questão prévia do não conhecimento do recurso:
4.1. Para se poder recorrer para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, é necessário, entre o mais, que o recorrente tenha suscitado a inconstitucionalidade de determinada norma jurídica perante o tribunal recorrido, durante o processo (ou seja: em regra, antes de proferida por esse tribunal decisão sobre a matéria a que respeita a questão de constitucionalidade) e que, não obstante essa acusação de ilegitimidade constitucional, tal norma tenha sido aplicada pela decisão de que se recorre.
Verificados estes pressupostos, ao recorrer para o Tribunal Constitucional, há-de o recorrente observar o que se prescreve no artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional, sob pena de o requerimento dever ser indeferido e, não o sendo, de o Tribunal não conhecer do recurso [cf. artigo
76º, nº 1, da dita Lei e acórdão nº 170/90 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 16º, página 353)].
É que, como se assinalou em vários arestos, no mencionado artigo 75º-A, não se impõe aos recorrentes um mero dever de colaboração com o Tribunal: estabelecem-se, sim, requisitos essenciais para que o Tribunal deva conhecer da questão de constitucionalidade que se lhe coloca.
Acresce que, de entre as normas cuja inconstitucionalidade o recorrente suscitou durante o processo, ele pode solicitar ao Tribunal que aprecie sub specie constitutionis apenas algumas delas. Basta-lhe não as indicar a todas no requerimento de interposição de recurso ou, de entre as que aí indicar, não as levar todas às conclusões da alegação que aqui apresentar (cf. artigo 69º da Lei do Tribunal Constitucional e artigo 684º, nºs 2 e 3, do Código de Processo Civil). O que não pode é ampliar aí o objecto do recurso.
O recurso de constitucionalidade desempenha uma função instrumental. Daí que, mesmo verificados os respectivos pressupostos e cumprido pelo recorrente o mencionado artigo 75º-A, o Tribunal só deve conhecer dele, se a sua decisão puder projectar-se utilmente sobre o julgamento do caso de que o mesmo recurso emerge.
É que, de contrário, o Tribunal estaria a julgar questões teóricas ou académicas, proferindo decisões que, no processo, seriam res inutillis [cf. por todos, os acórdãos nº 272/94 (Diário da República, II série, de 7 de Junho de 1994) e 388/93 (por publicar).
4.2. Pois bem: no presente caso - para além de se não poder conhecer da constitucionalidade do artigo 1º, nº 3, do Decreto--Lei nº
605/75, de 3 de Novembro, que, como se disse, não foi sequer indicado no requerimento de interposição do recurso - também não vai conhecer-se da compatibilidade do artigo 3º do mesmo diploma legal com a Constituição.
É que, os recorrentes não suscitaram a inconstitucionalidade de tal norma legal durante o processo; apenas invocaram a existência de nulidade, consistente no facto de o processo conter actos praticados pelo Ministério Público, não obstante a Constituição dispor que toda a instrução é da competência de um juiz.
4.3. O Tribunal vai, porém, conhecer da constitucionalidade da norma que se contém na 2ª parte do artigo 328º do Código de Processo Penal de 1929, que reza assim: Artigo 328º (Requerimento para abertura da instrução contraditória) O requerimento do arguido para abertura da instrução contraditória, no caso referido no nº 2 do § único do mesmo artigo, será apresentado até cinco dias depois da notificação da acusação, devendo articular os factos que pretenda provar, juntando logo todos os documentos que devam ser apreciados, indicando outros meios de prova que queira produzir e oferecendo o rol de testemunhas com a menção dos factos a que devam depor.
Na verdade, se este Tribunal vier a julgar inconstitucional tal norma, na parte cuja constitucionalidade os recorrentes questionaram durante o processo (ou seja, na parte em que nela se fixa o prazo de cinco dias para o arguido requerer a instrução contraditória), proferirá ele uma decisão útil, porque susceptível de alterar o julgamento do caso.
É que, reformado que seja o acórdão recorrido na sequência desse julgamento de inconstitucionalidade (cf. artigo 80º, nº 2, da Lei do Tribunal Constitucional), abrir-se-á, decerto, para os recorrentes a possibilidade de formularem de novo - e em prazo mais alargado - o pedido de diligências de instrução contraditória - e, com isso, a possibilidade de organizarem uma defesa mais eficaz, porque melhor estruturada, melhor documentada e, quiçá, melhor argumentada. Inclusive, eles poderão, eventualmente, requerer diligências que a escassez de tempo de que dispuseram acaso lhes não tenha permitido indicar.
O facto de os recorrentes terem apresentado o requerimento de diligências de instrução contraditória no prazo de cinco dias fixado na lei e de esse requerimento obedecer aos requisitos legais e ser detalhado; e, bem assim, a circunstância de, posteriormente, ainda o terem completado não torna, pois, inútil o julgamento de inconstitucionalidade que, acaso, venha a ser proferido.
Colocados perante a alternativa de correr o risco de apresentar tal requerimento fora de prazo e, depois, não terem qualquer possibilidade de defesa em instrução contraditória, em virtude de a questão da inconstitucionalidade do mencionado artigo 328º, 2ª parte, vir, eventualmente, a ser julgada improcedente, ou apresentar o requerimento no prazo que a lei lhes concedia, invocando tal inconstitucionalidade, os recorrentes optaram, prudentemente, por este último caminho, pois que sempre lhes dava a oportunidade de uma qualquer defesa, ainda que, porventura, não fosse a melhor.
Ora, se a norma em causa vier a ser julgada inconstitucional, a circunstância de os recorrentes terem adoptado a única estratégia processual aconselhada pelo condicionalismo legal em que se moviam - o que, de resto, fizeram sob protesto (ou seja: suscitando logo a inconstitucionalidade da norma legal que os forçava a agir desse modo) - não pode conduzir (contrariamente ao que sustenta o Ministério Público) a que no processo tudo fique na mesma.
De facto, uma tal consequência, a verificar-se, significava que os arguidos só poderiam arguir, com utilidade, a inconstitucionalidade da norma em causa, se se dispusessem a correr o risco de se não poderem defender na fase de instrução contraditória - o que, há-de convir-se, é algo que o sistema processual de um Estado de Direito não pode consentir.
O acórdão recorrido, ao afirmar que a arguição de inconstitucionalidade 'não apresenta qualquer relevância prática, pois que os arguidos exerceram o direito de defesa que no caso lhes cabia, e até beneficiaram da possibilidade de ulteriormente completarem o requerimento
[...]', não pode, pois, ter querido significar que um eventual julgamento de inconstitucionalidade seja irrelevante para a marcha do processo. O que aí tão-só se terá pretendido dizer é que o prazo de cinco dias, cuja constitucionalidade os recorrentes questionam, não se mostrou no caso escasso, por isso que a mencionada norma, na sua concreta aplicação, não seja, do ponto de vista do tribunal recorrido, inconstitucional.
Há, então, que, desatendendo nesta parte a questão prévia suscitada pelo Ministério Público, passar ao conhecimento da questão da constitucionalidade do mencionado artigo 328º, 2ª parte, do Código de Processo Penal de 1929.
5. A questão de constitucionalidade:
5.1. O artigo 328º do Código de Processo Penal de 1929 respeita ao requerimento para a abertura da instrução contraditória.
No caso, está-se perante um processo de querela - um processo em que às infracções por que os arguidos são acusados corresponde pena de prisão por mais de 3 anos ou de demissão (cf. artigo 63º do Código de Processo Penal, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 402/82, de 23 de Setembro).
Neste tipo de processos (sem prejuízo da realização de inquérito preliminar pelo Ministério Público ou por outra autoridade competente), havia sempre lugar a instrução preparatória [cf. artigos 1º, nº 2, do citado Decreto-Lei nº 605/75 (redacção do Decreto-Lei nº 402/82, já citado, e artigo 3º do mesmo diploma legal, na redacção do Decreto-Lei nº 377/77, de 6 de Setembro]; e a esta, seguia-se, obrigatoriamente, a instrução contraditória, como resulta do que se dispõe no artigo 327º do Código de Processo Penal (cf. também o artigo 34º do Decreto-Lei nº 35.007, de 13 de Outubro de 1945), com vista a 'esclarecer e completar a prova indiciária da acusação, e para realizar as diligências requeridas pelo arguido destinadas a ilidir ou enfraquecer aquela prova e a preparar ou corroborar a defesa' (cf. artigo 327º do Código de Processo Penal).
A instrução preparatória, dirigida por um juiz (cf. artigos 159º e 171º do Código de Processo Penal), era secreta (cf. artigo 70º do Código de Processo Penal).
O arguido podia, no entanto, apresentar 'requerimentos de diligências de prova' (cf. o § único do citado artigo 13º, conjugado com o artigo 159º, também citado) e, bem assim, tomar conhecimento das declarações e requerimentos do assistente e dos autos de diligência de prova a que pudesse assistir (cf. o § 1º do artigo 70º citado). Acesso ao processo só o tinha o arguido, após a notificação da acusação (cf. § 2º do artigo 70º).
Finda a instrução preparatória, nos processos de querela, o Ministério Público requeria, no prazo de 8 dias, instrução contraditória (cf. artigos 326º, § único, 327º, 328º, 1ª parte, e 358º do Código de Processo Penal).
No requerimento para abertura de instrução contraditória apresentado pelo arguido, devia este 'articular os factos que pretendia provar, juntando logo todos os documentos que devam ser apresentados, indicando outros meios de prova que queira produzir e oferecendo o rol de testemunhas com menção dos factos a que devam depor' (cf. artigo 328º, parte final).
Este requerimento do arguido, mesmo nos processos de querela, tinha que ser apresentado 'até cinco dias depois da notificação da acusação' (cf. a 2ª parte do citado artigo 328º, conjugado com o que se prescreve no artigo 327º, § único, nº 2, do mesmo Código).
É esta parte do artigo 328º (isto é, a parte em que nele se fixa o prazo de cinco dias para os arguidos requererem diligências de instrução contraditória) que os recorrentes consideram inconstitucional. Entendem eles que esta norma, dada a exiguidade do prazo nela fixado, viola o princípio das garantias de defesa, consagrado no nº 1 do artigo 32º da Constituição.
Será assim?
5.2. O artigo 32º, nº 1, da Constituição dispõe como segue:
1. O processo criminal assegurará todas as garantias de defesa.
O processo penal de um Estado de Direito há-de
'assegurar ao Estado a possibilidade de realizar o seu ius puniendi'; mas há-de também 'oferecer aos cidadãos as garantias necessárias para os proteger contra abusos que possam cometer-se no exercício desse poder punitivo, designadamente contra a possibilidade de uma sentença injusta' (cf. acórdão nº 434/87, publicado no Diário da República, II série, de 23 de Janeiro de 1988 e no Boletim do Ministério da Justiça, nº 371, página 160).
Tal processo há-de ser, assim, um due process of law, no sentido de que, nele, há-de o arguido poder sempre defender-se. Este, o núcleo essencial do princípio da defesa, que, no artigo 32º, nº 1, da Constituição, se proclama.
A este propósito, escreveu-se no acórdão nº 61/88, publicado no Diário da República, II série, de 20 de Agosto de 1988: A ideia geral que pode formular-se a este respeito - a ideia geral, em suma, por onde terão de aferir-se outras possíveis concretizações (judiciais) do princípio da defesa, para além das consignadas nos números 2 e seguintes do artigo 32º - será a de que o processo criminal há-de ser um due process of law, devendo considerar-se ilegítimas, por consequência, quer eventuais normas processuais, quer procedimentos aplicativos delas, que impliquem um encurtamento inadmissível das possibilidades de defesa do arguido.
(Cf. também o acórdão nº 322/93, publicado no Diário da República, II série, de
29 de Outubro de 1993).
Esta cláusula constitucional - que se apresenta com um cunho reassuntivo e residual (relativamente às concretizações que já recebe nos números seguintes do artigo 32º) e que, na sua abertura, acaba por revestir-se de um carácter acentuadamente programático - contém, ao cabo e ao resto, 'um eminente conteúdo normativo imediato a que se pode recorrer directamente, em casos limite, para inconstitucionalizar certos preceitos da lei ordinária (cf. FIGUEIREDO DIAS, in A Revisão Constitucional, o Processo Penal e os Tribunais, p. 51). E contém esse conteúdo normativo imediato, justamente, porque aí se proclama o próprio princípio da defesa e, portanto, inevitavelmente, se faz apelo para o seu núcleo essencial, cuja ideia geral é a de que o processo criminal tem de assegurar sempre ao arguido a possibilidade de ele se defender
(cf também o acórdão nº 186/92, publicado no Diário da República, II série, de
18 de Setembro de 1992).
O princípio das garantias de defesa - afirmou-se no já citado acórdão nº 434/87 - será violado 'toda a vez que ao arguido se não assegure, de modo efectivo, a possibilidade de organizar a sua defesa'; ou seja: sempre que se lhe não dê oportunidade real de apresentar as suas próprias razões e de valorar a sua conduta (cf. acórdão nº 315/85, publicado no Diário da República, II série, de 12 de Abril de 1986).
5.3. Pois bem: o prazo de cinco dias para o arguido requerer diligências de instrução contraditória em processos por crimes graves como são aqueles a que corresponde processo de querela, que não raro são volumosos e muito complexos, nalguns casos, não lhe permite que organize, de modo efectivo, a sua defesa, pois que lhe faltará tempo para ponderar os factos recolhidos durante a instrução preparatória e para, em função dessa reflexão ponderada, apresentar as suas razões e requerer as diligências pertinentes.
Acresce que se não descobre razão para que se fixe tal prazo em cinco dias.
Se o Ministério Público dispõe de 8 dias para o mesmo efeito, não se vê que as necessidades de celeridade processual sejam suficientes para justificar constitucionalmente a redução desse prazo a cinco dias quando se trata do arguido. Até porque o direito do arguido a um julgamento em prazo razoável não pode efectivar-se à custa do seu direito de defesa.
6. Conclusão: No quadro legal em que se inscreve - e é no conjunto desse quadro legal que ela deve ser avaliada (cf., neste sentido,o já citado acórdão nº 186/92, que incidiu sobre uma outra norma processual também relativa a prazos) -, a norma do artigo 328º do Código de Processo Penal de
1929, na parte em que fixa em 5 dias, contados da notificação da acusação, o prazo para o arguido requerer diligências de instrução contraditória em processo de querela, é inconstitucional, pois que conduz a um encurtamento inadmissível das garantias de defesa que o processo criminal deve assegurar.
III. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, decide-se:
(a). Julgar inconstitucional - por violação do artigo 32º, nº 1, da Constituição
- o artigo 328º do Código de Processo Penal de 1929, na parte em que fixa em cinco dias, contados da notificação da acusação, o prazo para o arguido requerer diligências de instrução contraditória em processo de querela;
(b). Conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar o acórdão recorrido, que deve ser reformado em conformidade com o aqui decidido quanto ao julgamento da questão de constitucionalidade.
Lisboa, 23 de Janeiro de 1996 Messias Bento José de Sousa e Brito Bravo Serra Fernando Alves Correia Guilherme da Fonseca (vencido desde logo porque - e aceitando a demarcação do objecto do recurso tal como é feita no acórdão - entendo que deveria ser entendida a questão prévia suscitada pelo Ministério Público e não deveria ser tomado conhecimento do recurso relativamente à norma que se contem na 2ª parte do artigo 328º do Código de Processo Penel de 1929, pelas razões expostas no acórdão deste Tribunal Constitucional nº 333/94, publicado no Diário da epública, II Série, nº 255, de 4 de Novembro de 1994, proferido em hipótese similar à destes autos, com quanto no âmbito do novo Código de Processo Penal, em que o arguido requereu também ao juiz de instrução criminal competente a abertura da instrução, aí se entendendo 'ter de ser considerada inútil e sem qualquer interesse prático' a decisão a proferir sobre a (questão de constitucionalidade') Luis Nunes de Almeida