Imprimir acórdão
Proc. n.º 662/04 Plenário Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional:
I - Relatório
1. Por despacho do Presidente da Câmara Municipal de Vila Pouca de Aguiar, de 1 de Junho de 2004, foi indeferida uma reclamação/protesto apresentada pela Mandatária do Partido Socialista para a eleição dos deputados ao Parlamento Europeu na área do Município de Vila Pouca de Aguiar, relativa à constituição das mesas de voto em três freguesias daquele Concelho. É o seguinte o seu teor:
“De acordo com a informação anexa que se alicerça em depoimentos dos Senhores Presidentes das Juntas de Freguesia de Alfarela, Telões e Pensalvos as pessoas que se apresentaram como delegados do Partido Socialista não apresentaram quaisquer credenciais, apesar de as mesmas terem sido emitidas e entregues ao representante do Partido, pela Câmara Municipal. Por tal motivo não foram admitidos a intervir na reunião de delegados. Os delegados da Coligação “Força Portugal” apresentaram-se em todas as reuniões devidamente credenciados. Não há quaisquer erros ou omissões na elaboração das listas para as mesas das diversas Assembleias de Voto, nomeadamente, nas freguesias de Alfarela, Telões e Pensalvos. Do averiguado resulta, isso sim, ter havido negligência do Partido Socialista na entrega das credenciais aos respectivos delegados. Pelo exposto, e, verificado que está o cumprimento de todas as disposições legais e regulamentares, outra solução não resta que indeferir o protesto/reclamação da Exmª Sra. Mandatária do Partido Socialista.”
2. Do processo, que começou a dar entrada neste Tribunal, por telecópia, às quinze horas e seis minutos do dia 7 de Junho de 2004, consta um relatório de transmissão de páginas enviadas por telecopiador (fls. 14) de onde se pode deduzir que aquele despacho foi notificado à Mandatária do Partido Socialista para a eleição dos deputados ao Parlamento Europeu na área do Município de Vila Pouca de Aguiar, também por telecópia, às dezasseis horas e três minutos do dia
1 de Junho de 2004.
3. Do mesmo processo consta ainda um outro relatório de transmissão de páginas enviadas por telecopiador (fls. 12) de onde se pode concluir que, no dia 2 de Junho de 2004, às vinte e uma horas e trinta e três minutos, deu entrada na Câmara Municipal de Vila Pouca de Aguiar um recurso daquele despacho de 1 de Junho para o Tribunal Constitucional. Alega a citada Mandatária, a concluir:
“A - As diligências de prova e demais averiguações, levadas a efeito pela Câmara Municipal, foram demasiado insuficientes para o apuramento da verdade do sucedido; B - Os delegados do Partido Socialista possuíam credenciais legais e foram impedidos de participar sob o motivo de que as suas credenciais não serviam para aquele acto das constituições das mesas; C - O Ex.mo Sr. Presidente da Câmara Municipal autenticou à Coligação Força Portugal dois tipos de credenciais, umas específicas para as constituições das mesas e outras para as Assembleias de voto, e respectivas secções; D - O Ex.mo Sr. Presidente da Câmara Municipal autenticou credenciais
(Credenciou) as pessoas que sendo da coligação Força Portugal, não são, porém, seus delegados. E- Foram violadas entre outras as seguintes normas: Artigos 46º e 47º da Lei eleitoral, basilares princípios jurídico fundamentais do estado de direito democrático e os Princípios Gerais de Direito Eleitoral Constitucionalmente reconhecidos. F - A constituição das referidas mesas nos termos referidos supra constitui nulidade insanável”.
II – Fundamentação
4. O recurso, como vai sumariamente ver-se, é extemporâneo.
4.1. Na verdade, de acordo com o disposto no artigo 102º-A da Lei n.º 28/82, de
15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional - LTC), o processo relativo ao contencioso eleitoral no âmbito da eleição para o Parlamento Europeu é regulado pela respectiva lei eleitoral. Não contendo esta Lei (Lei n.º 14/87, de 29 de Abril) normas sobre o recurso de actos de administração eleitoral, constata-se que o recurso do despacho do Presidente da Câmara de Vila Pouca de Aguiar, ora recorrido, apenas pode ser regulado, por força do disposto no n.º 7 do artigo
102º -B da LTC, pelas normas constantes dos números 1 a 6 daquele mesmo artigo. Assim, de acordo com o estatuído no n.º 2 do citado artigo, o prazo para a interposição do recurso é de um dia a contar da data do conhecimento pelo recorrente da decisão impugnada, sendo certo que tal se justifica, pelas particulares razões de celeridade que, na fase do processo eleitoral em que se procede à designação dos membros das mesas, se torna necessário assegurar, sob pena de inviabilização do normal decurso das operações eleitorais.
Ora, no caso dos autos, a recorrente tomou conhecimento da deliberação impugnada
às dezasseis horas e três minutos do dia 1 de Junho de 2004, momento em que funcionou a transmissão da telecópia do ofício com o despacho do Presidente da Câmara. Com efeito, à notificação daquele despacho do Presidente da Câmara, que
é acto administrativo, é aplicável o disposto no artigo 70º do Código do Procedimento Administrativo, segundo o qual as notificações podem ser feitas por telefax, se a urgência do caso recomendar o uso de tais meios (n.º 1, alínea c)), não carecendo tal notificação de confirmação, considerando-se, assim, feita naquela data (conforme decorre, por maioria de razão, do nº2 daquele artigo
70º).
4.2. Tendo a notificação do despacho recorrido ocorrido no dia 1 de Junho, o prazo de um dia para a interposição do recurso terminou no dia seguinte (já que o dia da notificação não se inclui na contagem (alínea a) do artigo 72º do CPA), ou seja, no dia 2 de Junho. Na quarta-feira, dia 2 de Junho, os serviços da Câmara Municipal de Vila Pouca de Aguiar estiveram abertos ao público até às 17 horas e 30 minutos, conforme é geralmente conhecido.
Ora, no caso dos autos, tendo o requerimento de interposição do recurso de ser apresentado na Câmara Municipal de Vila Pouca de Aguiar para, depois de devidamente instruído, ser remetido ao Tribunal Constitucional, sempre haverá que concluir pela aplicação da regra específica sobre a matéria constante do n.º
1 do artigo 171º da Lei n.º 14/79, de 16 de Maio (Lei Eleitoral para a Assembleia da República - legislação subsidiariamente aplicável, nos termos do artigo 1º da Lei Eleitoral para o Parlamento Europeu), segundo o qual, “quando o acto processual [...] envolva a intervenção de entidades ou serviços públicos, o termo dos prazos respectivos, considera-se referido ao termo do horário normal dos competentes serviços ou repartições.”
Assim sendo, foi às 17 horas e 30 minutos do dia 2 de Junho de 2004 que terminou o prazo para recorrer, pelo que nenhuma dúvida existe de que nunca poderia ser considerada uma entrada na Câmara Municipal posterior àquela hora, fosse qual fosse a via de comunicação utilizada. O recurso foi, portanto, interposto fora de prazo.
4.3. Esta solução, justificada pelas particulares razões de celeridade que se impõem nas diferentes fases do processo eleitoral, vem, aliás, na sequência de anterior jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a matéria. Com efeito, não só assim se decidiu no Acórdão n.º 478/95 (disponível na página Internet do Tribunal Constitucional em http://www.tribunalconstitucional.pt/jurisprudencia.htm), como do mesmo modo se fez, mais recentemente, nos Acórdãos n.ºs 287/02 e 356/02, também disponíveis naquela página.
Na verdade, como se afirma nestes últimos acórdãos, “a celeridade do contencioso eleitoral exige uma disciplina rigorosa no cumprimento dos prazos legais, sob pena de se tornar inviável o calendário fixado para os diversos actos que integram o processo eleitoral; e [...] essa celeridade implica a impossibilidade de aplicação de diversos preceitos contidos no Código de Processo Civil, directa ou indirectamente relacionados com prazos para a prática de actos pelas partes.
[...] Assim, e a título de exemplo, o Tribunal Constitucional já teve a ocasião de afirmar que aquelas especialidades afastam a possibilidade de invocação do justo impedimento (cfr. Acórdão n.º 479/2001, publicado no Diário da República, II Série, de 28 de Novembro de 2001), ou do regime previsto no n.º 1 do artigo
150º do Código de Processo Civil (redacção anterior à resultante do Decreto-Lei n.º 183/2000, ainda vigente) segundo o qual, em caso de utilização do correio, os actos se consideram praticados na data em que foi efectuado o registo postal
(cfr. Acórdãos nºs 510/2001, 1/2002, 6/2002 ou 17/2002, publicados no Diário da República, II Série, respectivamente, de 19 de Dezembro de 2001, 29 de Janeiro de 2002, 30 de Janeiro de 2002 e 22 de Fevereiro de 2002))”.
E nem se diga que tal solução deveria ceder perante o disposto nos artigos 143º, n.º 4 e 150º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil. É que, mesmo que se entendesse que os mesmos seriam aplicáveis a actos a praticar junto das câmaras municipais, não só a solução não teria aplicação no caso concreto, em virtude de existir lei especial sobre a matéria – o n.º 1 do artigo 171º da Lei n.º 14/79, de 16 de Maio -, como sempre haveria razões (constantes dos acórdãos citados) para não transportar tal regra para este contencioso eleitoral. Aliás, o artigo
172º-A do mesmo diploma é expresso ao determinar que o disposto no Código de Processo Civil só se aplica aos actos que impliquem intervenção de qualquer tribunal, quando a matéria não estiver regulada naquela Lei.
Pelo exposto, há que considerar que o presente recurso é extemporâneo, pelo que dele não pode este Tribunal conhecer.
III - Decisão
Nestes termos, decide-se não tomar conhecimento do recurso.
Lisboa, 9 de Junho de 2004
Gil Galvão Carlos Pamplona de Oliveira Bravo Serra Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Maria Helena Brito Vítor Gomes Artur Maurício Maria Fernanda Palma (vencida nos termos da declaração de voto junta) Mário José de Araújo Torres (vencido, nos termos da declaração de voto junta) Rui Manuel Moura Ramos (vencido, pelo essencial das razões constantes das declarações de voto dos Senhores Conselheiros Maria Fernanda Palma e Mário de Araújo Torres).
Declaração de voto Votei vencida o presente Acórdão por entender que o recurso de que ele não tomou conhecimento não foi extemporâneo. Em meu entender, o prazo para a interposição do recurso só terminou às vinte e quatro horas do dia 2 de Junho de 2004 (e é certo que tal recurso deu entrada na Câmara Municipal de Vila Pouca de Aguiar antes, às vinte e uma horas e trinta e três minutos). Tal como se conclui no Acórdão, o prazo de um dia para a interposição do recurso previsto no artigo 102º-B, nº 2, da Lei do Tribunal Constitucional só começa a correr no início do dia seguinte do acto impugnado, visto que o próprio dia da notificação se não inclui na contagem por força da alínea c) do artigo 72º do Código do Procedimento Administrativo, cujo regime é coincidente com o do artigo
279º, alínea b), do Código Civil. A questão crucial que se coloca quanto ao termo do prazo e justifica o meu dissentimento é a de saber se se aplica o disposto no artigo 171º, nº 1, da Lei nº 14/79, de 16 de Maio (Lei Eleitoral para a Assembleia da República), que determina que “quando o acto processual previsto na presente lei envolva a intervenção de entidades ou serviços púbicos, o termo dos prazos respectivos considera-se referido ao termo do horário normal dos competentes serviços ou repartições”. Ora, em minha opinião, tal regime não se aplica no caso vertente pelas seguintes razões: a) Em primeiro lugar, porque reduziria o prazo de um dia, coincidente com o de
24 horas de acordo com a alínea d) do artigo 279º do Código Civil, a apenas algumas horas – tantas quantas corresponderem ao horário do serviço ou da repartição, que aliás podem estar abertos só durante a manhã ou durante a tarde; b) Em segundo lugar, porque esquece a razão de ser da própria norma do artigo
171º, nº 1, da citada Lei nº 14/79, a qual pressupõe como meio de prática do acto processual a intervenção do seu autor (por si mesmo ou através de “núncio”) e, correspondentemente, a intervenção de um funcionário ou agente do serviço ou repartição, cuja presença não pode ser dispensada; c) Em terceiro lugar, porque preconiza uma injustificável interpretação extensiva da norma do citado nº 1 do artigo 171º da Lei nº 14/79 – justamente por ignorar o elemento teleológico –, confundindo “intervenção de entidades ou serviços públicos” com entrega, por qualquer meio, do recurso nas instalações de umas e outros; d) Em quarto lugar, porque ignora o regime introduzido nos artigos 143º, nº 4, e 150º, nº 2, alínea c), do Código de Processo Civil, do qual resulta que os actos processuais comunicados por telecópia podem ser praticados até às 24 horas do dia em que termina o prazo (sendo de observar que o Código de Processo Civil se aplica subsidiariamente ao contencioso eleitoral, por força do artigo 172º-A da Lei nº 14/79). Na realidade, o presente Acórdão não julgou aplicável o regime previsto no Código de Processo Civil a actos comunicados através de telecópia porque considerou, por certo, que as normas do Código de Processo Civil se não aplicam ao contencioso eleitoral, tendo em conta as especificidades deste. Todavia, este entendimento é equivocado porque ignora que o regime do Código de Processo Civil se justifica, precisamente, por estar em causa um acto que não envolve a intervenção dos serviços do próprio tribunal. Ora, esta intervenção dispensa-se no caso sub judicio, em que o recurso foi expendido por telecópia. Por isso, repete-se, não há lugar à aplicação do nº 1 do artigo 171º da Lei nº
14/79. Pela mesma razão, aplica-se o regime do Código de Processo Civil, não se vislumbrando qualquer especialidade do contencioso eleitoral que conduza à conclusão contrária. Aliás, mesmo que o regime do Código de Processo Civil não estivesse explicitado, a norma do nº 1 do artigo 171º da Lei nº 14/79 continuaria a ser inaplicável, quer pela sua letra quer pelo seu espírito. E, nessa hipótese, dever-se-ia concluir ainda que o prazo para a prática de acto comunicado por telecópia expresso em dias terminaria às vinte e quatro horas do último dia, por aplicação pura e simples da própria norma que estabelece o prazo. A circunstância de o Tribunal ter vindo a adoptar uma orientação eventualmente diversa da que propugno nesta declaração (e da que eu própria subscrevi em ocasiões anteriores) não me parece obstáculo decisivo a uma mudança de jurisprudência, que uma leitura das normas jurídicas aplicáveis ao caso impõe. Maria Fernanda Palma
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencido, por entender que o presente recurso foi tempestivamente interposto, pelo que devia o Tribunal Constitucional tomar conhecimento do seu objecto.
1. Nos termos dos n.ºs 2 e 7 do artigo 102.º-B da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), o prazo de interposição do recurso é de 1 dia a contar da data do conhecimento pelo recorrente da decisão do órgão da administração eleitoral objecto de impugnação. No cômputo dos prazos são aplicáveis, salvo disposição especial, as regras do artigo 279.º do Código Civil, das quais deriva que nessa contagem não se inclui o dia em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr e que o prazo termina às 24 horas do último dia do prazo (alíneas b) e c) desse preceito, sendo entendimento corrente o de que a regra desta última alínea também se aplica aos prazos fixados em dias).
Entendeu-se, porém, no precedente acórdão que ao caso era aplicável a “regra específica sobre a matéria” constante do n.º 1 do artigo
171.º da Lei n.º 14/79, de 16 de Maio (Lei Eleitoral para a Assembleia da República), na redacção da Lei n.º 14-A/85, de 10 de Julho – subsidiariamente aplicável às eleições para o Parlamento Europeu, nos termos do artigo 1.º da Lei n.º 14/87, de 29 de Abril, na redacção dada pela Lei n.º 4/94, de 9 de Março –, nos termos do qual:
“1. Quando qualquer acto processual previsto na presente lei envolva a intervenção de entidades ou serviços públicos, o termo dos prazos respectivos considera-se referido ao termo do horário normal dos competentes serviços ou repartições.”
A formulação literal do preceito – que não utiliza as fórmulas habituais de o acto ter de ser praticado em juízo (alínea e) do artigo
279.º do Código Civil) ou perante o serviço público (alínea c) do n.º 1 do artigo 72.º do Código do Procedimento Administrativo – CPA) –, ao aludir explicitamente à circunstância de o acto em causa implicar o envolvimento de entidades ou serviços públicos através de uma intervenção dessas entidades ou serviços, logo inculca que se pretendeu contemplar as situações em que a prática do acto determina o desenvolvimento de uma actividade desses entes públicos, e não já os casos em que os serviços funcionam como mera instância de recepção de documentos. Isto é, visa situações – como, por exemplo, a prevista no artigo
23.º, expressamente referida no n.º 2 do citado artigo 171.º, relativa à apresentação de candidaturas, em que, nos termos do n.º 1 do artigo 26.º, logo após o termo do prazo para apresentação de listas, o juiz tem de determinar a afixação das respectivas cópias à porta do tribunal –, nas quais, impondo-se o desenvolvimento imediato, na sequência da prática do acto, de uma actividade das entidades ou serviços públicos envolvidos, se compreende a determinação de que essa prática ocorra até ao termo do horário normal dos competentes serviços ou repartições. Daqui derivaria, pois, a não aplicabilidade da regra do citado artigo 171.º ao presente caso.
Mas mesmo que assim se não entenda, não se pode ignorar que, quer à data da publicação da Lei n.º 14/79, quer mesma à data da alteração introduzida no seu artigo 171.º pela Lei n.º 14-A/85 – isto é, em 1979 ou em
1985 –, não estava prevista nem regulada a prática de actos ou a apresentação de documentos, quer nos tribunais, quer na generalidade dos serviços públicos, a não ser através da entrega física dos correspondentes suportes escritos.
Só pelo Decreto-Lei n.º 28/92, de 27 de Fevereiro, foi generalizado o recurso à telecópia na transmissão de documentos entre serviços públicos (até aí limitado ao âmbito dos serviços dos registos e do notariado, onde fora introduzido pelo Decreto-Lei n.º 54/90, de 13 de Fevereiro), e permitido, pela primeira vez, o seu uso pelas partes ou outros intervenientes em processos judiciais de qualquer natureza.
A questão da contagem de prazos para a prática de actos nos processos eleitorais quando é utilizado a telecópia é, assim, questão que o artigo 171.º da Lei n.º 14/79, alterada em 1985, não podia prever e, consequentemente, não regulou. Tratando-se, pois, de matéria não regulada nesse diploma, há que aplicar, ou analogicamente, ou por força da remissão efectuada pelo subsequente artigo 172.º-A (caso se entenda que o acto de entrega de petição de recurso para o Tribunal Constitucional, apesar de efectuado perante o
órgão de administração eleitoral recorrido, é um acto que implica a intervenção de um tribunal), o disposto no Código de Processo Civil (CPC).
Ora, hoje em dia, é inequívoco não só que “as partes podem praticar os actos processuais através de telecópia ou por correio electrónico, em qualquer dia e independentemente da hora da abertura e do encerramento dos tribunais” (artigo 143.º, n.º 4, do CPC, aditado pelo Decreto-Lei n.º 183/2000, de 10 de Agosto), como também que quando o acto é praticado por “envio através de telecópia, [vale] como data da prática do acto processual a da expedição” (artigo 150.º, n.º 1, alínea c), do CPC, na redacção do Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro).
Em face do exposto, terminando às 24 horas do dia 2 de Junho de 2004 o prazo de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional e sendo incontroversa a admissibilidade do envio por telecópia da respectiva petição, independentemente do “horário de funcionamento” do serviço destinatário, o envio efectuado às 21h33 desse dia 2 de Junho não pode deixar de ser considerado como tempestivo, sendo inaplicável a regra do artigo 171.º, n.º
1, da Lei n.º 14/79, quer por o acto praticado não “envolver a intervenção” (na acepção atrás assinalada) de entidades ou serviços públicos, quer por essa norma apenas contemplar, atenta a época da sua emissão, situações de entrega física de documentos em suporte escrito.
2. Nem se diga, como se faz no precedente acórdão, que o entendimento nele sustentado é justificado pelas “particulares razões de celeridade que se impõem nas diferentes fases do processo eleitoral”, “sob pena de se tornar inviável o calendário fixado para os diversos actos que integram o processo eleitoral”.
Não se nega que em determinadas e específicas situações assim será. No entanto, a eventualidade da existência de casos desse tipo não justifica a acrítica extensão de um entendimento rigoroso das regras de contagem de prazos a situações onde nenhum prejuízo para a celeridade do procedimento advirá com a adopção de critérios menos estritos. No presente caso, mesmo que a entidade recorrida tivesse actuado com a devida diligência – o que injustificadamente não ocorreu, pois, recebida a petição de recurso às 21h33 do dia 2 de Junho, só a fez chegar ao Tribunal Constitucional às 15h06 do dia 7 de Junho –, a petição de recurso, devidamente instruída, só poderia ser objecto de distribuição no Tribunal Constitucional em 3 de Junho de 2004, sendo obviamente irrelevante, neste contexto, que a petição tenha sido apresentada às 21h33, em vez de até às 17h30, do referido dia 2.
Isto é, no presente caso, o “atraso” de 4 horas que a posição que fez vencimento considerou determinar inexoravelmente a extemporaneidade do recurso e inviabilizar o conhecimento do seu objecto, em nada afectou a celeridade do processo eleitoral, nem inviabilizou o calendário fixado para as diversas operações, tendo o Tribunal Constitucional começado a apreciar o recurso – apesar do atraso de vários dias exclusivamente imputável aos serviços da entidade recorrida – em tempo de proferir, com utilidade, decisão de mérito.
3. Também não se pode deixar de assinalar a duplicidade de tratamento conferido ao órgão da administração eleitoral e ao recorrente.
As notificações das decisões daquele órgão, atenta a urgência do caso, podem ser feitas por telegrama, telefone, telex ou telefax, sem qualquer limitação de horário, considerando-se a notificação feita na data da primeira comunicação (artigo 70.º, n.ºs 1, alínea c), e 2, do CPA). No presente caso, aliás, considerou-se como data relevante da notificação
(efectuada por telecópia para o domicílio profissional da mandatária do recorrente, que é advogada) o momento da mera possibilidade do seu conhecimento.
Este critério mostra-se idóneo a produzir resultados absurdos, como, por exemplo, se, efectuada a notificação por telecópia às 23h00 do determinado dia, se considerar que o prazo de 1 dia (que, por definição, é superior ao prazo de 24 horas, já que no cômputo daquele não se conta o dia da produção do evento) termina às 17h30 do dia seguinte, sem, portanto, se perfazerem sequer as 24 horas.
“Levando a sério” – como cumpre a todos os tribunais e em especial ao Tribunal Constitucional – a regra da preferência pelas decisões judiciais de mérito em detrimento das decisões de mera forma, como componente fundamental da tutela jurisdicional efectiva dos direitos e interesses legítimos dos cidadãos, exigida pelo princípio do Estado de direito democrático, nada justificava, a meu ver, a prolação, no presente caso, de uma decisão de não conhecimento do objecto do recurso. Mário José de Araújo Torres